Africanidades e Educação em Mato Grosso
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Blairo Borges Maggi
Governador do Estado
Ságuas Moraes Sousa
Secretário de Estado de Educação
Rosa Neide Sandes de Almeida
Secretária Adjunta de Políticas Educacionais
Aidê Fátima Campos
Superindente de Educação Básica
Ângela Maria dos Santos
Gerente de Diversidade
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Paulo Alberto Santos Vieira
Africanidades e Educação em Mato Grosso
Ângela Maria dos Santos
Jacqueline Costa da Silva
Maristela Guimarães
(Orgs.)
KCM Editora
Cuiabá/MT
2009
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© 2009. KCM Editora & Distribuidora Ltda.
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Sumário
Apresentação.............................................................................................7
Prefácio.......................................................................................................9
No tabuleiro da negra: cotidiano da população negra
na Vila Bbela Seticentista (1772-1789) .....................................14
João Bosco da Silva
Da teoria do branqueamento às relações étnico-raciais
no cotidiano escolar .......................................................................36
Ângela Maria dos Santos
Desafios no universo das relações étnico-raciais: a história
da África e de afro-brasileiros no ensino superior
em Mato Grosso..............................................................................61
Nauk Maria de Jesus
Relações raciais na escola: percepções das famílias negras ............80
Ivone Jesus Alexandre
Discutindo a discriminação racial numa escola de
Novo Horizonte do Norte – MT.................................................99
Carlos Aparecido Paulino
Ausência da construção da identidade racial da criança
negra no contexto escolar .......................................................... 118
Michelangelo Henrique Batista
O campo de possibilidades na trajetória de alunos
negros do ensino médio .......................................................... 138
Lori Hack de Jesus
O silêncio oficial sobre a escolarização de crianças negras
na primeira república em Mato Grosso................................... 159
Paulo Divino Ribeiro da Cruz
Ivonete Costa Vila
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Raça, educação e universidade: duas dimensões das políticas
de ação afirmativa presentes nos debate.................................. 176
Paulo Alberto dos Santos Vieira
Cor em movimento: um estudo de caso sobre a vida cotidiana
de jovens e adultos negros do projeto pré-vestibular gerido
pela UNEMAT no município de Cáceres – MT .................. 194
Jacqueline da Silva Costa
Significado do que é ser universitário para alunos
negros da UFMT ......................................................................... 217
Cássia Fabiane dos Santos Souza
Dados sobre dos/as autores/as ........................................................ 240
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
Apresentação
O presente livro é resultado de uma proposta do Núcleo de
Estudos sobre Educação, Gênero, Raça e Alteridade da UNEMAT
– NEGRA/UNEMAT juntamente com a Secretaria de Estado de
Educação do Mato Grosso, com o objetivo de reunir algumas pesquisas sobre relações raciais e educação, realizadas na rede pública de
ensino.
Sabemos que o contexto escolar é marcado por variadas formas de relações desiguais, fruto de uma sociedade que ainda não foi
educada para conviver com a diversidade. Em se tratando das questões
étnico-raciais, temos nos preocupados em garantir que sejam desconstruidas práticas e comportamentos preconceituosos em relação à cor
e/ou origem étnica das pessoas que integram o espaço escolar.
É importante destacar que vários esforços têm se dado para garantir a inclusão das questões raciais conforme prevê a Lei 10.639/03 e
orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Nesse contexto, aponto a importância da Conferência
Estadual de Educação realizado em Maio/2006, na qual constituiu o
Grupo de Trabalho Educação das Relações Étnico-Raciais que aprovou proposições de políticas educacionais para educação das relações
étnico-raciais, encaminhado e aprovada pela Assembléia Legislativa.
Da mesma forma deve-se considerar o Parecer do CEE
204/2006 que orienta no Estado implementação da Lei 10.639/09.
Ressalto ainda, a existência de uma Gerência na estrutura da SEDUCMT, para tratar das demandas educacionais relativas ao ensino da história
e cultura afro-brasileira e africana e além, de outras diversidades ocupase da Educação Quilombola. Por último, cito a Portaria n. 260/2008
que cria O Fórum Permanente Estadual de Educação e Diversidade
Étnico-Racial, com a finalidade de acompanhar, avaliar e propor as políticas no Estado para a implementação da Lei 10.639/03.
Entendemos que o conhecimento sobre a realidade das relações étnico-raciais no contexto escolar é de grande relevância no
auxílio de proposição de políticas educacionais, principalmente por
traçar um panorama de como se dão nas escolas as relações entre
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negros e não-negros. Ainda nos permite pensar a complexidade e
riqueza da abordagem educação e africanidades.
Nessa perspectiva, que apresentamos esta coletânea, como mais
um recurso para conhecermos a realidade das relações étnico-raciais
nas escolas do Estado de Mato Grosso, considerando que a maioria
das pesquisas são sobre o cotidiano escolar. Outras questões abordadas
são sobre a história do negro no Estado, história da educação do negro e ações afirmativas.
A nossa intenção é que o professor a par desse material reflita
sobre o contexto das relações étnico-raciais na escola em que está
inserido, exerça uma postura de professor-pesquisador, identificando
as problemáticas que se apresentam na interação entre alunos e no
processo de ensino-aprendizagem. Resultando em ações que coíbam
práticas discriminatórias e desencadeia práticas pedagógicas que eduque para as relações étnico-raciais.
Por fim, desejamos a todos e todas uma profícua leitura e desencadeamento de ações pedagógicas e mudanças curriculares que
garantam o desenvolvimento da educação que desconstrua o racismo
e afirme a diversidade étnico-racial, em consonância com as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
Ságuas Moraes Sousa
Secretário de Estado de Educação
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
Prefácio
Pesquisar sobre as questões raciais na educação, para além do
rigor e importância cientifica da temática, tem um profundo compromisso social, particularmente com os negros e negras que buscam
no sistema de ensino a formação para a cidadania.
Muitas pesquisas realizadas nos diversos campos da educação,
têm possibilitado conhecermos sobre a realidade das relações raciais
no espaço escolar, como veiculações de preconceitos e estereótipos
em livros didáticos; discriminações nas interações entre os sujeitos
da comunidade escolar; deturpação e/ou silêncio sobre a história e
cultura negra, entre outros.
Várias outras pesquisas também, abordam a importância do
negro à formação brasileira em seu aspecto histórico, econômico e
cultural (material e imaterial), apresentando as formas de lutas e protagonismos dos negros africanos e seus descendentes, contra o sistema
escravista; participação e reminiscência africana e afro-brasileira na
formação do país, que caracteriza em muitos aspectos o jeito de ser
brasileiro; na produção de conhecimento presente na ciência, linguagem, religião, valores, estética, literatura, arte, música e outros, que
passaram a ser usufruídos por todos nós, constituindo assim, elementos do patrimônio nacional.
Conjuntamente, esses estudos têm demonstrado a real necessidade de uma educação que favoreça aprendizagens para o respeito
e convívio com a diversidade étnico-racial, a inclusão de conteúdos
sobre a história e cultura afro-brasileira e africana, conforme estabelece
a Lei 10.639/03 e as diretrizes curriculares sobre a temática. Para tanto,
somente uma profunda mudança curricular permitirá que todos nós,
tenhamos maiores conhecimentos sobre a nossa própria história, considerando que a história e cultura negra, não dizem respeito somente aos
negros, mas, a todos os brasileiros, independente de sua cor e origem
étnico-cultural. Ainda, permitirá desconstruções de preconceitos e racismo, particularmente, para os alunos negros, possibilitará a afirmação
identitária, através do encontro positivo com suas raízes históricas.
Numa sociedade marcada pela complexidade das relações étnico-raciais, onde ainda vigora a idéia de que a mestiçagem deu conta de
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eliminar os preconceitos e discriminação racial, torna-se uma tarefa de
extrema competência para a educação demonstrar que o preconceito
racial, incide na trajetória escolar dos alunos negros, que a negação e/
ou abordagem errada da participação negra na história e no processo
civilizatório do país, reproduz racismo e estigmas de inferioridade do
negro, consequentemente de tudo que ele criou e (re)elaborou de cultura e demais conhecimentos1.
Assim, as pesquisas que abordem as questões raciais, devem
apontar as possibilidades para mudanças de práticas pedagógicas
visando uma reeducação das relações étnico-raciais e contribuir
para a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana no
currículo escolar.
A coletânea de artigos, aqui apresentada foi organizada, na
esperança de auxiliar a professora e o professor, a quem é destinado esta obra, a refletir sobre temáticas referente as africanidades na
educação e relação étnico-raciais no âmbito escolar. Todos os textos
apresentam riquezas de informações sobre a questão racial, abordam
aspectos teóricos importantes para compreender a temática e contribuir com os/as leitores/as na discussão e embasamento na referida
abordagem da temática.
No artigo inicial desde livro, sob o titulo No tabuleiro da negra: cotidiano da população negra na Vila Bela seticentista, o autor João
Bosco da Silva, numa rica abordagem do cotidiano dos negros e
sua importância na formação de Vila Bela, dando um enfoque para o
trabalho da mulher negra que em pleno período da escravidão. Propicia ao leitor/a embasamentos para abordar o período da escravidão,
1 Entendemos que “uma abordagem errônea sobre o negro na história do Brasil, consiste em exatamente colocar os africanos e seus descendentes sem reação à escravidão e ainda, negar sua capacidade intelectual em criar estratégias de sobreviver a
escravidão, como: organização estruturas paralelas ao sistema vigente ( formação de
quilombos e irmandades, confrontos e fugas variadas, insurreição e levantes contra
os escravistas, compras de alforrias, organização particular de instrução educacional,
e outras) e reelaborar a cultura africana em território estrangeiro, a tal ponto, de
impossibilitar, que se identifique o patrimônio material e imaterial do Brasil, sem
a participação e contribuição dos conhecimentos do segmento negro [...] a maior
problemática é que, a partir de um olhar estigmatizado, contaminado pela idéia
de uma suposta inferioridade dos negros, faz com que não reconheçamos, o valor
civilizatório dos africanos e seus descendentes na formação da nação brasileira, e
com isso, passamos a considerar, que sua cultura e conhecimentos, aqui construídos
e reelaborados, são inferiores, menor que a contribuição dos portugueses”.Ver texto
de Santos, Ângela Maria. Cultura afro-brasileira e educação, 2009.
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
trazendo novas informações sobre a mobilidade social dos negros/
as, ainda no período escravista em Mato Grosso. No texto seguinte,
a autora Ângela Maria dos Santos, faz um trajeto do comportamento
racial brasileiro, com enfoque na política de branqueamento e suas estruturações no processo de educação formal e ainda, como as idéias
racistas se apresentam nas interações sociais no contexto escolar. Finaliza apresentando reflexões para mudanças na prática pedagógica
do/a educador/a.
O artigo subsequente de Nauk Maria de Jesus, sobre o ensino da História da África na universidade, a autora utiliza-se de uma
pesquisa realizada sobre o desconhecimento dos/as acadêmicos/as de
História em relação à Lei 10.639/03 e incongruência dos estudantes
sobre a valor da disciplina sobre a História da África,. Dessa forma a
autora propicia uma reflexão sobre a importância da aplicabilidade da
Lei 10.639/03, apresentando algumas informações de pesquisas realizadas sobre a história do negro em Mato Grosso que, podem colaborar com o educador na investigação e organização de conteúdos curriculares sobre a história afro-brasileira em território matogrossense.
Os quatros artigos seguintes dos autores, Ivone de Jesus Alexandre, sobre a discriminação das crianças negras na escola e a percepção de
seus pais, de Carlos Aparecido Paulino, sobre a abordagem da temática
racial pelos/as educadores/as, de Michelangelo Henrique Batista, a propósito de identidade racial da criança negra na escola, somam informações significativas sobre os mecanismos intraescolares de discriminação
no contexto escolar. Por último, o artigo de Lori Hack de Jesus, que
trata da discriminação racial na trajetória escolar e de vida dos/as estudantes negros no ensino médio.
A soma das três primeiras pesquisas revelam que os alunos
negros: sofrem com situações de discriminação racial e os/as professores/as não conseguem dar um trabalho pedagógico a questão; os pais
embora percebam a problemática, não reagem eficazmente diante da
discriminação sofrida pelos seus filhos na escola; o ambiente escolar
é desfavorável à afirmação da identidade da criança negra; existem
insegurança e contradição do profissional da educação em abordar
as temáticas relativas às questões raciais; e falta de formação dos/as
educadores/as para tratar a temática racial nas escolas e problemáticas
relativas aos preconceitos e discriminação racial que ocorrem com
os/as estudantes negros/as na escola.
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Na abordagem da autora Lori Hack de Jesus, apresenta as experiências dos alunos/as negros/as no ensino médio com o preconceito e discriminação, revelando que a trajetória escolar dos mesmos
é acidentada. Contudo, esses atores percebem a discriminação racial,
procuram apoios de familiares, professores e amigos para continuarem e planejarem o sucesso em suas vidas através dos estudos.
As informações das quatros pesquisas contribuem para sérias
reflexões de como a escola deve tratar com as situações de preconceito e discriminação racial e incluir as temáticas referentes às africanidades, conforme orienta as diretrizes curriculares para educação
das relações étnico-raciais e para o ensino da história e cultura afrobrasileira e africana.
Os autores Paulo Divino Ribeiro da Cruz e Ivonete Costa
Vila, através do artigo, O silêncio oficial sobre a escolarização de crianças
negras na Primeira República em Mato Grosso, trazem dados históricos
da educação em nosso Estado, detectam o silenciamento da presença negra, num período em que o país, traça políticas educacionais
importantes para a população. O texto possibilita refletirmos como
o pensamento racista brasileiro, funciona em nosso país, que é exatamente negar a presença negra na história oficial.
Os artigos que seguem, embora estejam focados no ensino
superior, oferecem respeitáveis contribuições para pensarmos a juventude negra na educação e os resultantes dos impactos da racismo
no Brasil, que provou das desigualdades entre negros e brancos. Os
artigos de Paulo Alberto dos Santos Vieira, Jacqueline da Silva Costa,
separadamente tratam sobre as políticas de ações afirmativas. trata da
Considerando que essa questão está muito presente no contexto educacional, através de discussão e postura política por parte dos professores alunos da educação básica, principalmente no ensino médio.
No artigo Raça, Educação e Universidade: duas dimensões das políticas de ação afirmativa presentes no debate, nos traz um breve histórico das
lutas empreendidas pelo Movimento Negro nesta proposta política,
definições consistentes sobre o que é política de ação afirmativa e os
debates estabelecidos em torno da questão no país. Já em outro artigo,
podemos nos deparar com dados sobre a trajetória de vida de jovens e
adultos, integrantes de um projeto pré-vestibular com recorte étnicoracial, aonde a autora traz a tona que a cor da pele desses sujeitos
incide em suas trajetórias de vida, fazendo com que a busca o ingresso
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
Na universidade, seja uma perspectiva especialmente preponderante
para a mobilidade social. Juntamente, a autora faz uma reflexão sobre
política afirmativa no contexto da Universidade do Estado de Mato
Grosso-UNEMAT.
Já o da autora, Cássia Fabiane dos Santos Souza, com o texto
“Significado do que é ser universitário para alunos negros da UFMT”, identifica com competência metodológica o ingresso dos alunos negros
em alguns cursos da Universidade Federal de Mato Grosso, apresentando as formas de discriminação e preconceito racial vivenciados
pelos universitários e as estratégias utilizados pelos mesmos, para conseguirem estudar e ingressarem na universidade.
Enfim, é com espírito de crença na educação, particularmente nos educadores/as como colaboradores na construção de relações
sociais entre negros e não negros, mais justas e um processo de ensino e aprendizagem mais inclusivo, aonde a prática do professor
pesquisador em sala-de-aula, colabore para desconstruir estereótipos,
estigmas, etnocentrismos, preconceitos e incluir as africanidades, que
prefaciamos esta coletânea, considerando que os conhecimentos por
nós usufruídos e ensinados na educação escolar são produtos de contribuições históricas, culturais e cientificas elaborados por diferentes
grupos étnico-racial e culturais que compõem a humanidade.
Ângela Maria dos Santos
Rosa Neide Sandes de Almeida
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NO
TABULEIRO DA NEGRA: COTIDIANO DA
POPULAÇÃO NEGRA NA VILA BELA SETICENTISTA
(1772-1789)
João Bosco da Silva
Resumo
Objetivo deste trabalho é parte da minha pesquisa de mestrado, no qual busco demonstrar o cotidiano da população negra em Vila
Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso, durante
o governo do 4º capitão general Luis de Albuquerque de Mello e
Pereira e Cáceres (1772-1789). Destacando a forma de viver, pensar
e agir dessas pessoas que contribuíram com o processo de formação
da Vila-Capital de uma das capitanias de profunda importância para
a Coroa portuguesa, pois fazia divisa com as colônias de Espanha na
América.
PALAVRAS-CHAVE: Cidade; Cultura; Negritude;
Abstrat
I aim at of this work is to demonstrate the daily of the black
population in Vila Bela da Santíssima Trindade, first capital of Mato
Grosso, during the 4th general captain’s government Luis of Albuquerque of Mello and Pereira and Cáceres (1772-1789). Detaching
the form of living, to think and to act of those people that contributed with the process of formation of the Town-capital of one of the
captaincies of deep importance to the Portuguese Crown, because
he/she made boundary with the colonies of Spain in America.
KEYWORD: City; Culture; Blackness;
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
Introdução
No século XVIII, na administração de Sebastião José de Carvalho e Mello, ministro de D. José I (1750-1777), sob a influência
da Filosofia das Luzes e buscando garantir o controle efetivo do
império, a Coroa portuguesa, entre outras medidas, ampliou o número de vilas e cidades planificadas nas colônias. Nesse projeto de
expansão urbana estava embutida uma política de austeridade administrativa e financeira que visava tirar Portugal da crise em que vinha se arrastando desde a época da União Ibérica (1580-1680), além
de possibilitar o conhecimento da quantidade exata de pessoas que
nestes espaços habitava o que também passou a ser condição necessária para o sucesso do empreendimento. A Coroa portuguesa passa,
então, a promover uma política de urbanização e planejamento de
núcleos populacionais, nos seus espaços coloniais, notadamente na
África e na América.
No Brasil durante o período pombalino nada menos que
118 vilas e povoados foram planificados sob régua e compasso. Entre
as quais esta Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de
Mato Grosso.
Nessa vila desde sua fundação a população negra sempre foi
superior que a branca, isso não é característica particular desse lugarejo, ao contrário, em muitas cidades mineradoras seticentistas essa é
uma característica peculiar. Que no entender de vários pesquisadores
são verdadeiras “cidades negras”.
Entretanto,Vila Bela da Santíssima Trindade, além de ter desde
sua fundação uma maioria populacional negra, era um espaço fronteiriço entre colônias de Portugal e Espanha.
O objetivo desse artigo é discorrer sobre o cotidiano da população negra e mestiça em Vila Bela da Santíssima Trindade, durante o
governo do 4º capitão general de Mato Grosso, Luis de Albuquerque
de Mello e Pereira e Cáceres (1772-1789). Para tanto recorro a documentos manuscritos, guardados no Arquivo Público de Mato Grosso,
relatos de cronistas e viajantes que nesse lugar esteve e deixaram suas
impressões sobre a primeira capital de Mato Grosso.
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João Bosco da Silva
O surgimento da capitania de Cuiabá e Mato Grosso
e a edificação de vila bela da santissima trindade
A capitania de Cuiabá e Mato Grosso surge com o processo de
desmembramento da capitania de São Paulo pelo Alvará de 9 de maio
de1748. E objetivando assegurar a posse das terras da recém criada capitania, à coroa portuguesa recomenda ao primeiro governador (17481765), D. Antônio Rolim de Moura Tavares, o Conde de Azambuja, que
instalasse a sede político-burocrática na região guaporeana, visto que, esta
parte da nova capitania, fazia divisa com terras de colônias de Castela.
Assim Rolim de Moura o fez. Escolheu o espaço de Pouso Alegre para
edificar Vila Bela da Santíssima Trindade na Repartição do Mato Grosso
para ser a sede da nova capitania.
Inicialmente, as terras que constituíram a capitania de Cuiabá
e Mato Grosso pertenciam à capitania de São Paulo e pelos seus capitães generais era dirigida, porém ao perceber a importância políticoestratégica da região, a Coroa portuguesa se convenceu da necessidade
do desmembramento e criar uma nova capitania mais a oeste da América portuguesa, na fronteira entre as colônias de Espanha.
Como o seu nome indica, reunia duas grandes regiões, a de
Cuiabá e a do Mato Grosso, que se constituíram duas Repartições
distintas: a primeira, cujo núcleo principal era a Vila Real do Bom
Jesus de Cuiabá fundada em 1719, às margens do Córrego da Prainha
e elevada à categoria de vila em 1º de janeiro de 1727, na Baixada
Cuiabana, região do Alto Rio Paraguai; a do Mato Grosso, na bacia do
Alto Guaporé, que a partir de 1751 passa a ter Vila Bela da Santíssima
Trindade, a Vila-Capital, como principal aglomerado urbano.
A maior expectativa da Coroa portuguesa com a criação de
Mato Grosso era garantir a posse efetiva dessas, pois o território que
constituía a recém-criada capitania, de acordo com o Tratado de Tordesilhas (1492), ainda pertencia à Espanha.
Por sua situação fronteiriça é que a nova capitania deveria
ter uma capital em um espaço estratégico e a coroa sugere que seja
edificada na Repartição de Mato Grosso.
Para administrar a Capitania de Mato Grosso foi escolhido
como primeiro Capitão-General D. Antonio Rolim de Moura Tavares, pessoa, na opinião da cora lusitana, de grande zelo e prudência.
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
Rolim de Moura, após analisar vários povoados, escolheu Pouso Alegre, sítio localizado às margens do rio Guaporé, para edificar a
futura sede do governo. Existiam outras localidades na região guaporeana com população mais acentuada que a de Pouso Alegre, entre as
quais São Francisco Xavier, localizada na serra da Chapada de Santana.
Mas a proximidade com um rio navegável, facilitando a comunicação
fluvial com o Grão Pará, via Guaporé-Mamoré-Madeira, fez com que
o Capitão-General escolhesse este local para a instalação da “cabeça
da República” de Mato Grosso.
A Vila-Capital, então, foi erigida em lugar estrategicamente
pensado para garantir a posse da vasta região da Repartição de Mato
Grosso. A sua edificação consolidou o início da ocupação lusitana do
extremo oeste da América portuguesa.
Tal como os novos núcleos coloniais lusitanos do século XVIII,
Vila Bela da Santíssima Trindade foi planejada sob régua e compasso.
Suas ruas simétricas, perpendiculares e em ângulo reto demonstravam a
arte do urbanismo português em terra da Colônia Brasil. Ali foi sediado
o palácio governamental assim como todos os órgãos públicos e administrativos. E se passou a adotar uma política de atração a moradores,
concedendo-lhes uma série de incentivos.
E Vila Bela logo pôde cumprir sua função de núcleo colonizador e abrigar a sede do governo de uma das capitanias mais estratégicas do Brasil, devido às riquezas que possuía, como também por sua
vizinhança com uma região que pertencia à Coroa espanhola. Administrada pelos oficiais da Câmara, ainda em seus primórdios recebeu
um Estatuto ou Código de Posturas (1753), instrumento que passou a
regulamentar a vida dos citadinos.
Compreender a história da Vila-Capital de Mato Grosso é percebê-la como guarnecedora da capitania em um momento em que as
fronteiras ainda estavam por definir. Como também é entendê-la como
símbolo da vitória da arte de planejar núcleos populacionais, numa representação do “bom governo” como aquele que concebe meticulosamente
todos os detalhes do lugar a ser ocupado.
Em 1772 chegou à capital Luis de Albuquerque de Melo Pereira
e Cáceres, quarto Governador e Capitão-General que ali permaneceu
até 1789. Ao longo dos seus dezessete anos de administração, além de
incrementar uma arrojada política de fronteira, dedicou muita atenção
à Vila-Capital, tendo promovido uma série de reformas urbanas.
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João Bosco da Silva
Não é objetivo deste artigo se ater aos pormenores da política
de fronteira ou a reformas urbanas pensadas para Vila Bela da Santíssima
Trindade durante o governo de Luis de Albuquerque, mas sim discutir a
presença e o cotidiano da população negra e mestiça nessa vila e em seu
entorno, durante a administração desse governante.
Negros e mestiços em região de fronteira
Desde seus primórdios a capitania de Cuiabá e Mato Grosso
teve sua maioria populacional ameríndia e negra, tal fato é comprovado
através de várias correspondências enviada por D. Rolim de Moura,
primeiro Capitão-General e Governador desta capitania, às autoridades
de lisboeta. Entre as quais uma chama a atenção da Coroa portuguesa
para a singularidade das regiões de fronteira da Colônia Brasil e sua
importância no contexto político-estratégico colonizador. O mesmo
percebe semelhanças entre as regiões pelo fato de fazer fronteira com
colônias de Castela, chamando atenção para o aumento da população
branca em território fronteiriço, assim diz a correspondência:
Pelo que me parece mais eficaz, próprio às circunstâncias
desde Estabelecimento e aumentar o Mato Grosso é usar
Sua Magestade com o que usou para o Rio Grande e
Santa Catarina, pois é também fronteira, e nos redundará maior prejuízo de se adiantarem os castelhanos por
sua parte do que pela aquela1.
A solicitação de casais brancos para constituir a população de
Mato Grosso no decorrer do século XVIII, foi uma constante, indicando com isso que esse contingente populacional era irrisório nestas terras.
E isso provocava incômodo às autoridades locais, visto que a presença
dessa maioria afro-ameríndia, que na opinião desses governantes fazia
com que a ordem e os valores judaico-cristãos fossem burlados, entre
eles a presença da mancebia, que era combatido nas terras do Mato
Grosso seticentistas, uma vez que a solicitação de casais brancos para
Cuiabá e Vila Bela além de propósitos estratégicos e econômicos tinha
a função de controle social. Pois, na falta de casais brancos a estrutura
familiar acabou por sofrer o impacto da mancebia e da mestiçagem e se
constituiu na população possível para o povoamento. Contornar, compor ou modificar essa realidade esteve na pauta do dia dos governadores
1 Antônio Rolim de Moura, Correspondência.Vol.1. Imprensa Universitária NDIHR,
1983, p.31.
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Africanidades e Educação em Mato Grosso
seticentistas dessa capitania, já que a insistência nos pedidos por migrantes brancos e da instituição legal dos matrimônios era constante.
O ano de 1772 marca o início do governo Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres na capitania de Cuiabá e Mato Grosso.
E, em se tratando de população, em Vila Bela e seus arredores, quando
da sua chegada, de acordo com o Mapa de População de 1772, havia
um total de 4.115 habitantes, distribuídos conforme demonstrado na
tabela a seguir:
Mapa de População de Vila Bela e seus arredores em 1772
População
Famílias ou Fogos
Meninas de 1 a 7 anos de idade
Meninos da mesma idade
Rapazes de 8 a 15 anos
Raparigas de 8 a 17 anos
Homens de 16 a 50 anos
Mulheres de 15 até 50 anos
Homens acima de 50 anos
Mulheres acima de 50 anos
Total de pessoas no ano de 1772
Total de óbitos no ano de 1772
Total de casamentos em 1772
Total de Pessoas
195
274
160
204
120
2.377
528
300
467
4.115
158
157
Fonte: Mapa de População de Vila Bela e seus arredores no ano de 1772.
Vila Bela, 25 de julho de 1773. AHU-ACL-CU. Cx. 17. Doc. 1036.
Nota-se, pois, que dessas 4.115 pessoas, a maioria era de homens entre 16 e 50 anos (quase 2.377) e 18,5% de mulheres. O contingente feminino era bem menor: o total de mulheres entre 15 e 50
anos não chegava a 5282.
Há de se considerar também que a maioria da população vilabelense era formada por negros, índios e mulatos, como afirma o
próprio Luis de Albuquerque em nota ao Secretário da Marinha e
2 Ofício do Governador e Capitão-General da capitania de Mato Grosso Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao secretário de estado da Marinha e Ultramar
Martinho de Melo e Castro com que envia inventário da quantidade e qualidade
da artilharia e munições de guerra existentes na capitania.Vila Bela, 26 de julho de
1773. AHU-ACL- CU. Cx. 17. Doc. 1037.
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João Bosco da Silva
Ultramar Martinho de Melo e Castro no ano de 1773, sendo preciso
observar que três partes dos habitantes são negros, índios ou mulatos3.
Não é de se estranhar tal fato, visto que como a afirma Nogueira e Lamas, uma das marcas que chama mais atenção no espaço
urbano das Gerais seria a existência de verdadeiras “cidades negras”,
com o contingente de africanos e mestiços atingindo indelével superioridade numérica4.
A de se perguntar: Quais as ocupações dessa gente em um
espaço tão urbano, como Vila Bela da Santíssima, que fora edificada
para compor todo um aparato burocrático da capitania, porque a idéia
que ainda perpassa na mentalidade de muitas pessoas é que o trabalho
escravo, seja negro ou ameríndio, era concentrado na zona de lavoura
de agropastoril.
Ocupando-se em variadas funções, o contingente negro, índio
e mulato trabalhava em atividades diversas desde pedreiros, barbeiros,
ambulantes, domésticos, como na companhia de ordenanças de pretos, vendedores ambulantes e taberneiros entre outras atividades.
Como já esclarecido desde sua fundação a população da VilaCapital sempre foi em sua grande maioria afro-ameríndia como comprova uma correspondência de 1752 do então primeiro governador e
capitão general D. Rolim de Moura às autoridades de Lisboa no qual
ele informa que não passava de 60 os moradores brancos do Distrito
de Mato Grosso5.
Era constante a solicitação de famílias brancas para fixar moradia
na capitania, em especial na Repartição de Mato Grosso6.
A presença dessa maioria afro-ameríndia na fronteira muitas vezes suscitava medo no imaginário não só dos administradores
da capitania, mas em toda elite que ali habitava, pois a região que
3 Ofício do Governador e Capitão-General da Capitania de Mato Grosso e Cuiabá
Luis de Albuquerque Pereira de Mello e Cáceres ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro.Vila Bela, 25 de julho de 1773. AHUACL-CU. Cx. 17. Doc. 1036.
4 André Nogueira, André & Fernando Gaudereto Lamas. Algumas considerações sobre a repressão e a punição nas Minas setecentistas http://www.historicaarquivoestado.sp.gov.br.
5 Antonio Rolim de Moura. Correspondências.Volume: 1. Imprensa Universitária. Cuiabá-MT. 1983, p. 56.
6 Jovam Vilela da Silva. Mistura de Cores. Editora da UFMT. Cuiabá-MT, 1995. p. 76,77,
137, 141.
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