SOB AS LENTES DE TORRES
Jaime Luis da Silveira Batista
“Evolução urbana, socioeconômica e cultural sob a ótica
de um acervo fotográfico histórico digitalizado.”
Torres – RS
2012
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JAIME BATISTA
Copyright © 2012 by Batista, Jaime Luis da Silveira
Revisão: Núbia Knabben
Editoração e Impressão: Lorigraf
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B333s Batista, Jaime Luis da Silveira
Sob as lentes de Torres: evolução urbana, socioeconômica e cultural
sob a ótica de um acervo fotográfico histórico digitalizado / Jaime
Luis da Silveira Batista. – Torres: Lorigraf, 2012.
176 p.
1. Torres, RS. 2. História. 3. Aspectos Culturais. 4. Aspectos
socioeconômicos. 5. Fotografia histórica. I. Título.
CDU 94(816.5 Torres)
Catalogação elaborada por Sabrina Diehl Menezes, CRB 10/2086.
1ª Edição
Contato com o autor:
[email protected]
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SOB AS LENTES DE TORRES
Dedico este livro à memória de meu pai,
um grande “professor” da “faculdade” da
vida e contador de histórias, que mesmo
não estando entre nós, foi fonte de
inspiração para esta pesquisa.
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JAIME BATISTA
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SOB AS LENTES DE TORRES
Agradecimentos
Ao nosso Deus, por me conceder paz de espírito e inspiração em momentos
tão importantes no decorrer deste projeto.
Ao prefeito Municipal de Torres, JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO,
ao secretário de Turismo Comércio e Indústria de Torres, RONIEL SANTOS
LUMMERTZ, à secretária de Educação de Torres, ROSA MARIA LUMMERTZ, e
ao vereador da Câmara de Vereadores de Torres, JOSÉ IVAN PEREIRA, que
prontamente incentivaram-me a realizar este trabalho.
Aos meus pais, PAULO (in memoriam) e BERNADETE, por todo o amor,
compreensão e respeito.
A minha esposa TANISE WANDREY, a qual amo muito, que me encoraja e
me dá forças, amparando-me sempre em todos os momentos da minha vida, com
todo seu esforço e dedicação com a nossa família.
Aos meus filhos MARIA LUISA e TALES que são a razão do meu viver, da
minha luta e da minha perseverança.
Ao meu irmão PAULO que representa a união nos momentos importantes.
A meu Avô e padrinho JAYME, agricultor e pescador aposentado que relatou
fatos relevantes do passado de nossa região.
Ao meu tio JOÃO, que juntamente ao meu pai, ensinou-me e inspirou-me o
gosto pela História e também como enfrentar a vida.
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JAIME BATISTA
Aos meus tios e primos que são inúmeros.
Aos meus sogros e cunhados, pessoas que me apoiam e fazem parte da minha
vida.
Aos meus compadres, que acompanham minha trajetória de vida formando
um círculo de união.
Aos meus amigos eternos ANDREIA E MAURO POLICARPO, que
comungam a alegria ou a tristeza, verdadeiros irmãos espirituais testemunhas dos
momentos mais importantes da minha família.
Ao “pescador de ilusões” JOÃO BARCELOS (in memoriam), pessoa ímpar
da História de Torres, que transmitiu suas experiências através dos seus relatos e
artigos, que foram de grande importância para a realização desta pesquisa.
A JOVITA ESQUINA, a qual a considero minha mentora, no que tange os
aspectos culturais, que nos foca de Torres ao mundo.
Ao professor e orientador Mestre ARILTON TEIXEIRA, no qual me espelho,
por seu dedicado trabalho, por sua luz, inspiração e apoio, qualidades que resultaram
em meu conhecimento para o êxito desta pesquisa.
Aos meus colegas professores, aliados em prol de uma eficiente educação
para nossas crianças e adolescentes.
Aos meus companheiros músicos que dividiram comigo os “palcos da vida”,
em especial às bandas Papo de Anjo, Aruêra e Mesa de Bar.
Aos meus colegas da Secretaria de Turismo, Comércio e Indústria, que sempre
acolheram minhas ações voltadas à cultura, e, sobretudo, as atividades do Museu
Histórico de Torres.
Aos meus colegas e grandes amigos ALEXANDRE CARDOSO e DIANA
DE CASTRO, que são verdadeiros fiscais e guardiões da memória torrense.
A DÓRA LAIDENS, grande amiga e companheira de batalhas desde o
movimento escoteiro, político, aos eventos culturais e espirituais.
A todas as pessoas que colaboraram com fotografias de nosso município,
objetivo principal deste livro.
E a todos que de alguma forma me apoiaram e me ajudaram no decorrer deste
trabalho de pesquisa.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Há um tempo em que ela se aquieta... torna-se recatada, calma
silenciosa [...] E eis que chega o verão. E como um passe de
mágica ela se vê tomada de estranho frenesi. [...] seu ritmo
leve, sua música suave, são abafados pelos acordes de uma
sinfonia de sons desencontrados. [...] Numa orgia de cores,
idiomas, abraços, amores, encontros e desencontros, esperanças
realizadas e esperanças falidas, este estentor dura todo um
verão. Até que há um tempo em que ela se aquieta. Torna-se
calma e silenciosa [...] Torres é assim! [...] Torres é minha
paixão! (ESQUINA, 1979, p. 11 – 12).
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JAIME BATISTA
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SOB AS LENTES DE TORRES
Lista de ilustrações
Figura 1 - Aquarela de Jean-Baptiste Debret “A entrada pelo Norte:
Rio Mampituba”, 1825 ...........................................................................
Figura 2 - Casa onde morou Ferreira Porto, a casa número um de Torres. ............
Figura 3 - A Lei que emancipou São Domingos das Torres. ...................................
Figura 4 - Brasão de Torres ......................................................................................
Figura 5 - Antigo brasão usado até 1930 .................................................................
Figura 6 - Antigo brasão que se encontra no prédio da Prefeitura Municipal
de Torres. .................................................................................................
Figura 7 - Faixada do prédio da Prefeitura Municipal de Torres localizado
na rua Júlio de Castilhos. ........................................................................
Figura 8 - Bandeira do Município de Torres ...........................................................
Figura 9 - Molhes da Guarita – 1892 .......................................................................
Figura 10 - Aquarela de Herrmann Wendroth: “As Rochas de Torres”, 1852. .......
Figura 11 - Vista das Torres na década de 1950. .....................................................
Figura 12 - Cabeça de Índio, década de 1950. ........................................................
Figura 13 - Morro das Furnas, 1950. .......................................................................
Figura 14 - Torre Sul, década de 1950 de 1960. .....................................................
Figura 15 - Ayers Rock ............................................................................................
Figura 16 - A Guarita vista pelo sudeste, década de 1950. .....................................
Figura 17 - Deserto do Arizona (EUA). ..................................................................
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Figura 18 - Carro de bois com estrangeiros, 1905. .................................................
Figura 19 - Carro de bois com zebus .......................................................................
Figura 20 - Vista Parcial das Torres do Meio e Norte, 1913. ..................................
Figura 21 - Descida às Furnas, 1901. ......................................................................
Figura 22 - José Antônio Picoral, SD. .....................................................................
Figura 23 - Sede do Balneário Picoral, década de 1935. ........................................
Figura 24 - Chalés do Picoral, década de 1920. ......................................................
Figura 25 - O Quadrado do Picoral, 1930. ..............................................................
Figura 26 - Rua Carlos Flores, 1912. ......................................................................
Figura 27 - Primeiro farol de Torres, 1912. .............................................................
Figura 28 - Cartão Postal do Farol, 1920. ...............................................................
Figura 29 - “Rua de Cima”, 1913. ...........................................................................
Figura 30 - “Rua de Cima”, 1919. ...........................................................................
Figura 31 - Hotel Picoral, década de 1910. .............................................................
Figura 32 - Cartão Postal da Sede do Balneário Picoral, SD. .................................
Figura 33 - “Rua de Baixo”, SD. .............................................................................
Figura 34 - “Rua de Baixo”, 1922. ..........................................................................
Figura 35 - Trecho da Rua Carlos Flores, 1922. .....................................................
Figura 36 - Vista aérea da cidade de Torres, 1934. .................................................
Figura 37 - “Rua de Baixo” e Lagoa do Violão, 1935. ...........................................
Figura 38 - Farol Hotel, 1940. .................................................................................
Figura 39 - Vista Parcial, 1944. ...............................................................................
Figura 40 - Anexo do Farol Hotel, 1947. ................................................................
Figura 41 - Vista aérea da Matriz de São Domingos, 1948. ...................................
Figura 42 - Chalé na Praia Grande, 1948. ...............................................................
Figura 43 - Barraquinhas da SAPT, 1950. ...............................................................
Figura 44 - Vista Parcial da Praia Grande, década de 1950. ...................................
Figura 45 - Barraquinhas antigas com o Quadrado do Picoral ao fundo ................
Figura 46 - Vista da primeira estação rodoviária, 1943. .........................................
Figura 47 - Vista da Prainha, 1943. .........................................................................
Figura 48 - Edifício Amigos de Torres, década de 1950. ........................................
Figura 49 - Hotel Sartori, 1949. ...............................................................................
Figura 50 - Anexo do Farol Hotel, 1948. ................................................................
Figura 51 - Cerca anticabras, 1944. .........................................................................
Figura 52 - Vista parcial da Praia Grande, década de 1950. ...................................
Figura 53 - Vista Parcial de Torres, década de 1950. ..............................................
Figura 54 - Ponte Pênsil sobre o Rio Mampituba, década de 1950. .......................
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Figura 55 - Vista aérea do centro de Torres, década de 1950. ................................ 91
Figura 56 - Vista aérea da Rua José A. Picoral, 1949. ............................................ 92
Figura 57 - Praça Claudino Nunes Pereira, década de 1950. .................................. 93
Figura 58 - Vista parcial da Prainha, década de 1950. ............................................ 94
Figura 59 - Lagoa do Violão, década de 1950. ....................................................... 95
Figura 60 - Vista Parcial vista com o mar, década de 1950. ................................... 96
Figura 61 - Vista parcial, década de 1950. .............................................................. 96
Figura 62 - Banhistas na Praia Grande, 1900. ......................................................... 97
Figura 63 - Família Pozzi, década de 1930. ............................................................ 98
Figura 64 - Banhistas na Praia Grande, década de 1910. ........................................ 99
Figura 65 - Salão do Hotel Picoral. ....................................................................... 100
Figura 66 - Grupo de Teatro de Araranguá (SC) apresentando-se na Sociedade
Dramática União Torrense, década de 1900. ..................................... 101
Figura 67 - Caçada, década de 1930. ..................................................................... 103
Figura 68 - Travessia do Rio Mampituba com balsa, década de 1930. ................ 104
Figura 69 - Veranistas na Praia Grande, SD. ......................................................... 105
Figura 70 - Pescador e turistas, SD. ....................................................................... 106
Figura 71 - Pescador nas Furnas do Diamante, década1940. ................................ 107
Figura 72 - Pescaria, 1948. .................................................................................... 108
Figura 73 - Evento social, 1943. ............................................................................ 109
Figura 74 - Vista panorâmica, 1945. ....................................................................... 110
Figura 75 - Banhistas, 1948. ................................................................................... 111
Figura 76 - Funcionários de Ídio K. Feltes, fotografando na Praia Grande, 1956 ... 112
Figura 77 - Corrida do ovo, 1948. .......................................................................... 113
Figura 78 - Balsa do Mampituba, 1940. ................................................................. 114
Figura 79 - Barco de Passeio, década de 1930. ...................................................... 114
Figura 80 - Banhistas, 1945. ................................................................................... 115
Figura 81 - Personalidades no Farol Hotel, década de 1940. ................................ 116
Figura 82 - Amigos na Praia, 1947. ........................................................................ 117
Figura 83 - Casal em baile, década de 1950. .......................................................... 118
Figura 84 - Noite de São João em Torres – 1952. .................................................. 119
Figura 85 - Ponte do Portão, década de 1940. ...................................................... 120
Figura 86 - Presença do SESC, 1959. ................................................................... 121
Figura 87 - Banda Municipal de Torres, 1925. ...................................................... 122
Figura 88 - Serestas de Ruy de Freitas, Élcio Lima, Artur de Freitas e
“Niquinho” de Freitas, década 1950. ................................................. 122
Figura 89 - Banda Embalo Quatro, década de 1960. ............................................ 122
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Figura 90 - Autoridades, 1942. ..............................................................................
Figura 91 - Semana da Pátria, 1942. ......................................................................
Figura 92 - Desfile na Rua de Baixo, 1942. ..........................................................
Figura 93 - Saudação das moças - ANAUÊ, 1942. ...............................................
Figura 94 - Comemorações da Semana da Pátria, 1943. ......................................
Figura 95 - Pelotão da Brigada Militar, no desfile de 7 de Setembro, 1943. .......
Figura 96 - Semana da Pátria em frente à Matriz. .................................................
Figura 97 - Pira da Semana da Pátria, 1943. .........................................................
Figura 98 - Desfile Sete de Setembro na “Rua de Cima”, 1947. ..........................
Figura 99 - Alunas da Escola Estadual Marcílio Dias, 1956. ...............................
Figura 100 - Normalistas presente no Desfile de Sete de Setembro, 1956. .........
Figura 101 - Matriz de São Domingos, década de 1920. ......................................
Figura 102 - Procissão na Rua Carlos Flores, década de 1930. ............................
Figura 103 - Procissão, 1941. ................................................................................
Figura 104 - Procissão na Rua de Cima, década de 1940. ....................................
Figura 105 - Festa de São Domingos, 1944. .........................................................
Figura 106 - Sagrado Coração de Jesus, 1944. .....................................................
Figura 107 - Missa na Matriz de São Domingos, 1945. .......................................
Figura 108 - Semana da Pátria, 1942. ....................................................................
Figura 109 - Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, década de 1950. ....................
Figura 110 - Luis João Batista, década de 1950. ...................................................
Figura 111 - Delegacia e presídio, década de 1940. ..............................................
Figura 112 - Festa e soldados, 1944. .....................................................................
Figura 113 - Auto Viação Expresso Nordeste, 1943. ............................................
Figura 114 - Carrocinha de cabritos, 1948. ...........................................................
Figura 115 - Lembrança de Torres, 1945...............................................................
Figura 116 - Furgão da Padaria Vera Cruz, década de 1950. ................................
Figura 117 - Casa comercial, 1959. .......................................................................
Figura 118 - Passeio de charrete, SD. ....................................................................
Figura 119 - Família com charrete, 1953. .............................................................
Figura 120 - Alois e Esposa, década de 1950. ......................................................
Figura 121 - Família reunida, década de 1930. .....................................................
Figura 122 - Acidente aéreo no Rio Mampituba, 1929 .........................................
Figura 123 - 38 horas após acidente aéreo no Rio Mampituba, 1929. .................
Figura 124 - Funcionários da VARIG desmontando o hidroavião 68 horas
após o acidente. .................................................................................
Figura 125 - Campo de futebol à beira-mar, 1929. ...............................................
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Figura 126 - Futebol na Semana da Pátria, 1942. .................................................
Figura 127 - Mampituba X Sul - brasileiro, 1944. ................................................
Figura 128 - Disputa da bola, 1946. ......................................................................
Figura 129 - Grêmio Esportivo Torrense, 1947. ...................................................
Figura 130 - Futebol torrense, 1947. .....................................................................
Figura 131 - Jogadores do Torrense, década de 1950. ..........................................
Figura 132 - Futebol, 1945. ...................................................................................
Figura 133 - Dividida pesada, 1949. .....................................................................
Figura 134 - Defesa do goleiro, 1949. ...................................................................
Figura 135 - Grêmio Esportivo Torrense, 1949. ...................................................
Figura 136 - Inauguração do estádio do G. E. Torrense, década de 1950. ............
Figura 137 - Bênção do padre no estádio do Torrense, 1949. ..............................
Figura 138 - Goleada, 1956. ..................................................................................
Figura 139 - Vasco F. C. de Torres, 1956. .............................................................
Figura 140 - G. E. Torrense e Internacional de Porto Alegre, 1959. .....................
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SOB AS LENTES DE TORRES
Sumário
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 17
PREFÁCIO .............................................................................................................. 19
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INTRODUÇÃO ............................................................................................. 21
2
ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE
TORRES (RS) ................................................................................................
2.1 “M’BYÀ-GUARANIS” E ARACHÃS: OS HABITANTES NATIVOS
DE “TORRES”...............................................................................................
2.2 OS ITINERANTES BATIZARAM TORRES ...............................................
2.3 AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES EUROPÉIAS EM TORRES ....................
2.4 O POVOAMENTO DAS TORRES ..............................................................
2.5 AS DIFICULDADES INICIAIS DO POVOAMENTO DAS TORRES ......
2.6 O “FUNDRADO” DE TORRES ...................................................................
2.7 AS ETNIAS QUE POVOARAM SÃO DOMINGOS DAS TORRES ........
2.7.1 Nativos guaranis ...........................................................................................
2.7.2 O grupo germânico ......................................................................................
2.7.3 A presença da etnia africana em Torres ....................................................
2.8 EMANCIPAÇÃO POLÍTICA .......................................................................
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2.8.1
2.8.2
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De freguesia à vila ........................................................................................
Formação administrativa ............................................................................
O BRASÃO DE TORRES .............................................................................
A BANDEIRA DE TORRES .........................................................................
ECONOMIA TORRENSE ............................................................................
O PORTO QUE NÃO SAIU .........................................................................
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TORRES: “EVOLUÇÃO URBANA, SOCIOECONÔMICA E
CULTURAL SOB A ÓTICA DE UM ACERVO FOTOGRÁFICO
HISTÓRICO DIGITALIZADO.” .................................................................. 47
3.1 TORRES: “OS PORTAIS DE MILHÕES DE ANOS” ................................ 48
3.2 JOSÉ ANTÔNIO PICORAL: “O PAI DO BALNEÁRIO TURÍSTICO
DE TORRES” ................................................................................................ 60
3.3 EVOLUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ........................................................ 64
3.4 ASPECTOS SÓCIO-CULTURAL DE TORRES:
LAZER, RELIGIOSIDADE E EDUCAÇÃO. .............................................. 97
3.4.1 Atividades de lazer. ...................................................................................... 97
3.5 EDUCAÇÃO E CIVISMO .......................................................................... 124
3.6 RELIGIOSIDADE TORRENSE. ................................................................ 134
3.7 MEMÓRIAS DO COTIDIANO. ................................................................. 143
3.8 O FUTEBOL: “UM ESPORTE POPULAR NO BALNEÁRIO DE
TORRES (RS)” ............................................................................................ 155
4
CONCLUSÃO ............................................................................................. 169
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 171
ANEXO A - LEI QUE OFICIALIZA A BANDEIRA DO MUNICÍPIO ............. 173
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SOB AS LENTES DE TORRES
Apresentação
O presente livro é uma consequência de uma ideia que surgiu na Tenda Cultural
do 18º Festival Internacional de Balonismo. Na ocasião eu estava observando os painéis
(banners): Torres: uma viagem no tempo, que se trata de fotografias antigas de nossa
querida cidade. O autor desses painéis estava ao meu lado quando afirmei que deveria
ter um livro sobre várias fotografias antigas de Torres. O então estudante de História,
Jaime Batista, autor dos painéis, já estava pesquisando para elaborar o presente livro,
e logo me respondeu que apresentaria tal pesquisa. Daí surge a semente deste fruto que
reúne saudosas imagens da nossa cidade.
SOB AS LENTES DE TORRES é uma obra que destaca os mais relevantes
fatos de nossa cultura em forma de fotografias históricas, que ficarão eternizadas,
oportunizando aos estudantes, professores, a todos os cidadãos torrense e turistas, a
conhecerem a evolução de nossa cidade, observando os costumes, as características de
nosso pequeno balneário até a Torres que se projetou no século XX. Esta trajetória não
pode ser esquecida, pois a partir daí podemos entender o porquê do torrense amar
tanto esta terra até os dias atuais.
A importância da preservação da memória dos cidadãos torrenses é inevitável,
pois como demonstra esta obra, através de imagens de turistas e locais, Torres foi, e
sempre será, uma cidade apaixonante, com suas belezas naturais, com a tradição de
receber, de inovar e de progredir. O livro de Jaime Batista levanta a autoestima dos
torrenses que se mobilizaram por uma Torres cada vez melhor.
João Alberto Machado Cardoso
Prefeito Municipal de Torres
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JAIME BATISTA
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SOB AS LENTES DE TORRES
Prefácio
Resultado de mais de seis anos de intensas pesquisas, SOB AS LENTES DE
TORRES é um livro extraordinário que nos remete ao tempo da “gente guarani” que
vivia nestas paragens, antes dos europeus entrarem em terras torrenses.
O livro é muito bom. As fotos antigas são ótimas e Jaime descreve os momentos
que nelas foram eternizadas de forma inteligente e diferenciadas. Todas as fotografias
me impressionaram, mas entre elas destaco algumas, como a de 1901 com visitantes
ao lado de uma escada de madeira, a qual era usada para chegar perto das furnas.
Tem também aquela que mostra a cerca anticabras, para proteger as casas de veranistas
dos animais. Como já disse, todas as fotos são interessantes e vou citar mais algumas:
a da “Rua de Cima”, de 1913, a da “Rua de Baixo” de 1919.
E tem uma foto histórica de 1905; nela aparecem dois visitantes em um carro
de boi, guiado por um ancestral de João Barcelos. Estes dois, como escreve Jaime,
provavelmente são cidadãos dos Estados Unidos, que vieram especular a instalação
de um porto em Torres, porto este que nunca saiu, graças a deus.
Jaime nos brinda com histórias curiosas como esta: quando foi aterrada a
Avenida Rio Branco, os trabalhadores passavam graxa no corpo para finalmente
retirar as inúmeras sanguessugas que os atacavam.
Entre os muitos significados para o nome do rio Mampituba, o que mais me
encantou é a poética explicação de que Mboipetiba é oriundo de “região de muitas
brisas”.
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JAIME BATISTA
Outra coisa instigante no livro do Jaime é a analogia que ele faz entre a Torre
Sul e a formação rochosa australiana conhecida por Urulu; continuando a analogia, ele
compara a Guarita com uma rocha que fica na Namíbia na África, e é conhecida como
Cabo Cruz. Jaime ainda observa o quanto as rochas de Torres se parecem àquelas que
existem no Arizona, nos Estados Unidos.
No livro do Jaime há descrições maravilhosas, como a do sarau do dia 24 de
fevereiro de 1920, realizado no salão nobre do Hotel Picoral, onde foram apresentados
recitais de poesias e outras performances e que terminou em um animado baile.
SOB AS LENTES DE TORRES é um livro muito bem escrito, que nos traz a
História e o desenvolvimento de Torres. Estudo, fortemente ilustrado e como está
escrito, traz a leitura de imagens.
Este é um livro muito bom e instigante, que com certeza despertará o desejo de
lê-lo imediatamente.
SOB AS LENTES DE TORRES, com certeza, será guardado com carinho para
muitas pesquisas sobre todos os aspectos desta terra maravilhosa, Torres, a mais
encantada das praias do Rio Grande do Sul.
Jovita Esquina
20
SOB AS LENTES DE TORRES
1
INTRODUÇÃO
Os registros fotográficos do município de Torres, entre as décadas de 1900 a
1960 permitiram-nos, em um passado não muito distante, evidenciarmos alguns
elementos que possam contribuir para estudo e debate, da sociedade torrense, no
que tange sua origem cultural, que reflete nos dias atuais.
A escolha desse período culminaria com a digitalização de um acervo
devidamente catalogado, e consecutivamente democratizariam momentos congelados
num lapso de segundo com inúmeras aplicabilidades na tessitura social, fortalecendo
a memória num universo digital.
Esse livro é uma adaptação da pesquisa monográfica que foi apresentada por
mim à banca examinadora do curso de Licenciatura de História da Universidade do
Sul de Santa Catarina (UNISUL), que vem proporcionar a manutenção e
disponibilização de acervos fotográficos particulares ou institucionais, de forma a
torná-los públicos e, dessa forma, possibilitar seu acesso permanente para pesquisa
e ensino.
Entre outros objetivos mais específicos, a pesquisa desse livro apontou num
primeiro momento, uma linha cronológica da origem de Torres, considerando os
aspectos da passagem, do registro, da guarda, do presídio e do povoamento, que
culminou posteriormente em sua emancipação com a economia voltada à agricultura
e ao turismo.
21
JAIME BATISTA
Após num segundo momento, pode-se apreciar leituras das imagens de cada
registro fotográfico, contextualizando-as com as informações evidentes, fundamentadas
com artigos e relatos de conhecedores de fragmentos da História de Torres. Sabe-se
que cada leitor pode fazer a sua própria análise, portanto além da opinião do autor, é
de grande relevância a leitura do observador/leitor, gerando novas informações em
conjunto para futuros trabalhos em prol da memória torrense.
O fortalecimento da identidade do município de Torres faz-se necessário, devido
a esse momento que vivemos, onde questões regionais devem ser valorizadas para
absorver os impactos da globalização, cujo cada subespaço está direto ou indiretamente
interligado, sujeito a interferências ou valorização na cultura torrense.
Percebe-se que vários registros fotográficos já estão digitalizados, graças ao
advento da informática, mas que precisam de um uso adequado com uma fruição mais
ágil permeando a consciência local.
A História oficial de Torres está parcialmente escrita, mesmo que, com
controvérsias, mas ainda há muito que se estudar sobre fragmentos do cotidiano em
vários olhares, e nada como uma ferramenta visual transformada em digital e virtual,
para perpetuar essas possibilidades.
22
SOB AS LENTES DE TORRES
2
ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE TORRES (RS)
Para melhor compreensão da origem do município de Torres, abordei nesse
capítulo, as primeiras ocupações de âmbito militar e fiscal primeiramente pela Coroa
portuguesa e posteriormente pelo Império brasileiro, pois até então, essa microrregião
tinha o legado somente de passagem, posto de observação e guarda. A partir do começo
do século XIX é que houve o povoamento de fato, pois anteriormente a essa época, o
território que hoje é Torres, era habitado por nativos, que por um fenômeno,
abandonaram esse território.
Anterior a essas culturas, habitavam na nossa microrregião, os sambaquianos,
que eram grupos sociais de coletores e pescadores, porém abordaremos nesse trabalho
as sociedades da cultura guarani a partir do século XVI.
2.1
“M’BYÁ-GUARANIS” E ARACHÃS: OS HABITANTES NATIVOS
DE “TORRES”
“M’byá” significa “gente” na língua guarani, portanto a “Gente Guarani” já
habitava a região do “Vale do Mampituba” antes do europeu entrar em terras “torrenses”.
Eles eram conhecidos por “Carijó”, era como os bandeirantes chamavam os indígenas
de língua guarani que vivam no litoral catarinense e parte do litoral rio-grandense nos
séculos XVI e XVII. “Carijó” vem de “Cari-yó”, uma palavra derivada de “Cari”, que
23
JAIME BATISTA
significa “branco” em Tupi, a língua falada pelos bandeirantes vindos de São Paulo.
“Cari” vem em alusão à pele mais esbranquiçada dos índios guaranis do litoral
catarinense. Como em toda Região Sul pelo litoral existiam nativos oriundos do tronco
Tupi, vindos do Norte por muitos anos habitando e trazendo sua cultura que espalhou
por todo o Brasil.
Segundo Ruschel e Ruschel (1979, p. 34-35) entre as Margens do Rio Mampituba
o local por estes nativos era conhecido como “Boipitiba” ou “M’boipituba”, que na língua
Tupi significa muitas boipevas, ou muitas cobras chatas (Mboipitiba: mboi + peba +
tiba ou tuba = muitas cobras chatas), também conhecida como falsa jararaca. Essa
característica chata é devido à sua forma na hora do ataque, semelhante à cobra naja.
Mas também existem outras versões, de acordo com o historiador Cláudio Leal
Domingos, que em suas pesquisas encontra a possibilidade de “Mboipituba” significar:
“região de água com muitas cobrinhas do pé”; pois boipeva pode, também, ser
sanguessugas, em tupi-guarani. Em um de seus artigos, Cláudio Leal Domingos relata
que quando foi aterrada a Avenida Barão do Rio Branco, os trabalhadores tinham que
passar graxa no corpo para facilitar a retirada das sanguessugas. A abundante existência
de sanguessugas em toda extensão de Torres e arredores, caracteriza-se, por ser solo
úmido, com banhados e tiriricas, deixando o local propício à proliferação deste anelídeo.
Outra possibilidade do que significa Mampituba é exatamente como se lê,
pois no dicionário de tupi-guarani, significa coisa que é arejada, ventilada, o sopro,
o hálito, ou seja, Mampituba seria uma região de muitas brisas, o que é característico
em nossa região.
Outras versões existem como rio de muitos bagres (mandi + tuba = rio de muitos
bagres), rio de muitas curvas, entre outros. Não podemos afirmar com exatidão qual o
seu significado, porém o que se pode afirmar é que os indígenas que aqui habitavam
referiam-se ao local e não somente ao rio.
Neste local tinha a picada Boipitiba, que posteriormente era chamada de
“Caminho do Carijó”, cujo seu trajeto começava no “Rio Mampituba” pelo lado dos
cômoros de areia da atual Praia Grande em Torres até a Itapeva costeando a atual
Lagoa do Violão e a “Guarita”, era uma estradinha aberta nos matagais e tiriricas. Esse
mesmo trajeto são as atuais ruas José Antônio Picoral e Alfiero Zanardi, portanto tratase de uma das “ruas” mais antigas do Brasil. Os M’byá-Guaranis vinham de “Santa
Catarina” para fazer escambo com os Arachãs no lado do “Rio Grande do Sul”, e esse
caminho era usado para tal prática.
De 1550 em diante essas trocas, diga-se de passagem, não só a material, mas
também a cultural, majoraram cada vez mais; e com a chegada dos paulistas que
24
SOB AS LENTES DE TORRES
compravam escravos a partir do Porto de Biaça, que hoje é atual cidade de Laguna,
alguns líderes como o pajé Tupãrana, que significa em tupi o trovão, e conhecido pelos
portugueses como Tubarão, matinha um tráfico de escravos desde Biaça até a aldeia
de Caibí, atual Porto Alegre. Milhares de nativos foram levados a São Paulo, os nativos
que faziam esse tráfico eram chamados de “mus” ou “pombeiros”. Em Boipitiba se
fixou o irmão de Tuparanã, o cacique Caiobi, o mato verde em Tupi, que controlava a
passagem em Boipitiba.
[...] o documento de 1607 insinua que ele [Caiobi] morava em Boipitiba,
de onde vinha voltando Tupãrana quando os padres lhe foram ao encontro.
Podemos induzi, com relativa segurança, que o cacique caiobi vivia em
torres ou redondezas, na qualidade de um dos “senhores de caminhos” (=
tapijaras) que fechavam o acesso dos índios arachãs (que habitavam a
zona de Tramandaí) ao norte. Foi possivelmente ele um dos responsáveis
maiores do extermínio da população nativa da costa torrense. (RUSCHEL,
1989, apud ELY, 2004, p. 246).
Na citação acima, quando se refere aos padres, trata-se dos jesuítas que aqui
tentaram catequizar os nativos do litoral; tentaram evitar essa “atrocidade” que era a
escravidão. Para tanto executaram a “Missão dos Carijós”, cujo registro está nos
manuscritos do Padre jesuíta Jerônimo Rodrigues, missioneiro português que em 1607
intitulou esse documento como “Noticiae Missionum Brasiliensium”, e foi publicado
em língua portuguesa, em 1940. Esse documento confirma também um encontro com
Tupãrana. Encontro estem que pediria permissão para catequizar os nativos. O trajeto
que Tupãrana fez para juntar-se com os jesuítas, teria início em “Torres”, provando a
ocupação do irmão nessas terras, já que vinha de visita, como confirma o Padre:
[...] E porque o mais afamado índio que cá há, [Tupãrana] que é um grande
ladrão, salteador de brancos, e grande vendedor de seus parentes, estava
dali a cinco ou seis léguas que havia vindo do rio que chamavam de
Boipitiba, ao caminho, a um seu irmão, também ladrão como ele [...] foi
nos forçado irmos lá por areias, que fervia o sol neles [...] E já neste tempo
este índio já esperava por nós. Por lhe haverem dito como nós íamos.
(RODRIGUES, 1605, apud RUSCHEL, 2004, p. 121).
A partir de 1605 os padres jesuítas portugueses, João de Almeida e João
Fernandes Gato numa tentativa de formar uma missão, transpuseram o Boipitiba e
moraram por vários meses com os nativos da região, provavelmente com os Arachãs,
em tabas. Houve uma ocasião em que os padres falaram com mais de mil nativos em
um campo. Por causa da tentativa de terminar com a escravidão, os padres tiveram
25
JAIME BATISTA
que se retirar de Boipitiba, com a ordem dos líderes de São Paulo; acabou assim
com a possibilidade de instaurar uma Missão Jesuítica em “Torres”. A partir de 1640
a região estava totalmente desabitada devido à diáspora1 dos nativos. (RUSCHEL,
D.; RUSCHEL, R., 1979, p. 35)
2.2
OS ITINERANTES BATIZARAM TORRES
Existem menções historiográficas de que Torres já havia sido “descoberta” por
europeus no começo do século XVI. Dentre os indícios mais estudados por historiadores
da microrregião do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, temos o artigo de Ruschel:
“Quem descobriu Torres?” que aponta o piloto português João de Lisboa como o
primeiro a avistar e registrar as características geográficas nas mediações das falésias
de Torres e a atual cidade de Tramandaí (RUSCHEL, 1995, apud ELY, 2004, p. 683).
Porém em seu livro Navegação Lacustre: Osório – Torres, a historiadora Marina
Raymundo da Silva (1985), menciona que no mesmo século, por terra, passavam jesuítas
e bandeirantes com tropas de gado com destino à Região Sudeste do Brasil. Essa
passagem obrigatoriamente tinha que ser entre a Lagoa das Torres (atual Lagoa do
Violão) e o matagal da encosta da Torre Norte (atual Morro do Farol), devido ao
mangue extenso e as áreas acidentadas como nos “Canyons” Aparados da Serra, que
não permitiam acesso.
De acordo com Ruschel (apud ELY, 2004) entre o século XVI até meados do
século XVIII, essa região foi mapeada e usufruída apenas como passagem. Um
fenômeno que aconteceu nesse período foi o desaparecimento dos nativos, que fugidos
dos líderes de tribos como o cacique Tupãrana, que faziam verdadeiras caçadas aos
nativos. Logo todos os nativos passaram a habitar outras regiões, como a serra, para
fugir de tal prática. Grande parte do litoral rio-grandense e catarinense sofreu uma
verdadeira diáspora, deixando o território desabitado em alguns locais. Em Torres não
foi diferente, somente a partir de 1777, é que houve ocupação novamente.
Entre essas passagens, houve uma muito importante para a colonização de Rio
Grande de São Pedro, que foi expedição terrestre de João de Magalhães, genro do
Capitão-Mor de Laguna Francisco de Brito Peixoto, com intuito de se instalar em
terras sulistas devido ao manejo do gado. Alguns lagunenses devido a esta expedição
puderam fundar estâncias como as dos campos entre Tramandaí e Viamão.
1
Dispersão de povos por motivos políticos ou religiosos, em virtude de perseguição de grupos dominadores
intolerantes.
26
SOB AS LENTES DE TORRES
Quanto aos paulistas, começaram a chegar nos primórdios da década de
1730. Em 1728 o Sargento-Mor Francisco de Souza e Faria abriu a estrada
dos Conventos, que escalava a Serra no vale do Araranguá. Em 1732,
Cristóvão Pereira de Abreu melhorou esse acesso ao planalto. A partir de
então, transitaram em Torres várias levas de tropeiros vindos de São Paulo
e até de Minas, descendo a Serra em Araranguá e de aí tomando a via
praiana para o sul. Na volta, passavam com centenas de cabeças de gado
para levar à feira de Sorocaba, em São Paulo. Certamente faziam parada
no sítio das Torres para dar tempo aos animais pastar. Como exemplo, em
1732 Cristóvão Pereira trafegou com expressiva cavalhada, de cerca de
800 cabeças. Muitas outras tropas de gado, com o mesmo destino, foram
tangidas através da via torrense, enquanto não começassem a usar a nova
subida da Serra em Santo Antônio da Patrulha. (RUSCHEL apud ELY,
2004, p. 382).
Devido a essas passagens, os transeuntes apelidaram o local de Sítio das Torres,
devido à semelhança que os três morros tinham com torres de castelos adentrando para
o mar. Ficou tão marcado que o cartógrafo jesuíta Diogo Soares, também conhecido
como o “padre matemático”, registrou o topônimo Torres, em um dos mapas da região
em 1738, fato que foi continuado por outros cartógrafos dali em diante, como Manoel
de Vieira de Leão, José Custódio de Sá, Francisco João Roscio, Jaques Funk, Antônio
Inácio Rodrigues Córdova, José Nolasco da Cunha, entre outros.
Em 1734, foram concedidas pelo rei de Portugal seis léguas de comprimento
por uma légua de largura correspondente ao território entre Arroio do Sal e Imbé,
fazendo limite com uma Guarda da Coroa Portuguesa em Tramandaí. Era a área das
primeiras duas sesmarias do atual Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Os donos eram
os irmãos, Manoel Gonçalves Ribeiro e Francisco Xavier Ribeiro, povoadores de
Laguna. Alguns anos depois, Francisco Pinto Vila Lobos e José Pinto Vila Lobos e
Vasconcelos receberam outras duas sesmarias de Arroio do Sal até o Morro da Itapeva.
Essa ocupação formou as primeiras propriedades rurais privadas dessa região. Porém,
entre a Itapeva e o Rio Mampituba, ainda era só passagem.
Ainda sobre os itinerantes, depois do Tratado de Madri em 1750, houve muitos
militares que passaram por Torres. De acordo com Ruschel (apud ELY, 2004), passaram
em março de 1752, tropas portuguesas para combater os guaranis que se rebelaram
contra o tratado. Em 1766, passaram 200 soldados da Infantaria de São Paulo. Em
1770, quase 300 homens da Companhia de Infantaria do Rio de Janeiro, mais 60 de
uma artilharia também do Rio de Janeiro, além de 70 soldados da Infantaria de Santa
Catarina. Em 1772, outros 200 homens da mesma Infantaria passaram por Torres. Em
janeiro de 1774, acampou a beira do Rio Mampituba o General Sebastião Xavier da
Veiga Cabral com mais de 200 homens de três Companhias do Regimento de Infantaria
27
JAIME BATISTA
do Rio de Janeiro e dois Esquadrões da Guarda do Vice-Rei. No mesmo ano, em
fevereiro, o Sargento-Mor Manoel Mexia Leite, passou em Torres com 400 homens da
Infantaria do Rio de Janeiro. Em 1775, um exército passou em Torres com 16 peças de
artilharia. Entre 1750 e 1777, o sítio das Torres serviu de passagem e acampamento
para esses militares, que encontraram conforto no gramado e o abrigo dos morros.
2.3
AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES EUROPÉIAS EM TORRES
Nas margens do Rio Mampituba, por volta de 1740, se iniciou um pedágio que
tinha por intuito não somente a cobrança da passagem dos transeuntes, mas também os
serviços de travessia do rio, além dos tributos devidos, principalmente o gado, que de
muito estavam transitando por ali. A travessia era uma verdadeira aventura; em sua
crônica no princípio um pedágio, Ruschel (1985, apud ELY, 2004, p. 32), descreve
como era a rotina desta prática:
Na margem do Rio Mampituba, os animais eram desatrelados e os veículos
descarregados. Os bois tinham que atravessar o rio a nado; alguns se
perdiam, afogados. As carretas eram puxadas para a outra margem,
boiando. As pessoas e cargas passavam nas canoas.
Existem documentos datados em 1771, procedente da Câmara Municipal de
Laguna, que confirmam essa prática desde então. Com a deliberação do governador
José da Silva Paes, esta foi a primeira ocupação da então denominada “Registro das
Torres”, como se constata em diversos mapas antigos. Se havia nas Torres um posto de
tributos e passagem, logo possivelmente já existia algum tipo de habitação para quem
trabalhava nessa labuta, que eram ligados ao governo, e após por particulares que o
arrendavam dos poderes públicos durante certa temporada. Nesses documentos está
incluído até o valor cobrado nesse período, que era de 40 réis por pessoa, 480 réis a
carreta vazia e 800 réis se essa estivesse carregada. Posteriormente foi possível unificar
os pedágios entre o Rio Araranguá e o Rio Tramandaí. Era cobrado o valor de 240 réis
por pessoa a partir do primeiro rio, e as outras tarifas, em suas devidas proporções.
(RUSCHEL, 1985 apud ELY, 2004, p. 32).
Há relatos e documentos de uma Guarnição militar que desde 1738, que se
estabelecia em Imbé, do lado norte da barra do Rio Tramandaí, veio se deslocando até
ser criada no Sítio ou Registro das Torres em 1773. A sede dessa Guarda militar foi
fundada pelo engenheiro militar José Custódio de Sá e Faria. O maior motivo da Criação
28
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 1 - Aquarela de Jean-Baptiste Debret “A entrada pelo Norte: Rio Mampituba”, 1825.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2005.
de tal guarnição era um plano para a defesa do Continente de Rio Grande de São
Pedro. Porém, não havia edificação militar, era muito provável que os militares
acampavam ou acantonavam em terras “torrenses”.
Outro motivo de ocupação das Torres, foram as disputas de território entre
Portugal e Espanha no século XVIII pelo sul do Brasil, a exemplo da tomada da Ilha
de Santa Catarina em fevereiro de 1777. Essas investidas espanholas tornou o vale do
Mampituba um local de estratégia militar para os portugueses, devido a sua passagem
e vista para o mar. Para garantir a observância da navegação e do trânsito por terra da
região, em março do mesmo ano o Marechal e engenheiro sueco Jacob Funk, a serviço
da Coroa Portuguesa, e o engenheiro militar Coronel João Alves, trataram de assegurar
o avanço dos espanhóis. Logo construiu um fortim em cima da Torre Norte (atual
Morro do Farol), nas mediações do que é hoje a Escola Cenecista Durban Ferraz Ferreira.
A fortificação tinha uns 40 metros de comprimento, com alojamentos para os soldados
e dois canhões apontados para o norte. O material da construção usado foi faxina
misturado com barro e madeira.
O nome do forte era São Diogo das Torres, em homenagem ao padroeiro dos
militares em Portugal, e também indiretamente ao seu edificador, cujo prenome é o
mesmo que Jaques, Tiago ou Diogo em português. Ali ficou “presidiado” desde
março de 1777, por um grupo de soldados que observava o caminho estratégico.
Os militares que ali ficaram eram da Companhia de Granadeiros do regimento de
Santos, mais um oficial e 16 praças do Batalhão do Continente. Essa Companhia
retirou-se em virtude do Tratado de Santo Idelfonso em 1º de setembro de 1777, que
culminou na paz entre Portugal e Espanha. Assim o fortim foi abandonado e “Torres”
voltou a se despovoar; somente permaneceu o registro, o qual não se sabe exato a
quantia de pessoas que trabalhavam nessa atividade. (RUSCHEL, 1991, apud ELY,
2004, p. 389-391).
29
JAIME BATISTA
Quando o Reino da Espanha em 1795 rompe com os seus aliados contra a
Revolução Francesa e assina o Tratado da Basiléia, assinado em 22 de julho de 1795,
e declarou guerra aos britânicos, Portugal continuava aliado à Inglaterra e reforça suas
guardas e fortes por haver a possível invasão dos Espanhóis no Brasil colônia. Logo o
Governador da Província de Rio Grande de São Pedro decidiu fortificar o Morro da
Torre Norte, onde havia anteriormente o Forte São Diogo das Torres, que fica pronto
em 1797. O governador enviou para cá um engenheiro chamado José Saldanha e um
auxiliar chamado João Batista. Segundo Rushel (apud ELY, 2004), “[...] em outubro
de 1797 o inglês Maj. Semple Lisle, aí encontrou ‘um princípio de fortificações’, com
dois canhões montados, sob chefia do tenente [João Batista]”.
Após 23 anos, por ter mais uma vez que vigiar os Castelhanos que poderiam vir
da serra do Vale do Araranguá, ou da costa de Santa Catarina, houve a necessidade de
restabelecer o fortim das Torres. Dessa vez com a elevação de “presídio”, cuja função
era de guarnecer uma praça militar e não uma cadeia. Por uma questão semântica foi
mudado o significado dessa palavra que do latim quer dizer “prae” mais “sedeo” em
português é “sediar-se defronte”. Os romanos chamavam alguns soldados de
“praesidiarius”. Portanto, não eram condenados que aqui estavam, mas militares com
a função de guarnecer a “passagem”.
O comandante desse forte, o Tenente-Coronel Francisco de Paula foi quem
ampliou essa construção nas ruínas do Forte São Diogo, foi Paula Soares, que num
primeiro momento, pediu ao presidente da província e futuramente o Visconde de São
Leopoldo, todo apoio possível para a região. O Visconde mandou colocar o nome do
fortim de “Prezídio”. Surge então o Presídio São Domingos das Torres. Formaram a
guarnição da fortificação: trinta guaranis, três oficiais, uma botica (farmácia), um
cirurgião encarregado da vacina, ferramentas para remoção de terras e dezesseis
presos sentenciados a justiça para serem encarregados nos trabalhos da reconstrução
do fortim. (SILVA, 1985, p. 34-35).
2.4
O POVOAMENTO DAS TORRES
Com as primeiras guarnições militares que aqui permaneceram em épocas de
guerra, a ocupação de Torres e região muito próxima, deu-se por ocasião do
deslocamento de colonos açorianos que já haviam se estabelecido anteriormente, no
sul do Brasil, principalmente em Desterro, atual cidade de Florianópolis (SC) e
também em Mostardas, cidade gaúcha fronteiriça à Lagoa dos Patos e o Oceano
Atlântico. De acordo com Ruschel (1995 apud ELY, 2004) essa ocupação efetiva
30
SOB AS LENTES DE TORRES
ocorreu por volta dos anos de 1770 em diante. Esses migrantes, provavelmente, em
número de 400, num primeiro momento, estabeleceram-se em perímetro rural da
cidade que se espalhavam em estâncias desde o atual Arroio do Sal até a Praia de
Itapeva. Entre a Itapeva que em tupi-guarani quer dizer Pedra Chata, por sua
característica inconfundível, e o Rio Mampituba que foi uma distorção de
“mboipetuba” que significa muitas cobras chatas (boipeva), até o começo do século
XIX havia somente O registro (pedágio), a guarda e os fortins.
Ruschel (1991, apud ELY, 2004, p.382), comenta em uma de suas crônicas, que
esses colonos açorianos foram registrados pelos batismos e óbitos feito pelo vigário
de Conceição do Arroio (atual Osório), entre eles estão registrados 130 chefes de
família, confirmando o número da população desse período. A Ilha dos Açores foi
colonizada por migrantes dos países baixos, portanto algumas dessas famílias são de
origem flamenca. A exemplo disso temos famílias tradicionais em Torres com
sobrenomes Borges (van der Berge), Silveira (van der Haagen), Rosa (van der Roosen),
Brum (van Bruyn), etc.
A ocupação da parte urbana do município, então, se processou quando da criação
de uma capela iniciada em 1819, obra essa que foi idealizada pelo então sargento
Manoel Ferreira Porto, comandante do “Presídio” e Baluarte Ipiranga, que se dirigindo,
diretamente, a Dom José Caetano da Silva Coutinho, o bispo do Rio de Janeiro
responsável pelo comando de toda a Igreja Católica, desde a Corte até o extremo sul
brasileiro, por ocasião de sua passagem por Torres, e, indiretamente, ao marquês do
Alegrete, o então Governador da Província de São Pedro, por intermédio de uma carta,
conseguindo por fim, através de trocas economicamente interessados para os principais
envolvidos, o seu intento. A capela foi erguida, então, próxima ao antes mencionado
presídio, e o marco zero do povoamento de Torres, pode ser considerado o que é hoje
o Colégio Cenecista Durban Ferraz Ferreira e suas adjacências. (RUSCHEL, 1991,
apud ELY, 2004, p. 396-398).
Portanto, como a maioria das cidades brasileiras (litorâneas) da época, e
principalmente, as de núcleo açoriano, a consolidação da ocupação de Torres e seu
status de capela, freguesia, vila e cidade, originou-se a partir de uma construção religiosa,
a capela de São Domingos.
Mas para Silva, (1985) outra personalidade que foi responsável pelo povoamento
das Torres, o comandante pela região entre “Conceição do Arroio” (atual Osório) e
“Ariringuá” (atual Araranguá). Tratava-se, do Tenente Coronel Francisco de Paula
Soares, que ao seu punho foram emitidas várias outras cartas ao então presidente da
província José Fernandes Pinheiro, reivindicando outras providências para a região.
O ilustre viajante botânico August de Santi-Hilaire comenta em seu diário que sabia
31
JAIME BATISTA
das intenções do governador da província de povoar a região com nativos, comenta
“O Brasil precisa de braços e é melhor que o Estado seja povoado por índios do que
não o seja por ninguém” (SAINT-HILAIRE, 1922, apud SILVA 1985). Ainda Silva
acrescenta que foi Soares que com as insistentes cartas ao presidente, que trouxe famílias
de açorianos arranchados na beira do Rio “Ariringuá”. E também graças a essa mesma
insistência, Soares recebe a ordem de buscar imigrantes alemães em São Leopoldo,
que no total de 418, fixaram-se em “Torres” no ano de 1826.
2.5
AS DIFICULDADES INICIAIS DO POVOAMENTO DAS TORRES
De acordo com Silva, M. (1985), no início do núcleo urbano, o Tenente-Coronel
Francisco de Paula Soares, por várias vezes pede ao presidente da província José
Fernandes Pinheiro, que mandasse alimento e provimentos para a pequena, mas carente
população de indígenas, militares, açorianos, catarinenses e outros que ali pretendiam
fixar-se. Também procurou manter contato com os tropeiros e com os “galapés”
(indígenas andarilhos). Tomou providências para manter essa comunicação, e para
tanto construiu pontes e estradas ligando a serra com o litoral e em troca almejava
apoio desses transeuntes. Também autorizou a pesca do bagre tanto no Rio Mampituba
até inclusive no Rio Araranguá. Em setembro era a melhor época, enchiam carretas e
vendiam a produção do bagre seco além do seu óleo. Paulo Soares pediu permissão
para tal atividade para não ter problemas de limites com a comarca de laguna.
[...] procurava trocar produtos da terra e pedir ajuda, para que, também,
pudessem, o quanto antes, usufruir da estrada. Igualmente, preocupava-se
com o alimentação para os poucos habitantes da povoação. Pediu, inclusive,
a colaboração do Presidente da província para enviar charque e feijão.
Pela demora dessas remessas, resolveu tirar dos praças, que eram na maioria
gente índia com mulheres e filhos, o feijão e o charque, dobrando-lhe a
munição. Essa atitude do comandante fez crer que a situação era crítica e
que os índios saberiam como sobreviver na falta de produtos tão raros,
porém necessários ao organismo branco. (SILVA, 1985, p. 34)
Outra dificuldade que os habitantes enfrentaram foi um surto de difteria em
1824. O motivo foi devido aos terrenos pantanosos da região; mais de vinte e quatro
pessoas no mesmo ano, Francisco de Paula Soares atribui esse surto às chuvas incessantes
daquele período. Para sanar esse problema, ele pediu a vinda urgente ao presidente da
província uma “botica” (Remédios). A população conseguiu se restabelecer acabando
com os óbitos por esse surto epidêmico.
32
SOB AS LENTES DE TORRES
2.6
O “FUNDADOR” DE TORRES
Nas formações urbanas do século XIX, quando planejavam uma colonização
em terras devolutas ou não, sempre tinha um líder que tomavam a frente para
desenvolver uma região específica, mesmo com interesses próprios, como foi a maioria
dos casos. Além do Tenente-Coronel Francisco de Paula Soares, que abriu estradas,
restaurou o “presídio” das Torres, trouxe colonos e subsídios para a região entre os rios
Três Forquilhas e Araranguá, outro “pai” também se destacou como tal em “Torres”.
Ruschel (1991, apud ELY, 2004, p. 38) aponta o Alferes Manoel Ferreira Porto como
o fundador da localidade na parte urbana. Outros historiadores como Dante de Laytano,
(como o próprio Ruschel o cita em defesa de Dom Diogo, outro fundador), Marina
Raymundo da Silva, não o mencionam como fundador e sim como comandante do
Baluarte Ipiranga. Todos concordam que ele e sua família, vieram instalar-se no sítio
das Torres na primeira década do século XIX. Ruschel (1987, apud ELY, 2004, p.118)
acrescenta ainda a participação de Dom José Caetano de Souza Coutinho como outro
fundador por ter autorizado a construção da capela São Domingos em 1815, sabendo
que a partir dessa decisão provocaria o começo de uma comunidade, que no litoral
brasileiro geralmente começava com uma “capela”, que era o status inicial de qualquer
localidade. A contribuição do Alferes, que morava solitário com sua família e no máximo
mais um encarregado do controle da passagem (fisco) do Rio Mampituba, foi a doação
de terras que ganhará por seus serviços. Ainda Ruschel (1991, apud ELY, 2004, p. 397)
cita que essas terras eram meia légua no total, correspondente Do Rio Mampituba ao
Morro das Furnas; da orla marítima à Sanga da água Boa. Essas são as mediações da
atual zona urbana de Torres. Ferreira Porto recebeu a autorização do presidente da
Figura 2 - Casa onde
morou Ferreira Porto, a
casa número um de Torres.
Fonte: ESQUINA, Jovita.
Torres minha paixão.
Porto Alegre: EST, 1979.
33
JAIME BATISTA
província para escolher o local da capela desde que arcasse com a sua construção. Para
trazer a comunidade para suas terras o alferes escolheu o local da “casa de Deus” ao
lado de sua residência, em frente ao “Presídio” (Essa edificação existe até hoje, e trata-se
casa número um de Torres). Fato esse que houve descontentamento dos já proprietários
de sítios de “Arroio do Sal” a Itapeva. Se a decisão de Ferreira Porto não fosse esta,
provavelmente a parte urbana atual de Torres seria na Praia da Itapeva para o Sul.
Assim que assentou os guaranis casados com as outras prisioneiras, Ferreira
Porto planeja a urbanização. Conforme Ruschel (1996, apud ELY, 2004, p. 764):
“[...] Foram marcadas as primeiras ruas e a praça na frente da igreja, ultimada a
igreja, abertas fontes públicas, definido o cemitério, etc.” Há certas divergências na
historiografia de Torres, consta em um trabalho científico publicado na Universidade
Luterana do Brasil em Torres (RS), por Cipriano (2004, p.64): “[...] alertar para as
lacunas que a historiografia torrense possui [...]”, pois aponta então quatro fundadores:
Dom Diogo por Dante de Laytano; Manoel Ferreira Porto e Dom José Caetano de
Souza Coutinho por Ruy Ruben Ruschel; e Francisco de Paula Soares por Marina
Raymundo da Silva.
2.7
AS ETNIAS QUE POVOARAM SÃO DOMINGOS DAS TORRES
2.7.1 Nativos guaranis
No ano de 1820, os guaranis vindos das Missões e de outras regiões como Entre
- Rios e do Paraguai, fizeram parte da povoação das “Torres”. Muitos estavam sem
rumo depois que os jesuítas fracassaram com as missões, apesar de serem legítimos
donos das terras do Cone Sul, passaram a buscar local para se estabelecer, e entre uma
batalha e outra com os espanhóis e portugueses, acabavam sendo presos. Os portugueses
os utilizavam como operários em suas sentenças. Para São Domingos das Torres, foram
levados 30 deles, eles tinham baixa estatura, com o pescoço curto, peitos largos e
cabelos negros e lisos. Tinham feições espanholas por miscigenar-se nas regiões das
Missões. Alguns conseguiram fugir da “Guarda de Torres“, mas devido aos obstáculos
da serra, como os “Aparados”, voltavam e eram novamente capturados. Eles falavam
espanhol fluente e também um dialeto com o guarani. Com o comando do alferes Manoel
Ferreira Porto, esses nativos das missões trabalharam na construção do forte e da capela
de São Domingos. Um ano antes vieram nativas guaranis cristãs de Tacuarembó, também
como prisioneiras de guerra, Paula Soares trata de casar as mulheres guaranis com
34
SOB AS LENTES DE TORRES
esses “caboclos”, colocando-os arranchados em forma de arraial à beira da lagoa das
Torres, atual Lagoa do Violão. (RUSCHEL apud ELY, 2004, p. 408 - 764).
Outros trinta guaranis missioneiros, dessa vez, como soldados para reforçar a
Guarda das “Torres” que foi promovida a “presídio”. Segundo Silva (1985) que os
guaranis não receberam terras para a fixação, isso preocupava o tenente- coronel
Francisco de Paula Soares, temendo o desestímulo dos missioneiros que não teriam
onde se apegar ocasionando várias fugas. Ainda Silva acrescenta que, foram os guaranis,
os presos indesejáveis com suas habilidades de mato, que abriram caminhos e clareiras
para os colonos “alemães” poderem se fixar, inclusive, fazendo obras e casas para essa
outra cultura prosperar em terras brasileiras. Por estes feitos, esses “caboclos” foram
aceitos como membros da comunidade “torrense” desde os rios Três Forquilhas e
Mampituba. Mas como em todo território brasileiro, não receberam o mesmo tratamento
que os europeus.
Muitos conseguiram fugir ou desertar, outros se diluíram com o restante da
população, mas como eram a minoria, não ficou forte o suficiente as características
genéticas, mas ficou com certeza a sua participação, influenciando culturalmente pessoas
com dificuldades em seus primeiros anos em terras que antes eram “guaranis”.
2.7.2 O grupo germânico
Em 1826, em número de aproximadamente 400 pessoas, chegaram a “Torres”,
eram os imigrantes alemães divididos entre católicos e protestantes, esse critério já
teria sido usado em outras experiências de colonização, fundaram respectivamente, as
localidades das atuais cidades de Dom Pedro de Alcântara e Três Forquilhas.
(SHAEFFER, 2003, p.16).
Em uma das cartas ao presidente da Província de São Pedro, Francisco de Paula
Soares escreveu:
Os collonos [sic] Catholicos [sic] Romanos que necessitavam serem
socorridos do Pastor espiritual pelo cura das Tôrres, forão [sic]
estabelecidos primeiramente pela estrada q. abri no Mompituba [sic] e
Rio Verde (Rio que se abrio [sic] um paço que se acha arrematado) mais
como subriviesse [sic] uma não esperada ennundação [sic] q. dezalojou
[sic] a muitos de suas cazas [sic] por ordem do Exmº Presidente Maciel
forão [sic] transferidos para os terrenos devolutos q. avião [sic] entre a
lagoa do Morro do Forno, e do Jacaré onde axão-se [sic] aranxados [sic]
com Aula Pública de Primeiras Letras pagas pela Nação, simentério [sic]
e construído a sua Igreja ou templo com esmola de que para sem fim
obtiverão [sic] de S.M.I. o Sr. D. Pedro 2º [sic] quando aqui esteve [...]
(SOARES, 1826, apud SILVA, M., 1985, p. 42).
35
JAIME BATISTA
E continua na mesma carta de Soares (1826, apud SCHAEFFER, 2003, p. 16):
Os collonos protestantes, como não precisavam serem [sic] socorridos
pelo cura de Tôrres, os colloquei [sic] com o seu pastor e médico, 8
léguas mais ou menos distantes da Povuação [sic] ou prezídio nas pingues
margens do rio Três Forquilhas em duas linhas parallelas [sic]: os
Collonos [sic] assim arranxados [sic] ficarão [sic] mui bem acomodados
pela vantagem que gozão [sic] da Navegação deste rio.
Essas duas citações nos revelam em primeiro momento o estabelecimento de
colônias germânicas, coma as religiões separadas, em nossa região, que significou um
marco decisivo para a fixação e continuidade do nosso povoamento, pois os católicos,
em menor número, permaneceram mais próximos à capela de São Domingos, até porque
precisavam de espiritualidade em situações de flagelo como a enchente que Francisco
de Paula Soares cita em sua carta, este foi um dos motivos principais da ocupação da
“Colônia de São Pedro”, entre o Morro do Forno e a Lagoa do Jacaré, (atual município
de Dom Pedro de Alcântara) deixando-os mais próximos ainda.
Em segundo lugar, Francisco de Paula Soares fica tranquilo em relação aos
protestantes, que além de terem assistência espiritual, também tinham assistência médica
do próprio pastor, que também era responsável pela alfabetização e cultura dos alemães,
que por terem um rio que desembocava na Lagoa da Itapeva, tinham uma via para
transportar seus produtos, tendo êxito na agricultura, fato esse que não se concretizou
com os alemães católicos, por enfrentarem certos problemas, como as enchentes,
inviabilizando a agricultura, passaram a praticar um êxodo para a parte urbana das
“Torres”, causando comunidades na periferia e desemprego numa vila onde estava em
vias de sua formação.
De acordo com Graciano (2004) os alemães católicos ao contrário dos protestantes
em Três Forquilhas, detinham um grau muito grande de analfabetismo, sem falar que
não continuaram os hábitos de sua cultura como a culinária, o folclore, o dialeto. Os
imigrantes e seus ascendentes misturaram-se com os caboclos, índios e os açorianos
que não tinham assistência devida no que tange a educação formal, fato esse que é um
legado nítido até hoje na cidade Torres, pois uma cidade mais que centenária somente
foi ter uma universidade em 1992, antes disso a educação sempre foi precária.
Com toda essa dificuldade, jogados a própria sorte e absorvendo a cultura e
costumes luso brasileira, os alemães constituíram famílias tradicionais torrenses que
colaboraram no desenvolvimento da região, como os Schaeffers, os Raupps, os Millers,
os Lephas, os Daitxs, os kreusburgs, os Justins, os Bauers, os Meyers, os Maggis, e
tantos outros que continuam a História de Torres. (SCHAEFFER, 2003, p. 23)
36
SOB AS LENTES DE TORRES
2.7.3 A presença da etnia africana em Torres
Quanto à etnia afro-brasileira, que tiveram também significativa importância na
fixação do homem por esses lados, há sinais de uma presença forte, como indica os
registros de batismo, óbitos e casamentos efetuados na Igreja de São Domingos. Alguns
aspectos importantes desta etnia precisam ser ressaltados na historiografia torrense:
O primeiro é que os negros formaram a partir da década de 1840, um quilombo no
“Morro dos Fornos”, que também era conhecido como o “Morro dos Negros”, as
terras ocupadas eram devolutas dos colonos alemães, extremavam com a Colônia São
Pedro de Alcântara. Nessa região fizeram seus ranchos, plantaram laranjeiras, fizeram
roças e constituíram uma comunidade na mata virgem. Não se sabe ao certo de onde
vieram, mas sabe-se que foi durante a Guerra dos Farrapos, e os colonos alemães
praticamente não utilizavam o trabalho escravo, salvo o agricultor José Raupp, que era
agricultor e comerciante. Em 1849, os quilombolas foram atacados por “capitães do
mato” e dispersaram-se. (RUSCHEL, 1986, apud ELY, 2004, 77-78).
E segundo Ruschel (apud ELY, 2004), duas curiosidades sobre a etnia africana,
é que Torres tomou a iniciativa de abolir a escravatura antes que a Princesa Isabel na
Corte; foi em 1884, com a Lei municipal expedida pela Câmara Municipal de Torres.
Até 1890, com o primeiro Recenseamento Nacional, os “negros” representavam 3%
da população torrense, isso devido ao poder aquisitivo baixo da população inicial, e
também por serem, os donos de propriedades costumavam trabalhar em família, além
da proibição dos colonos alemães de utilizar a mão de obra escrava. Também vale
acrescentar, que nasceu em Torres, em 1850, Sebastião Serafim Coelho, um
afrodescendente que tinha fama de santo e morreu com 108 anos em Canoas (RS). Era
muito conhecido na Grande Porto Alegre.
2.8
EMANCIPAÇÃO POLÍTICA
2.8.1 De freguesia à vila
Quando a freguesia de São Domingos das Torres estava consolidada como uma
comunidade humilde, mas próspera, mesmo que ainda dependendo de “esmolas” da
Província de Rio Grande de São Pedro, ela é desmembrada de Conceição do Arroio,
elevando-se a vila em 21 de maio de 1878. Neste período no Brasil não havia intendentes
ou prefeitos, as cidades eram administradas pelas câmaras municipais. Em “Torres”
foi instalada a Câmara Municipal e nove anos depois, inesperadamente o município foi
37
JAIME BATISTA
extinto. Somente nove anos depois é que voltou a ser município, logo após a proclamação
da República. Pode-se igualmente dizer que Torres possui duas datas de nascimento,
ou seja, ela tem uma gênese monarquista e outra republicana, no que se refere ao seu
status atual de município. (RUSCHEL, 1992, apud ELY, 2004, p. 464-465).
2.8.2
Formação administrativa
Conforme o IBGE (1973), a Freguesia de São Domingos das Torres, vigésima
oitava da Província, foi criada em 20 de dezembro de 1837, por força da Lei provincial
n.° 13. Seu desenvolvimento determinou a criação do Município de São Domingos
das Torres, com território desmembrado de Conceição do Arroio, por Lei provincial
n.° 1.152, de 21 de maio de 1878. A mesma lei elevou a sede municipal à categoria de
vila, ocorrendo a instalação em 22 de fevereiro de 1879, com a administração de
Manoel Fortunato de Souza, um oficial militar. Em 1887, porém, foi o Município
extinto, sua sede perdeu a condição de vila e o território passou a pertencer a Conceição
do Arroio. O Decreto estadual n.° 62, de 22 de janeiro de 1890, do então recente
Governo Republicano, restaurou o Município, cuja reinstalação se verificou a oito do
mês seguinte, quando se reabriu o Conselho Municipal e também a Intendência, pois a
partir da Declaração da República do Brasil, surge dois municipais, o Executivo
(Intendência Municipal) e o Legislativo (Conselho Municipal), até então os conselheiros
municipais acumulavam os dois poderes.
O telegrafista oficial do Exército brasileiro, Tenente Coronel Álvaro Afonso
Pereira Capaverde, foi o primeiro morador de Torres a receber a notícia da Proclamação
da República do Brasil. Por ser republicano e militar, passou a ser o primeiro intendente
de São Domingos das Torres.
Leonia Capaverde Bulla, neta de Álvaro Capaverde, declarou que após o seu avô
receber a mensagem via telégrafo, saiu aos gritos na rua entoando por várias vezes a frase:
“Viva a República!” Logo em seguida foi preso por estar manifestando-se contra a
monarquia, pois nem deu tempo dele próprio passar a mensagem por escrito. Assim que
confirmaram a Proclamação feita por Deodoro da Fonseca, liberaram o Tenente Coronel
e posteriormente em 1890, o republicano fervoroso assume a intendência da vila.
O Ato municipal de 26 de setembro de 1892, refere-se também à criação do
distrito sede do Município de Torres. Na Divisão Administrativa de 1911, e nos quadros
de apuração do Recenseamento Geral de 1920, o Município é apresentado com três
distritos: Torres, Três Forquilhas e Glória.
Em 1933, segundo o quadro da Divisão Administrativa desse ano, o Município se
subdividia em quatro distritos: Torres, Três Forquilhas, Nossa Senhora da Glória e Colônia
38
SOB AS LENTES DE TORRES
Júlio de Castilhos. Assim permaneceu por ocasião das divisões territoriais de 1936 e
1937; da mesma forma figurou no anexo ao Decreto estadual n.° 7.199, de 31 de março
de 1938, notando-se que nesses quadros os dois últimos distritos se chamavam Glória e
Júlio de Castilhos, e que a sede do de Júlio de Castilhos não possuía categoria de vila.
Na Divisão Territorial vigente para o quinquênio 1939-1943, o Município
continuou com quatro distritos: Torres, Morro Azul (ex-Júlio de Castilhos), Três
Irmãos (ex-Três Forquillhas) e Rio Verde. Pela Divisão Territorial referente ao
Figura 3 – A Lei que emancipou São Domingos das Torres.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2008.
39
JAIME BATISTA
quinquênio 1945-1948, o Município continuava com quatro distritos: Torres,
Guananazes (Ex-Três Irmãos), Pirataba (ex-Rio Verde) e Morro Azul, situação que
permaneceu até 1960, quando, em nova divisão territorial, figurou com os distritos
de Torres, Guananazes, Morro Azul, Pirataba, Rua Nova, São Pedro de Alcântara e
Três Cachoeiras. Na Divisão Territorial de 1963, continuou com o mesmo número
de distritos, apenas com dois topônimos mudados: Pirataba passou a chamar-se Glória
e Guananazes retomou a antiga denominação de Três Forquilhas.
2.9
O BRASÃO DE TORRES
Para distinguir as famílias, os medievos na Europa usavam brasões que se
originaram da palavra germânica “blasen” que significa soprar. No período medieval,
as mensagens dos líderes de família eram precedidas de toques de cornetas, e essas
cornetas eram enfeitadas com um brasão, assim como os escudos da família. Os
mensageiros que faziam a proclamação chamavam-se Heraldos ou araltos, palavra
também de origem germânica, e a ciência que estuda esses brasões de família é a
“Heráldica”. Graças a essa preocupação, que era legitimamente a certidão da família,
hoje se pode identificar os troncos familiares de descendentes de todo o mundo ocidental.
Estes mesmos brasões foram utilizados pelos impérios e posteriormente pelas
cidades, assim como na Idade Média, todo município ostenta o brasão, não tão
rigorosos na sua formatação, mas com o mesmo intuito de distinção e características
de cada região. Este é o caso de Torres, cujo brasão tem:
[...] forma portuguesa, isto é, um quadrado com um semi-arco na
extremidade inferior Ele é “terciado em faixa”, o que significa que se
apresenta em três faixas horizontais. [...] A faixa de cima, um pouco
mais larga, contém uma paisagem que procura simbolizar os quatro
elementos basálticos da natureza local: o sol, o mar, a areia e as rochas.
Trata-se de uma vista estilizada da Praia da Guarita, em que aparece a
Guarita, no meio-direito, uma ponta da Torre das Furnas, à esquerda, a
praia, no 1° plano, o mar, no 2° plano, e um sol radioso, no fundo. É o
mesmo panorama que está na bandeira do município, menos três pássaros
voando no céu. (RUSCHEL, 1993, apud ELY, 2004, p. 603)
Ainda tem outras duas faixas que tem as três torres estilizadas, que já eram
símbolo antes de ser adotado o brasão, muito comuns na Idade Média. E a outra com
a palavra Torres. Acima tem uma coroa com triplo castelo, que lembra as “Três
40
SOB AS LENTES DE TORRES
Torres” e era comum nos reinos medievos. O brasão torrense exprime a importância
das formações basálticas já percebidas pelos transeuntes e primeiros ocupantes,
consolidando com o turismo que persiste até os dias atuais.
Figura 4 - Brasão de Torres
Fonte: <http://www.
torres.rs.gov.br/?pagina=213>
Anteriormente ao brasão atual, era usado em Torres, no período da Intendência
Municipal, outro que mantinha as três torres, porém ao invés da praia da Guarita,
destacam-se dois ramos representando a agricultura. Esse mesmo brasão foi colocado
na fachada do prédio da Prefeitura Municipal de Torres em sua inauguração, porém
com a mudança da palavra Intendência para Prefeitura, como pode ser observado
nas imagens abaixo:
Figura 5 – Antigo brasão
usado até a década de 1930
Fonte: Acervo Centro Municipal
de Cultura de Torres, 2007.
41
JAIME BATISTA
Figura 6 – Antigo brasão que se encontra no prédio da Prefeitura Municipal de Torres.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
Figura 7 – Faixada do prédio da Prefeitura Municipal de Torres localizado na rua
Júlio de Castilhos.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
42
SOB AS LENTES DE TORRES
2.10 A BANDEIRA DE TORRES
A Bandeira de Torres passou a ser lei no ano de 1970 (anexo A), foi escolhida
através de um concurso público, porém pouco se sabe sobre o mesmo, somente que
foi feito em 1969, após a emenda constitucional de 1969.
Uma curiosidade é que na Lei Municipal que institui a bandeira de Torres, está
especificando a data de fundação do município em 24 de maio de 1878 e não 21 de
maio como de fato está na Lei da primeira emancipação.
Figura 8 – Bandeira do Município de Torres
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
2.11 ECONOMIA TORRENSE
A cidade de Torres, economicamente falando, em seus primórdios, teve
colaboração multicultural, pois assim procederam as cinco principais etnias
formadoras de seu povo, dedicava-se, principalmente a uma agricultura familiar de
subsistência e a pesca artesanal. A sua influência maior foi primeiramente açoriana e
posteriormente, germânica, mas a mão de obra teve a participação de nativos
missionários e o africano.
43
JAIME BATISTA
De acordo com Ruschel (apud ELY, 2004), passados cerca de 200 anos, a
realidade econômica de Torres, ao mesmo tempo em que se alterou, em certo sentido,
continua a mesma. A produção agrícola com engenhos de farinha, de cachaça e durante
um grande período teve como principal produto a banana. A pesca, sempre de maneira
artesanal, sustentou muitas famílias e gerou as salinas, onde faziam a salga do peixe
seco. Assim sendo, a produção agrícola e pesqueira do município, guardada as
proporções lógicas da relação espacial e temporal, pouco se alterou, o que se viu,
principalmente, a partir da década de 1910 (século passado), foi o surgimento de
uma nova atividade econômica, que desde esse tempo impulsiona e dá números à
economia local: o turismo.
Desse modo, Torres chega ao século XXI, basicamente dependendo do
segmento turístico, e seu patrimônio maior fica dividido entre o cultural/material: as
construções arquitetônicas, do século XIX, a saber, a casa de n° 1, onde abrigou D.
Pedro I durante a campanha da Cisplatina; a Igreja Matriz São Domingos, tombada
pelo IPHAE; a Casa de Cultura; o atual prédio da prefeitura, entre outros. E o
patrimônio natural: as torres basálticas localizadas junto ao oceano, as dunas. Na
parte mais central da cidade: a Lagoa do Violão, a Praia Grande, a Prainha e o rio
Mampituba, na divisa do estado de Santa Catarina.
Então, para demais esclarecimentos, pode-se dizer que Torres nasceu agrícola
e pesqueira por necessidade e hoje é turística por vocação, acrescentando-se ainda
que seu povo oriundo das etnias açoriana, germânica, indígena, africana e acrescentese a elas, a italiana, que por aqui chegou alguns anos mais tarde, é hoje fruto de uma
grande mestiçagem, gerando uma só cultura, a dos “marisqueiros” que nos remete
aos sambaquianos e outros nativos, e dos “ibicuiras”, que para muitas pessoas é
pejorativo, mas na verdade em tupi-guarani significa homem da areia ou homem da
praia.
2.12 O PORTO QUE NÃO SAIU
Na metade do século XX “Torres” almejava ser uma cidade próspera com
intuito de crescimento comercial, tinha ligação através da navegação lacustre pela
Lagoa da Itapeva até Osório. A sociedade torrense estava passando por um clima de
tornar-se uma cidade portuária, com estrada de ferro, e isso estava atraindo pessoas
para a região das Torres. A partir desse momento os torrenses passaram a absorver a
ideia de um porto, porém quatro tentativas fracassaram.
44
SOB AS LENTES DE TORRES
Na primeira tentativa o Brasil ainda era um Império. Um dos problemas de
comunicação entre o vasto Império eram as suas vias de transporte. Aproveitando
os recursos lacustres da região, que formavam um grande canal interligado
naturalmente, cogitou-se a possibilidade de ligar essa via a um projeto maior, ou
seja, um Porto Marítimo em Torres. O escoamento de produtos na Província de
Rio Grande de São Pedro era muito precário. A entrada da Lagoa dos Patos era um
acesso muito perigoso, tinham muitos bancos de areia e precisava de muito
investimento para fazer um porto. De acordo com Ruschel (apud ELY, 2004) em
1857, o governador da Província tinha duas alternativa, ou fazer uma barra em Rio
Grande (RS) ou a construção de um porto em São Domingos das Torres. Os
engenheiros ingleses eram a favor, a ponto de orçarem o projeto em três mil e
quinhentos contos de reis em 1861. Porém, por influências políticas muito
poderosas, o porto passou a ser em Rio Grande (RS). Foi feito um relatório em
1875 para Londres pelos engenheiros, onde constava que um porto em “Torres”
era mais viável economicamente, e em Rio Grande (RS) era mais difícil e mais
dispendioso e obras mais inseguras. Mesmo assim persistiu a decisão anterior.
Uma segunda tentativa foi durante o governo provisório do marechal Deodoro
da Fonseca que agonizava. Um dos motivos dessa crise foi a denúncia de que o
então Presidente da República havia se envolvido em corrupção com o engenheiro
da construção do porto de Torres, pois superfaturou a obra. Devido à sua renúncia
e à Revolução Federalista em 1993, a obra foi abandonada. Se fosse concluída,
Torres seria hoje uma cidade bem melhor economicamente, mas por outro lado,
estaria desfigurada, pois entre a Guarita e o Morro do Farol teria um grande cais.
E também os torrenses seriam “deodorenses”, pois a vila se chamaria
“Deodorópolis”, em homenagem a Deodoro. Anos depois, o seu vice-presidente
Marechal Floriano Peixoto, assumiu a presidência e mudou o nome de Nossa
Senhora do Desterro para Florianópolis (SC) como imposição aos catarinenses.
A imagem abaixo é, até o momento, considerada a primeira fotografia de
Torres. Pode-se confirmar a obra inacabada do primeiro presidente da República
do Brasil.
Na terceira tentativa, no ano de 1905, uma missão de capitalistas estadunidenses,
que segundo Ruschel (1987, apud ELY, 2004, p.144), era Mr. W. T. Van Brunt,
Mr. Schrred e Mr. Everit, além de uma missão política gaúcha vieram a Torres para
sondar a possibilidade de reiniciar as obras do porto, iniciadas e interrompidas uma
década atrás. Novamente o projeto não foi viabilizado, pois os investidores preferiram
Santa Catarina por ter carvão abundante.
45
JAIME BATISTA
Figura 9 - Molhes da Guarita – 1892
Fonte: Acervo João Barcelos, 2007.
E a última esperança foi quando Getúlio Vargas assumiu o governo do Estado
do Rio Grande do Sul. Em janeiro de 1928, Getúlio decidiu em sua visita a São
Domingos das Torres, que deveria retomar a ideia do porto de Torres. Quase um ano
depois, uma equipe técnica vem fazer novos levantamentos para tal possibilidade,
mas por questões econômicas e políticas que pairavam contra o Estado, impossibilitou
a retomada do porto. Quando Getúlio toma o poder federal, ascende nova esperança,
mas novamente não foi possível fazer de Torres uma cidade portuária.
46
SOB AS LENTES DE TORRES
3
TORRES: “EVOLUÇÃO URBANA,
SOCIOECONÔMICA E CULTURAL SOB A ÓTICA
DE UM ACERVO FOTOGRÁFICO HISTÓRICO
DIGITALIZADO”.
As denominadas áreas balneárias como lugar de descanso e lazer, remonta ao
período do antigo Império Romano, quando nos referimos à visão “eurocêntrica” da
história ocidental. Foi, no entanto, durante o século XIX, que famílias reais e a nobreza
europeia passaram a construir suntuosos palácios e casas de verão ou veraneio, nas
costas litorâneas da Europa, fugindo dos rigorosos invernos do interior continental.
O hábito de construir residências de verão entre os europeus, não estava
diretamente relacionado às atividades balneárias, que passaram a ser praticadas já no
início do século XX. Os banhos de mar eram considerados medicinais, tão importantes
quanto à ação das águas termais, era a chamada balnearioterapia2. A amenidade das
temperaturas a beira mar, foram outros fatores que favoreceram a popularização das
estâncias balneárias próximas às orlas marinhas. Com isso, em muitos lugares do mundo,
aldeias de humildes pescadores foram sendo invadidas pela especulação imobiliária
de forma desenfreada. Em pouco tempo, luxuosos chalés de veraneio compunham a
paisagem ao lado de moradias muito simples.
2
Forma de tratamento de doenças por meio de banhos. De origem antiga, Hipócrates, Platão, Galeno e
Celso, já se referiam ao banho para fins terapêuticos.
47
JAIME BATISTA
Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, houve uma
evolução sociocultural entre os brasileiros, visto que, os grupos mais favorecidos
passaram a imitar os hábitos dos patrícios portugueses. Neste caso, algumas
personalidades ligadas a “Corte” passaram a tomar banho de mar nas praias do Rio de
janeiro, com o objetivo de atenuar os efeitos das elevadas temperaturas do verão
fluminense.
Outro fator determinante para as mudanças, foi a invasão da Cisplatina pelas
tropas luso-brasileiras sob as ordens do príncipe regente D. João, como forma de
retaliação à invasão do território português pelas tropas de Napoleão Bonaparte. Essa
investida militar no extremo sul resultou na ocupação mais efetiva do território do Rio
Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, por parte dos portugueses e brasileiros.
Foi nesse contexto que a região de Torres e a foz do Rio Mampituba, passaram a fazer
parte dos planos das autoridades da Coroa de Portugal, para consolidar seus interesses
político-econômicos no Sul do Brasil.
3.1
TORRES: “OS PORTAIS DE MILHÕES DE ANOS”
A maioria de visitantes que passam por Torres (RS), quer sejam, navegantes,
aviadores, motoristas, pescadores, pedestres e/ou outros, ficam maravilhados diante
das enormes falésias que emolduraram a costa litorânea da região. De um único
continente chamado Pangeia (pan = todo - geia = terra) houve portentosas forças
tectônicas que ocorreram durante o Período Cenozóico, iniciando no final do terciário
(Plioceno, 2,1 milhões de anos), e pelo quaternário (2 milhões de anos), estendendo-se
até os dias de hoje, e resultaram na formação da Serra Geral, cuja expansão meridional
acabou deslocando-se para o leste, recortando o Litoral Norte do Rio Grande do Sul, e
dessa maneira fez surgir os monumentos naturais que tornaram a região tão conhecida
no Brasil e até no exterior.
Como verdadeiros portais de entrada para um lugar “mágico” ou paradisíaco,
essas formações basálticas, parecem dar as boas vindas àqueles que chegam à terra
rio-grandense, a partir do extremo sul do Estado de Santa Catarina. Suas paredes
escarpadas já foram motivo de inúmeras especulações míticas ou científicas, tal como,
a hipótese de que há mais ou menos 152 milhões de anos, ocorreu a separação entre o
continente africano e sul-americano, o que deixou marcas bem definidas da antiga
união continental nas falésias litorâneas ocidentais da África e no mesmo tipo de
formações, no litoral oriental da América do Sul.
48
SOB AS LENTES DE TORRES
O denominado “Portal de Torres”, é composto por três imensas formações
rochosas que se precipitam no Atlântico e recebem as seguintes denominações: “Torre
Norte”, popularmente conhecida como o “Morro do Farol”, a “Torre do Meio”, também
conhecida como “Morro das Furnas” devido às grutas que recebem as ondas do mar
num movimento contínuo de fluxo e refluxo, provocando com isso um espetáculo
belíssimo e ao mesmo tempo assustador; e a “Torre Sul”, ponto de referência para a
“Praia da Guarita”, cujo nome provém da torre menor que guarnece as outras três.
Guarita em português se origina da palavra germânica “wargem” que quer dizer refugiarse, após passou pela língua italiana: “garitta” ou torres de formato cilíndrico ou
piramidal, que sugere os abrigos usados nos baluartes pelas sentinelas para abrigar-se
das intempéries ou projéteis de inimigos. Ainda pode-se acrescentar a palavra “guaritá”
em tupi-guarani, mas foge dos outros significados mais relevantes. O certo é que esse
nome foi somente registrado em um dos postais de Torres quando do início de sua
atividade balnear. Antes de 1900 o nome Guarita poderia ser mencionado, mas não
existem fontes, que confirme essa hipótese.
Houve menções a esse monumento natural que simboliza a cidade de Torres,
atualmente está até em sua bandeira. A primeira menção foi em 1779, nos registros da
retirada das tropas portuguesas do “Rio Grande”, que avistaram entre as outras torres
“um penedo de figura piramidal”; e em 1839, o escritor Nicolau Dreyus registra em
seu livro que a “Torre Sul” está quase ligada a outra menor com forma piramidal. E
também em 1852, o germânico Herrmann Wendroth, faz um desenho da torre com a
seguinte frase abaixo: “Die Felsen Von Torres”, que significa: “As Rochas de Torres”.
Mas nenhum deles refere-se à torre como “Guarita”. Fotografada e admirada por pessoas
de todo o mundo, a Praia da Guarita é um ícone tanto para o município de Torres como
para o Estado do Rio grande do Sul, aparece em enciclopédias, livros de geografia, em
folhetos de turismo, em postais, em jornais e na rede da internet. (RUSCHEL, 1989,
apud ELY, 2004, p. 284).
Através desta fotografia podemos observar o conjunto harmonioso formado
pelas três formações rochosas, cuja presença natural foram fundamentais para dar nome
àquela que é hoje a mais famosa e conhecida Praia do Rio Grande do Sul. Vê-se parte
da Torre Norte, também conhecida como Morro do Farol, de onde foi registrada essa
imagem, do Morro das Furnas, a Torre Sul e a menor delas, que é símbolo do município
de Torres: a Guarita. Em close observa-se o gado pastando no gramado característico
dos morros das torres, muito comum entre pedras e areias da região, e os bancos
oferecidos aos apreciadores desta imagem paradisíaca. O conjunto emoldura a orla
marinha ainda em seu estado natural, ou seja, com poucas aparentes intervenções
humanas que modificam o meio ambiente. Entre o Morro do Farol e o Morro das
49
JAIME BATISTA
Figura 10 – Aquarela de Herrmann Wendroth: “As Rochas de Torres”, 1852.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 11 – Vista das Torres na década de 1950.
Fonte: Centro Municipal de Cultura de Torres. 2006.
50
SOB AS LENTES DE TORRES
Furnas avista-se a Praia da Cal, com suas primeiras casas de veranistas, sua maioria
descendente de italianos, vindos da serra gaúcha. E ao fundo, a partir da Torre Sul, a
extensa Praia da Itapeva, com seus sete quilômetros de pura areia esbranquiçada e
vegetação, que ainda hoje está conservada, por fazer parte do Parque Estadual da
Itapeva. Neste ângulo confirma-se o relato de Saint-Hilaire (1987, p. 11) sobre as
Torres em seu livro Viagem ao Rio Grande do Sul:
TORRES, 4, segunda-feira, 5 de junho de 1820. – Sempre areia e mar.
Enquanto nos dias anteriores só avistávamos uma praia esbranquiçada
que se confundia com o céu da linha do horizonte, hoje, ao menos,
deparamos dois montes denominados Torres, porque realmente avançam
mar adentro como duas torres arredondadas.
Figura 12 – Cabeça de Índio, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Aqui temos em destaque a formosa formação rochosa “Cabeça de Índio”,
mais abaixo se observa um modelo com proporções menores, parecendo uma espécie
de acompanhante. Ambos dão a impressão que olham para o alto mar, numa eterna
busca por algum sinal no horizonte. Tudo o que destacamos pode variar de acordo
com a criatividade ou imaginação do observador. A pedra a cima da base cônica, se
assemelha à uma cabeça. De acordo com os relatos de alguns moradores de Torres,
a pedra foi atingida por um raio e caiu em pedaços.
51
JAIME BATISTA
Figura 13 - Morro das Furnas, 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Esse imponente promontório, cujas encostas debruçam-se sobre as águas do
Oceano Atlântico, é a famosa “Torre do Meio”, constitui-se na mais extensa
formação basáltica junto ao mar na região. Os paredões abruptos conferem ao
lugar um ponto turístico misto de medo e beleza natural, cuja base é constantemente
açoitada pelas ondas do mar. É possível perceber através da imagem as trilhas que
levam os mais curiosos e aventureiros muito próximos da chamada área de
arrebentação.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 14 – Torre Sul, década de 1950 de 1960.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura15 – Ayers Rock
Fonte: <http://www.ciao.es/Ayers_Rock_o_Urulu__566091>.
A imagem da “Torre Sul” um pouco mais isolada, apresenta-se como um “morro
sentinela” guardando a “Torre do Meio”. Sua formação arredondada em meio a um
espaço plano permite aos observadores providos de um pouco mais de leitura ou
conhecimento geográfico, compará-la a famosa formação rochosa australiana
53
JAIME BATISTA
denominada naquele país de “Ayers Rock” ou Urulu, um monumento natural
considerado sagrado para os aborígenes da região. Sem querer levantar uma questão
hipotética ou mirabolante, podemos imaginar a importância dessas formações para os
nativos “M’byá-Guaranis” e “Aranchãs” que por séculos habitaram a região antes do
colonizador europeu.
Figura 16 – A Guarita vista pelo sudeste, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Essa belíssima formação basáltica popularmente conhecida como “Guarita”,
apresenta-se imponente como um ponto de referência natural, que pode ser avistada
a grandes distâncias. Acreditamos ser a verdadeira fonte motivadora para que o local
recebesse o nome de “Torre” e por consequência, a proximidade das outras formações
rochosas, passou a “Torres”. Esta é uma das provas da separação da “Pangeia” que
formou outros continentes, o americano e africano. Na África há uma formação
rochosa semelhante, como se fosse encaixar com a Guarita e os outros morros; Fica
na Namíbia (África), conhecida como Cabo Cruz na região de Kaokoveld, considera
irmã xifópaga da Serra Geral.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 17 - Deserto do Arizona (EUA).
Fonte: <http://farm2.staticflickr.com/1127/1415029310_04d0fc4f77.jpg >.
Mais uma vez o registro fotográfico nos induz a analogia com outra formação
rochosa semelhante, situada a milhares de quilômetros, mais precisamente deserto do
Arizona (EUA), Onde se encontra a famosa “Green Walley”, cenário de inúmeros
filmes “western” de Hollywood.
Uma região onde a natureza prodigiosa não poupou recursos e efeitos para
torná-la ímpar em todo o litoral sul do Brasil, não pode passar despercebida dos
interesses particulares e de grupos que andaram pelo local. A pacata região habitada
por humildes pescadores, já atraía a atenção de curiosos desde o início do século
XX. Nesse close vemos nitidamente o tamanho monumental do símbolo que é a
“Guarita das Torres”.
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JAIME BATISTA
Figura 18 – Carro de bois com estrangeiros, 1905.
Fonte: Acervo João Barcelos, 2008.
Neste registro fotográfico realizado no ano de 1905, apresenta uma imagem
antológica, ela é multicultural e ao mesmo tempo uma testemunha ocular congelada
no tempo, a presença de dois norte-americanos que por Torres estiveram para avaliar
a possibilidade da construção de um porto na cidade, como já mencionado
anteriormente. Provavelmente tiveram o deslumbre quando visitaram as formações
rochosas da região de Torres. O meio de transporte que está em evidência nesse
registro é um carro de bois, conduzido por um nativo da região. Paulino Pereira da
Silva, o bisavô do Sr. João Barcelos (in memoriam), que se dedicava à História do
município contava a João Barcelos, que mais tarde vem revelar que seu bisavô tinha
na ocasião do registro da fotografia, uns 70 anos. Humildemente vestido, pés descalços
em contraste com os elegantes cavalheiros trajando terno e chapéu “coco”. Nessa
leitura da imagem histórica não pode deixar passar despercebida, a Torre da Guarita
ao fundo e parte de uma taipa onde um dos ilustres visitantes está sentado. As taipas
eram muros de pedras sobrepostas construídas pelos primeiros colonizadores do
Brasil meridional, através da exploração do trabalho escravo. Essa estrada era o
“Caminho do Carijó”, uma antiga picada de nativos da região, o trajeto era do Rio
Mampituba para o sul do Rio Grande do Sul.
56
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 19 – Carro de bois com zebus
Fonte: Acervo João Oliveira, 2006.
Esta imagem apresenta um detalhe significativo para a memória historiográfica
quanto ao seu aspecto socioeconômico. Diferente do primeiro veículo puxado por bois
anteriormente apresentado, esse possuía laterais fechadas por pranchas de madeira fixadas
com os “fueiros”, típica dos que transportam objetos finos ou pequenos pertences. O condutor
proprietário na ocasião era o popular “Adão Cachimbo”, que trajava roupas de acordo
com o figurino da época, portanto chapéu próprio de pecuarista e agricultor. Outro detalhe
relevante, são os bois que puxavam o carro, pois pertencem à raça zebu, uma linhagem
típica da região sudeste, mais precisamente de Minas Gerais. Antes de a rodovia federal
ser inaugurada, todo transporte terrestre era feita por carro de bois na região de Torres.
Esse tipo de transporte típico da região foi introduzido pelos colonos de origem açoriana.
Em um artigo do jornal Correio do Povo, o jornalista escreve assim:
Carros puxados por uma junta de bois, ainda existem muitos no município
de Torres. Têm eles as rodas fixas ao eixo, girando este juntamente com as
rodas. Daí o ruído que faziam quando carregados. Eles “cantavam” como
dizia o povo, e quanto mais “cantava”, mais faceiro ficava seu proprietário.
Ainda estavam longe da vila. No aterrado por exemplo, e já eram ouvidos.
Ao subir a Lomba do Neguinho, Isto é, ao entrar na vila, o carreiro (não
era chamado de carreteiro) costumava engraxar o eixo com sabão. Não era
permitido que “cantassem ao atravessar as ruas da vila. (FORTINI, 1969,
apud RUSCHEL, 2004, p.236).
57
JAIME BATISTA
Figura 20 – Vista Parcial das Torres do Meio e Norte, 1913.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Esta imagem panorâmica do Balneário de Torres constitui-se numa das mais
antigas fotografias da região. O registro foi feito de cima da Torre Sul, local que
hoje se constitui num ponto turístico da atual cidade, trata-se do Parque Estadual da
Guarita. Através dela podemos observar o estado ainda agreste em que se encontra a
região nos últimos anos do século XIX, e começo do século XX. Somente dunas,
vegetação e o mar, compõe o quadro na região. Percebe-se também uma estrada
feita por carro de bois, como mencionado anteriormente. Não se percebe construções
que fossem ponto de referência, a não ser em cima da Torre Norte, o recém-construído
farol.
Apesar de não ser um balneário muito procurado por veranistas, suas formações
rochosas incomuns para a orla litorânea, já atraiam a atenção de curiosos, quer sejam,
estrangeiros ou da própria região ou próximas do Estado do Rio Grande do Sul. Em
geral os visitantes eram grupos de Famílias que vinham à região para fazer
“piquenique” nos fins de semana durante os períodos de férias escolares, sendo poucos
os chamados banhistas. A maioria vinha mais para admirar as belezas naturais ou
para a pesca de lazer.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 21 - Descida às Furnas, 1901.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Neste registro fotográfico datado de 1901, podemos avaliar os riscos de vida à
que se expunham os curiosos que, em atividades de lazer utilizavam-se de escadas de
madeira para subir ou descer pelas encostas das falésias, em busca de aventuras ou
simplesmente de um bom lugar para posar diante de uma máquina fotográfica. A imagem
por si só, já confirma nossa exposição textual sobre pessoas e grupos que visitavam a
região no início do século XX.
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JAIME BATISTA
Figura 22 – José Antônio Picoral, SD.
Fonte: ELY, Nilza Huyer (Org.). Torres tem
História. Porto Alegre: EST, 2004.
3.2
JOSÉ ANTÔNIO PICORAL: “O PAI DO BALNEÁRIO TURÍSTICO
DE TORRES”
No período da História conhecido por Entre Guerras, José Antônio Picoral, um
descendente de mãe germânica e pai holandês, nascido na “Colônia de São Pedro” em
25 de julho de 1877, administrou um empreendimento balnear em Torres (RS). Órfão
de pai e mãe, Picoral aos 14 anos começa sua vida profissional em Porto Alegre, onde
trabalhava em uma loja de ferragens, posteriormente trabalhava como baleiro. Prosperou
e montou o seu próprio negócio. Era um pequeno comércio que depois de casado,
vendeu-o em 1895; com o dinheiro comprou terras onde fica hoje a “Rua da Praia” em
Porto Alegre (RS). A partir daí torna-se um empreendedor de sucesso.
Depois de passar um veraneio em Tramandaí, frustrou-se das condições que
aquela praia, na época, ofereceu para sua família. Nessa época os veraneios a beira
mar eram feitos pela aristocracia porto-alegrense somente nesse balneário, a vila de
Torres não era conhecida como tal. Pensando nisso, Picoral em 1915, com o apoio de
Luis André Maggi e José Pacheco de Freitas (Cel. Pacheco) o “intendente” da Vila de
Torres, além outros torrenses, inaugura o “Balneário Picoral”. Com suas viagens a
cidades turísticas no Brasil e até mesmo em outros países, o empreendedor acumula
conhecimento e experiência, logo traz ideias e inovações para a vila de pescador que
se transformava em uma estação balneária da aristocracia gaúcha. O complexo do
balneário se dividia em três partes: O salão ou sede, os chalés e o “quadrado”.
60
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 23 – Sede do Balneário Picoral, década de 1935.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Percebe-se neste registro fotográfico, o salão ou sede que ficava na Rua Carlos
Flores, a atual Rua José Antônio Picoral (a rua teve seu nome alterado em homenagem
póstuma ao grande empreendedor da cidade de Torres), com esquina Rua XV de
Novembro. Era um pavilhão muito grande de madeira com espaço avarandado com
estilo dos “chalets” europeus, onde funcionava a recepção, os locais de refeição e
eventos sociais. Durante as refeições, havia música ao vivo com uma orquestra
contratada de Porto Alegre regida pelo maestro denominado Wolf. Na vila de Torres
não havia energia elétrica no início deste empreendimento, mas o Hotel Picoral tinha
sua própria usina, assim como a caixa d’água. Havia salão de jogos com xadrez, tênis
de mesa, cartas, dominó, etc. Faziam parte do complexo: duas cozinhas, lavanderia
mecanizada, barbearia, marcenaria, carpintaria, serraria, torrefação de café, padaria,
matadouro, fábrica de colchões. Com exceção do gerente, do barbeiro, de uma doceira
de São Leopoldo (RS) e quatro músicos, todos os outros funcionários eram da vila,
além de criar mão de obra indireta. Todos habitantes se envolviam, pois se tratava de
um empreendimento numa vila de agricultores e pescadores que forneciam suas
produções, aquecendo a economia local. (RUSHEL, 1986, apud ELY, 2004, p. 50).
61
JAIME BATISTA
Figura 24 – Chalés do Picoral, década de 1920.
Fonte: Acervo Casa de Cultura Municipal de Torres, 2005
Os chalés que hospedavam os veranistas eram inspirados no estilo europeu,
ficavam fora da sede, na Rua Carlos Flores e estavam espalhados pela vila. A rua era
de chão batido, havia outras casas incluindo a do Sr. Picoral. Apesar de ter nome
oficial, ela era chamada de “Rua de Cima” pelos moradores da vila. Ficou
caracterizada desde então como uma rua de veranistas e poucos locais.
O Quadrado do Picoral tinha esse nome devido aos chalés de madeira alinhados
dentro do espaço mencionado. Ficava na atual Praça Pinheiro Machado; todos eram
com as portas viradas para dentro formando um pátio interno com um espetacular
gramado. Conforme o relato de Ricardo Batista Jorge, filho de Alberto Jorge, que
foi intendente interino de “Torres” neste período, estavam entre os veranistas que se
hospedavam nestes chalés, o Borges de Medeiros, o Vice-Governador Protásio Alves,
entre outros políticos influentes; por causa desses políticos, a comunidade torrense
apelidou o quadrado de “Senado”.
Nesta fotografia aérea (nota-se a asa do avião acima na esquerda), observamos
também, os hóspedes em volta e um automóvel Ford modelo A, que eram de propriedade
dos veranistas da década de 1930. Também observamos outras casas, que são dos
veranistas tradicionais que passaram a veranear com mais frequência em “Torres”,
devido ao êxito deste complexo balnear.
62
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 25 – O Quadrado do Picoral, 1930.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
63
JAIME BATISTA
3.3
EVOLUÇÃO DO ESPAÇO URBANO
Figura 26 – Rua Carlos Flores, 1912.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Aqui temos registrada uma imagem produzida em 1912, onde podemos ver
um conjunto de casas de madeira perfiladas lateralmente. Não há espaço específico
para o trânsito de qualquer tipo de veículo, quer seja motorizado ou puxado por
tração animal. Ressaltamos em primeiro plano uma casa de alvenaria estilo portuguêsaçoriano, tendo frente um poste metálico com um senhor que provavelmente seria o
proprietário da mesma. Este tipo de poste era a luminária que se usava no começo
do século XX, com lamparinas a querosene ou óleo de baleia.
Esta é a primeira construção imponente edificada no balneário de Torres no
início do século XX. Datada em 1912, a fotografia mostra como ficou o farol após
o término da sua construção. Em estilo inglês, semelhante a muitos construídos
nos litorais do Reino Unido, porém de fabricação francesa. Essa construção
medindo 10 metros de altura passou a figurar como ponto de referência noturna na
antiga vila de São Domingos das Torres.
O primeiro farol de Torres era feito de ferro forjado, revestido com chapas
de ferro fundido, fixado em uma base de alicerce de alvenaria. Ao lado direito da
fotografia percebe-se as casas de madeira onde moravam os faroleiros com suas
64
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 27 – Primeiro farol de Torres, 1912.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
famílias, além de um depósito para armazenamento do material usado para a
manutenção. A cor dele era roxa-terra, de uma tinta que servia contra a oxidação.
Mesmo com esses cuidados, o primeiro farol permaneceu imponente até 1928,
onde foi substituído por outro. A partir do dia 25 de janeiro de 1912, o farol das
Torres, iniciou suas atividades, e a Torre Norte, local onde ali estava, passou a ser
chamada pelos moradores da vila e por visitantes de “Morro do Farol”.
65
JAIME BATISTA
O farol era ponto predileto da visita de todo veranista novato que geralmente
fazia questão de subir até à plataforma, para de lá poder descortinar melhor
uma vista geral sobre as belezas naturais da encantadora praia. Os
passageiros que ocupam os modelos Ford e [Humber] pertenciam às famílas
do Drs. Dionísio Cabeda e Marcelino Bandeira, antigos veranistas de
Torres. (PICORAL, SD, apud VENTURELLA, 2006, p. 68).
A citação acima se refere ao relato de José Antônio Picoral, um empreendedor
do balneário de Torres, que fez ao jornal Correio do Povo, nessa época, descrevendo a
rotina do então recentemente inaugurado farol, apontado-o não apenas como um
Figura 28 – Cartão Postal do Farol, 1920.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
66
SOB AS LENTES DE TORRES
instrumento da Marinha do Brasil, mas também um ponto turístico com a bela vista
que proporcionava aos turistas e curiosos. Esse Registro fotográfico também nos deixa
em close os primeiros automóveis que circulavam em Torres, que pertenciam aos
veranistas mais frequentes que se arriscavam vindos de Porto Alegre pela estrada de
Santo Antônio da Patrulha. Era uma verdadeira aventura.
Figura 29 – “Rua de Cima”, 1913.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Observando esse registro fotográfico de 1913, na “Rua de Cima”, atual José
Antônio Picoral, percebe-se que um ano depois da inauguração do farol, teve início
uma transformação na área urbana em termos de construções em alvenaria. Residências
mais sólidas com arquitetura não tradicionais aumentaram na região. Nota-se o
agrupamento de residências definindo espaços e cujas lacunas vão ser de ruas e praças
algum tempo mais tarde.
Também se percebe, ao lado direito da fotografia, uma “gaiuta” com aparelhos
meteorológicos, que foi inaugurada neste mesmo ano. Segundo Guido Muri (1996,
p. 85) em seu Livro Remembranças de Torres, já desde o começo do século XX, Torres
já mandava dados sobre o clima da cidade para o Rio de Janeiro, via telégrafo. Dentre
os funcionários mais conhecidos pelos torrenses destacamos o faroleiro Easthewaldo
Gonçalves, depois sua filha Nair Gonçalves, o popular Heitor Faroleiro, também sua
filha Otacilda Oliveira da Luz, depois Lila Oliveira da Luz, e atualmente Bento Barcelos.
67
JAIME BATISTA
Figura 30 – “Rua de Cima”, 1919.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Esta imagem datada em 1919, já apresenta uma transformação especial urbana
mais organizada. As construções são erguidas num mesmo plano diretor, deixando
espaços para a construção das futuras vias públicas. As humildes casas dos moradores
locais começam a serem sufocadas pelas imponentes construções em alvenaria, cujos
alguns proprietários eram veranistas.
Ainda na década de 1910, como já mencionado anteriormente, surge um
empreendimento em São Domingos das Torres, que se transformou num ícone para
seu desenvolvimento como centro turístico no Rio grande do Sul. Das duas imagens,
a primeira nos mostra a antiga construção do Hotel Picoral, que transformou a antiga
vila de pescadores e agricultores, num refúgio de veranistas abastados, como se
observa os hospedes muito bem vestidos posando em frente à primeira estrutura do
hotel. Construído em 1915, num estilo europeu, mais especificamente em modelo
inglês, transformou-se num centro atrativo a outros empreendimentos que não parou
mais. A segunda imagem trata-se de um dos cartões postais de uma série que foi
encomendado por Picoral ao Professor Cervasio, era uma técnica que se usava na
época para colorir as fotografias manualmente, nota-se que o prédio já aumentara
seu espaço, porém mantém seu mesmo estilo de construção europeia.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 31 – Hotel Picoral, década de 1910.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 32 – Cartão Postal da Sede do Balneário Picoral, SD.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
69
JAIME BATISTA
Figura 33 – “Rua de Baixo”, SD.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Nos dois registros fotográficos da vista geral da “Rua de Baixo”, atual Rua
Júlio de Castilhos, podemos observar o desnível do terreno totalmente coberto por
uma gramínea que faz parte do sopé da Torre Norte que era natural da região e fica
preservada até o despertar do século XX, mas vai ficando arenoso a partir da década
de 1920, devido ao aumento do trânsito, tanto de turistas quanto de locais, como
podemos observar na imagem do ano de 1922 (figura 34). Comparando as duas
fotografias percebemos na sequência, na margem direita, um crescimento de casas
geminadas no estilo português-açoriano, sobressaindo-se um “sobrado”, que na
primeira fotografia não se observa por causa da sombrinha da senhora do meio.
Trata-se do “sobrado do Padre Joseph Lomônaco” (Lamônaco). De acordo com
70
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 34 – “Rua de Baixo”, 1922.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Muri (1996), um padre muito respeitado e engajado com a sociedade torrense por
25 anos, a ponto de ser Presidente do Conselho Municipal (o mesmo status de Câmara
de Vereadores). Esse mesmo sobrado, após a morte do Padre, foi escola estadual,
o Grupo Escolar de Torres que depois viria ser a Escola Marcílio Dias e também a
Fundação Rockfeller. A margem esquerda da rua observa-se algumas casas de madeira,
apresentando pertencer às famílias pouco abastadas economicamente. Essa rua era
essencialmente de moradores torrenses, ao contrário da “Rua de Cima”. Observa-se
também, as cercas de madeira características de propriedades interioranas. Conforme
já mencionado no capítulo 2, esta rua anteriormente era o “Caminho do Carijó”,
uma antiga picada de nativos da região.
71
JAIME BATISTA
Figura 35 – Trecho da Rua Carlos Flores, 1922.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
A Rua Carlos Flores em vista parcial de 1922. Nesta imagem podemos perceber
que os empreendimentos imobiliários começam a transformar a paisagem urbana
com a construção de inúmeros chalés de veraneio pertencente ao senhor José Antônio
Picoral, que passavam a disputar o espaço com as humildes casas de moradores
locais. Outro detalhe que chama a atenção é o início da implantação do plantio de
palmeiras junto ao meio-fio das ruas, bem como, a colocação de luminárias públicas,
que não eram alimentadas por energia elétrica ainda, mas vê-se em frente o chalé um
poste com fios elétricos, vindo da usina particular do proprietário do empreendimento
balnear. De acordo com Muri (1996), o Hotel Picoral passou a fornecer energia
elétrica para a vila, paga pela Intendência Municipal, qualquer residência cujo dono
solicitasse era fornecido pelo “Picoral”. Ainda Muri (1996) menciona que o senhor
Eloy Krás era o encarregado de acender essas luminárias, que eram lampiões que
tinham como combustível a querosene. Era uma rotina de ascender ao anoitecer e
apagar na madrugada.
72
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 36 – Vista aérea da cidade de Torres, 1934.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
A vista aérea datada em 1934, confirma nossa leitura fotográfica sobre a
evolução urbana de São Domingos das Torres, a partir do momento em que foi
descoberto como excelente lugar para atividades balneárias. Percebe-se que o núcleo
urbano situa-se entre a faixa litorânea e a Lagoa das Torres (como era denominada a
Lagoa do Violão neste período). É visível uma espécie de planejamento urbanístico
intencional ou não, que obedece a figura geométrica de “quadrados”, atravessados
espaços para futuras avenidas.
73
JAIME BATISTA
Figura 37 – “Rua de Baixo” e Lagoa do Violão, 1935.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Essa é uma imagem da Rua Júlio de Castilhos de 1935, cujos destaques são os
grandes casarios coloniais margeando a lagoa do “Violão” emoldurada por dunas ao
fundo e na outra margem uma densa vegetação típica do litoral, em geral arbustiva,
retorcida e de baixa altitude. Mas no outro lado da margem da lagoa, à cima desse
registro fotográfico, vemos um arvoredo de eucaliptos, cuja sua maior função era
drenar o solo pantanoso á beira da lagoa, pois ali existia conforme o relato de João
Barcelos, uma hípica, e de tal área era pretendido mais privacidade, por tratar-se de
área particular. Ao final da rua podemos ver uma grande chaminé pertencente à
prefeitura, trata-se da usina municipal de energia elétrica.
74
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 38 – Farol Hotel, 1940.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Em 1940, além dos empreendimentos imobiliários particulares para veraneio
em família, outros empreendimentos comerciais turísticos começaram a seguir o
grande pioneiro Picoral. Entre os concorrentes que passaram a disputar os clientes
da classe média e classe alta, surgiu o “Farol Hotel”, situado na Rua José Antônio
Picoral, cuja fachada vê-se parcialmente encoberta por algumas árvores e o pátio de
acesso em chão batido. Seu proprietário era o Sr. Alfiero Zanardi, um empresário
vindo de Porto Alegre que foi homenageado com nome de rua em Torres. O hotel
está em funcionamento até os dias de hoje, passando desde os anos de 1950 para os
sobrinhos e hoje para parte dos herdeiros da família Pozzi.
75
JAIME BATISTA
Figura 39 – Vista Parcial, 1944.
Fonte: Maria Helena Lima, 2005.
Esta imagem é uma vista panorâmica parcial da área urbana de “São Domingos
das Torres” no ano de 1944, onde podemos observar o crescimento da região através
de construções residenciais com variadas características arquitetônicas e dimensões
diversas. Observa-se a expansão urbana em direção à orla marinha e a ocupação do
espaço próximo ao então chamado “Morro do Farol” e adjacências.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 40 – Anexo do Farol Hotel, 1947.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Confirmando o progresso da atividade turística e a evolução do espaço urbano,
essa imagem fotográfica de 1947, apresenta o anexo do Farol Hotel, de três
pavimentos. O que chama nossa atenção é seu aspecto arquitetônico que foge ao
projeto inicial, visto que o empreendimento original foi construído com estilo mais
colonial. Esse prédio trata-se da primeira edificação com mais de dois pavimentos,
com intuito comercial.
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JAIME BATISTA
Figura 41 – Vista aérea da Matriz de São Domingos, 1948.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Vista aérea do centro do balneário onde podemos ver a Matriz de São
Domingos de Torres, o padroeiro da cidade e do município. A imagem apresenta
uma ampla área sem ocupação humana, mas as vias públicas começam a mostrar o
traçado da urbanização planejada que começa a surgir na década de 1940. Essa
imagem é datada de 1948. Observamos também, a primeira casa com estilo colonial,
ao lado esquerdo desse registro fotográfico; trata-se da cada número um de Torres,
mencionada anteriormente. Esse largo da “Praça da Matriz”, com essas edificações
pode-se considerar como o marco zero de São Domingos das Torres, o ponto de
convergência dos fieis católicos de toda a região.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 42 – Chalé na Praia Grande, 1948.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Nesta imagem de 1948, percebemos a invasão imobiliária na orla litorânea,
cuja construção de grandes residências para veraneio já despontam na paisagem. Os
grandes sobrados em madeira de lei em estilo inglês passaram a dar um toque de
requinte ao balneário. Esse belo chalé era de propriedade da Sra. Marieta Chaves
Barcelos, tradicional veranista de Torres. Na faixa da areia é possível ver as cadeiras
com sombreiros para o descanso e conforto dos veranistas. Esse luxo e comodidade
era privilégio apenas dos turistas que os alugassem ou então que fossem sócios da
SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de Torres).
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JAIME BATISTA
Figura 43 – Barraquinhas da SAPT, 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
A Praia Grande na década de 1950, passou a ser um ponto de referência para
quem buscava o “glamour” no balneário de Torres. As construções imponentes, espaço
amplo para lazer, vigia permanente de salva-vidas no alto da Torre e as cadeiras dotadas
de sombreiros, ou toldos, para quem desejava proteger-se do excesso de sol. A imagem
é típica de uma praia europeia do litoral mediterrâneo, capaz de confundir qualquer
leitor se não houvesse referências, o que denota resquícios dos “Anos Dourados” no
Brasil.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 44 – Vista Parcial da Praia Grande, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
Aqui avistamos parcialmente a Praia Grande, foto aérea tirada na década de
1950. Nela podemos ver em destaque grandes edifícios que despontam na paisagem
litorânea. Ao fundo observam-se dunas e as “três torres”. Na área de banhos o destaque
fica por conta dos toldos com bancos para veranistas dispostos em fila (barraquinhas),
dando ao lugar um aspecto das áreas de veraneio da “Riviera Francesa3” na Europa.
3
Também chamada de Costa Azul, esta região é considerada uma das áreas mais luxuosas, caras e
sofisticadas do mundo.
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JAIME BATISTA
Figura 45 – Barraquinhas antigas com o Quadrado do Picoral ao fundo
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
A foto acima complementa o tema, comprova que nos tempos do Balneário
Picoral já havia as barraquinhas com aspecto mais simples, sem os bancos. Logo se
deduz que Picoral trouxe tal ideia da Europa, pois conforme RUSHEL, (1986), apud
ELY, (2004) o empreendedor torrense viajava para outros locais de turismo para
trazer inovações à vila das Torres. A SAPT, então, aprimorou as barraquinhas
continuando com essa prática até a década de 1990, pois uma decisão judicial obrigou
o clube a retirar todas elas.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 46 – Vista da primeira estação rodoviária, 1943.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Esta fotografia de 1943, destaca o prédio da estação rodoviária da cidade
balneária de Torres, fato que denota a importância do balneário para a região, visitada
por um grande fluxo de turistas e veranistas. A primeira estação rodoviária de Torres
foi instalada numa casa adaptada para a função, visto que, as empresas de autoaviação
que ligavam o balneário a outras regiões gaúchas, necessitavam de um ponto de
referência para o embarque de passageiros. Ao lado, do mesmo proprietário, está o
Hotel Sartori, de propriedade de Sirilo Sartori, mais um empreendimento no balneário,
onde além de hospedagem, também tinha um armazém de secos e molhados e uma
bomba de gasolina. Acima se vê a então Escola Marcílio Dias, e a casa do faroleiro.
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JAIME BATISTA
Figura 47 – Vista da Prainha, 1943.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Vista geral da “Prainha”, imagem obtida em 1943. Nela podemos perceber um
crescimento acentuado na orla marinha, não se percebe a ocupação desordenada da
região, visto que, pela disposição das construções, observa-se o traçado em quadros
feito um tabuleiro de xadrez. Outro aspecto que chama atenção são os bancos de madeira
dispostos no alto da coluna próxima, cujo objetivo era o de permitir o descanso e a
visualização da paisagem pelos veranistas.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 48 – Edifício Amigos de Torres, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Esta construção imponente passou a fazer parte da paisagem urbana de Torres
no ano de 1949, primeiramente com três andares, e após em 1951 com mais dois
pavimentos, como está nesse registro fotográfico. Trata-se de um edifício com
arquitetura arrojada para época; esse edifício, “Amigos de Torres”, considerado na
época, o terceiro em área construída na América do Sul, e maior complexo de diversão,
cultura e hotelaria do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, pertence à SAPT (Sociedade
dos Amigos da Praia de Torres). Ao longo de sua História, essa sociedade exerceu
importante papel no desenvolvimento de Torres, como na preservação de seu patrimônio
paisagístico, histórico, social e cultural. Está situado no local do antigo Hotel Picoral.
De acordo com o relato e análise de João Barcelos (in memoriam), Cronista da
História de Torres no jornal local A Folha, Torres teve duas tendências desde o começo
do século; a primeira trata-se de uma fase “germanófila”, pela influência das atividades
culturais do Hotel Picoral, liderado pelo descendente germânico José Antônio Picoral,
e a outra a partir de 1945, ou seja, depois da Segunda Grande Guerra, uma fase
“estadunidófila” com o advento da SAPT, no seu embrião principal, entre as Ruas
José Antônio Picoral, Rua XV de Novembro e Rua Júlio de Castilhos, ou seja, no
“coração” da cidade, onde “tudo” acontecia em “São Domingos das Torres”.
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JAIME BATISTA
Figura 49 – Hotel Sartori, 1949.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Figura 50 – Anexo do Farol Hotel, 1948.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Estas duas imagens fotográficas do final da década de 1940, atestam o
desenvolvimento que passou o balneário de São Domingos das Torres, com os
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SOB AS LENTES DE TORRES
investimentos pioneiros feitos na área turística por Picoral, visto que, outros
investidores passaram a acreditar no potencial econômico da região, e com isso
investiram no ramo da hotelaria cujo objetivo era atender clientes de diferentes
condições sociais. Na imagem temos um dos primeiros hotéis de Torres o “Sartori”
situado na atual Rua José Antônio Picoral, esquina com a rua que leva o nome de seu
antigo proprietário, a atual Rua Sirilo Sartori; e o anexo do “Farol Hotel”, situado na
atual Rua José Antônio Picoral, esquina na atual Rua Joaquim Porto.
Figura 51 – Cerca anticabras, 1944.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
Nesta imagem de 1944, podemos observar um conjunto de chalés para veraneio
construídos na região, próprias para lareiras, confirmando nossa tese de que o estilo
das casas de veraneio europeu fez grande sucesso no balneário de Torres. O detalhe
que gostaríamos de ressaltar é sobre a extensa cerca “anticabras”, para impedir que
esses animais criados no Morro do Farol, pelos residentes da região, perturbassem os
veranistas. Iniciava-se na região uma segregação social sutil.
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JAIME BATISTA
Figura 52 – Vista parcial da Praia Grande, década de 1950.
Fonte: Acervo Madalena Martins, 2007.
Vista parcial da “Praia Grande” da década de 1950, cujo aspecto mais importante
é a grande quantidade de banhistas, fator que levantou a construção de uma “torre
salva-vidas” no estilo norte-americano, influência do Pós-Guerra (1939-1945), a
avenida pavimentada junto à beira-mar e os automóveis estacionados, todos da marca
Ford Willians, confirmando a “tese” de João Barcelos em seu relato mencionado
anteriormente, separando Torres em duas tendências que se resume em europeia e
após estadunidense.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 53 – Vista Parcial de Torres, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Vista parcial do centro de Torres na década de 1950. A imagem aérea destaca o
traçado urbano com largas avenidas, grandes residências em alvenaria e alguns edifícios,
sobressaindo-se no centro o edifício sede da SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de
Torres). Ao fundo observa-se, a formação rochosa da “Torre do Meio”, da “Guarita” e
o “Morro do Farol”.
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JAIME BATISTA
Figura 54 – Ponte Pênsil sobre o Rio Mampituba, década de 1950.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Separado do Estado de Santa Catarina pelo curso do Rio Mampituba, o município
de “São Domingos das Torres”, passou a receber os catarinenses que habitavam a
margem esquerda do rio, principalmente da comunidade de “Mampituba” (atual Passo
de Torres), a partir da década de 1960, quando foi aberta a ponte pênsil, que ligou os
dois povoados e aproximaram ainda mais gaúchos e catarinenses, cuja identificação
remonta à histórica “Guerra dos Farrapos” (1835-1845).
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 55 – Vista aérea do centro de Torres, década de 1950.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Nesta imagem de 1950, temos uma visão geral do balneário de Torres, onde se
percebe o crescimento vertiginoso do perímetro urbano principalmente a partir da
década de 1930. Além das modificações ocorridas no plano urbanístico, percebe-se o
desaparecimento assustador das áreas verdes que foram sendo ocupadas por sólidas e
imponentes construções. Além dos edifícios e as luxuosas residências de veraneio
destaca-se os fundos do Farol Hotel, que daquelas sacadas e janelas, os hospedes tinham
e ainda tem uma vista privilegiada.
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JAIME BATISTA
Figura 56 – Vista aérea da Rua José A. Picoral, 1949.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Aqui temos a imagem da movimentada Rua José A. Picoral, em 1949, em plena
temporada de verão. Percebe-se a arborização em frente ao Farol Hotel, veículos como
ônibus e automóveis estacionados próximos a Matriz de São Domingos contrastando
com os tradicionais carros de boi, cavalos e as carrocinhas com cabras, além das casas
particulares disputando espaço na paisagem com os grandes empreendimentos que
começaram a surgir. Essa visão do fotógrafo é de cima do recém-inaugurado prédio da
SAPT (Sociedade dois Amigos da Praia de Torres). A construção em destaque (Hotel
Anexo) apresenta o telhado bem inclinado, o que sugere a forte presença da comunidade
germânica na região.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 57 – Praça Claudino Nunes Pereira, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Em 1950, iniciou uma década de profundas transformações na antiga vila de
pescadores e agricultores de São Domingos das Torres. As antigas trilhas foram
cedendo espaço às ruas e avenidas pavimentadas com pedras, como nessa imagem
da época. Apesar do baixo fluxo automotivo, a cidade já estava sendo preparada
pelas autoridades e investidores para seu futuro como grande centro balneário e
turístico. O local deste registro fotográfico é na Avenida Beira Mar junto à atual
Praça Claudino Nunes Pereira.
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JAIME BATISTA
Figura 58 – Vista parcial da Prainha, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
A chamada “Prainha” dos anos de 1950, apresentada nesta imagem fotográfica,
já não lembra em quase nada a mesma dos anos de 1930. Somente a localização
geográfica e referências naturais a identificam. Quanto à transformação urbana,
observa-se um grande aglomerado de residências particulares junto à orla marinha,
entre as quais despontam alguns empreendimentos de grande porte, tais como, hotéis
e condomínio.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 59 – lagoa do Violão, década de 1950.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Belíssima imagem da famosa “Lagoa do Violão” e adjacências, em 1950. Nela
é possível perceber que a vegetação ciliar ainda está bem preservada, principalmente
no lado esquerdo da fotografia. Apesar de ser uma imagem em preto e branco, suas
águas aparentam ser límpidas. No canto superior direito já se observa um aglomerado
da expansão urbana da cidade. Mais ao fundo vê-se um conjunto de residências próximas
ao mar. Em sua visita à São Domingos das Torres, Saint-Hilaire (1820) escreveu em
seu diário “Quase ao pé do monte [Torre Norte] estende-se, paralelamente ao mar, um
lago de águas tranquilas e cercadas de altas ciperáceas [...]”. A bela Lagoa do Violão,
“espelho das estrelas”, como Jovita Esquina (1979) cita em um de seus poemas, é
inspiradora a várias artes. Há quem diga que seu nome, além do seu formato vem dos
amantes da música e seresteiros que na sua margem entoavam cantigas como comenta
Ruschel (2004) no seu artigo sobre a lagoa: “[...] O instrumento musical que, talvez
pela primeira vez na história, se tornou um topônimo, era muito estimado na Torres
daquela época, acompanhamento obrigatório das frequentes serestas que caracterizavam
sua vida musical”.
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JAIME BATISTA
Figura 60 – Vista Parcial vista com o mar, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 61 – Vista parcial, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
As imagens fotográficas apresentadas são vistas parciais em ângulos diferentes
do centro do balneário de Torres na década de 1950. A primeira imagem trata-se de
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SOB AS LENTES DE TORRES
uma vista da terra-firme para o mar, e a segunda, uma vista do alto-mar para terra.
Ambas destacam a evolução urbana que a cidade teve num curto período de quatro
décadas, ou seja, de 1920 a 1950, resultado de sua transformação em centro balneário
e turístico no Rio Grande do Sul.
3.4
ASPECTOS SÓCIO-CULTURAL DE TORRES:
LAZER, RELIGIOSIDADE E EDUCAÇÃO.
3.4.1 Atividades de lazer
Captada nos primeiros anos do século XX, essas imagens fotográficas
tornam-se referências, quanto ao estilo clássico em que as pessoas, mais
precisamente os veranistas, vestiam-se para irem à praia tomar banho de sol ou
mar, era a chamada “balnearioterapia” ou talassoterapia, que tinham uma rotina de
Figura 62 – Banhistas na Praia Grande, 1900.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
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JAIME BATISTA
Figura 63 – Família Pozzi, década de 1930.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp.
ficar um tempo determinado na água do mar e pegar sol, intercalando-as várias vezes,
com o intuito de tratar-se com a água salgada. Quem trouxe essa prática para o
Brasil foi Carlota Joaquina, a então princesa, que por ter problemas na pele, praticava
tal costume despertando muita curiosidade para os brasileiros da Corte no Rio de
Janeiro, berço balnear do Brasil. Na primeira fotografia da década de 1900, sobre
rochas a beira mar, podemos enxergar este grupo de banhistas fazendo pose para as
lentes, apresentando um vestuário muito utilizado pelas elites europeias, quando
passavam férias nos balneários da Inglaterra, França, Espanha, Itália, Grécia e até
em praias do Mar Negro. Na segunda fotografia, já nos anos de 1930, vemos as
vestes um pouco mais curtas, mas ainda com o cuidado das toucas que as senhoras e
senhoritas ainda não dispensavam. E ainda, na parte de baixo do registro fotográfico,
as crianças que ficavam, mais a vontade, sendo os dois meninos, que são os irmãos
Jaime e Ênio Pozzi, os então futuros proprietários do Farol Hotel com seus familiares.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 64 – Banhistas na Praia Grande, década de 1910.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Aqui temos o registro de um belíssimo dia ensolarado, cujo momento foi
registrado por um fotógrafo que direcionou suas lentes, para o momento de lazer que
um grande público desfrutava a beira-mar. Observa-se, pessoas na água com seus trajes
de banho escuros a moda europeia, enquanto outros veranistas tomam sol sobre as
pedras observando os banhistas.
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JAIME BATISTA
Figura 65 – Salão do Hotel Picoral.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Conforme relato do tradicionalista Paixão Cortes em 1978, esse salão também
era local de sarais e danças folclóricas onde ele, quando “guri”, aprendeu coreografias
das mais tradicionais danças gauchescas; alguns anos depois ao fundar o Movimento
Tradicionalista Gaúcho, lança um livro com Barbosa Lessa que trata da marcação de
passos de músicas típicas.
Sarau é uma palavra que significa festa artística ou literária. Em Ruschel
(apud ELY, 2004) há um artigo que comenta sobre esses sarais, através de um
trecho do relatório apresentado em 1920, pelo Intendente aos Conselheiros do
município:
Sarau. Torres, 24 de fevereiro de 1920. Realizou-se ontem à noite, no
salão nobre do Hotel Picoral, que estava repleto de espectadores, um
brilhante sarau beneficente, literário e musical. Tomaram parte no
mesmo a excelentíssima senhora D. Clara Marques Pereira, que cantou
magistralmente um trecho da ópera “Reine de Soba” e a ária de Vivaldi
“Um certo non soche”. As senhorinhas IlsaWoebeck e Pezzani, que
interpretaram, com grande brilho, algumas composições de Beethoven
e Chopin. A senhorinha Clarinha França, que disse, com muita graça
um monólogo em francês. A senhorinha Iolanda de Andrade, que recitou,
com muito chiste, uma poesia humorística. Os doutores Sinval Saldanha
100
SOB AS LENTES DE TORRES
e Renato Costa, que fizeram interessantes conferências literárias, o
primeiro sobre “O mar” e o segundo sobre “As astúcias da mulher”. E
o jovem acadêmico de medicina Almir Alves, que recitou brilhantemente
uma poesia de Olavo Bilac. [...] Terminou o sarau com uma alocução à
bandeira, recitada com ardor pelo menino José Flores Soares e com
execução do “Amor febril”. Entusiasticamente cantado por toda a
assistência. Após, seguiu-se um animado baile, que prolongou-se até a
madrugada. A ideia dessa festa, que deixou agradabilíssima impressão
no espírito dos espectadores, foi sugerida pelo Dr. Protásio Alves, vicepresidente do Estado. A comissão incumbida da realização desse belo
festival era composto das exmas. Senhorinhas Cândida Alves. Nair
Borges, Ilza Guimarães e Clarinha França, que foram eficazmente
auxiliadas pelo Dr. Alcides Flores Soares.
Além dessas atividades sociais, ainda tinham orquestras nas refeições, bailes
noturnos, carnaval na praia, piqueniques na Figueira ou na Guarita, etc.
Figura 66 – Grupo de Teatro de Araranguá (SC) apresentando-se na Sociedade Dramática União Torrense,
década de 1900.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Esta imagem foi registrada no dia 8 de setembro no começo do século XX.
Ao centro observa-se a imagem de D. Pedro I. Nesta época não havia desfile cívico
com estilo militar na semana da pátria, as comemorações eram com atividades
101
JAIME BATISTA
culturais e passeatas sem a pompa das bandas marciais. Nesta ocasião veio de
Araranguá (SC), um grupo de teatro para apresentar-se no teatro da Sociedade
Dramática União Torrense, que ficava na Rua de Baixo, atual Rua Júlio de Castilhos,
perto do prédio da prefeitura. Meu colega Alexandre Rocha, historiador e conhecedor
da “História” araranguaense, ao ver esse registro fotográfico, relatou-me que entre
as pessoas que posavam estavam personalidades muito conhecidas em sua cidade.
Dentre elas deputados e vereadores, e uma curiosidade, a maioria era confirmadamente
da doutrina espírita. Será que era um grupo de teatro espírita?
Embora Torres fosse uma vila modesta, no começo do século sua vida
cultural tinha certo realce, tanto que possuía um clube de teatro (a
“Sociedade Dramática União Torrense”), com sede própria. uma [sic]
banda municipal, um cineminha (pouco mais tarde) e uma associação
política (o “Clube Republicano”). (RUSCHEL, 1992, apud ELY, 2004,
p.518).
Como confirma a citação acima, a vila de Torres era muito simples, mas
tinha uma boa fruição em termos de eventos culturais, entretenimento e lazer.
O cinema também era atração a partir dos anos de 1930, com as salas (itinerantes)
de Ídio K. Feltes e posteriormente com o Cine-Teatro Ronda e Cine SAPT. Essa
programação só foi mudar com o advento da televisão, pois somente na década de
1960, é que passa a influenciar os torrenses trocando o cinema e o teatro pelo
“tubo” preto e branco.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 67 – Caçada, década de 1940.
Fonte: Acervo Farol Hotel, 2008.
Um dos lazeres dos hóspedes do balneário era a caçada, prática hoje proibida
ou regulamentada, mas para muitos turistas era um esporte que se pode praticar
normalmente nos arredores de Torres. Este registro fotográfico é riquíssimo porque
nos mostra o turista, de Porto Alegre, com uma indumentária que nos remete aos
safáris na África, além de estar com seus cães caçadores de perdizes, que era muito
comum na região. Outro detalhe é o senhor de barba, com chapéu bem mais
característico dos pampas gaúcho, que é Alfredo Petersen, um viajante que morava
em Taquara (RS), e por 51 anos trabalhou como vendedor. Deletar trecho em amarelo
torrense, provavelmente o guia dessa aventura. Ainda posa para a lente um menino,
que já de pronto auxiliava o caçador em sua prática, assim aprendia muitas tarefas
para o seu futuro. O local desse registro fotográfico é em frente o Farol Hotel, onde
hospedavam viajantes, turistas e outros transeuntes. O rapaz de bigode e casaco
preto é o Jayme Pozzi, um dos proprietários do hotel. Todas as outras pessoas logo
vieram para curiosamente conferir o resultado desta caçada que foi registrada através
dessa fotografia da década de1940.
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JAIME BATISTA
Figura 68 – Travessia do Rio Mampituba com balsa, década de 1930.
Fonte: Acervo do autor, 2008.
Confirmando o legado, mais uma vez, de passagem com serviço de travessia
no “Boipitiba”, este registro fotográfico vem, por assim dizer, contemplar esse tipo
de transporte fluvial, até a inauguração da ponte para automóveis neste rio, no ano
de 2007. Esta imagem datada de 1930, também apresenta dois aspectos importantes,
ou seja, a trabalho dos balseiros no transporte de cargas e pessoas através do Rio
Mampituba, e o roteiro de passeio destinado aos turistas e veranistas na região, que
muitas vezes atravessavam até Santa Catarina para comprar peixe, além de observar
e conhecer uma vila de pescadores. Outro detalhe a ser destacado é a forma da balsa,
uma adaptação feita com pranchas de madeira unidas sobre duas canoas de pesca, e
cujos remadores equilibram-se nas pontas. Os passageiros são turistas norteamericanos, conforme o relato de Ney Azambuja, neta de Rosa Dalolli, uma italiana,
que era dona da balsa. Em frente avista-se sua casa que também era um armazém de
secos e molhados.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 69 – Veranistas na Praia Grande, SD.
Fonte: Acervo do autor, 2007.
Lazer e glamour andavam juntos às elites de veranistas que frequentavam o
Litoral Norte gaúcho no começo do século XX. Esta imagem apresenta três jovens e
um cavalheiro trajando seus tradicionais modelos de banho marinhos, posando sobre
rochas à beira mar em mais uma foto para a posteridade.
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JAIME BATISTA
Figura 70 – Pescador e turistas, SD.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Em mais uma imagem antológica do começo do século XX, podemos ver que
além da pesca, dos banhos de sol e mar, o litoral torrense já havia se tornado um
roteiro obrigatório para passeios em grupo, transportados por veículos motorizados.
Nesta imagem podemos ver dois veículos da marca Ford, sendo que um deles está
repleto de passageiros, a sua frente cruza um pescador da região.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 71 – Pescador nas Furnas do Diamante, década1940.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Para um leitor despercebido, poderia ser esse pescador um turista praticando
a atividade da pesca desportiva desenvolvida por um veranista, junto ao canal de
entrada das furnas, formação rochosa desgastada pela erosão marinha há milhares
de anos, que se tornou uma atração turística no município de Torres (RS). Mas o fato
é que pelas referências históricas relatadas por Jayme Elias da Silveira, um pescador
aposentado nascido em Torres (RS) em 1922, trata-se de um pescador local batendo
na casca dos mariscos para que seus fluidos espalhem-se na água do mar para atrair
o “pampo”, um peixe muito pescado neste local. Essa técnica é um tipo de “engodo4 ”
que muitos pescadores da região usavam para obter tal peixe.
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s.m. Isca ou ceva para apanhar peixes, aves etc. Chamariz, atrativo, astúcia sedutora e enganosa: o
engodo fácil do prazer.
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JAIME BATISTA
Figura 72 – Pescaria, 1948.
Fonte: Acervo do autor, 2007.
Neste momento fotográfico ficou registrado para posteridade dois jovens
senhores apresentando um “balaio”, utensílio muito usado pelos pescadores da região
e praticantes de pesca amadora, quer seja, por captura em tarrafas ou linha e anzol.
Alguns veranistas também faziam de “hobbie” a retirada de mariscos nas pedras dos
costões, hábito que os expunham a certo risco de morte.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 73 – Evento social, 1943.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Fotografia antológica datada de 14 de agosto de 1943, registrada um
momento de lazer entre militares brigadianos e populares da comunidade torrense.
O que nos chama a atenção foi essa confraternização pouco comum entre militares
e civis, mas sim, o consumo de bebida alcoólica (cervejas) pelos homens da farda
em serviço.
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JAIME BATISTA
Figura 74 – Vista panorâmica, 1945.
Fonte: Acervo próprio, 2007.
A vista panorâmica registrada em 1945, além de congelar um instante da natureza,
atesta todo “glamour” que a paisagem inspira nos apreciadores. Além dos banhos de
sol e mar, da pesca às margens do rio Mampituba, da vista às furnas, ao Morro do
Farol, que é o local deste registro fotográfico, e as caminhadas das belas praias, Torres
oferecia bons locais para descanso, reflexão e uma boa leitura junto à natureza, como
faz este cidadão lendo o seu jornal, e também o brigadiano ao lado, o popular Cabo
Braga. João Maciel Dalolli relatou que Braga era muito pacificador, quando havia
ocorrência que necessitasse coação, preferia negociar com uma boa conversa provando
que nesta época, mesmo com o clima do final da Segunda Guerra Mundial, esta região
não tinha muitas ocorrências policiais, ou seja, Torres era paz e tranquilidade.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 75 – Banhistas, 1948.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
No verão de 1948, o número de veranistas e turistas já havia aumentado
consideravelmente no balneário de São Domingos das Torres. O Litoral Norte havia
se tornado um ponto de referência em termos de banhos e belezas naturais. Grupos
e amigos, familiares e outros, não perdiam a oportunidade de posar em grupo para
as lentes fotográficas profissionais e amadores. Fotografar em Torres também
passou a ser uma atividade de lazer. Graças a essa atividade em expansão, que é a
fotografia, temos de Torres, um acervo que devido à atividade turística, está
espalhado, oculto ou não, por todo o mundo. Com o avanço da tecnologia devido
à Revolução Industrial, as máquinas fotográficas foram diminuindo de tamanho
possibilitando a dinâmica de oferecer o mais rápido possível, imagens que poderiam
ficar prontas no mesmo dia para os banhistas. Outro detalhe importante nesse
111
JAIME BATISTA
Figura 76 – Funcionários de Ídio K. Feltes, fotografando na Praia Grande, 1956.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2011.
registro fotográfico, é que os fotógrafos profissionais colocavam sua legenda, hábito
que nos possibilitou a datação exata de várias imagens. Observa-se esta prática em
várias fotografias aqui lidas, mas destaca-se um profissional em questão, o Senhor
Ídio K. Feltes, que tinha seu estúdio na “Rua de Baixo”. Feltes produzia fotografias
encomendadas como se vê no primeiro registro dessas duas fotografias do tema.
Feltes também registrava a natureza para formatar cartões postais da “mais bela
praia do Rio Grande do Sul”. No segundo registro fotográfico percebemos a rotina
da equipe de fotógrafos de Feltes, que posavam a um colega na Praça Pinheiro
Machado que ofereciam aos banhistas a oportunidade de levarem para a posteridade,
lembranças que nos brindam até os dias atuais com magníficas poses SOB AS
LENTES DE TORRES.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 77 – Corrida do ovo, 1948.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005
Parece brincadeira de criança, mas não é, essa imagem de 1948, retratou para
a memória iconográfica da cidade de Torres, uma competição entre jovens e adultos
na chamada “corrida do ovo” ou “ovo na colher”. Ao que nos parece os jovens,
atletas do Grêmio Esportivo Torrense, entregam o ovo na colher às jovens moças
que os aguardavam. Este evento trata-se das festividades de aniversário do clube; o
atleta da esquerda é o saudoso Ênio Pozzi, na época era um dos proprietários do
Farol Hotel, e um de seus adversários, o Sr. João Gonçalves, que aparece mais à
direita da fotografia. Dessa época infanto-juvenil, pouca coisa restou.
113
JAIME BATISTA
Figura 78 – Balsa do Mampituba, 1940.
Fonte: Acervo do autor, 2008.
Figura 79 – Barco de Passeio, década de 1930.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
114
SOB AS LENTES DE TORRES
Navegar é preciso, já dizia o escritor português, Fernando Pessoa. Em Torres,
a população local e veranistas levavam o ditado ao pé da letra, visto que, tornou-se
uma prática comum a partir dos anos de 1920, os passeios de balsa, canoa e barcos,
pelo rio Mampituba e pelo mar. Na primeira imagem podemos perceber um grupo
de jovens muito bem trajadas em companhia de uma criança, fazendo um trajeto em
uma balsa de madeira simples, mas mais sofisticada que a outra da década de 1930.
E na segunda imagem vemos uma baleeira que era alugada aos turistas na década de
1930, para fazer passeios até a Ilha dos Lobos, prática que se repete até os dias
atuais.
Figura 80 – Banhistas, 1945.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Ao analisarmos esta imagem fotográfica captada na “Praia Grande”, no verão
de 1945, sentimos a vontade de citar o grande compositor brasileiro Vinícius de Morais,
com sua famosa frase: “olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. Duas jovens
veranistas entrando no mar com charme e elegância em seus “maiots” bastante ousados
para a época.
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JAIME BATISTA
Figura 81 – Personalidades no Farol Hotel, década de 1940.
Fonte: Acervo Ênio Rosa, 2006.
Aqui temos uma imagem de um momento de lazer mais comum que existe, ou
seja, “jogar conversa fora”. Personalidades locais como os senhores Alfiero Zanardi,
proprietário do Farol Hotel, e seus sobrinhos Ênio e Jayme Pozzi, reuniam-se na
confeitaria do hotel, cujos doces estão expostos na parte inferior do balcão com vitrine.
A cada imagem que interpretamos, percebemos o quanto o balneário de Torres era
“glamouroso” ao imitar hábitos tipicamente europeus como os cafés e as confeitarias
europeias. Essa tradição existe até hoje em Torres onde vários moradores locais se
reúnem para falar do cotidiano torrense.
116
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 82 – Amigos na Praia, 1947.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
No verão de 1947, em plena “Praia Grande” cinco amigos resolveram registrar
um momento de descanso e lazer junto à branca areia da região, depois de uma
“pelada” na praia. A fotografia apresenta da esquerda para a direita o jovem Ênio
Pozzi e seus amigos. Percebe-se que além do chapéu de marinheiro, o último a
direita parece coquinho rastafári, será que antecedeu a Bob Marley? Na verdade era
um gorro que os jogadores de futebol do começo do século XX usavam enquanto
jogavam para não embaraçar o cabelo. A vaidade, que já existia e continua até hoje,
com os cortes de cabelos bem característicos como é o caso do jogador do Santos
Neymar, que já utilizou uma rede no cabelo.
117
JAIME BATISTA
Figura 83 – Casal em baile, década de 1950.
Fonte: Acervo Aristides Hoffmann, 2007.
As atividades de lazer no balneário de Torres, no período noturno, ficam cada
vez mais intensas a partir da década de 1950. Os veranistas, em sua maioria, preferiam
se reunir para disputar partidas de dominó, xadrez, carteado ou frequentar espaços
para dança no clube da SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de Torres). Mas
também os moradores do balneário também promoviam seus bailes no Clube Atlântico
ou em outros que foram surgindo. Como atesta essa imagem fotográfica de 1950.
Observa-se o espaço bem iluminado por lâmpadas elétricas, os homens trajando
terno e as mulheres usando vestidos pouco decotados. No entanto, já se permitia
dançar bem abraçados. O dançarino bem compenetrado que está, em um dos já
“eletrizantes”, bailes da mais bela, é o Sr. Lindolfo Hoffmann e esposa.
118
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 84 – Noite de São João em Torres – 1952
Fonte: Acervo Sérgio Melo, 2012.
As festas juninas, que são tradicionais por todo o Brasil, sempre foram difundidas
com o estereótipo do caipira (Sudeste do Brasil), como o personagem Jeca Tatu de
Monteiro Lobato, que colocou “remendos” e “preguiça” num povo vaidoso e trabalhador
(os remendos eram apenas nas roupas que usavam na lida do campo). Essa tradição,
em Torres, no século XX, não era diferente, porém com algumas características distintas
na atualidade, como por exemplo, o que se percebe na foto dessa edição, a presença de
casais adultos, pois Torres atualmente, na sua maioria, participam alunos dos
educandários torrenses em festas semelhantes. Atualmente, em Torres, nas festas para
adultos, poucas pessoas usam a indumentária do caipira. Outro detalhe nesse registro
fotográfico é a legenda que se refere à “Noite de São João” e não “Festa Junina”. A
primeira terminologia era mais utilizada, pois a festa noturna com fogueira, foguetes,
quentão pinhão, bandeirinhas, refere-se às festas “joaninas”, alusivo a São João Batista.
Estas festividades tiveram origem na Europa, no século IV, com os cristãos. Devido à
diferença do sotaque português e brasileiro, ela deixa de ser joanina e passa a ser
junina com os costumes dos povos indígenas e africanos, confundida com o mês de
junho, onde os brasileiros comemoram também os Santos Antônio e Pedro.
119
JAIME BATISTA
O fato é que se trata de uma destas festas na comunidade cristã torrense, devido
à influência açoriana muito forte. Quem posa para as lentes são os irmãos (da esquerda
para direita) Raul Vicente e Bento Reinaldo, com suas respectivas esposas, Tereza e
Alvina, cidadãos bem populares no município de Torres.
Figura 85 – Ponte do Portão, década de 1940.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Esta imagem fotográfica da “Ponte do Portão”, é talvez uma das mais
conhecidas da praia de Torres no Rio Grande do Sul e no Brasil. A construção de
uma passarela unindo as extremidades da entrada do canal cujas águas explodem
numa garganta, gera um espetáculo da natureza, cuja ação provocada pela erosão
marinha criou mais esse atrativo de lazer para os veranistas, turistas e habitantes
locais. Percebe-se o grande número de visitantes no local. Percebe-se também nessa
fotografia que a ponte ainda não tem as proteções laterais, além de ser mais estreita
em relação ao pontilhão atual.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 86 – Presença do SESC, 1959.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Aqui temos uma imagem que confirma a vocação balneária e turística da
comunidade de “São Domingos das Torres” em âmbito regional e nacional, visto
que, no verão de 1959 o “SESC” já se fazia presente no município. A formação
humana da sigla da entidade nas areias da “Praia Grande” registra esse momento,
que foi de cima do posto de vigia dos salva-vidas.
Criado pela Confederação Nacional do Comércio – CNC, pelo Decreto-Lei
número 953, de 13 de setembro de 1946, o Serviço Social do Comércio (SESC) tem
como missão a qualidade de vida dos trabalhadores do comércio de bens, serviços,
turismo e da sociedade, com ações de saúde, cultura, esporte e lazer.
121
JAIME BATISTA
Figura 87 – Banda Municipal de Torres, 1925.
Fonte: Acervo do autor, 2005.
Figura 88 – Serestas de
Ruy de Freitas, Élcio
Lima, Artur de Freitas e
“Niquinho” de Freitas,
década 1950.
Fonte: Acervo Maria
Helena Lima, 2005.
Figura 89 –
Banda Embalo Quatro,
década de 1960.
Fonte: Acervo Centro
Municipal de Cultura de
Torres, 2005.
122
SOB AS LENTES DE TORRES
Esses três registros fotográficos que temos em sequencia cronológica das
décadas de 1920 a 1960, nos comprovam a tradição e vocação musical que “São
Domingos das Torres possui”. Segundo Rushel (apud ELY, 2004, p. 29) já em
1797, ou seja, antes que Ferreira Porto, o comandante do forte e um dos fundadores
de Torres, morasse em terras “torrenses”, duas filhas do então tenente comandante
da pequena fortaleza instalada, que não se sabe ao certo o nome; cantavam muito
bem e tocavam harpa entre outros instrumentos. Um nobre inglês, Semple Lisle,
em passagem neste fortim, registrou em seu diário, que foi recebido pela família
do tenente com um improvisado sarau animado por elas. Ainda Ruschel cita que:
“[...] Torres teve notável florescimento cultural nas primeiras décadas de nosso
século [século XX] [...] Em matéria de música, vale recordar a famosa Banda
Municipal, uma das melhores, que promovia frequentes retretas e bailes.” A primeira
fotografia desta sequência trata-se desta banda que além dessas atividades também
tocava nas celebrações religiosas na Matriz de São Domingos, tanto nas novenas
como nas quermesses.
A segunda fotografia nos mostra, na década de 1940, as serestas que tanto
os torrenses quanto os veranistas entravam noite adentro com melódicas canções
que o balneário inspirava, não tão somente pelas belezas naturais, mas também
pelo glamour e paz que o ambiente praiano proporcionava a estes verdadeiros
“menestréis” de São Domingos das Torres. Rushel (1985, apud ELY, 2004, p. 29)
cita também sobre eles: “[...] Nas noites calmas, as casas de moradores e veranistas
eram visitadas por seresteiros, exímios tocadores de violão e cavaquinho, e cantores,
pertencentes a famílias torrenses [...]”. Os artistas desta segunda fotografia eram
da esquerda para a direita: Niquinho Freitas, Artur Freitas, Élcio Lima e Rui Freitas.
Todos profissionais de outras áreas, mas amantes da música.
Na terceira fotografia vemos já o profissionalismo. Em reunião de família,
surgiu a ideia de formar um conjunto musical como fonte de renda aproveitando os
talentos musicais da época, “Os Brasas” que precedeu o “Embalo Quatro” que
posteriormente mudou o seu nome para “Embalo Cinco”, eram os garotos que
animavam bailes na região entre Osório e Araranguá. Neste registro fotográfico,
estão da esquerda para direita: Chiquito, João Policarpo, Betinho e Leleco.
123
JAIME BATISTA
3.5
EDUCAÇÃO E CIVISMO.
Com o crescimento do balneário o município de Torres teve um aumento
considerável da sua população, fato que levou a eventos significativos como as
comemorações da “Semana da Pátria”. Nesta imagem vemos autoridades públicas
participando da cerimônia de Independência do dia 6 de setembro de 1942. Ao fundo
uma faixa traz o lema: “Confirma o teu Patriotismo”, uma espécie de apelo aos
jovens locais no período da Segunda Guerra Mundial.
Figura 90 – Autoridades, 1942.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
124
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 91 – Semana da Pátria, 1942.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Desfile comemorativo à Semana da Pátria em Torres, no dia 6 de setembro de
1942. A imagem fotográfica traz em destaque dois porta-bandeiras, desfraldando o
pavilhão nacional e outro, que provavelmente é da equipe de futebol do Clube São
Pedro da “Colônia São Pedro”, o qual é representado por jovens trajando uniformes
do clube esportivo. Na margem de cima um grupo de pessoas assiste o desfile.
125
JAIME BATISTA
Figura 92 – Desfile na Rua de Baixo, 1942.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Nesta imagem, na “Rua de Baixo”, observa-se a participação de um corpo militar
no desfile, acompanhado por um pelotão empunhando faixas alusivas à comemoração.
Ao fundo observa-se um conjunto de casario colonial, que ainda resistia às mudanças
urbanísticas e imobiliárias, junto a um grupo de espectadores admirando os participantes
do evento cívico em plena Segunda Guerra Mundial.
126
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 93 – Saudação das moças - ANAUÊ, 1942.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
A singularidade dessa imagem fotográfica do desfile comemorativo a “Semana
da Pátria”, na cidade de Torres em 6 de setembro de 1942, é a presença de jovens
escolares do sexo feminino. O destaque além do uniforme usado pelas jovens são os
braços direitos estendidos para frente, numa espécie de saudação semelhante ao ato
dos nazistas na Alemanha ou da saudação “ANAUÊ”, típica do período histórico
brasileiro denominado “Estado Novo” (1937-1945).
127
JAIME BATISTA
Figura 94 – Comemorações da Semana da Pátria, 1943.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Nesta fotografia, em frente à Matriz de São Domingos em 7 de setembro de
1943, a particularidade fica por conta de três detalhes: o primeiro é sobre o dia do
evento, visto que, nos desfiles anteriores eram realizados na véspera do “Dia da Pátria”;
o segundo é que a imagem do desfile foi feita do espaço aéreo, na torre da igreja,
quanto aos pelotões são formados exclusivamente por escolares; o terceiro detalhe é
sobre o mastro altíssimo, que conforme o relato de João Barcelos trata-se de um mastro
de um navio que naufragou na costa do Litoral Norte; as autoridades aproveitaram seu
mastro que “atracou” na praia de São Domingos das Torres.
128
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 95 – Pelotão da Brigada Militar, no desfile de 7 de setembro, 1943.
Fonte: Acervo do autor, 2007.
No ano de 1943, auge da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma presença
expressiva de soldados da Brigada Militar no município de Torres, como atestam
as imagens fotográficas apresentadas. Nelas vê-se em primeiro plano um corpo de
soldados em formação e armados, prontos para o desfile e comemorações da
“Semana da Pátria”. Observa-se na segunda imagem a bandeira nacional hasteada
e tremulando ao vento no mastro anteriormente mencionado, e sua frente presa
entre duas palmeiras imperiais, que nos dias atuais estão altíssimas, estende-se aí,
uma faixa com o lema do exército nacional: “Nos somos da Pátria a Guarda”.
129
JAIME BATISTA
Figura 96 – Semana da Pátria em frente à Matriz.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Esta imagem também comemorativa a Semana da Pátria em Torres no ano
de 1943, apresenta um pedestal que sustenta o “Fogo Simbólico da Pátria”,
guarnecido por dois sentinelas da Brigada Militar. Acreditamos que a forte
presença da Brigada Militar do Rio Grande do Sul em Torres, deveu-se a forte
presença de imigrantes alemães na região, supostamente o governo de Getúlio
Vargas, queria acompanhar mais de perto as atividades de grupos germânicos no
balneário, visto que, o Brasil havia declarado guerra à Alemanha de Hitler. Outro
detalhe não menos importante, é que neste registro fotográfico tem uma legenda
do evento: “ORG. DA L. D. NACIONAL”; de acordo com artigo da Fundação
Getúlio Vargas (2008), trata-se da instituição antifascista fundada por Olavo Bilac
em 1916, a Liga de Defesa Nacional que defendia a ideia do “cidadão-soldado”,
envolvendo os estudantes elevando o patriotismo e as ideias positivistas do francês
Auguste Comte, por isso constatamos na leitura desses desfiles, a presença tão
forte dessa entidade na região, que mobilizava toda a comunidade em defesa do
nacionalismo de Getúlio, que, diga-se de passagem, foi um tradicional veranista
de “São Domingos das Torres”.
130
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 97 – Pira da Semana da Pátria, 1943.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
131
JAIME BATISTA
Figura 98 – Desfile Sete de Setembro na “Rua de Cima”, 1947.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Outra imagem apresenta mais um desfile no dia 7 de setembro de 1947, a parada
ocorreu na “Rua de Cima”, atual Rua José Antônio Picoral, onde se observa algumas
construções importantes entre as quais, a Matriz de São Domingos. Percebe-se a
participação de crianças do ensino fundamental primário, de agremiações esportivas,
bem como, a ausência de militares. A Segunda Guerra Mundial havia acabado e com
ela também o chamado Estado Novo. Com a Alemanha e as outras potências do Eixo
derrotadas, a vigilância na região foi desativada.
As duas imagens fotográficas apresentam grupos de jovens estudantes no desfile
realizado em 7 de setembro de 1956. Em primeiro plano as escolares desfilam ladeira
acima, e a frente alunas carregam um pequeno barco em homenagem a Marcílio Dias,
que foi um marinheiro da Armada Imperial brasileira, herói da Batalha Naval do
Riachuelo, em 1865. A escola que essas alunas estudavam é a escola estadual que está
em atividade até os dias atuais com o seu nome. No segundo plano, as jovens normalistas
da escola de freiras dominicanas (atualmene clerianas), a Escola São Domingos, que
132
SOB AS LENTES DE TORRES
desfilam perfiladas em uma rua calçada com paralelepípedos, guiadas por uma colega
sem faixa ou bandeira, poderia ser por representarem uma instituição religiosa. Outro
detalhe importante é que não se percebe a presença do público neste trecho.
Figura 99 – Alunas da Escola Estadual Marcílio Dias, 1956.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Figura 100 – Normalistas presente no Desfile de Sete de Setembro, 1956.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
133
JAIME BATISTA
3.6
RELIGIOSIDADE TORRENSE
Figura 101 – Matriz de São Domingos, década de 1930.
Fonte: Acervo do autor, 2007.
Imagem da igreja da São Domingos de Torres, captada por lentes fotográficas
na década de 1930. Observa-se uma cerimônia religiosa sendo realizada no prédio
lateral do templo, chamando a atenção para o grupo de estudantes da Escola Estadual
de Torres, todos, utilizando o gramado do sopé do Morro do Farol como genuflexório,
em frente a um altar improvisado, com um arco de taquaras, e pequenas bandeiras do
Brasil. Era de costume agradecer a Deus pelo que a pátria lhes dava. O apego à
nacionalidade preparava os alunos para seguir os princípios da alma católica brasileira,
que cedo já eram instruídos para seguir a “Ordem e o Progresso”. Um misto de culto à
Deus e à pátria. Portanto, automaticamente, louvores ao então Presidente da República,
Getúlio Vargas, que defendia o nacionalismo acima de tudo.
A igreja de São Domingos começou a ser construída em 1820, Em sua passagem
por “Torres” Saint-Hilaire (1987) escreve em seu diário: “Como há o projeto de se
localizar em Torres a sede de uma paróquia, começaram a construir aí uma igreja, da
qual até agora existe apenas o madeiramento”. Sua inauguração foi em 24 de outubro
de 1824, conforme uma inscrição interna na igreja. A Matriz de São Domingos é a
capela e depois igreja mais antiga do Litoral Norte do Rio Grande do Sul e está tombada
pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico do Estado (RS) desde 1983 com o
número 31/82/DEC/SCDT. Como já mencionada, foi o marco zero para a formação
urbana de São Domingos das Torres. (RUSCHEL, 2004a, p.564 - 565).
134
SOB AS LENTES DE TORRES
Estas três fotografias tiradas por fotógrafos anônimos apresentam procissões
provavelmente em homenagem ao santo padroeiro, São Domingos de Gusmão.
A escolha deste santo para ser o “mentor espiritual” da comunidade, foi
provavelmente, por vários motivos. Segundo Ruschel (2004a) pode ter sido pela
participação encabeçada pelo então lagunense Domingos Antônio da Costa
Guimarães, que era encarregado pelos tributos da passagem das Torres, na
construção desta obra. Outra sugestão de Ruschel é que São Domingos naquele
período era um santo muito cultuado no Brasil. E também a própria influência de
Dom Caetano Coutinho, o bispo que autorizou a construção da capela, que foi
sagrado com esse título por Pio VII em Lisboa na Igreja de São Domingos. Ao
certo não se sabe, o certo é que foi o padroeiro que influenciou o nome de Torres
e fez toda a comunidade católica ser seu devoto, tanto que, as procissões seguem
até os dias atuais. Na primeira fotografia, os moldes da celebração de “Corpus
Christi”, visto que os fiéis acompanham o cortejo pelas laterais, deixando o vão
central livre. Os três eventos foram na “Rua de Cima”, atual Rua José Antônio
Picoral.
Figura 102 – Procissão na Rua Carlos Flores, década de 1930.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
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JAIME BATISTA
Figura 103 – Procissão, 1941.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 104 – Procissão na Rua de Cima, década de 1940.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2008.
136
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 105 – Festa de São Domingos, 1944.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Cena retratando fieis que participam das orações em honra a São Domingos,
diante de uma residência onde estava sua imagem, visto que, as novenas eram
realizadas nas casas de algumas famílias no período que antecedia a festa do padroeiro.
Dela participam homens, mulheres, jovens e crianças da comunidade. Essa é uma
fotografia de 1944.
137
JAIME BATISTA
Figura 106 – Sagrado Coração de Jesus, 1944.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Essa imagem fotográfica de 1944 é rica em detalhes, demonstrando toda
religiosidade da população torrense. Além dos padres usando a tradicional “batina”,
há muitas crianças vestidas de “anjo”. Tratava-se na ocasião da celebração do “Sagrado
Coração de Jesus”, em close vemos a imagem sendo carregada em um andor, e um
religioso leva a frente um belíssimo estandarte com a representação de Jesus Cristo.
Também se observa acima da foto a Banda Municipal que participava de todos os
eventos religiosos da paróquia de Torres.
138
SOB AS LENTES DE TORRES
A primeira fotografia apresenta o interior da igreja de São Domingos das
Torres, onde é possível ver o padre da Paróquia celebrando uma missa em memória
dos marinheiros brasileiros, mortos em combate na Segunda Guerra Mundial, em
mares europeus. A missa foi encomendada pela “Liga de Defesa Nacional”. Diante
do altar a presença de grandes castiçais formando um quadrado como ocorre em
velórios, bem como, a igreja repleta de fiéis. À direita, o espaço dos assentos é
ocupado em sua maioria por crianças, à esquerda, misturam-se entre os bancos
homens e mulheres.
A segunda imagem representa uma cerimônia religiosa comemorativa à
“Semana da Pátria”, em 6 de setembro de 1942. Observa-se o apelo popular que
superlotava a igreja, num momento em que muitos jovens brasileiros estavam
lutando em terras europeias na época da Segunda Guerra Mundial.
Figura 107 – Missa na Matriz de São Domingos, 1945.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
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JAIME BATISTA
Figura 108 – Semana da Pátria, 1942.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
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SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 109 – Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, década de 1950.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Desde sua fundação a comunidade torrense foi marcada pela fé católica, a
começar pelo próprio nome, São Domingos das Torres. Esta fotografia confirma por
si só, apresentando um casal visitando a gruta de Nossa Senhora de Lourdes em 1950.
Esta gruta localiza-se na então “Colônia de São Pedro de Alcântara”, onde foram
assentados os germânicos a partir no início da povoação das Torres. Lemos este registro
fotográfico como um impacto cultural, um ato devocional francês, em terras colonizadas
por germânicos, em chão gaúcho.
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JAIME BATISTA
Figura 110 – Luiz João Batista, década de 1950
Fonte: Acervo do autor, 2005.
A fotografia apresenta um momento ímpar do Senhor Luiz João Batista, que
lembra mais o personagem Santiago, de Ernest Hermigway, em “O Velho e o Mar”.
No close percebemos as características de pescador marcado pelo sol com seu
companheiro inseparável. Conforme o relato de João Maciel Dalolli, seu filho, tratase de um dos fundadores da colônia de pescadores de Torres, que no momento pousava
para as lentes de seu amigo do Rio de Janeiro, o fotógrafo Jorge, este registro fotográfico
foi copiado quarenta anos depois a partir de seu original em negativo. No detalhe, o
velho pescador usa uma medalha em sua lapela, que representava o apostolado da
Igreja Católica, concluímos que este registro fotográfico foi feito depois da missa de
domingo, e percebemos que mesmo humildes, os moradores locais tinham suas roupas
apropriadas para tal evento religioso.
142
SOB AS LENTES DE TORRES
3.7
MEMÓRIAS DO COTIDIANO
Figura 111 – Delegacia e presídio, década de 1940.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Fotografia da delegacia e presídio municipal de Torres na década de 1940.
Diante do prédio posou para a foto o comandante do presídio e da Brigada Militar,
Olinto Wellausen Porto, usando farda e um quepe militar, se faz acompanhar o Dr.
Delegado de polícia, Milton Moraes e mais quatro policias. Um detalhe importante
é o uniforme dos soldados, estilo verão, usados em países com clima quente, como
África do Sul, Ilhas do Caribe e outros. Além do capacete característico da época.
Esse hábito é usado atualmente no verão pela “Operação Golfinho da Brigada
Militar”.
143
JAIME BATISTA
Figura 112 – Festa e Soldados, 1944.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Diante do conflito mundial da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a
região de Torres foi alvo de vigilância constante por parte das autoridades
brasileiras, devido à grande concentração de “alemães” no município. Nesta imagem
registrada no verão de 1944, quase ao término da Segunda Guerra Mundial, vemos
um grande número de militares do exército em uma comemoração, que pela
localização da Matriz de São Domingos acima, este local da festa seria nos fundos
do presídio. O detalhe importante foi o flagrante feito pelo fotógrafo, ao registrar
o pessoal fardado, e, portanto, em serviço, consumindo uma grande quantidade de
garrafas de cervejas. No canto esquerdo, um soldado bebe a cerveja no gargalo,
mostrando diversão e contravenção. O fato é que se trata da comemoração do dia
do soldado, prática muito comum em momentos de valorização de tal profissão.
144
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 113 – Auto Viação Expresso Nordeste, 1943.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2007.
Nesta fotografia de 1943, observamos passageiros que foram obrigados a
desembarcar devido a um atoleiro após viajarem em um ônibus da empresa Auto
Viação Expresso Nordeste, que ligava Torres (RS) a Porto Alegre (RS). Essas estradas,
que antes eram apenas para veículos com tração animal, passa a permitir o trânsito
desses coletivos, que por “desbravarem” certas rotas com seus primitivos veículos,
passavam por dificuldades constantes, somente com a inauguração da BR 101 é que
melhoraram esses caminhos, Antes o percurso era de Porto Alegre até Santo Antônio
da Patrulha (RS) entrando por Osório (RS) e finalmente pela praia desde Tramandaí
(RS) até a rodoviária junto ao Hotel Sartori.
145
JAIME BATISTA
Figura 114 – Carrocinha de cabritos, 1948.
Fonte: Acervo João Barcelos, 2007.
146
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 115 – Lembrança de Torres, 1945.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Estes dois momentos que foram congelados na década de 1940, mostram o
interesse dos pais em registrar seus filhos ainda crianças para a posteridade. Para os
fotógrafos profissionais era comum elaborar a legenda: “lembrança”, como é o caso
destes registros fotográficos. A primeira fotografia registra o momento de uma criança
que veraneou em Torres no ano de 1947. Eram comuns as carrocinhas puxadas por
cabras e bodes utilizadas por fotógrafos ambulantes, que ganhavam algum dinheiro
fotografando crianças; mas algumas crianças torrenses elaboravam essas carrocinhas
para também ganhar um dinheiro no aluguel das mesmas. Observamos aí a diferença
social entre muitos torrenses e os veranistas.
Singelo momento registrado pelas lentes fotográficas sobre o cotidiano do
mundo infantil torrense. Sentadas em um banco em frente à residência e comércio
do Senhor Ídio K. Feltes, o fotógrafo profissional mencionado anteriormente; trata-se
de seu filho Fernando Feltes, o popular “Tico” e Maria Helena Lima, filha do capataz
da prefeitura Élcio Lima, grande colaboradora para compor o acervo fotográfico deste
livro.
147
JAIME BATISTA
Figura 116 – Furgão da Padaria Vera Cruz, década de 1950.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2006.
A bucólica paisagem torrense da década de 1950, a fotografia traduz a
tranquilidade do motorista do veículo utilizado, provavelmente para fazer as entregas
do Armazém, Padaria e Confeitaria Vera Cruz. O senhor Generino Daitx, veste-se no
estilo clássico para a época, calça escura com suspensórios e camisa branca. Ao fundo
vê-se algumas casas e a região de dunas.
148
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 117 – Casa comercial, 1959.
Fonte: Acervo do autor.
A imagem de 1959 mostra um dia normal enfrente a filial de Torres, da loja de
departamentos Antônio Luz e Filhos, que tinha a sua matriz em Gravataí (RS). Essa
casa comercial era muito procurada para a compra de bicicletas, de rádios, de fogões e
do próprio gás. Em frente estão os funcionários. O da esquerda é Antônio Quart, vulgo
Tonico. O menino da direita era o então entregador de gás, Inácio, vulgo Coroti, na sua
frente está o carrinho da entrega dos pesados botijões. O personagem central com os
braços cruzados é o comerciante aposentado João Maciel Dalolli, que na época era
gerente desse estabelecimento comercial. Foi ele quem fez a primeira venda de fogão
a gás, botijão de gás, liquidificador, panela de pressão entre outros equipamentos e
utensílios domésticos de Torres. Essa loja fechou as suas portas em 1964. E Seu
Joãozinho, como é carinhosamente chamado, juntamente com seu irmão Paulo da
Silva Batista (in memoriam), funda no mesmo ano, o Bazar Praiano, uma loja de
artigos diversos, que atendia ao torrense e ao veranista, nesta mesma sala comercial,
que ficava ao lado do Farol Hotel, onde funcionava no começo do século XX o Tenis
Club e o Cassino da Vila de São Domingos das Torres.
149
JAIME BATISTA
Figura 118 – Passeio de charrete, SD.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 119 – Família com charrete, 1953.
Fonte: Acervo Casa de Cultura do município de Torres, 2006.
Passeio com charrete no verão torrense de 1953. Estas duas fotografias são
registros do cotidiano das famílias da região, utilizando-se de um meio de transporte,
150
SOB AS LENTES DE TORRES
que ainda resistia à invasão dos automóveis trazidos pelos veranistas e turistas, no
entanto, o charme das charretes ainda resistia. Era comum essa prática na antiga
Praça dos cavalos, onde havia aluguel de charretes e cavalos.
Figura 120 – Alois e Esposa, década de 1950.
Fonte: Acervo do autor.
Fotografia clássica de um casal habitante da cidade de São Domingos das
Torres, cuja tradição se fazia presente nas paredes das salas de todas as residências
da região. Trata-se do senhor Alois e sua esposa, moradores de Morro Azul,
localidade que pertencia a Torres. A maioria dos casais possuía uma fotografia de
casamento, ou após certa idade. O terno com gravata e o melhor vestido não podiam
faltar para a pose de recordação.
Esta imagem vale por mil palavras, visto que, ela retrata a razão de toda a
História humana e suas realizações em toda civilização, ou seja, a família a “célula
mater.” da sociedade. Além da fotografia clássica do casal, as fotografias em família
eram uma prática comum e recomendada para o álbum de recordações dos torrenses.
Destacamos através da imagem que as famílias eram bem numerosas, muito diferente
dos dias atuais.
151
JAIME BATISTA
Figura 121 – Família reunida, década de 1930.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Os dois registros fotográficos acima nos remete à renascença, onde os nobres
passaram a encomendar retratos aos artistas, que colocavam a melhor roupa com
toda a pompa para mostrar toda a sua nobreza e poder. Começa a partir daí a
valorização do homem (antropocentrismo), pois até então só eram permitido pintar,
esculpir ou entalhar imagens sacras. Muitos pediam para retocar uma parte aqui
outra acolá, como fez Henrique VIII rei da Inglaterra, que ordenou o artista fazer
vários quadros até ficar satisfeito com a sua imagem. Com o advento da fotografia,
quando ela se popularizou, surge o carté de visite que era um retrato que servia de
referência. E, claro, surgem as fotos de família, tantas que faltavam paredes em
algumas casas. Mas sempre com a melhor pose, a melhor roupa. Alguns fotógrafos
retocavam as imperfeições e até coloriam com técnicas de pinturas em cima da foto.
Com o avanço da informática surgem os sites de relacionamento onde as pessoas
podem mostrar um pouco de sua vida, de sua família a outras pessoas. Como análise
histórico/sociológica, digo que os retoques do foto-shop “sempre existiram”, a pose
forçada, além do que realmente somos sempre existiu. Portanto os sites de
relacionamento são nada mais nada menos que a evolução dos retratos renascentistas.
A aparência é tudo para a sociedade.
152
SOB AS LENTES DE TORRES
Esses três registros fotográficos, que é uma sequencia do fotógrafo Guilherme
Clezar, trata-se de um acidente aéreo que ocorreu na divisa do Rio Grande do Sul
com Santa Catarina no dia 3 de fevereiro, exatamente no Rio Mampituba. A VARIG
(Viação Aérea do Rio Grande do Sul), que começou suas atividades 2 anos antes
deste acidente, tinha uma linha de Porto Alegre à Torres. Os veranistas mais abastados,
vinham a Torres neste serviço que era uma inovação para o transporte brasileiro.
Figura 122 – Acidente Aéreo no Rio Mampituba, 1929.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Figura 123 – 38 horas após acidente aéreo no Rio Mampituba, 1929.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
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JAIME BATISTA
Figura 124 – Funcionários da VARIG desmontando o
hidroavião 68 horas após o acidente, 1929.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Entre vários passageiros, usaram esse serviço Getúlio Vargas, Protásio Alves, além
dos proprietários da VARIG que veraneavam no balneário Torrense.
O primeiro local de pouso deste aparelho, que era um hidroavião, era na lagoa
“Itapeva”, a sete quilômetros do centro urbano de Torres, como as estradas eram de
difícil acesso neste percurso, e com veículos desconfortáveis, a VARIG fez um teste
amerissando no Rio Mampituba, porém sem um prévio estudo do local, o piloto que
comandava o hidroavião de prefixo P-BAFA, bateu em um fio do teléfrago que
atravessava o rio. De acordo com Ruschel (1986, apud ELY, 2004, p.86.):
O fotógrafo torrense Guilherme Clezar estava a jeito. Quinze minutos
após a queda do avião, fotografou-o da margem [1ª fotografia]. O
aparelho permaneceu encalhado, de ponta- cabeça, até os dias seguintes.
Clezar voltou ao local 38 horas depois, aproximou-se de caíque e tirou
nova foto [2ª fotografia]. Chegados especialistas de Porto Alegre,
desmontaram o aparelho para retirar e levar as peças separadamente. O
fotógrafo aproveitou [...] o flagrante do início desses trabalhos, 68 horas
depois da queda [3ª fotografia]. Assim, graças a ele dispomos hoje de
uma reportagem fotográfica do primeiro acidente aéreo de Torres.
Além do fotógrafo torrense que saiu correndo para registrar o ocorrido, como
podemos observar no primeiro registro fotográfico, vários outros curiosos foram até
a margem do Rio Mampituba para ver tal acidente, aglomerando pessoas de todas as
idades, tanto moradores locais como também veranistas. Para a maioria dessas
pessoas, como não houve fatalidade, fizeram do acidente, um espetáculo em plena
temporada de verão nas Torres.
154
SOB AS LENTES DE TORRES
3.8
O FUTEBOL: “UM ESPORTE POPULAR NO BALNEÁRIO DE
TORRES (RS)”
Figura 125 – Campo de futebol à beira-mar, 1929.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Esta imagem fotográfica de 1929, mostra uma partida de futebol a beira mar,
sendo assistida por um grupo de pessoas bem trajadas, o que nos leva a crer que
futebol já era um esporte popular em São Domingos das Torres, na década de 1920.
O fato curioso é que os jogadores estão todos uniformizados, mas jogam descalços,
fato que antecipa em décadas a prática do futebol de areia na Brasil. Teria nascido
em Torres no Rio Grande do Sul o famoso futebol de areia, que se tornou prática
desportiva mundial? Como não temos a resposta fica aqui registrado esse ímpar do
esporte amador torrense.
155
JAIME BATISTA
Figura 126 – Futebol na Semana da Pátria, 1942.
Fonte: Acervo Casa de Cultura, 2006.
Não é de hoje que o cidadão rio-grandense é considerado um patriota ferrenho,
defensor dos interesses do seu Estado como também do Brasil. A fotografia mostra
um grupo de jovens da região uniformizados, para a disputa de uma partida de futebol
comemorativa às festividades da “Semana da Pátria” O jogo ocorreu no dia 6 de
setembro de 1942. Não foi possível determinar se o evento ocorreu no mesmo período
matutino ou vespertino. Ao centro agachado está Generino Daitx que além da massa
dos pães (sua profissão era padeiro) também sabia usar muito bem suas mãos como
guarda valas, como era chamado o goleiro na época.
156
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 127 – Mampituba X Sul - brasileiro, 1944.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Os investimentos imobiliários e o aumento do número de veranistas e turistas
no balneário de Torres foram aos poucos promovendo o encontro de grupos
futebolísticos regionais em torneios curtos, sendo a grande maioria disputados durante
as comemorações de Semana da Pátria. Nesta imagem temos a equipe do Mampituba
antes da partida contra o Sul - brasileiro de “Conceição do Arroio”, atual Osório (RS),
em 6 de setembro de 1944.
157
JAIME BATISTA
Figura 128 – Disputa da bola, 1946.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Aqui temos a imagem de uma partida futebolística entre um time de amigos
uniformizados, e um grupo chamado “peladeiros”, visto que, esses jogadores trajam
roupas comuns, aparecendo um jogador de camisa de física e outro de camisa de
botão. O registro chama a atenção, pois fotografar uma partida de futebol em movimento
era um fato não muito comum na época em relação aos outros registros fotográficos
com o mesmo tema, ou seja, em 3 de novembro de 1946.
158
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 129 – Grêmio Esportivo Torrense, 1947.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Nesta fotografia datada de 1º de junho de 1947, apresenta uma equipe de
jogadores de futebol devidamente uniformizados e cujo goleiro aparece reclinado diante
de toda a equipe, posando no estilo dos goleiros europeus da época. Outro detalhe a
ser destacado é a presença de um suposto dirigente ou patrocinador, acompanhando o
grupo. A cartolagem já marcava presença.
159
JAIME BATISTA
Figura 130 – Futebol torrense, 1947.
Fonte: Acervo Centro Municipal de Cultura de Torres, 2006.
Essa é outra imagem antológica da prática do futebol por equipes no balneário
de Torres. O registro feito em 1947 com as equipes perfiladas em diagonal sobre um
espaço gramado, tendo ao fundo algumas construções em destaque, como a Igreja de
São Domingos das Torres. Chamativo, também, é o porta-bandeira que a mantém
desfraldada pela força do vento.
160
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 131 – Jogadores do Torrense, década de 1950.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Toda equipe futebolística sempre teve seus ícones independente da época ou
lugar, e em Torres isso não foi diferente. Esta fotografia feita na década de 1950 traz
em destaque três ídolos da recém criada equipe futebolística do Grêmio Esportivo
Torrense. Em pé com a bola o goleiro Aroldo Webber Rodrigues e agachados os
jogadores Olímpio Lima e Airton Lemos.
161
JAIME BATISTA
Figura 132 – Futebol, 1945.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Esta fotografia feita em 1945 apresenta jogadores uniformizados para a prática
do futebol, cujas camisas apresentam uma discreta faixa paralela no sentido direitoesquerdo, o que pré-anuncia o uniforme oficial do Grêmio Esportivo Torrense, que só
viria a ser criado em 1949. Outro detalhe é a presença de um jogador afrodescendente,
fato raro em comunidade com forte presença germânica.
162
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 133 – Dividida pesada, 1949.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Figura 134 – Defesa do goleiro, 1949.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
163
JAIME BATISTA
A mensagem fotográfica acima disposta registra um lance de uma partida
futebolística realizada em Torres no dia 3 de novembro de 1946, numa espécie de
pré-temporada de verão. A imagem seguinte registra um lance da área, ocorrido
numa partida de futebol disputada também em Torres, no mês de outubro de 1949.
Ambas as imagens mostram que a paixão pelo futebol no balneário, já estava
adquirindo um certo profissionalismo que se refere à cobertura das partidas
futebolísticas. Muitas foram imagens encontradas sobre lances futebolísticos.
Ao que tudo parece crer, não bastava registrar as equipes em pose oficial, era
preciso flagrar os lances de emoção.
Figura 135 – Grêmio Esportivo Torrense, 1949.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Esta fotografia antológica apresenta a equipe titular do Grêmio Esportivo
Torrense, fundado no dia 21 de abril de 1949, cujo uniforme era composto por
calção branco, camisa verde comum, a faixa diagonal na cor branca e meias verde
e branco. Um ponto a se destacar na imagem da época é a presença do goleiro no
meio da formação da equipe, bem como, a do massagista da equipe na extremidade
direita e trajando uma capa estilo inglês ou europeu.
164
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 136 – Inauguração do estádio do G. E. Torrense, década de 1950.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
Figura 137 – Bênção do padre no estádio do Torrense, 1949.
Fonte: Acervo Clarissa Raupp, 2005.
165
JAIME BATISTA
Imagem fotográfica da cerimônia de inauguração do estádio do Grêmio
Esportivo Torrense. A cerimônia religiosa foi celebrada em 1949, e recebeu as
bênçãos do vigário da paróquia. O corte simbólico da fita de abertura coube ao
prefeito da época, o Senhor Moisés Camilo de Farias, que se fez acompanhar de
diversas personalidades torrenses, entre eles um dos fundadores do clube, que era
um dos proprietários do Farol Hotel, o senhor Ênio Pozzi, além de numerosos
simpatizantes e curiosos.
Figura 138 – Goleada, 1956.
Fonte: Clarissa Raupp, 2005.
Esta equipe Grêmio Esportivo Torrense em sua 1ª partida disputada em 1956,
exatamente no dia 26 de fevereiro, venceu a equipe do Minuano, pelo dilatado
placar de 10 X 0, fato pouco comum para uma equipe recém formada. Não podemos
deixar de ressaltar que na época os jogadores jogavam por amor a camisa, muito
diferente dos dias atuais.
166
SOB AS LENTES DE TORRES
Figura 139 – Vasco F. C. de Torres, 1956.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Quando surge uma equipe de futebol e a mesma começa a ganhar visibilidade,
é normal que outros grupos passem a projetar a criação de uma equipe adversária.
Em Torres isso não foi diferente, visto que nesta imagem fotográfica do ano de
1956, temos em formação a equipe do Vasco Futebol Clube de Torres, presidida
pelo então jovem Balbino de Freitas. Chama a atenção a presença do massagista,
que aparenta ser um garoto. Quanto ao uniforme da equipe percebe-se a influência
do futebol carioca na contramão do Grêmio Esportivo Torrense que trazia as cores
da Sociedade Esportiva Palmeiras de São Paulo. E por último, mas não menos
importante, é a presença feminina entre o goleiro e o então jovem Cláudio Daitx,
que abrilhantava os jogos de fim de semana nas tardes de programação jovem da
cidade nos anos de 1950; era de costume as equipes de futebol escolher as suas
madrinhas para dar um toque de charme a esses eventos esportivos.
167
JAIME BATISTA
Figura 140 – G. E. Torrense e Internacional de Porto Alegre, 1959.
Fonte: Acervo Maria Helena Lima, 2005.
Entrou para a História do Grêmio Esportivo Torrense, essa imagem fotográfica
que foi feita em 1959, no décimo ano da sua fundação. Aparecem em formação os
jogadores da equipe balneária junto aos atletas do Sport Club Internacional de Porto
Alegre. Após quatro décadas desta imagem antológica, mais precisamente em 1999,
o torrense obteve um resultado expressivo ao empatar em 1 x 1 com o Sport Club
Internacional da capital gaúcha e uma vitória por 3x1 contra o Esporte Clube Criciúma
(SC), num jogo amistoso. O Grêmio Esportivo Torrense conquistou o seu maior
título de sua História ao vencer o Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão em 1998.
Quiçá um dia possa ser campeão também da primeira divisão! E para encerrar,
contextualizando a evolução do esporte torrense com questões socioeconômicas e
culturais, vemos ao fundo os grandes edifícios que já estavam sendo construídos em
Torres, preconizando sua vocação turística desde Picoral.
168
SOB AS LENTES DE TORRES
4
CONCLUSÃO
A fotografia é uma arte que se socializou devido a Revolução Industrial, é
uma ferramenta que estará sempre disponibilizada para pesquisas, sejam elas
científicas ou não. Sua “descoberta” poderia ter sido até mesmo uns cem anos antes
de Daguerre e Florence, já que o renascimento freou esse acontecimento. Entretanto,
desde Florence, o Brasil acumulou registros fotográficos de valores incalculáveis,
formando um acervo digno de uma leitura focada na nossa História.
Nesse contexto histórico percebemos o legado do município de Torres, no
que tange os choques culturais, desde os nativos guaranis até os dias de hoje, essa
“passagem” de pessoas de várias culturas que formaram outra voltada à hospitalidade,
além do registro, confirmado com a presença instalada atualmente, na divisa do
Estado, o órgão de fiscalização do Governo do Rio Grande do Sul, sustentando que
desde os séculos passados a cidade de Torres é o “Portal do Rio Grande do Sul”.
A preservação destes registros fotográficos faz-se necessário com o advento
da informatização. A técnica de digitalização como ferramenta mais adequada pode
suprir a necessidade de tornar públicos registros fotográficos de valor histórico, que
se encontram inacessíveis em acervos particulares ou em instituições. Podemos ter
maior acesso a estes “documentos” através da digitalização, preservando os originais
como prioridade, cujo acesso pode ser difícil devido à distância dos arquivos, ou
pela proibição de seu manuseio, tanto por instituições ou individualmente. Somente
a digitalização garante mais economia, eficiência e agilidade.
169
JAIME BATISTA
Estes materiais quase sempre estão guardados em condições não adequadas,
ocasionando o seu extravio. A passagem de acervos em papel para acervos digitais
possibilitará, dessa forma, tanto a divulgação quanto à preservação e restauração
dessas imagens, com ganhos no sentido da preservação da memória de âmbito geral.
Os acervos fotográficos que estão ocultos ou já arquivados no município de Torres
(RS) são verdadeiros documentos que podem estar a serviço da memória local. No
que se refere a esse acervo, podemos concluir que pode e poderão ser armazenados
em bancos de dados (alguns já estão no Centro Municipal de Cultura), catalogados e
principalmente analisados por profissionais arquivistas, historiadores, antropólogos
e outros afins. Essa, então, leitura, culminará em uma revisão da História do Município
de Torres (RS), mesmo que fragmentada, mas somente assim, com diversos olhares,
é que se perceberão muitos outros fatos e aspectos importantes, para a micro-História
da região.
Propomos esse desafio que pode ser transformado em um projeto com o apoio
do departamento de cultura da Secretaria de Turismo, Comércio e Indústria do
Município de Torres (RS), já que a mesma representa a instituição cultural e é a
guardiã de tal acervo.
170
SOB AS LENTES DE TORRES
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JAIME BATISTA
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172
SOB AS LENTES DE TORRES
ANEXO A
LEI QUE OFICIALIZA A BANDEIRA DO MUNICÍPIO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Câmara Municipal de Torres
LEI Nº 1.346, de 04 de Setembro de 1.970
Sanciona e promulga a Lei nº 1.353 da
Câmara de Vereadores, que oficializa a
“Bandeira do Município de Torres e dá
outras providências”.
MANOEL JOÃO MACHADO, Prefeito Municipal de Torres, Estado do Rio
Grande do Sul, de acordo com o que estabelece o inciso II do artigo 51 da Lei Orgânica
do Município, FAÇO SABER, que a Câmara de Vereadores aprovou e eu SANCIONO
e PROMULGO a seguinte LEI:
Art. 1º - Nos termos do § 3º do art. 1o da Constituição da República Federativa
do Brasil, de 17 de outubro de 1969, é símbolo do Município de Torres, a partir desta
data, a Bandeira do Município, cujo projeto teve origem no concurso público aberto
pelo Decreto no 32/69, e cujas características fundamentais são: fundo em vermelho,
de forma retangular, tendo no centro uma dupla circunferência, em cujo interior aparece
uma vista do mar, nas proximidades de uma das três tôrres que deram origem ao nome
da Comuna, na Praia da Guarita, circundada pelos dizeres “Torres – Agricultura –
Turismo – 24 de maio de 1878.
173
JAIME BATISTA
Art. 2º - A Bandeira do Município de Torres, em tecido, para repartições públicas
em geral, federais, estaduais e municipais, para quartéis e escolas públicas e particulares,
será executada obedecendo os padrões previsos para a Bandeira Nacional, nos termos
do art. 4º da Lei Federal nº 5.443, de 28 de maio de 1968.
Art. 3º - Revogadas as disposições em contrário, esta Lei entrará em vigor na
data da sua publicação.
Registre-se, publique-se e façam-se as devidas comunicações.
GABINETE DO PREFEITO MUNICIPAL DE TORRES, EM 04 DE SETEMBRO
DE 1970.
MANOEL JOÃO MACHADO
Prefeito Municipal
174
SOB AS LENTES DE TORRES
175
JAIME BATISTA
Impressão:
Gráfica e Editora
Fone/Fax: (54) 3226.1811 - E-mail: [email protected]
176
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Sob as lentes de torres final.p65