PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
SE ESSA RUA FOSSE MINHA:
patrimonialização de conjuntos urbanos em Itabirito (MG)
Bianca Pataro Dutra Clímaco
Belo Horizonte
2011
Bianca Pataro Dutra Clímaco
SE ESSA RUA FOSSE MINHA:
patrimonialização de conjuntos urbanos em Itabirito (MG)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Área de concentração: Cultura, Identidades e
Modos de vida.
Orientador: Prof. Dr. Tarcísio Rodrigues Botelho
Belo Horizonte
2011
À memória de Antônio de Pádua Pataro Dutra, meu pai.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas acompanharam a elaboração desta dissertação e contribuíram para que
todo o processo fosse muito animado. Não existem palavras para expressar minha gratidão
àqueles que me incentivaram e confiaram no meu trabalho. Certamente, os agradecimentos
que expresso são insuficientes.
Agradeço à PUCMinas por me receber e à CAPES pela maravilhosa bolsa que me
possibilitou chegar até aqui. Ao meu orientador, Tarcísio Rodrigues Botelho, serei sempre
grata por me acompanhar neste trabalho e pelas orientações pacientes e generosas. Muito
obrigada por não ter me abandonado!
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais agradeço pelas
aulas e pela oportunidade de me apaixonar pelo que ensinaram. Sou grata a vocês pelas
conversas informais que tornaram tudo muito mais leve: Juliana Gonzaga Jayme, Carlos
Aurélio Pimenta, Magda de Almeida Neves, Alessandra Chacham, Luciana Teixeira Andrade,
Cristina Filgueiras, Carlos Alberto Rocha e Lea Souki. Agradeço aos funcionários da
secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pelo apoio e dedicação a todos
nós.
Aos colegas de turma que compartilharam as alegrias e os dissabores do mestrado,
fazendo das aulas e discussões momentos de aprendizado e troca. Agradeço à Adriana Girão,
Virgílio Coelho e Marcelo Mourão: “gente fina, elegante e sincera”.
De forma muito especial agradeço à minha mãe, Maria, e aos meus irmãos, Rafaela e
Juninho, por entenderem as ausências, pelo amor incondicional e por desejarem junto cada
conquista. Muito obrigada por me apoiarem sempre! Ao Luís Fernando, meu marido, pelo
amor que acalma e por toda a compreensão e confiança em meio ao caos.
Termino agradecendo aos moradores das ruas do Rosário e Sete de Setembro que me
receberam em suas casas e participaram da pesquisa de campo, revelando suas vivências e
memórias. Agradeço aos ex-colegas de trabalho, Gilmara Eduarda Braga e Ubiraney de
Figueiredo Silva, que me concederam a oportunidade de trabalhar na Divisão Municipal de
Memória e Patrimônio de Itabirito onde tudo isso começou.
RESUMO
Este trabalho analisa a construção do patrimônio arquitetônico urbano na cidade de Itabirito
(MG), tomando o patrimônio como produção simbólica que materializa aspectos ideológicos
e atua como estrutura de imposição e legitimação da ordem social, tendo em vista a relação
entre os tombamentos conduzidos pelo poder público municipal e a construção simbólica de
uma memória colonial da/para a cidade. Para tanto, definimos como objeto de análise as ruas
do Rosário e Sete de Setembro, vias localizadas no núcleo urbano primordial e nomeadas
como símbolos de fundação da cidade e da própria cultura itabiritense. Com objetivo de
compreender a valorização dessas ruas como marcos históricos, procedemos à investigação
tanto da formação material e simbólica do espaço pesquisado, quanto da fundação do campo
municipal do patrimônio e sua aproximação aos parâmetros do IEPHA/MG para arrecadação
do ICMS Cultural por meio das categorias de tombamento pontuadas. A pesquisa sobre a
valorização institucional das ruas do Rosário e Sete de Setembro indicou que o campo do
patrimônio municipal oficializou representações que circulavam entre a elite cultural local e
adquiriram ressonância na cidade. Soma-se a isso a influência do IPHAN e IEPHA/MG na
divulgação do discurso patrimonial por meio dos tombamentos realizados no município em
épocas anteriores. Assim, os significados associados aos conjuntos tombados são partilhados
entre os agentes locais da preservação patrimonial e os moradores das ruas tombadas que
mesclam os sentidos oficiais da patrimonialização às representações construídas a partir das
vivências cotidianas com o espaço.
Palavras-chave: patrimônio cultural, memória urbana, representações sociais.
ABSTRACT
This paper analyzes the construction of urban architectural heritage in the city of Itabirito
(MG), making the heritage as symbolic production that embodies the ideological aspects and
acts as a structure of imposing and legitimating the social order, in view of the relation
between the register by the municipality and the symbolic construction of a colonial memory
of/to the city. To this end, we define the streets of Rosario and Sete de Setembro as analysis
object; they are roads located in the primary urban core and named as the city foundation’s
symbols and of the own itabiritense culture. Aiming to understand these streets valuation as
landmarks, we investigate both the material and symbolic formation of these space as the
foundation of the municipal property and their approach to the IEPHA/MG (Instituto Estadual
do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - State Institute of Historical and Artistic
Heritage of Minas Gerais) parameters for cultural ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestações de Serviços - Taxes on Goods and Services) collection through the
scored of the registry categories. This research indicated that the municipal property has
officialized representations, which circulated among the cultural elite local and gained
resonance in the city. Added to this, the IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional - Institute of National Historical and Artistic Heritage) and IEPHA/MG influence on
the heritage speech dissemination by the registries held in the municipality in earlier times.
Thus, the meanings associated with the registered sets are shared among the local officers of
the heritage preservation and the inventoried streets’ inhabitants, who mix the official senses
of the patrimonialization to the representations constructed from the daily experiences with
the space.
Keywords: cultural heritage, urban memory, social representations
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1. Vista da Rua do Rosário ......................................................................................... 15
FIGURA 2. Vista da Rua do Rosário ......................................................................................... 15
FIGURA 3. Vista da Rua Sete de Setembro............................................................................... 15
FIGURA 4. Travessa São José adjacente à Rua Sete de Setembro............................................ 15
FIGURA 5. Prospecção da urbanização do Arraial de Itaubira no início do século XVIII ....... 25
FIGURA 6. Prospecção da evolução urbana de Itabira do Campo entre o final do século XIX
e o início do XX ......................................................................................................................... 27
FIGURA 7. Rua Dr. Guilherme nas proximidades da estação ferroviária ................................. 28
FIGURA 8. Região plana de Itabirito, destacando a estação ferroviária e a pousada................ 28
FIGURA 9. Desfile de carnaval na Rua Dr. Guilherme............................................................. 28
FIGURA 10. Desfile da Corporação Musical Santa Cecília ...................................................... 29
FIGURA 11. Mancha urbana de Itabirito na década de 1970 .................................................... 30
FIGURA 12. Mapa do centro histórico de Itabirito ................................................................... 40
FIGURA 13. Interior de um antigo comércio na Rua Sete de Setembro ................................... 46
FIGURA 14. Interior de um antigo comércio na Rua Sete de Setembro ................................... 46
FIGURA 15. Mapa do macrozoneamento da zona urbana de Itabirito ...................................... 49
FIGURA 16. Casarões na Rua do Rosário, destacando as varandas em balcão......................... 51
FIGURA 17. Casarão na Rua de Setembro ................................................................................ 51
FIGURA 18. Casa com influência Art déco na Rua do Rosário................................................ 52
FIGURA 19. Casa com influência Art déco na Rua do Rosário................................................ 52
FIGURA 20. Divulgação da inauguração das obras de revitalização do centro histórico ......... 56
FIGURA 21. Painel na Rua do Rosário com informações sobre o centro histórico .................. 56
FIGURA 22. Rota de pedestre instalada na esquina da Rua Sete de Setembro com Rua do
Rosário........................................................................................................................................ 57
FIGURA 23. Painel na Rua Sete de Setembro com a localização das edificações tombadas
isoladamente ............................................................................................................................... 57
FIGURA 24. Procissão do Senhor dos Passos na Rua Sete de Setembro .................................. 58
FIGURA 25. Procissão do Senhor dos Passos na Rua Sete de Setembro .................................. 58
FIGURA 26. Missa na Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem............................................. 58
FIGURA 27. Movimento de pessoas no Largo Dom Silvério após a celebração ...................... 58
FIGURA 28. Diagrama do campo municipal do patrimônio ..................................................... 63
FIGURA 29. Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem ............................................................ 66
FIGURA 30. Casarão na Rua do Rosário................................................................................... 74
FIGURA 31. Capela de Nossa Senhora do Rosário ................................................................... 76
FIGURA 32. Antiga configuração da Igreja de São Vicente Ferrer .......................................... 76
FIGURA 33. Fachada atual da Igreja de São Vicente Ferrer ..................................................... 77
FIGURA 34. Pico de Itabirito e cava explorada pela mineradora VALE .................................. 78
FIGURA 35. Gráfico com as pontuações do município de Itabirito no ICMS Cultural ............ 86
FIGURA 36. Passo da Paixão na Rua Sete de Setembro ........................................................... 88
FIGURA 37. Passo da Paixão na Rua Sete de Setembro ........................................................... 89
FIGURA 38. Planta de situação da Rua Sete de Setembro ........................................................ 94
FIGURA 39. Planta de situação da Rua do Rosário................................................................... 95
FIGURA 40. Divulgação de produtos turísticos de Itabirito pela Associação das Cidades
Históricas .................................................................................................................................... 97
FIGURA 41. Publicidade institucional da Prefeitura Municipal de Itabirito ............................. 98
FIGURA 42. Rua Sete de Setembro com a Matriz da Boa Viagem ao fundo .......................... 103
FIGURA 43. Esquina da Rua Sete de Setembro com a Rua do Rosário, destacando duas
edificações tombadas isoladamente na década de 1990 ............................................................ 110
FIGURA 44. Pintura da ladeira do Matozinhos na parede de uma casa da Rua Sete de
Setembro.................................................................................................................................... 111
FIGURA 45. Construção que alterou a vista da ladeira do Matozinhos a partir da Rua Sete de
Setembro.................................................................................................................................... 112
FIGURA 46. Quadro da Rua do Rosário em uma casa no mesmo local................................... 113
FIGURA 47. Placa proibindo o trânsito de caminhões no centro histórico .............................. 115
FIGURA 48. Interior de uma casa do centro histórico com danos no forro e no revestimento
das paredes................................................................................................................................. 117
FIGURA 49. Interior de uma casa do centro histórico com danos no forro e no revestimento
das paredes................................................................................................................................. 117
FIGURA 50. Pessoas na ladeira de São Francisco ao lado da Matriz de Nossa Senhora da Boa
Viagem ...................................................................................................................................... 124
TABELA 1. Municípios pontuados no ICMS Cultural.............................................................. 79
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1. Trecho da gravação em áudio da palestra Itabirito: Pequena Viagem ................. 38
QUADRO 2. Tipologia das edificações – Rua do Rosário ........................................................ 53
QUADRO 3. Tipologia das edificações – Rua Sete de Setembro.............................................. 54
QUADRO 4. Bens tombados pelo município e apresentados ao IEPHA/MG........................... 87
QUADRO 5. Letra da música Menino, vai no Zé Balbino........................................................ 122
LISTA DE ABREVIATURAS
CCMPHAI – Conselho Consultivo Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de
Itabirito
COMPURB – Conselho Municipal de Política Urbana de Itabirito
CONPATRI – Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural de
Itabirito
DMMP – Divisão Municipal de Memória e Patrimônio de Itabirito
ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação
IEPHA/MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
IPAC - Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
PAC – Programa de Ação com as Comunidades
PCL – Política Cultural Local
PMI – Prefeitura Municipal de Itabirito
SAAE Itabirito – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabirito
SEMCULT – Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo de Itabirito
SEMURB – Secretaria Municipal de Urbanismo de Itabirito
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ZEIH – Zona Especial de Interesse Histórico
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
2. DE “ITAUBIRA DO RIO DE JANEIRO” À “MODERNA ITABIRITO”:
FORMAÇÃO MATERIAL E SIMBÓLICA DAS RUAS DO ROSÁRIO E SETE DE
SETEMBRO ............................................................................................................................. 22
2.1. Movimentos de ocupação e evolução urbana .................................................................. 22
2.2. Novos valores para velhos lugares ................................................................................... 32
2.3. Formas e usos contemporâneos das antigas ruas ........................................................... 44
3. A PRODUÇÃO DO PATRIMÔNIO EM ITABIRITO: FORMAÇÃO DO CAMPO E
PROCESSOS OFICIAIS DE PATRIMONIALIZAÇÃO .................................................... 60
3.1. Formação do campo municipal do patrimônio............................................................... 60
3.2. Atuação do campo do patrimônio na produção dos símbolos urbanos........................ 70
3.3. Nova rotina na produção do patrimônio: o ICMS Cultural.......................................... 78
4.
VIVENDO
(N)O
PATRIMÔNIO:
DIRETRIZES
DA
PRESERVAÇÃO
PATRIMONIAL E REPRESENTAÇÕES DOS MORADORES SOBRE A POLÍTICA
PRESERVACIONISTA E OS CONJUNTOS TOMBADOS............................................... 92
4.1. As margens oficiais do patrimônio................................................................................... 92
4.2. Representações sobre as ações patrimoniais e os conjuntos tombados ....................... 102
4.2.1. “Legalidade para preservar” e “Sepulcros caiados”: a política patrimonialista
segundo os moradores .............................................................................................................. 106
4.2.2. “Nossa Senhora da Boa Viagem, minha vizinha”: vivências e memórias de um
cenário patrimonializado.......................................................................................................... 118
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 125
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 128
ANEXO..................................................................................................................................... 138
13
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a valorização patrimonial de conjuntos urbanos espalhou-se
mundialmente, integrando o contexto ocidental contemporâneo de culto ao passado (JEUDY,
2005). A ameaça da perda de elementos culturais revestidos do valor simbólico de reflexos da
história coletiva configura a principal justificativa para a preservação de paisagens culturais
originadas no passado das cidades. De tal modo, a construção do patrimônio arquitetônico
demarca as fronteiras da memória que se pretende afirmar em relação ao espaço urbano.
A intensificação dos tombamentos de bens culturais e dos projetos de revitalização de
cenários urbanos contribuiu para o desenvolvimento de investigações no campo das Ciências
Sociais no país que tomam como objeto as políticas públicas de proteção patrimonial
(CAVALCANTI, 2006; ARANTES, 1984; FONSECA, 1994), os discursos envolvidos na
preservação cultural (CHUVA, 2006; GONÇALVES, 1996), os usos e apropriações do
patrimônio (LEITE, 2010; MOREIRA, 2008; RUBINO, 2009; TAMASO, 2007), entre outras
abordagens que se desdobram.
Em relação à produção do patrimônio pelas municipalidades brasileiras, assunto
relacionado à autonomia destinada aos municípios na salvaguarda dos bens culturais a partir
da reforma constitucional de 1988, ainda são poucos os trabalhos que discutem questões como
os arranjos institucionais de produção e gestão do patrimônio em âmbito local, conforme
analisado por Goulart (2006) e Silva (2006). No caso específico do estado de Minas Gerais, a
municipalização do patrimônio cultural conduzida pelo IEPHA/MG desde o final da década
de 1980 contribuiu para a construção do patrimônio pelos municípios mineiros, o que se
intensificou a partir de 1996 com o incentivo do ICMS Cultural. No entanto, são raros os
estudos sobre as políticas municipais de preservação dos bens culturais, sobretudo
relacionados ao impacto do ICMS Cultural1 nas ações locais de proteção aos bens culturais
(BOTELHO, 2006; PEREIRA, 2003).
Nesse sentido, esta dissertação se alinha aos estudos relacionados ao tema do
patrimônio cultural, tomando como objeto analítico a valorização patrimonial das ruas do
Rosário e Sete de Setembro localizadas na cidade de Itabirito (MG). A patrimonialização2
1
O termo ICMS Cultural se refere ao repasse aos municípios de parte da arrecadação tributária estadual pelo
critério preservação cultural. A legislação e as regras para a participação no ICMS Cultural serão discutidas
adiante.
2
O conceito de patrimonialização é definido por Leite e Peixoto (2009, p. 103) como as “intervenções de
natureza patrimonial e predominantemente técnica que visam, acima de tudo, obter, através de uma operação de
14
desses conjuntos urbanos foi conduzida pelo poder público municipal a partir de 1992 e revela
aspectos da institucionalização do campo do patrimônio na cidade e da construção simbólica
da memória urbana. Logo, me propus a analisar tanto os aspectos institucionais da
patrimonialização dos conjuntos urbanos, no que se refere ao campo do patrimônio municipal
em suas relações com o IPHAN e o IEPHA/MG, quanto as implicações simbólicas da
preservação patrimonial de cenários da cidade, pensando na produção social de uma memória
urbana.
A cidade de Itabirito está localizada a 55 quilômetros de Belo Horizonte e a 48
quilômetros de Ouro Preto no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. A população total do
município é de 45.484 habitantes, sendo a população urbana equivalente a 43.603 pessoas
(IBGE, 2010). O município apresenta tradição em siderurgia, datando de 1888 a criação da
Usina Esperança, que ainda se mantém em operação com a denominação de VDL Siderurgia.
Da mesma forma, a produção fabril se caracteriza setor influente na economia local e a
primeira tecelagem instalada na cidade, a Companhia Industrial Itabira do Campo, funcionou
entre 1893 e 2010. Hoje, a principal atividade econômica é a mineração de ferro, empreendida
pela VALE, seguida da siderurgia e das atividades comerciais de pequeno e médio porte
ligadas ao perfil industrial local.
Os trechos urbanos que constituíram o espaço da investigação estão inseridos na parte
alta da sede municipal, antigo centro urbano onde se concentravam as principais atividades
econômicas e sociais até o início do século XX. Com a chegada dos trilhos ferroviários e a
instalação de fábricas no final do século XIX, as casas comerciais foram aos poucos sendo
transferidas para as áreas planas próximas à estação ferroviária que se firmou como o atual
centro da cidade. A mudança no eixo de ocupação urbana cooperou para a desvalorização das
edificações situadas nas antigas ruas, mas não inibiu o aproveitamento residencial das
mesmas. O crescimento da cidade e as novas oportunidades de trabalho, vivenciadas na
primeira metade do século XX com a instalação de unidades fabris e a prosperidade da
indústria siderúrgica, permitiram que as antigas edificações fossem remodeladas e novas
construções erguidas nesse local. Assim, ocorreu a incorporação de elementos estéticos
típicos das primeiras décadas do século XX nas moradias da parte alta reformadas nesse
período, o que influenciou a atual composição arquitetônica híbrida do local.
tombamento formal, um estatuto patrimonial. Por outro lado, lateralmente, os processos de patrimonialização se
referem a operações de natureza diversa (arquitetônica, paisagística, urbanística, política, cultural, comercial,
etc.) cujos objetivos, independentemente de um reconhecimento formal, assentam na exacerbação de um
patrimônio ou do valor patrimonial de um objeto, para efeitos de consumo visual, turístico ou sustentação de um
mercado urbano de lazeres.”
15
FIGURA 1 e 2. Vistas da Rua do Rosário.
Fonte: Acervo da autora. 2010.
FIGURA 3 e 4. Vista da Rua Sete de Setembro e travessa adjacente.
Fonte: Acervo da autora. 2011.
Tendo em vista que a patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de Setembro
integra o processo local de construção de uma memória da/para a cidade e de valorização de
um cenário urbano como síntese da cultura itabiritense, além de refletir o alinhamento da
política municipal de proteção ao patrimônio cultural aos requisitos para participação no
ICMS Cultural, esta dissertação busca responder a três problemas de pesquisa: 1. Como se
desenvolveram as representações sobre as ruas do Rosário e Sete de Setembro como símbolos
do passado local e quais as implicações dessa valorização na produção do patrimônio cultural
urbano? 2. Qual o contexto institucional da patrimonialização das ruas no que se refere à
organização da arena municipal de preservação patrimonial e às relações do órgão local com
as diretrizes federal e estadual de proteção ao patrimônio cultural? 3. Quais as representações
16
existentes entre os moradores das ruas tombadas sobre as ações patrimonialistas e quais as
relações entre os valores oficiais do patrimônio e as representações da população dessa região
sobre os bens patrimoniais?
Diante das questões colocadas, considerei o patrimônio do ponto de vista da nomeação
dos bens patrimoniais, refletindo sobre a produção social dos símbolos da identidade e da
memória coletiva construídos por meio de práticas sociais que consagram os bens culturais
como patrimônio. Assim, a investigação realizada foi orientada pela distinção entre bens
culturais e bens patrimoniais (FONSECA, 1994), levando em conta que os bens culturais
denotam referências simbólicas da ordem da cultura, enquanto o valor simbólico atribuído aos
bens patrimoniais por agentes autorizados refere-se à identidade coletiva. Portanto, o
patrimônio tem origem na noção de preservação cultural e se relaciona aos valores
ideológicos que os agentes oficiais da preservação pretendem afirmar socialmente
(ARANTES NETO, 1984). Como definido por Peixoto (2004, p. 184), patrimônio e
identidade são “elementos da metalinguagem da nova sintaxe do espaço urbano”, “ficções
contemporâneas” que sustentam diversificadas políticas urbanas.
De tal modo, a abordagem dos bens patrimoniais como símbolos construídos por meio
de “práticas socialmente definidas e juridicamente regulamentadas” (FONSECA, 1994, p. 30)
pode ser completada pela definição de Bourdieu (1998) sobre as estratégias simbólicas de
construção da estrutura social. Os bens patrimoniais são assim entendidos como sistemas
simbólicos que atuam como “instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento” que servem para legitimar uma dominação simbólica (BOURDIEU, 2005,
p.11). Além disso, a identificação do patrimônio como produção simbólica relaciona os bens
patrimoniais aos valores que representam as estruturas de poder que sustentam o mundo social
(BOURDIEU, 2005).
A delimitação teórica da pesquisa se orientou pelas concepções de Bourdieu (1998;
2005) sobre a dimensão simbólica que marca a ordenação figurada e real do mundo social,
sendo que a construção do patrimônio incide em relações de comunicação que pretende
afirmar uma hegemonia na interpretação da realidade social. Como instrumento de
conhecimento, o patrimônio está imerso em relações de domínio que “dependem do poder
material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou instituições) envolvidos nessas relações”.
(BOURDIEU, 2005, p. 11). Nessa perspectiva, os conceitos de habitus e campo3
3
Para Bourdieu (2003), o habitus consiste no sistema de disposições duráveis que condiciona os comportamentos
sociais. O conceito de habitus designa as estruturas sociais subjetivas constituídas por meio das experiências
17
(BOURDIEU 2003) fundamentaram a análise sobre as arenas institucionais de construção do
patrimônio, onde os agentes da preservação patrimonial ocupam posições determinadas e
concentram o capital simbólico necessário à preservação cultural, construindo a memória
urbana partindo de uma suposta universalidade dos significados atribuídos ao patrimônio.
Os problemas propostos e a delimitação teórica da pesquisa indicaram a necessidade
de instrumentos metodológicos que permitissem a abordagem qualitativa do objeto e a
aproximação com (1) as narrativas sobre as ruas do Rosário e Sete de Setembro divulgadas na
cidade em diferentes contextos socioculturais e que contribuíram para a valorização
patrimonial da região; (2) com os discursos oficiais de produção do patrimônio arquitetônico
urbano, especificamente os atos de patrimonialização produzidos pelo campo municipal do
patrimônio e demais documentos da política municipal de proteção aos bens culturais e (3)
com as representações existentes entre os moradores das ruas tombadas sobre as ações
patrimonialistas e o espaço patrimonializado. Refiro-me à noção de representação conforme
definição de Hall (2001), segundo o qual esse conceito ocupa atualmente lugar relevante nos
estudos culturais. O autor define representação como o processo de produção de significado
por meio da linguagem. Portanto, a função simbólica dos signos é fundamentar os
significados que são alterados historicamente, não se fixando.
A pesquisa de campo se desenvolveu a partir da observação física dos conjuntos
tombados com intuito de perceber as formas arquitetônicas que preenchem as ruas, seus usos
e apropriações cotidianas e rituais. Além disso, a investigação em campo contemplou a
realização de entrevistas com moradores que acompanharam a patrimonialização dos
conjuntos urbanos onde residem, buscando compreender as representações existentes entre
essa população sobre as ações protecionistas e sobre a paisagem cultural patrimonializada.
Além disso, conversei com ex-agentes do campo municipal do patrimônio, que participaram
da institucionalização do campo e da patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de
Setembro, procurando identificar a formação do campo e os referenciais simbólicos que
fundamentaram a valorização das vias.
Foram realizadas dez entrevistas qualitativas semiestruturadas, conforme roteiro
anexo, desenvolvidas no espaço delimitado para a pesquisa, sendo quatro na Rua Sete de
adquiridas durante a trajetória dos indivíduos. Pode ser entendido como o conhecimento prático obtido, que
resulta de uma ação organizadora e funciona como “princípio gerador e estruturador das práticas e das
representações que podem ser objetivamente reguladas e regulares.” (BOURDIEU, 2003, p. 54). O conceito de
campo, por sua vez, refere-se ao espaço social estruturado ocupado por posições determinadas, onde ocorrem as
relações sociais e são travadas lutas por distinção e poder (BOURDIEU, 1996). Desse modo, a noção de campo
permite conhecer a estrutura dos processos de construção do patrimônio assim como a ordem simbólica do
campo e a formação de um novo estado da estrutura.
18
Setembro e seis na Rua do Rosário. Com relação aos aspectos metodológicos, destaco que a
pesquisa realizada contemplou as representações existentes entre a população residente nos
conjuntos urbanos tombados e localizados na região urbana legalmente denominada como
centro histórico de Itabirito. Portanto, a discussão aqui apresentada não se baseia em critérios
estatísticos, pensando que as interpretações alcançadas não possuem nenhum tipo de
representatividade, por não se originarem de uma amostra selecionada, mas expressam
somente uma parte das possíveis elaborações simbólicas que têm os conjuntos tombados
como objeto. Na apresentação de trechos das narrativas dos moradores, optei por omitir
completamente a identidade dos entrevistados. Assim, eles são apresentados no texto de
forma genérica, referindo-me a todos pela designação de morador. Em alguns casos, destaco a
idade dos entrevistados com objetivo de estabelecer uma relação temporal com o fato narrado.
O critério para a definição dos entrevistados baseou-se no fato de a população dos
trechos tombados viver cotidianamente (n)o patrimônio, considerando a experiência direta
desses moradores com a política de preservação patrimonial. Por outro lado, a maioria da
população das ruas tombadas possui vínculos duradouros com o espaço pesquisado, sendo
esse grupo designado por mim como a população tradicional da área, tendo acompanhado os
processos de patrimonialização dessas vias, incluindo os primeiros tombamentos isolados na
década de 1990 e a retificação dos tombamentos dos conjuntos em 2005, assim como as
intervenções urbanísticas realizadas em 2008.
Seguramente, os habitantes de outras áreas da cidade também elaboram significações
sobre as ruas do centro histórico, assim como os moradores recentes e os usuários das ruas
tombadas, pensando na intensa divulgação dessa região como marco histórico e nas memórias
do lugar como fator de valorização afetiva. Além disso, diante das feições polissêmicas das
cidades, não descartei a possibilidade de questões profícuas surgirem da pesquisa com atores
de diversificados grupos sociais urbanos. No entanto, o tempo em campo e as questões
colocadas direcionaram o referido recorte. Portanto, aprofundei a análise das representações
sobre as ruas tombadas tomando como base os sentimentos e imagens formados por
moradores tradicionais das vias.
O contato inicial com os moradores de edificações situadas em diferentes trechos das
ruas tombadas foi realizado por telefone, visando a certa abrangência do espaço, mas sem a
intenção de realizar qualquer tipo de amostragem. Nos contatos prévios, informei sobre a
pesquisa e agendei as entrevistas com os responsáveis pelos imóveis. Essas entrevistas foram
conduzidas entre novembro de 2009 e agosto de 2010, sendo que em algumas edificações
19
retornei em diferentes ocasiões como convidada durante eventos religiosos realizados na área
e, nesses casos, foi possível aprofundar aspectos das entrevistas empreendidas anteriormente.
Ressalto que, durante os contatos telefônicos e posteriormente, não ocorreram recusas
na concessão das entrevistas. No entanto, quando informados que a pesquisa versava sobre o
processo de tombamento das ruas, sete moradores se apressaram em afirmar que suas
residências não eram tombadas. Porém, desde 2005, com a retificação do tombamento das
vias conduzido em 1992, a proteção passou a abranger as edificações situadas nos perímetros
de tombamento. Mesmo diante da correção realizada em 2005, em decorrência de o primeiro
ato de tombamento não mencionar a categoria de salvaguarda, os moradores mantêm a
interpretação de a proteção se restringir à antiga calceteria dos trechos viários. Assim, o
reconhecimento da política patrimonial pelos moradores do centro histórico é marcado pelos
tombamentos isolados da década de 1990, incluindo a preservação dos acessos viários
propriamente ditos, que iniciaram as ações municipais de proteção patrimonial na área,
lembrando que a Capela do Rosário foi tombada na década de 1950 pelo SPHAN.
O perfil etário dos entrevistados variou entre 42 e 74 anos. Em relação à situação de
ocupação dos imóveis no momento do tombamento, todos os entrevistados eram responsáveis
pelas edificações, ou dividiam a posse com irmãos ou parentes, sendo nove herdeiros. Apenas
um entrevistado registrou ter adquirido o imóvel de terceiros, porém relatou possuir vínculos
familiares na região, justificando a compra dessa e de outras residências no perímetro em
função de sua afinidade com a área mais antiga da cidade. Entre os moradores ouvidos na
pesquisa, três exerciam atividades profissionais, seis eram aposentados e um era pensionista.
Durante as entrevistas, realizadas nas próprias residências, e nas conversas informais
com a população das ruas em ocasiões de observação na região, percebi a predominância de
moradores com relações duradouras com o espaço. Na Rua Sete de Setembro identifiquei seis
imóveis em situação de aluguel, em meio às 15 edificações que compõem o logradouro. Na
Rua do Rosário, entre os 20 imóveis inseridos no perímetro de tombamento, três se
encontravam alugados, três cedidos pelos proprietários a familiares e 14 estavam ocupados
pelos proprietários na ocasião da pesquisa.
No que se refere ao padrão de proteção dos imóveis, entre os entrevistados, três
ocupavam edificações que foram tombadas isoladamente entre 1995 e 1999. No entanto, com
a correção em 2005 do primeiro tombamento das ruas conduzido em 1992, cujo texto é
bastante impreciso sobre a categoria de proteção, a salvaguarda recaiu sobre todas as
edificações situadas no perímetro de tombamento dos conjuntos, além daquelas inseridas na
porção definida como entorno de tombamento. As medidas de preservação dos conjuntos
20
foram definidas conforme critérios abrangentes visando à proteção que essa categoria de
preservação patrimonial supõe, incluindo restrições às esquadrias, volumetria, cobertura, entre
outros, mas respeitando-se as características particulares de cada bem.
É oportuno informar que me mudei para a cidade de Itabirito em 2006 por motivos
pessoais e nesse mesmo ano fui contratada como Auxiliar de Pesquisa Histórica da Divisão
Municipal de Memória e Patrimônio da Prefeitura Municipal de Itabirito onde atuei até 2009.
Logo, não participei dos tombamentos e da retificação da salvaguarda das referidas vias em
2005, mas acompanhei as atividades de revitalização urbanística do centro histórico. Durante
a pesquisa procurei manter uma postura de estranhamento em relação ao processo
institucional de preservação patrimonial e às representações da população sobre a região
tombada e sobre a política patrimonialista. Essa perspectiva de estranhamento foi adotada a
fim de questionar as categorias associadas à valorização patrimonial das ruas e, sobretudo,
para abordar os processos e narrativas que me pareciam familiares como realidades mais
complexas (VELHO, 1980).
A pesquisa documental se baseou na análise de informações institucionais, incluindo
os documentos oficiais da política municipal de preservação patrimonial (dossiês de
tombamento, atas do Conselho de Patrimônio4, legislação municipal relativa à proteção de
bens culturais, materiais enviados ao IEPHA/MG para fins do ICMS Cultural e o Plano
Diretor Municipal), além de reportagens e materiais publicitários sobre o centro histórico de
Itabirito. Com objetivo de investigar as narrativas de valorização histórica das ruas do Rosário
e Sete de Setembro foram consultadas obras de memorialistas locais (SILVA, 1996; SOUZA,
2004; SOUZA, 2009) e artigos publicados em jornais da cidade que revelaram os valores
tradicionais atribuídos as ruas do Rosário e Sete de Setembro e que foram institucionalizados
nas ações do campo municipal do patrimônio.
Associada à análise documental, a pesquisa bibliográfica ampliou as possibilidades de
interpretação das fontes consultadas, expandindo os horizontes da pesquisa em relação à
análise do objeto pesquisado. Foram examinados estudos relacionados ao desenvolvimento da
preservação patrimonial no país, aos discursos associados à produção do patrimônio, aos
conflitos decorrentes dos processos de patrimonialização, aos usos e apropriações do
patrimônio, entre outros temas derivados da preservação patrimonial, além da investigação
teórica acima descrita. Dediquei-me especialmente a identificar estudos que abordam
4
No decorrer da dissertação utilizo a grafia Conselho de Patrimônio ou Conselho (com iniciais maiúsculas)
quando me referir especificamente à entidade comunitária de preservação do patrimônio de Itabirito. Para tratar
dos conselhos de patrimônio de maneira geral utilizo a grafia iniciada com minúsculas.
21
especificamente a construção do patrimônio pelas municipalidades. No entanto, localizei
poucos trabalhos que versam sobre o assunto, merecendo destaque a investigação de Silva
(2006) sobre o papel das municipalidades na preservação do patrimônio cultural e os arranjos
institucionais municipais para a gestão do patrimônio.
Tendo em vista as questões propostas, esta dissertação foi estruturada em três
capítulos que correspondem aos problemas de pesquisa especificados. Assim, no primeiro
capítulo - De “Itaubira do Rio de Janeiro” à “moderna Itabirito”: formação material e
simbólica das ruas do Rosário e Sete de Setembro, abordo a constituição física do espaço
pesquisado e sua valorização em diferentes contextos sociais e históricos da cidade.
Inicialmente, é analisada a ocupação da região atualmente nomeada como centro histórico,
considerando o papel desse cenário urbano diante do crescimento da cidade e da constituição
de uma nova centralidade urbana. O segundo capítulo - A produção do patrimônio em
Itabirito: formação do campo e processos oficiais de patrimonialização, trata da formação do
campo municipal do patrimônio e da atuação dos agentes oficiais da preservação na condução
dos atos oficiais de nomeação das ruas do Rosário e Sete de Setembro como patrimônio
cultural da cidade. Além disso, são discutidas as relações entre o campo municipal do
patrimônio e o IEPHA/MG, sobretudo no que diz respeito à participação do município no
ICMS Cultural, assim como a influência do IPHAN na municipalização da salvaguarda do
patrimônio e na constituição de uma percepção patrimonial na cidade. No terceiro capítulo –
Vivendo (n)o patrimônio: diretrizes da preservação patrimonial e representações dos
moradores sobre a política preservacionista e os conjuntos tombados, são analisadas as
demarcações físicas e simbólicas advindas dos processos de patrimonialização das ruas do
centro histórico que delimitam o espaço do passado no cenário urbano contemporâneo e
examinadas as representações dos moradores sobre as ações patrimonialistas e sobre os
trechos urbanos consagrados como patrimônio.
22
2. DE “ITAUBIRA DO RIO DE JANEIRO” À “MODERNA ITABIRITO”:
FORMAÇÃO MATERIAL E SIMBÓLICA DAS RUAS DO ROSÁRIO E SETE DE
SETEMBRO5
2.1. Movimentos de ocupação e evolução urbana
A formação do espaço delimitado como o centro histórico de Itabirito, assim
entendido pela especificidade simbólica dessa denominação, ou seja, a carga valorativa que
torna o espaço representativo de uma “metalinguagem do patrimônio” (PEIXOTO, 2003,
p.10), compreende as ruas que formavam o antigo Arraial de Itaubira do Rio de Janeiro no
perímetro da atual sede municipal. A ocupação e a organização desse sítio urbano são
contemporâneas dos primeiros achados de ouro na região central de Minas Gerais, sendo que
a freguesia se estabeleceu no século XVIII, conforme registra Barbosa (1971, p. 224),
A freguesia foi criada por alvará de 3 de abril de 1745 e tornada colativa por alvará
de 16 de janeiro de 1752 (Cônego Trindade). O distrito de Itabira do Campo foi
elevado a município desmembrado de Ouro Preto, pela lei nº 843, de 7 de setembro
de 1923, com a denominação de Itabirito. O termo “itabirito” foi dado por Von
Eschwege à rocha composta de minério de ferro especular micáceo, ferro especular
compacto, raramente laminado [...]. O município de Itabirito fica na zona
metalúrgica. Consta de quatro distritos: Itabirito, Acuruí, Bação e São Gonçalo do
Monte [atualmente considerado povoado].
As notícias de descobertas de ouro nas proximidades do Rio das Velhas provocaram a
ocupação do território e a interiorização do povoamento da América portuguesa. A
possibilidade de enriquecimento atraiu pessoas de diferentes condições sociais originárias de
Portugal e de outras áreas da colônia. O deslocamento de grandes contingentes populacionais
para a região mineradora foi responsável pela formação dos primeiros núcleos urbanos ao
5
O título deste capítulo inspira-se na denominação das seções inicial e final do primeiro capítulo do livro de
memórias Itabirito: Minha Terra, de autoria de Olímpio Augusto da Silva. O autor nasceu em Itabirito em 1886
e trabalhou na Coletoria Estadual de 1924 até se aposentar em 1956. Iniciou a redação de suas memórias após
sua aposentaria e escreveu até 1967, falecendo em 1968. No ano de 1991, a família de Olímpio Augusto da Silva
recolheu os originais desse livro, não concluído por ocasião da morte do autor, e entregou à historiadora Rogéria
Malheiros e ao jornalista Thelmo Lins, ambos itabiritenses, que procederam à publicação com financiamento do
governo municipal da época. Até 1745, a atual cidade de Itabirito era denominada Arraial de Itaubira. Assim,
mantive a grafia da denominação da localidade conforme usada no século XVIII, conservando a titulação dos
capítulos de Silva (1996).
23
redor dos serviços de mineração. De acordo com o jesuíta André João Antonil, que vivenciou
os momentos iniciais do povoamento de Minas Gerais na primeira década do século XVIII:
Cada ano, vêm nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros para
passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos,
pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é toda a
condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e
plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos [...]. (ANTONIL,
1982, p.167).
As informações sobre o povoamento da cidade, assim como as referências expostas
por Barbosa (1971) e por memorialistas locais, como Silva (1996) e Souza (2004; 2009),
aproximam-se das alusões sobre o processo de ocupação e formação de aglomerações urbanas
na Capitania das Minas no Setecentos (VASCONCELOS, 1948; LIMA JÚNIOR, 1965). As
narrativas sobre a história de Itabirito e, sobretudo, as citações a respeito da formação do
núcleo urbano primordial, se assentam em informações imprecisas sobre a atuação de
desbravadores que circularam pelas áreas próximas ao Rio das Velhas no limiar do século
XVIII.6
O conceito de narrativa, segundo Benjamin (1994), refere-se aos relatos orais e
escritos baseados em informações e experiências transmitidas entre pessoas. As narrativas
urbanas são constituídas “por representações sobre a cidade, contendo informações práticas,
descrições de monumentos e evocações a acontecimentos que caracterizam uma localidade,
dando-lhe o sentido de uma história” (BARREIRA, 2009, p. 208). Em Itabirito, a constituição
de narrativas sobre o passado urbano foram divulgadas, especialmente, por memorialistas
locais que não informaram sobre as fontes documentais ou as referências bibliográficas que
originaram tais relatos. O mito de fundação da cidade, baseado no empreendimento colonial
de mineração nos rios e córregos da região, é reproduzido por intelectuais, políticos, agentes
da preservação patrimonial, entre outros, consolidando atualmente o imaginário coletivo de
vinculação da localidade ao passado colonial mineiro.
A partir de Lima Júnior (1965), tem-se a recorrência de descrições que atribuem ao
português Luiz de Figueiredo Monterroio a fundação do Arraial de Nossa Senhora da Boa
6
Não existem referências precisas sobre a data das expedições paulistas às minas de ouro. Da mesma forma, os
relatos autobiográficos registrados por alguns aventureiros não indicam uma datação precisa, assim como não
apontam com maior clareza os colonizadores das áreas de extração aurífera. Apesar de apresentarem aspectos
semelhantes, o que possibilita inferir sobre os movimentos de exploração mineral e sobre os assentamentos
populacionais, os textos apresentam contradições temporais, geográficas e sobre os nomes dos exploradores. Tal
fato resulta da insuficiência documental referente aos momentos iniciais de colonização da Capitania das Minas
e, ainda, do anonimato das entradas realizadas nesse período.
24
Viagem da Itaubira do Rio de Janeiro, atual sede de Itabirito. O capitão Monterroio, segundo
Lima Júnior (1965), chegou ao litoral carioca em uma nau em péssimas condições. Após
meses de espera no cais, Monterroio abandonou a embarcação e seguiu para as áreas de
mineração, acompanhado de Francisco Homem Del-Rei, em busca da anunciada fortuna nas
minas de ouro. O relato prossegue com a chegada dos aventureiros à região próxima ao Pico
de Itaubira, atualmente denominado Pico de Itabirito, local onde fundaram a povoação em
1709. Apesar de não terem sido localizadas referências documentais que comprovem o fato,
em 2009, foram comemorados os 300 anos de fundação da cidade.7
Como exposto, a fundação do Arraial de Itaubira situa-se no contexto inicial de
exploração de ouro ao longo do Rio das Velhas e de fixação dos grupos de aventureiros que
migraram para essa região. De acordo com Moraes (2007), diversos aspectos contribuíram
para que a ocupação de Minas Gerais ocorresse baseada na formação de núcleos urbanos. Nas
primeiras décadas do Setecentos, a situação da exploração aurífera apontava para o caráter
prolongado desse empreendimento, sobretudo pela presença de grande quantidade de ouro
encontrada em determinados locais, o que provocou o assentamento definitivo da população.
Reverteu-se o cenário das ocupações provisórias, baseado em acampamentos temporários, que
caracterizou os primeiros movimentos populacionais na região. Portanto, a constituição de
precários arraiais marcou o processo de povoamento do atual território mineiro, sendo que o
termo arraial é empregado para designar os povoados organizados em torno ou próximo às
lavras de ouro ou nos caminhos para os locais de extração (MORAES, 2007).
O eixo de formação do Arraial de Itaubira pode ser assinalado a partir da construção
dos primeiros templos religiosos, erguidos ainda no início do século XVIII. A Capela de
Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira da povoação, foi construída entre 1710 e 1720, e a
Capela de Nossa Senhora do Rosário foi edificada antes de 1740 (OLIVEIRA e LIMA, 1998).
A localização dessas edificações religiosas indica o direcionamento da urbanização, sendo
que as ruas e vielas se formaram no entorno dos espaços de culto. O resultado do crescimento
demográfico e econômico do Arraial foi sua elevação à condição de freguesia em 1745,
7
Entre os anos de 2005 e 2008, a Prefeitura Municipal de Itabirito, através da Divisão Municipal de Memória e
Patrimônio, na qual estive vinculada como historiadora, desenvolveu uma série de pesquisas sobre a história
local, buscando refutar as informações recorrentes sobre a fundação da cidade, assim como apresentar novos
dados em relação à população, ao cotidiano e à sociabilidade no antigo espaço urbano nos séculos XVIII e XIX.
Essa época é frequentemente narrada por memorialistas locais sem apresentar as fontes documentais e, quando o
fazem, permanecem na imprecisão provocada por Lima Júnior (1965) ao expor informações sem a citação da
documentação de origem. No entanto, percebe-se que os investimentos em pesquisa histórica pelo governo
municipal da época almejavam, além da construção de um novo panorama da trajetória local fundamentando em
fontes arquivísticas, a oposição às narrativas construídas pelos representantes de grupos políticos contrários.
Assim, tem-se um conflito em torno da autoridade em relação à história local.
25
quando recebeu a denominação de Itabira do Campo, vinculada a Vila Rica, atual Ouro Preto
(BARBOSA, 1971).
Nas primeiras décadas do século XVIII, o Arraial de Itaubira apresentava população
diversificada e envolvida na mineração e em diversas atividades econômicas, como
agricultura, comércio e ofícios mecânicos, conforme se observa em toda a Capitania das
Minas (GUIMARÃES e REIS, 2007). O cotidiano da população e suas experiências sociais
eram vivenciadas entre as atuais ruas do Rosário e Sete de Setembro, onde estavam
estabelecidas as residências e as casas de comércio que abasteciam os moradores locais. A
presença de estabelecimentos comerciais nessas vias pode ser atestada pela configuração de
dois pavimentos das edificações e dos aspectos arquitetônicos que indicam seu uso para fins
mercantis.
Por meio da prospecção da matriz urbana do Arraial de Itaubira no século XVIII
(FIGURA 5), pode-se inferir sobre a configuração dos arruamentos na interseção entre os
templos religiosos, servindo de ligação entre os locais de culto e constituindo os primeiros
espaços de sociabilidade e interação da população local. Esse primeiro traçado urbano
orientou a definição da delimitação do centro histórico, circunscrito às vias originais da
localidade, abarcando atualmente edificações em estilo colonial e construções que apresentam
traços dos estilos Art déco e contemporâneo, resultantes de intervenções no espaço realizadas
no século XX.
FIGURA 5. Prospecção da urbanização do Arraial de Itaubira no século XVIII.
Fonte: http://www.arq.ufmg.br/nehcit/itabirito/evolucao_urbana.php
26
Nas últimas décadas do século XVIII, Minas Gerais enfrentou as dificuldades
ocasionadas pela escassez da produção aurífera, que atingiu de diferentes formas os núcleos
mineradores. Em Itabira do Campo, a produção econômica não estava restrita à exploração de
ouro, existindo também práticas agrícolas, criação de víveres e gado, beneficiamento de
produtos, serviços de marcenaria, cantaria e rudimentar siderurgia, o que favoreceu a
permanência da sociedade diante da crise na mineração.
Em 1822, ao visitar Itabira do Campo, Frei José da Santíssima Trindade registrou que
1.700 moradores habitavam a atual sede de Itabirito (OLIVEIRA e LIMA, 1998). A dinâmica
local foi alterada a partir de 1833, com a instalação da empresa inglesa The Brazilian
Company Ltda. na região da antiga Mina de Cata Branca, situada nas proximidades do Pico
de Itabirito. A companhia desenvolvia a extração de ouro em profundidade, utilizando
tecnologia mecanizada e empregando moradores locais, além de significativo plantel de
escravos.
Os trabalhos de exploração mineral foram interrompidos em Cata Branca em 1844,
quando a estrutura subterrânea desabou, destruindo os serviços de mineração e soterrando
alguns trabalhadores, gerando lendas sobre o local no imaginário itabiritense. O viajante
inglês Richard Burton percorreu a região em 1868, anos após o encerramento das atividades
de Cata Branca, e noticiou como a finalização das atividades da companhia inglesa tinha
afetado a comunidade: “Os itabirenses continuam mal sustentados pelo mercado de Morro
Velho e a lembrança dos melhores tempos mal dá para manter viva a esperança do futuro”
(BURTON, 1976, p. 165).
A mancha urbana começou a se transformar nas últimas décadas do século XIX com a
chegada dos trilhos ferroviários e a instalação de fábricas de tecido e siderurgia. Nesse
período, ocorreu uma alteração no principal eixo de ocupação urbana, que se deslocou das
partes mais altas para a planície próxima ao Rio Itabirito. A matriz urbana originária ampliouse (FIGURA 6) e novas ruas foram constituídas nas proximidades da estação ferroviária
fundada em 1887.
27
FIGURA 6. Prospecção da evolução urbana de Itabira do Campo entre o final do século XIX e o início do XX.
Fonte: http://www.arq.ufmg.br/nehcit/itabirito/evolucao_urbana.php
A rede ferroviária foi inaugurada em Itabira do Campo em 1882, interligando a
localidade ao sistema de transporte de mercadorias e passageiros até o litoral fluminense. A
partir da inauguração da estação, fundou-se na localidade um novo espaço de sociabilidade,
configurando a formação de uma nova centralidade em oposição ao antigo sítio urbano.
Segundo o memorialista local Olímpio Augusto da Silva (1996, p. 91):
Acontecimento de decisiva influência no futuro de Itabira do Campo foi a Estrada de
Ferro Dom Pedro II. Via de penetração, não podia também deixar de servir, à capital
do Estado, que era Ouro Preto. Trouxeram-na, por isso, ao ponto mais próximo
daquela cidade, a que deram um ramal, que partia de São Julião e avançava para
frente, procurando o norte e atingindo Itabira do Campo. Essa estrada foi a redenção
para o arraial, pelo o que viria mais tarde.
A incorporação de Itabira do Campo à rede de circulação de produtos através da malha
ferroviária estimulou a criação de manufaturas, como a Companhia Industrial Itabira do
Campo (1892), dedicada ao ramo têxtil, e o Curtume Santa Luzia (1896). Além desses
empreendimentos, destacam-se a instalação de olarias, fábrica de fósforos, calçados e a
fundação da Usina Esperança (1888), pioneira na moderna siderurgia nacional. A vida
cultural do final do século XIX e início do XX foi marcada por manifestações públicas
animadas pela Corporação Musical Santa Cecília formada em 1896 e pelos clubes esportivos
Itabirense Football Club, de 1915, e União Sport Club, fundado em 1921, que organizavam
jogos, bailes e desfiles de carnaval na nova região ocupada.
28
FIGURA 7. Rua Dr. Guilherme nas proximidades da estação ferroviária. [1911-1919].
Fonte: DMMP/PMI.
Pousada
Estação ferroviária
FIGURA 8. Região plana de Itabirito, destacando a estação ferroviária e a pousada. 1915.
Fonte: DMMP/PMI.
FIGURA 9. Desfile de carnaval na Rua Dr. Guilherme. 1930.
Fonte: DMMP/PMI.
29
FIGURA 10. Desfile da Corporação Musical Santa Cecília. 1937.
Fonte: Acervo da Corporação Musical Santa Cecília.
A partir das primeiras décadas do século XX, firmou-se uma nova centralidade no
contexto urbano marcada pela abertura de ruas nas áreas planas próximas ao Rio Itabirito e
aos trilhos ferroviários. A urbanização das regiões planas e o crescimento demográfico nesse
local demandaram a construção de um templo religioso longe das antigas capelas localizadas
nos morros. Em 1892, ergueu-se a Capela de São Sebastião, dedicada ao santo protetor de
pestes como a varíola, doença que assolou a localidade no período (SILVA, 1996). No novo
centro, edificações civis também foram erguidas para abrigar a crescente população, ao passo
que as residências localizadas na área do primeiro núcleo urbano foram remodeladas,
incluindo-se novos traços arquitetônicos com influência do ecletismo e do Art déco.
Neste contexto, observa-se a atribuição de um novo olhar para as antigas ruas e
edificações que vincularam a cidade ao período colonial. Diante do novo cenário urbano, com
o desenvolvimento de redes sociais e a constituição de uma nova centralidade baseada em
uma paisagem cultural com traços da modernidade, as áreas ocupadas no século XVIII
passaram a representar a história de fundação da cidade, narrativa materializada por meio dos
casarões e das vielas íngremes. Assim, diante da ocupação da região plana nas primeiras
décadas do século XX, apesar das remodelações arquitetônicas vivenciadas no sítio colonial,
esse local recebeu a interpretação de monumento, no sentido de sinal material do passado,
conforme definido por Le Goff (2003).
O crescimento populacional, o aquecimento econômico e a elevada arrecadação
tributária estimularam as ideias de emancipação política concretizadas em sete de setembro de
1923, quando o distrito de Itabira do Campo se desmembrou de Ouro Preto e recebeu o nome
de Itabirito. Inicialmente, o município era integrado pelo distrito sede (antiga Itabira do
30
Campo), São Gonçalo do Bação, Moeda, São José do Paraopeba e Boa Vista do Aranha. A
partir de 1938, além da sede, apenas os distritos de Rio das Pedras (atual Acuruí) e São
Gonçalo do Bação fazem parte da composição municipal.
As ideias de renovação da Belle Époque brasileira foram traduzidas em Itabirito pelas
mudanças nos hábitos da população e na reconfiguração urbana. As formas de ocupar o
espaço se transformaram e a cidade se organizou a partir das noções de civilidade e progresso,
em oposição à conformação colonial. Os modelos arquitetônicos das áreas baixas da cidade
baseados no ecletismo se opuseram ao estilo colonial das moradias da partes alta da cidade,
representando de forma simbólica a chegada da modernidade. As antigas edificações se
desvalorizaram e muitas foram vendidas para migrantes da zona rural que buscavam melhores
condições de vida na área urbana.
O setor de mineração de ferro, presente no município desde os anos de 1960, se firmou
como potencial gerador de emprego e renda na localidade, perfil que permanece atualmente.
Seguindo a tendência de ocupação de novos espaços urbanos e da fragmentação do cenário da
cidade (LEFEVBRE, 2004), a representação da mancha urbana na década de 1970 (FIGURA
11) mostra a configuração de um panorama em que o antigo centro urbano de Itabirito se
limitou a um marco da ocupação primordial da cidade, e não mais ao locus fundamental do
desenrolar das diversas dimensões sociais urbanas.
FIGURA 11. Mancha urbana de Itabirito na década de 1970.
Fonte: http://www.arq.ufmg.br/nehcit/itabirito/evolucao_urbana.php
31
Essa representação da região primordial da sede municipal ocorreu diante da configuração
de uma nova centralidade urbana às margens do Rio Itabirito, em um contexto de
interpretação da parte alta da cidade como vestígio do passado e das áreas planas como espaço
progressista e moderno. A dicotomia antigo/moderno se expressa na valorização das ruas e
casarões do centro urbano original como marcos simbólicos da história da cidade, “onde se
esconde, nas sombras do passado, o período áureo e refulgente do seu nascimento” (SILVA,
1996, p. 50). Em contraposição, a “nova cidade” foi descrita como local destinado ao futuro:
“Aí estão as melhores ruas, todas calçadas a paralelepípedos e bem movimentadas: Estação da
Central, orfanato, fórum, cartórios, fábricas, casas de comércio, farmácias, consultórios
médicos, bancos, hotéis, bares, cinema, clubes.” (SILVA, 1996, p.50).
A valorização da “nova cidade” orienta-se por sua identificação com o moderno, tal qual a
vizinha Belo Horizonte. Desta forma, as narrativas sobre a cidade são demarcadas por meio
de símbolos representantes do antigo (centro histórico) em oposição ao novo (ruas e
construções situadas na planície). Tal fato permite tecer uma comparação metafórica entre os
relatos baseados nos vestígios do passado e dos elementos urbanísticos que apontam para o
futuro, e a posição geográfica da cidade, justamente situada entre Ouro Preto, símbolo da
história colonial mineira, e Belo Horizonte, que nasceu sob o “signo da modernidade”
(DELGADO, 2007).
De espaço urbano primordial, o espaço que abrigou o Arraial de Itaubira passou a
representar um “marco histórico da cidade” (PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO,
1998). No entanto, a valorização do antigo núcleo urbano como “marco histórico”, assim
como os tombamentos realizados nessa área, são anteriores à criação da legislação estadual
que definiu o repasse de parcelas do ICMS aos municípios que investem em preservação
patrimonial, entre outros critérios, considerada responsável pelo surto patrimonial em Minas
Gerais.
A preocupação com a valorização e preservação das estruturas imóveis remanescentes
da urbanização do Arraial de Itaubira iniciou-se no interior de um processo de construção de
símbolos representativos da cultura local e ganhou força com a constituição do campo
municipal do patrimônio na década de 1980, no interior do qual posteriormente ocorreu a
patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de Setembro. A emergência do discurso de
valorização patrimonial do sítio colonial urbano antes da criação do ICMS Cultural evidenciase pelas narrativas de memorialistas sobre esse espaço e por atitudes institucionais que
atribuem à singularidade material da antiga região um “estatuto patrimonial” (PEIXOTO,
2004). Exemplifico empiricamente a questão com a explicação presente no projeto do Plano
32
Diretor Municipal, elaborado pela Secretaria Municipal de Urbanismo em 1992, sobre a
conservação natural da área diante do desenvolvimento urbano:
Apesar de todas as suas condições, o núcleo urbano original de Itabirito se manteve
em sua maior parte pouco deturpado, pelas condições topográficas e pela própria
possibilidade de áreas mais favoráveis e dos fatores indutores do crescimento que
não apontavam para aquela região ajudam a preservá-la. (ITABIRITO, 1992).
2.2. Novos valores para velhos lugares
A paisagem cultural do centro histórico foi idealizada como signo do passado e
retirada do cotidiano das experiências urbanas para ser devolvida como representação
identitária (PEIXOTO, 2004). As referências aos centros históricos, assim como os debates
em torno das estruturas arquitetônicas e urbanísticas que os compõem, parecem apontar para
uma consciência patrimonial inerente aos perímetros designados como históricos. O discurso
patrimonial que permeia a demarcação desses espaços é fundamentado por sua historicidade e
oficializado pela nomeação simbólica dos núcleos antigos que integram o cenário urbano
como representantes do surgimento e desenvolvimento das cidades. No entanto, esse processo
de atualização e refuncionalização do passado é performático e, no caso aqui tratado,
apresenta-se como parte de uma “nova sintaxe urbana” (PEIXOTO, 2003).
A patrimonialização de espaços citadinos se baseia em critérios e valores arbitrários
que pretendem afirmar cenários urbanos como lugares de memória.8 A constituição do
patrimônio imóvel urbano, formado por bens imóveis que muitas vezes se localizam em
perímetros definidos como regiões históricas, caracteriza-se como uma construção social
originada pela prática da preservação de bens culturais materiais nomeados como símbolos da
identidade coletiva. Portanto, a produção do patrimônio baseia-se em sistemas de ação
simbólica, sendo exercida por atores sociais legitimados para atribuírem valor patrimonial aos
artefatos culturais e para delimitar os sítios arquitetônicos que simbolicamente narram a
formação urbana. Segundo Leite e Peixoto (2009, p. 94),
8
De acordo com Nora (1993, p.15): “À medida que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos
obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do
que foi.” Assim, os lugares de memória são definidos como representações do passado, sublinhando a
continuidade histórica e o sentimento de pertencimento.
33
O patrimônio e as suas representações que emergem no contexto desses processos
de patrimonialização podem ser caracterizados como uma invenção cultural que
procura legitimar e naturalizar um determinado tipo de discurso sobre a vida
urbana.
Refletindo sobre os cenários patrimonializados, do ponto de vista da historicidade da
experiência citadina, os chamados centros históricos podem ser definidos como os ambientes
iniciais de formação da cultura urbana (SIMMEL, 1997). São os locais onde se
desenvolveram as primeiras vias, edificações e espaços públicos que abrigaram as práticas
sociais, econômicas e políticas que marcaram o surgimento da cidade. Logo, os centros
históricos evocam o tempo primordial da história urbana, produzindo e divulgando
simbolicamente a identidade local por meio da materialidade pretérita que serviu de cenário
para diversas experiências individuais e coletivas. Porém, a valorização do passado urbano
ocorre, em alguns contextos, após períodos de desvalorização imobiliária e depreciação
material e simbólica desses espaços.
O deslocamento de atividades antes conduzidas nas antigas áreas centrais para novas
espacialidades urbanas contribuíram, de diferentes formas e em distintas cidades nacionais e
internacionais, para a degradação física e social das zonas primordiais de fundação das
cidades.9 No caso de Itabirito, as ruas do centro histórico experimentaram uma intensa
desvalorização imobiliária em meados do século XX, época em que o comércio e a construção
civil se expandiram na região plana, atraindo moradores interessados na proximidade com o
comércio e nas oportunidades de trabalho que se apresentavam. Nessa época, muitos imóveis
foram vendidos a preços baixos nas antigas vias da parte alta da cidade, sendo que diversas
edificações foram adquiridas por migrantes da zona rural que vieram para a sede municipal
em busca de trabalho e de estudo para seus filhos, conforme relatos dos moradores da área
ouvidos na pesquisa. Porém, não é possível afirmar que essa região tenha se tornado marginal
no contexto urbano. O que ocorreu foi uma resignificação desse espaço e sua identificação
como marco do passado, em oposição à modernidade da “nova cidade”, conforme discutido.
Certamente, a valorização histórica de antigas regiões urbanas baseia-se no
utilitarismo dos espaços ancestrais como instrumentos de identificação e de transmissão de
uma consciência de grupo, demarcando as fronteiras da identidade coletiva.10 Como assinala
9
Sobre este assunto ver, entre outros, Botelho (2005), sobre os casos de Vitória, Fortaleza e São Luís, Gadelha
(1997), a respeito do processo de intervenção urbana em Recife, e Leite (2010), em que o autor desenvolve uma
análise de intervenções urbanas em cidades históricas do Brasil e de Portugal.
10
Um exemplo bastante expressivo do caráter excludente e demarcador da requalificação urbana situa-se na
cidade de Belém/PA, no local denominado Estação das Docas. Esse espaço, localizado na antiga área portuária
às margens da Baía do Guajará e em frente ao prédio da Alfândega, abriga diversos galpões usados para
34
Otília Arantes (2000), a âncora da nova urbanística apoia-se no “poder da identidade” e,
invariavelmente, nas tradicionais formas de construção e ocupação do espaço no processo de
planejamento estratégico contemporâneo. Sem a pretensão de encontrar semelhanças entre os
processos de enobrecimento urbano difundidos em importantes cidades mundiais (RUBINO,
2009) e a patrimonialização de antigas ruas da sede de Itabirito, a valorização da cultura
urbana figura como principal justificativa em ambos os casos.
Insisto na impossibilidade de comparação entre as experiências citadas, vista a
diferença de escala entre os processos, assim como sua finalidade e seus resultados. Ademais,
a única relação identificada entre a valorização patrimonial das ruas do Rosário e Sete de
Setembro e as ações de enobrecimento urbano discutidas por autores como Zukin (2000) e
Rubino (2009) localiza-se na utilização estratégica do patrimônio cultural. Por outro lado, a
utilização do termo revitalização11 para designar as reformas promovidas pelo poder público
no centro histórico em 2008, incluindo a pintura das edificações e a implantação de ações
urbanísticas voltadas ao turismo, sugere que a noção de reabilitação do patrimônio histórico,
visando o desenvolvimento de atividades comerciais e sociais no centro histórico, se
disseminou em Itabirito.
A demarcação dos centros históricos e a patrimonialização das ruas e das edificações
que os compõem resultam de interpretações ideológicas e divulgam valores associados à
história urbana que os atores envolvidos no processo de patrimonialização anseiam afirmar,
baseados em representações da elite cultural e dos moradores tradicionais do antigo centro
urbano. A conversão oficial de elementos materiais culturais em símbolos coletivos emana de
agências estatais socialmente reconhecidas como legítimas e qualificadas para nomear os bens
patrimoniais. Consequentemente, o processo de construção do patrimônio não é espontâneo,
muito menos desprovido de finalidade. Conforme Arantes Neto (1984, p.08),
escoamento do látex produzido na Amazônia no século XIX. Situado ao lado do famoso mercado Ver-o-Peso, os
armazéns do porto da capital paraense constituíram historicamente espaço de transações comerciais e, devido à
diminuição dos negócios fluviais no século XX naquela região, os galpões foram alvo de depreciação e
degradação social e física. A partir do ano 2000, três armazéns foram revitalizados e passaram a abrigar
restaurantes, lojas, bares e espaço para exposições, ambos destinados ao mercado turístico, além de um teatro.
No entanto, o novo uso destinado ao local e os altos preços cobrados pelos produtos ali comercializados atraíram
um público formado, sobretudo, por turistas e membros de grupos sociais elevados. Assim, a Estação das Docas
opõe-se ao cenário do vizinho Ver-o-Peso, espaço não enobrecido, frequentado por moradores locais em busca
de produtos tradicionais ou visitado por turistas como atrativo da cultura paraense.
11
O termo revitalização, conforme Peixoto (2009, p.46), remete às ações destinadas ao “relançamento da vida
econômica e social da parte da cidade que entrou em estagnação ou declínio”. No centro histórico de Itabirito o
projeto se voltou para a implantação de uma rota turística passando pelas principais ruas do perímetro (Rosário,
Matozinhos e Sete de Setembro) e orientada pelos atrativos identificados na área, segundo a identidade cultural
que se pretendia ressaltar: casas coloniais, igrejas e muros de pedras. O desenvolvimento de um roteiro turístico
baseado no centro histórico e o possível aumento do número de visitantes tinha como objetivo dinamizar
atividades econômicas e sociais na região.
35
Nesse sentido, a assim chamada “preservação” deve ser pensada como trabalho
transformador e seletivo de reconstrução e destruição do passado, que é realizado
no presente e nos termos do presente. No esquecimento ou na lembrança (...)
reencontra-se sempre o passado interpretado, produzido para constituir o espaço ou,
melhor dizendo, o ambiente em que se desenrola a vida de hoje.
No contexto de valorização dos antigos espaços das cidades contemporâneas, a partir
da década de 1980, emergiram em Itabirito atitudes institucionais de organização do discurso
de valorização da história material urbana. As ações de reconhecimento do antigo Arraial de
Itaubira como centro histórico se relacionam à afirmação de uma memória que aproxima a
cidade do passado colonial mineiro. O desenrolar da política municipal de proteção dos bens
culturais, incluindo a realização de tombamentos destinados à participação do município no
ICMS Cultural a partir da década de 1990 e nos anos seguintes, manteve a valorização
tradicional dessa região, significado partilhado por seus moradores, conforme veremos
adiante.
A divulgação do valor histórico atribuído à antiga área central da cidade é anterior à
promulgação da Lei nº 1.506/89 que instituiu as medidas institucionais de proteção aos bens
culturais no município (ITABIRITO, 1989). Para consolidar esse argumento tomo como
referência a criação da Comissão Municipal de Cultura em 1985, entidade de participação
popular dedicada a estruturar ações de promoção cultural na localidade que levou ao
executivo municipal a proposta de delimitação do centro histórico em 1989. A Comissão
Municipal de Cultura foi criada pela Lei nº 1.313/85 e definida como uma entidade que
possuía
[...] caráter normativo, consultivo e de colaboração com o Departamento de Cultura,
para a formulação de política de cultura no município e para que a comunidade de
Itabirito crie suas instituições culturais, além de trabalhar para a revificação do
passado (ITABIRITO, 1985).
A organização do grupo foi impulsionada por um estudante universitário que tinha
familiares em Itabirito e pretendia contribuir na realização de atividades de valorização da
cultura local. Foram reunidos profissionais com grande envolvimento na área cultural,
integrando professores, artistas, universitários, funcionários públicos, entre outros, todos
membros do mesmo segmento da sociedade itabiritense. A partir do encontro dessas pessoas
interessadas na promoção “das conquistas da cultura” (ITABIRITO, 1985), foi criada a
Comissão Municipal de Cultura, órgão reconhecido legalmente como colaborador do
Departamento Municipal de Educação e Cultura. Entre as pautas da Comissão destaca-se a
36
pesquisa sobre o patrimônio cultural da cidade e a definição de diretrizes para sua preservação
e uso contemporâneo. Refletindo sobre essa primeira atitude institucional de valorização dos
bens culturais definidos como símbolos da história urbana, tomo a expressão de Choay (2006,
p.13) para afirmar que as “portas do domínio patrimonial” foram forçadas em Itabirito.
A Comissão Municipal de Cultura originou-se dedicada a colaborar com o órgão
municipal de cultura em suas atribuições de promoção das atividades culturais no município.
Para a composição da Comissão, foram convocados membros da comunidade itabiritense
envolvidos em diferentes áreas da produção cultural: música, artesanato, artes plásticas,
patrimônio histórico, entre outras. De acordo com um de seus ex-integrantes, 40 anos, a
organização da entidade pretendia a mobilização popular no desenvolvimento de estratégicas
para o setor cultural, sendo sua criação representada como uma “iniciativa da comunidade”.
[...] foi realmente um movimento independente [...] e claro, tínhamos alguns líderes.
Foi um movimento bastante interessante que realmente mobilizou a comunidade em
vários segmentos da cultura e a Prefeitura na época nos incentivou bastante, claro
que dentro de suas condições. [...] Tínhamos anseios para o desenvolvimento
cultural no município, mas o poder público não tinha recursos e nem ímpeto de
investimentos neste setor. Dois professores [...] se mobilizaram e
convidaram pessoas cuidadosamente selecionadas por segmento cultural e fomos à
luta. Éramos jovens, dispostos e todos vinculados às práticas culturais. Em sua boa
maioria jovens e também pessoas mais vividas, mais experientes. O principal
critério era o vínculo com alguma prática cultural. Tínhamos representantes das artes
plásticas, literatura, música, artes e ofícios, patrimônio histórico e assim por diante.
Cada coordenador de uma subcomissão deveria mobilizar o seu segmento e
estruturar uma pequena diretoria por setor. Esta diretoria apresentava planos de ação
ao grupo todo e às lideranças que iam a campo viabilizar mecanismos de execução
das principais propostas contidas nestes planos setoriais.
Para organizar as ações da Comissão Municipal de Cultura foram definidas
subcomissões responsáveis pela realização de atividades práticas em setores específicos da
área cultural. A Comissão era composta por um Conselho Geral composto por 11
representantes com “notória presença e tradição na vida cultural” da comunidade itabiritense
(ITABIRITO, 1985). Para deliberar e atuar em diferentes segmentos culturais a Comissão foi
organizada em 10 subcomissões coordenadas por representantes previamente escolhidos e
submetidos ao coordenador geral do grupo, o qual deveria ser eleito entre os pares. As
subcomissões definidas de acordo com a Lei nº 1.313/85 foram:
I. Subcomissão de Artes e Ofícios;
II. Subcomissão de Teatro;
III. Subcomissão de Patrimônio Histórico e Artístico;
IV. Subcomissão de Desportos e Lazer;
V. Subcomissão de Letras;
VI. Subcomissão de Dança;
37
VII. Subcomissão de Música;
VIII. Subcomissão de Cultura Popular;
IX. Subcomissão de Legislação e Normas;
X. Subcomissão de Ciências Humanas. (ITABIRITO, 1985. Grifo nosso).
A Comissão Municipal de Cultura foi uma experiência de participação popular no
desenvolvimento de atividades de promoção da cultura local e de áreas afins, conforme os
diversos setores contemplados pelas subcomissões. O órgão era formado por voluntários,
assim como as futuras arenas participativas das administrações municipais. De acordo com a
legislação de criação da Comissão, os gastos operacionais deveriam correr por conta de
doações da própria comunidade e subvenções do governo municipal (ITABIRITO, 1985).
Apesar de toda a mobilização para estruturar o grupo, seu período de atuação
restringiu-se ao ano de 1985, sendo que as atividades práticas foram realizadas durante o
evento que se tornou conhecido como Semana de 85. A programação da Semana contemplou
atividades de todas as subcomissões que foram realizadas em espaços públicos com objetivo
de divulgar para a comunidade aspectos da cultura local. Em relação aos trabalhos da
Subcomissão de Patrimônio Histórico e Artístico, entendida como a primeira atitude oficial de
organização do campo do patrimônio, foram preparadas apresentações públicas de imagens
fotográficas de bens culturais da cidade, exibidas em slides e com uma narração que
ressaltava o valor histórico do sítio colonial urbano.
A palestra denominada Itabirito: Pequena Viagem caracteriza-se como ação pioneira
de educação patrimonial na cidade. O objetivo da apresentação era mobilizar a comunidade
para a preservação de bens culturais de interesse histórico para a cidade. Para tanto, foi
montada uma exibição pública de fotografias do antigo núcleo urbano, acompanhada de uma
narrativa oral sobre a fundação da cidade com a descrição de imóveis do sítio colonial, como
casarões, igrejas e ruas. Ao final do áudio recuperou-se o drama do destombamento do Pico,
relacionando o fato à destruição do patrimônio local. Certamente as atividades da Semana de
85 atualizaram a temática da preservação do Pico, que naquele momento mantinha-se
destombado, ao passo que os membros da Comissão Patrimônio Histórico e Artístico
relacionaram o possível arruinamento do bem natural, diante do destombamento, à
possibilidade de destruição do conjunto colonial urbano, conforme a narrativa em áudio
apresentada na Semana de 85 (QUADRO 1).
38
Itabirito: Pequena Viagem
Antiga Itaubira do Rio de Janeiro, depois Itabira do
Campo.
Surgida em fins do século XVII na época das bandeiras.
Tudo começou com a mineração do ouro.
Vários viajantes estrangeiros por aqui passaram.
[...]
Minúsculas capelinhas marcam os passos da Via-Sacra na
ladeira do Matozinhos.
Na ladeira que leva à Matriz de Nossa Senhora da Boa
Viagem [Rua Sete de Setembro] ainda existem dois
passos.
Esses passos trazem inscritos na fachada a desolação do
abandono.
[...]
Do seu lado direito [da Matriz], o caminho que leva à
igrejinha do Rosário [Rua do Rosário], conserva até hoje
expressivo casario.
[...]
E vem de cima um despacho autorizando: Derruba!
Adro do Matozinhos, ponte da Açucena, casarões da Rua
Sete de Setembro, Pico de Itabirito, becos, muros de pedra
[com exceção do Pico, os demais bens já não existiam na
época da gravação].
[...]
Role tudo, de alto a baixo,
como ao vento, a imbaúba!
E o Pico de Itabirito
será moído, exportado.
Só quedará no infinito,
seu fantasma desolado.
[...]
QUADRO 1. Trecho da gravação em áudio da palestra Itabirito: Pequena Viagem.
Fonte: Acervo particular de Júlia Batista.
A atividade conduzida pela Comissão revela um projeto de identidade itabiritense
pautado na fundação colonial da cidade e em sua inserção no circuito de cidades históricas
mineiras, como Congonhas e Ouro Preto. Assim, os bens residuais do passado colonial foram
eleitos como ícones da memória coletiva, sendo que a “retórica da perda” permeou essa ação
da Comissão Municipal de Cultura e motivou o interesse institucional pela preservação dos
antigos bens materiais urbanos (GONÇALVES, 1996). Nessa perspectiva, o Pico de Itabirito
foi interpretado como “marco sagrado”, presente divino para “a velha Itaubyra do Rio de
Janeiro” (SOUZA, 2004, p. 203) e que foi vendido para ser minerado.12
12
O Pico de Itabirito, assim como a Mina de Cata Branca localizada em suas adjacências, são elementos
recorrentes na memória itabiritense, tanto em relatos sobre os primeiros movimentos de ocupação da região,
quanto em lendas sobre os dois lugares. De acordo com Souza (2004), da lagoa próxima ao Pico, em noites de
lua cheia, saía uma moça de cabelos longos que atravessava o Arraial e seguia para Vila Rica (Ouro Preto) para
39
A Comissão Municipal de Cultura reafirmou discursos tradicionais sobre a cidade
proferidos pela elite cultural urbana, sendo que essas narrativas constituíram as principais
referências sobre a história local até o ano de 2005, quando a Prefeitura Municipal de Itabirito
criou a Divisão Municipal de Memória e Patrimônio e organizou pesquisas documentais sobre
a formação e desenvolvimento do município. No entanto, mesmo diante de novas fontes sobre
a história local, publicadas semanalmente em um jornal da cidade entre 2007 e 2008, as
narrativas tradicionais permaneceram influenciando as descrições sobre o espaço urbano.
Conforme discutido anteriormente, a história de fundação de Itabirito, recontada pelos
memorialistas e moradores locais, se baseia na narrativa mítica da viagem de Monterroio
entre o Rio de Janeiro e as minas de ouro, culminando com a fundação do Arraial de Itaubira
sob a proteção de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Assim, sustento a argumentação de que a Comissão Municipal de Cultura não iniciou
propriamente a valorização do antigo núcleo urbano como região histórica, mas afirmou a
simbologia do lugar para a história da cidade no contexto de elaborações simbólicas baseadas
nos vínculos com o passado colonial, propondo a demarcação do centro histórico a partir de
estruturas materiais remanescentes do passado local: casarões, muros de pedras, calceteria
antiga e templos. Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão atribuíram ao sítio colonial
urbano o caráter de “figura memorial” representante da “essência da cidade” que necessita ser
preservada de forma incondicional (CHOAY, 2006, p. 180).
A delimitação perimetral do núcleo histórico ocorreu em 2005 e a demarcação não
corresponde a uma área completamente tombada, ainda que acautelada pela legislação
municipal como ZEIH, sendo que “todas as propostas de intervenção nas áreas em questão,
deverão ser encaminhadas para anuência do Conselho Consultivo Municipal do Patrimônio
Histórico e Artístico” (ITABIRITO, 2005). No interior do perímetro do centro histórico
(FIGURA 12) estão localizadas as ruas do Rosário e Sete de Setembro que, juntamente com a
Rua do Matozinhos, foram tombadas pelo município na categoria de conjuntos arquitetônicos
e paisagísticos entre 2005 e 2006.13 Essas vias foram escolhidas como bens culturais que
visitar o Pico do Itacolomy. Em certa medida, essa lenda conecta as duas localidades e, de forma metafórica,
relaciona as cidades ao mesmo passado. A Mina de Cata Branca, por sua vez, guarda as lendas associadas ao seu
desabamento em 1844, ocasião em que 44 empregados, segundo o mito, teriam sido soterrados e afogados em
seguida por ordem dos donos do lugar, em piedade aos mesmos que não poderiam ser resgatados. Assim, o local
tornou-se assombrado pelos mineiros mortos. A lenda de Cata Branca é tema do filme A maldição da Cata
Branca rodado em 1978 com atores locais. O roteiro foi escrito por José Bastos Bittencourt, ex-prefeito de
Itabirito e um dos intelectuais mais influentes da cidade, também o autor do hino de Itabirito.
13
Nesta dissertação analiso especificamente os processos de patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de
Setembro pelo fato dos tombamentos dessas vias terem sido apresentados ao IEPHA/MG para fins de pontuação
no ICMS Cultural na categoria de conjuntos urbanos. Portanto, esses tombamentos indicam a relação entre a
40
funcionam como signos identitários da cidade, gerando “sentimentos de identificação”
(PEIXOTO, 2004).
Boa Viagem
Tombadouro
Matozinhos
Centro
FIGURA 12. Planta cadastral do centro histórico de Itabirito.
Fonte: SAAE Itabirito, adaptada pela autora.
Legenda:
Área do centro histórico
Capela do Senhor Bom Jesus do Matozinhos
Capela de Nossa Senhora das Mercês
Praça da Açucena
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem
Largo Dom Silvério
Praça do Rosário
Capela de Nossa Senhora do Rosário
Conjunto tombado da Rua Sete de Setembro
Conjunto tombado da Rua do Rosário
Conjunto tombado da Rua do Matozinhos
As descrições do primeiro núcleo urbano, relatadas pelos memorialistas e escritores
da cidade (FIORILLO, 1996; SILVA, 1996; SOUZA, 2004; SOUZA, 2009) e reafirmadas nas
posteriores justificativas dos tombamentos realizados no centro histórico, fundamentam-se na
política municipal de preservação patrimonial e o repasse financeiro estadual para os municípios que executam a
proteção do patrimônio. O dossiê da Rua do Matozinhos não foi apresentado ao IEPHA/MG devido ao fato da
área do arruamento não somar a quantidade de hectares que, somados aos demais conjuntos, aumentaria a
pontuação referente ao critério de conjuntos urbanos.
41
formação desse espaço, na presença de ilustres habitantes e em suas realizações, assim como
nas antigas redes sociais tecidas nas adjacências da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Evocam-se as relíquias (GIDDENS, 1997), os fundadores da cidade, a família, os pais
e os feitos do passado na justificativa pela preservação da memória material sempre
direcionada ao outro situado no futuro, assim como Benjamin (1987), no texto a Infância
berlinense por volta de 1900, tenta preservar no registro escrito a memória da infância na
cidade que é obrigado a deixar. O autor dedica a obra ao seu filho, sendo a memória impressa
no texto transmitido como um patrimônio (BOLLE, 1984). Na valorização do antigo núcleo
urbano de Itabirito, tem-se a metáfora da continuidade da memória da cidade por meio da
preservação de seus bens culturais imóveis, conforme relatado por um morador da Rua do
Rosário, 72 anos:
[...] significa a recordação do tempo antigo. Os jovens de agora não sabem como era
antigamente. Acho bom [a preservação] para as pessoas, igual aos meninos que
sempre vêm aí com os professores que explicam como começou, que a rua aqui foi a
primeira rua, o primeiro bairro da cidade foi aqui. Eles [os fundadores] vieram por
cima e fizeram essas casas de um jeito assim que dá para ver que eram armazéns.
Tem as portas embaixo. Aqui [na casa] era da Mina do Morro Velho. Era o
escritório da mina [...].
As ruas do Rosário e Rua Sete de Setembro foram narradas por Silva (1996, p. 28)
como ruas tortuosas onde se localizam “construções passadas” e que “serviram de pontos de
referência, como marcos iniciais”, constituindo a principal ligação com o centro do Arraial de
Itaubira. Após o desenvolvimento de um novo centro urbano nas áreas planas, essas vias
passaram por transformações em seus significados que se relacionam, sobretudo, à diminuição
na frequência de transeuntes e ao fechamento de casas comerciais ali instaladas.
A percepção do sítio colonial como cenário histórico a partir da formação de uma
“nova cidade” contribuiu para que as descrições da cidade fossem baseadas nas dicotomias
velho/novo, antigo/moderno. Nesse sentido, as principais ruas do núcleo urbano original
passaram a ser consideradas registros materiais do passado, enquanto as vias abertas às
margens do Rio Itabirito e as novas construções erguidas nessa região atestavam o progresso
da cidade, como destacado em artigo publicado no Jornal Gazeta de Itabirito:
Sobressai o crescimento vertiginoso de nosso parque comercial. Belas, artísticas e
sólidas construções embelezam o aspecto paisagístico de nossa comuna. A maior
parte das construções que apresentamos nesse número são de finalidade
essencialmente comercial. Muitas estão inacabadas. Algumas em fase de finalização.
[...] Entretanto em todas está a marca do progresso da cidade. (ITABIRITO... 1979,
p. 01).
42
As entrevistas realizadas com moradores das ruas do Rosário e Sete de Setembro e a
leitura das obras de memorialistas locais e dos atos institucionais de patrimonialização e
demarcação do centro histórico, apontam para o fato de a valorização simbólica dessas vias
anteceder o processo de patrimonialização dos conjuntos. As tradicionais representações sobre
o antigo centro urbano da localidade são ancoradas no discurso patrimonial com vistas a se
institucionalizarem. No entanto, como discutido, mesmo diante dos valores oficiais do
patrimônio, interpretações populares sobre o espaço são constituídas na vivência cotidiana e
ritual com o espaço.
As ruas do Rosário e Sete de Setembro configuram cenários que historicamente
experimentaram distintas práticas e relações sociais que afirmaram sua centralidade desde a
formação do arraial no século XVIII, até a valorização contemporânea como patrimônio. Para
além de sua demarcação institucional como patrimônio, as primeiras vias e construções da
área urbana transformaram-se em espaço referencial na identificação cultural da cidade. As
ruas objetos deste estudo foram abertas, possivelmente, na primeira metade do século XVIII,
e constituíram os principais espaços de sociabilidade e convergência da organização social da
antiga área urbana, pelo menos até o início do século XX, quando as dinâmicas sociais
concentradas na região se orientaram para a planície, nas proximidades da estação ferroviária.
A valorização das estruturas imóveis remanescentes dos primeiros movimentos de
urbanização como bens culturais integra tanto as concepções partilhadas pelos moradores
dessas ruas, como tratado anteriormente, quanto os discursos oficiais que fundamentaram sua
patrimonialização. No entanto, as ruas do Rosário e Sete de Setembro, da mesma forma que
os demais acessos, edificações e estruturas urbanísticas localizadas no perímetro do centro
histórico, são “lugares de memória” (NORA, 1993) e foram interpretadas como símbolos da
história local antes mesmo dos processos de patrimonialização.
Os significados atribuídos aos arruamentos, assim como as edificações que as
compõem, se baseiam na afirmação desses trechos como sinais do passado urbano. Contudo,
essa atribuição de valor não se caracteriza como neutra ou homogênea, tomando o patrimônio
como “espaço de luta material e simbólica” (CANCLINI, 1994, p. 97) não apenas na análise
dos elementos que são preservados, mas na indagação sobre os sentidos atribuídos aos bens
patrimoniais no interior da política de preservação.
[...] os bens reunidos por cada sociedade na história não pertencem realmente a
todos, ainda que formalmente pareçam ser de todos e estar disponíveis ao uso de
todos. As investigações sociológicas e antropológicas sobre as maneiras como se
43
transmite o saber de cada sociedade através de escolas e museus demonstram que
diversos grupos se apropriam de forma desigual e diferente da herança cultural.
(CANCLINI, 1994, p. 96).
A interpretação dos processos de demarcação dos centros históricos ou, no caso desta
pesquisa, da patrimonialização de ruas que integram o antigo centro urbano de Itabirito,
requer considerar a produção do patrimônio como ato simbólico de nomeação de bens
culturais como representantes da identidade coletiva. O patrimônio integra as estratégias
simbólicas de construção da estrutura social que, por outro lado, admite tais elementos como
símbolos de si mesma, além de legitimar o poder do Estado na ordenação do mundo social
(BOURDIEU, 1998). Logo, os bens patrimoniais podem ser pensados como sistemas
simbólicos que atuam como “instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento” que servem para legitimar uma dominação simbólica (BOURDIEU, 2005,
p.11). Ademais, a concepção do patrimônio como produção simbólica identifica os espaços
patrimonializados como reproduções das estruturas de poder que sustentam o mundo social,
como argumenta Bourdieu (2005, p. 10),
Os símbolos são os instrumentos por excelência de “integração social”: como
instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus
acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a
reprodução da ordem social: a integração “lógica” é a condição da integração
“moral”.
A patrimonialização arquitetônica integra o processo de afirmação de uma memória
da/para a cidade, fundamentando-se na legitimidade social dos agentes responsáveis pela
nomeação dos bens patrimoniais. Assim, o patrimônio constitui campo de forças sociais e
simbólicas e os sentidos atribuídos aos bens culturais em sua transfiguração em bens
patrimoniais expressam pontos de vista conceituais sobre o patrimônio, assim como as
aspirações subjetivas que orientaram a patrimonialização.
Não obstante, há nos discursos de patrimonialização a reprodução e a continuidade de
representações sobre o sítio colonial, não se observando novos valores associados a esse
espaço, mas a institucionalização no interior do campo do patrimônio de significados
tradicionais sobre o antigo centro urbano. A eficácia simbólica da nomeação da antiga região
como patrimônio se relaciona ao reconhecimento do poder simbólico dos enunciadores que
tentam “produzir a existência da coisa nomeada” (BOURDIEU, 1998, p.128).
Como alvos da patrimonialização as ruas do Rosário e Sete de Setembro foram
consagradas como símbolos identitários pela relação desses espaços com a história da cidade.
44
Contudo, justifica-se a preservação por meio do significado histórico das vias, ao passo que se
constrói uma narrativa simbólica do passado colonial urbano por meio da definição dos
referenciais materiais que devem ser conservados e celebrados como suportes da memória
urbana. Para Peixoto (2004, 183), os atos de patrimonialização e os processos de construção
identitária se fundam na noção de patrimônio, sendo que patrimônio e identidade surgem
como “termos de uma mesma equação” por vezes bastante simplista. Nessa perspectiva, os
bens patrimoniais não correspondem intrinsecamente a uma “identidade vivida e partilhada”,
mas no interior dos processos de patrimonialização a identidade se constitui como figura
retórica “mobilizada para conferir uma significação que traduza uma relação objectiva com
objectos ou práticas resgatados pelos processos de patrimonialização para preencher novos
usos sociais” (PEIXOTO, 2004, p. 185).
2.3. Formas e usos contemporâneos das antigas ruas
Ítalo Calvino, em As cidades invisíveis (1990), disse que uma cidade comporta muitas.
A constituição urbana atual aponta para relações vivenciadas no espaço urbano e para as
distintas formas como a cidade foi construída e habitada em diferentes contextos sociais e
históricos. Nesse sentido, o fenômeno urbano apresenta um acúmulo de bens arquitetônicos
com significados socialmente construídos, nos quais a memória das cidades é materializada
simbolicamente, e as estruturas urbanísticas e arquitetônicas representam concepções e
escolhas nas formas de modificação do ambiente pelo homem.
Os bens materiais urbanos atuam como “objetos biográficos” (BOSI, 2003, p.26),
extrapolando as experiências pessoais e provocando um enraizamento coletivo com o espaço
vivido. Em Itabirito, a dimensão espacial da vida urbana é sinalizada pelas construções que
resistiram ao tempo, como alguns imóveis presentes nas ruas do Rosário e Sete de Setembro,
atualmente consagrados como patrimônio cultural. Essas ruas foram até o final do século XIX
espaço central da cidade, aglutinando múltiplas dimensões da vida urbana, como as práticas
religiosas, comerciais e políticas. Para Lefebvre (2008, p. 85),
Não existe realidade urbana sem centro, quer se trate do centro comercial (que
reúne produtos e coisas), do centro simbólico (que reúne significações e as torna
simultâneas), do centro de informação e de decisão etc. Mas todo centro destrói a
si próprio. Ele se destrói por saturação; ele se destrói porque remete a uma outra
45
centralidade; ele se destrói na medida em que suscita a ação daqueles que ele
exclui e expulsa para as periferias.
O traçado urbano inicial do Arraial de Itaubira concentrava em seu interior diversas
práticas sociais. Com ocupação original vinculada à mineração, o antigo sítio colonial
abrigou, até as primeiras décadas do século XX, não só residências e templos religiosos, mas
estabelecimentos comerciais, oficinas, fábricas de sapatos, entre outras atividades (SILVA,
1996). O viajante inglês Richard Burton assim descreveu o centro de Itabira do Campo em
sua visita à localidade a caminho de Morro Velho (Nova Lima) em 1868:
O rio que a divide [Córrego da Carioca], correndo de leste para oeste é atravessado
por uma ponte de pedra tolerável [Ponte da Açucena]. As margens, usadas como
terreiro da lavanderia, ficam manchadas do branco com a roupa e, de preto, com as
lavadeiras. Ao sul da freguesia ficam as capelas de Nossa Senhora das Mercês e
Bom Jesus do Matozinhos; ao ocidente, fica o Rosário. No centro da vila estão a
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem e a Igreja de Santa Tereza [templo não
identificado]. As igrejas comportam toda a população, ainda que dificilmente com
conforto; a maior parte das construções está em condições ruinosas. Metemo-nos por
outro caminho íngreme e escorregadio, a rua da entrada [Rua Sete de Setembro].
Havia aí boas casas [...]. (BURTON, 1976, p. 165).
O relato de Burton (1976) permite constatar que, desde o início da ocupação e
formação do núcleo urbano, as ruas do Rosário e Sete de Setembro estiveram inseridas no
espaço central da povoação ali organizada. No século XIX, momento em que o viajante inglês
percorre as poucas vias que formavam a freguesia, tem-se a “Desolação do Entorpecimento”
(BURTON, 1976, p. 165) estampada nas casas mal cuidadas e em estado de abandono, como
salienta o autor. Tal fato se deve ao desabamento da Mina de Cata Branca em 1844, que
afetou profundamente a economia local e provocou falências e pobreza na localidade,
refletindo-se na aparência do cenário urbano observado pelo viajante. Segundo Silva (1996, p.
33), a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II em 1882 “repercutiu como o
clarim da vitória. Tudo havia passado: miséria e fome. Cruezas e desesperanças”.
Nesse contexto, o espaço urbano que até o final do século XIX era restrito à parte alta
da localidade desenvolveu-se em direção à ferrovia às margens do Rio Itabirito, conformando
uma nova centralidade. Porém, a criação de fábricas na cidade, evento impulsionado pela
conexão de Itabira do Campo à malha ferroviária, contribuiu para que o sítio colonial também
vivenciasse transformações em relação aos usos e modos de vida que se desenrolavam nesse
espaço da cidade.
A descrição do cenário urbano da Rua Sete de Setembro e dos arredores da Matriz da
Boa Viagem feita por Souza (2009) nas primeiras décadas do século XX informa sobre as
46
atividades comerciais praticadas no perímetro e que representavam a movimentação e a
centralidade dessa área para a vida social e econômica local.
Pouco mais adiante, já subindo a Rua Sete de Setembro, me deparei com a venda do
José Lino da Silva [...]. Subindo mais um pouco, cerca de uns 60 metros, ficava a
venda do Ramiro Braga [...] ex-craque de futebol do União Sport Clube, no ano de
sua fundação, que foi 1915. Mais tarde, esse estabelecimento comercial se transferiu
para modernas instalações construídas na Praça da Açucena. Em suas antigas
instalações, passou a funcionar o estabelecimento comercial do José Michel, e mais
tarde, do saudoso José Felipe da Silva. Andando cerca de mais 50 metros
encontramos o botequim do Nhonhó de Sá Nica e a venda do Sr. Lindouro Lopes.
Bem em frente ficava a Fábrica de Calçados J.J., de Oliveira Souza [...]. Logo
depois ficava a venda do Zé Bacula, que, além de manter uma variedade de gêneros
alimentícios, possuía também um variado estoque de roupas e tecidos, muito ao
gosto de sua freguesia. Era só atravessar a rua e estávamos na Fábrica de Calçados
Gonçalves [...]. (SOUZA, 2009, p. 140).
Durante a pesquisa de campo conheci a configuração interna de uma venda que
funcionou nessa rua. No primeiro pavimento da edificação nº 131 da Rua Sete de Setembro, a
estrutura de um antigo comércio de tecidos e aviamentos foi preservada pelos herdeiros do
prédio, filhos do falecido proprietário da loja (FIGURAS 13 e 14). No local existem as
prateleiras e o grande balcão de um comércio de secos e molhados que servia de referência
para os moradores da região.
FIGURAS 13 e 14. Interior de um antigo comércio na Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2010.
O arrefecimento do primordial centro urbano no avançar do século XX, no sentido
exposto por Lefebvre (2008), e sua substituição por uma nova centralidade nas áreas planas
posteriormente ocupadas se vincularam historicamente aos processos de reordenamento e
crescimento urbano, relacionados a experiências sociais e econômicas diversas daquelas que
47
estiveram na base de sua constituição. De espaço central das dimensões econômicas e sociais,
o espaço tornou-se na atualidade um centro simbólico, que remete à fundação da cidade. No
entanto, não se observa nas ruas do Rosário e Sete de Setembro uma espetacularização da
paisagem, com a preservação voltada para o mercado (ZUKIN, 1995). As ruas do sítio
colonial urbano conservam-se como zonas residenciais, não se podendo falar em
requalificação com vistas a um novo uso, apesar do empreendimento das Obras Sociais da
Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem no intuito de instalar as dependências do Museu
de Artes e Ofícios de Itabirito em edificações compradas pela entidade nas ruas do Rosário e
Sete de Setembro.
Os tombamentos dessas ruas como conjuntos urbanos apoiam-se na valorização de tais
espaços como trechos referenciais do núcleo urbano original, a partir do qual se organizaram
outras áreas da cidade. Assim, essas vias carregam o aditivo simbólico relacionado à
identidade urbana, tornando-se alvos privilegiados das políticas de patrimonialização
arquitetônica levadas a cabo pelos governos municipais desde a década de 1990, guardando-se
as particularidades entre as administrações em relação ao local ocupado pela preservação
patrimonial nas ações políticas.
A demarcação do centro histórico em 2005 e a retificação dos tombamentos de suas
principais ruas com a adequação da salvaguarda na categoria de conjuntos arquitetônicos
integram o processo de valorização do patrimônio imóvel urbano, sendo a delimitação do
centro histórico considerada instrumento de proteção patrimonial ao lado da inserção da
região na ZEIH da sede municipal, conforme a Lei nº. 2.460/05.14 O mesmo instrumento legal
dispõe sobre o parcelamento, o uso e a ocupação do solo nas áreas urbanas especiais do
município, entre as quais se destaca a ZEIH, formada pelo sítio primordial da cidade que,
segundo a legislação, compreende:
[...] o núcleo histórico correspondente à ocupação inicial da Sede Municipal e seu
entorno, onde se inserem edificações e espaços de relevância para a memória e
significado simbólico do município e seus cidadãos, os quais devem ser protegidos,
assim como os espaços vizinhos, preservando a paisagem e a uniformidade do seu
conjunto urbano (ITABIRITO, 2005).
14
As ZEIH dividem-se em: ZEIH 1 – Preservação Rigorosa, onde as edificações devem ser protegidas com
maior rigor, não podendo ser descaracterizadas e ZEIH 2 – Entorno, onde as intervenções devem obedecer a uma
volumetria de conjunto visando à proteção da ZEIH 1. Os projetos de intervenções em ambos os casos devem ser
submetidos à análise do Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico de Itabirito. As ruas do
Rosário e Sete de Setembro inserem-se na ZEIH1 (ITABIRITO, 2005).
48
O texto ainda dispõe sobre a formulação de ações e projetos de “recuperação dos
conjuntos arquitetônicos e de valor histórico e cultural” envolvendo o governo municipal e a
comunidade, assim como regula o uso e a ocupação do solo visando “à salvaguarda do núcleo
histórico, suas edificações, ruas e vistas urbanas, integrando os valores da cidade antiga às
funções urbanas atuais, preservando o valor do conjunto” (ITABIRITO, 2005). Há também as
diretrizes para o controle do uso e ocupação da ZEIH, destacando-se a rigorosidade em
relação à realização de intervenções contemporâneas no perímetro:
I- manter uma baixa densidade de ocupação do solo de forma a preservar a paisagem
urbana característica;
II- manter o traçado viário original;
III- manter os usos econômicos mesclados às residências;
IV- impedir a demolição e a descaracterização das edificações históricas existentes,
recuperando-as sempre que for o caso;
V- manter as características de volume, cobertura, aberturas e harmonia nas
reformas e construções;
VI- proteger o entorno das edificações, permitindo a visualização e a manutenção da
paisagem em que os mesmos se inserem.15 (ITABIRITO, 2005).
A legislação que regula a conservação dos vestígios primordiais de fundação da sede
de Itabirito afirma a ZEIH como monumento isolado e não em sua integração com o tecido
urbano (FIGURA 15). Nessa perspectiva, o centro histórico é interpretado como “figura
museal” (CHOAY, 2006, p. 191) que ao se tornar histórica perde sua historicidade (JEUDY,
2005). Os fragmentos urbanos são resguardados das intervenções do presente por meio das
diretrizes de uso e ocupação desse espaço. O fato é que as limitações aos usos e apropriações
dos imóveis relacionam-se com a tentativa oficial de estabelecimento de monumentos urbanos
baseados na significação histórica do espaço. Não se nota uma articulação entre o centro
histórico e as demais regiões urbanas, informando que aquele é o lugar privilegiado do
passado e sua valorização se desenvolve na perspectiva de contraposição ao presente e ao
futuro identificados na “nova cidade”.
15
As ruas do Rosário e Sete de Setembro se caracterizam como zonas residenciais, como veremos adiante,
inexistindo, na ocasião da pesquisa, casas comerciais nos perímetros. No entanto, outras áreas do centro
histórico, e da ZEIH de forma integral, abrigam edificações com usos mistos (econômicos e residenciais), além
de estabelecimento comerciais mesclados às residências.
FIGURA 15. Mapa do macrozoneamento da zona urbana de Itabirito.
Fonte: SEMURB / PMI, adaptado pela autora.
49
50
O principal uso dos imóveis das ruas do Rosário e Sete de Setembro é residencial
unifamiliar, apesar de alguns casarões apresentarem típicos cômodos de comércio no primeiro
pavimento, que abrigaram até o início do século XX as vendas descritas por Souza (2009), as
edificações não possuem faixas ou placas, o que poderia comprometer a visualização das
fachadas. Para corroborar a afirmação sobre o uso residencial das edificações encontradas
nessas ruas, realizei uma consulta à lista telefônica da cidade, conforme desenvolvido por
Moreira (2008) em estudo sobre a Rua dos Caetés em Belo Horizonte. Constatei que não
existem estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços instalados nessas vias, ainda
que algumas atividades, como aulas de pintura, serviços de costura e confecção de produtos
artesanais.
Em relação às características arquitetônicas, nota-se que os atos de patrimonialização
valorizaram os vestígios da ocupação inicial da localidade, como os templos religiosos
erguidos no século XVIII e o casario edificado nas primeiras décadas do povoamento da
localidade. As moradias erguidas na segunda metade dos setecentos inserem a sede do
município no circuito de cidades mineiras que apresentam construções em estilo colonial.16
No entanto, o que diferencia o núcleo primordial de Itabirito dos espaços mais antigos das
cidades vizinhas são alguns traços arquitetônicos encontrados em seus imóveis que,
normalmente, são observados em casas rurais, com destaque para as varandas em balcão
corrido (FIGURAS 16 e 17). Porém, os elementos singulares da identidade arquitetônica local
não são destacados, em detrimento da comparação entre os imóveis coloniais da cidade e o
casario das cidades vizinhas, como Ouro Preto e Congonhas.
16
Ainda não foram localizadas referências documentais que atestem com precisão a data de construção dos
imóveis mais antigos localizados na primeira região ocupada na cidade.
51
FIGURA 16. Casarões na Rua do Rosário. Destaque para as varandas em balcão.
Fonte: Foto da autora. 2010.
FIGURA 17. Casarão na Rua de Setembro
Fonte: Foto da autora. 2010.
Apesar de os processos de tombamento e dos discursos de valorização das ruas do
Rosário e Sete de Setembro realçarem as características arquitetônicas e urbanísticas coloniais
presentes nesses trechos urbanos, como as edificações com estrutura em pedra e vedações em
pau-a-pique e adobe, o cenário não se apresenta preenchido de forma uniforme por
construções coloniais. A composição arquitetônica da área apresenta variados estilos,
mesclando construções com traços típicos da arquitetura produzida em Minas Gerais nos
52
séculos XVIII e XIX e edificações erguidas nas primeiras décadas do século XX, com forte
influência do Art déco, além de intervenções contemporâneas (FIGURAS 18 e 19).
FIGURA 18. Edificação com influência Art déco na Rua do Rosário.
Fonte: Foto da autora. 2010.
FIGURA 19. Casa com influência Art déco na Rua do Rosário.
Fonte: Foto da autora. 2011.
Os diferenciados estilos arquitetônicos encontrados nos conjuntos tombados, embora
descritos nos dossiês, não foram valorizados nos atos institucionais e nas representações
elaboradas pelos moradores e narradores tradicionais como registros materiais da trajetória
das ruas na história urbana. A presença de edificações erguidas em épocas distintas e com
características estéticas e construtivas diferentes evidencia as intervenções e as diferenciadas
53
apropriações do espaço. No entanto, as ruas foram interpretadas pelos moradores locais,
memorialistas e agentes oficiais de preservação como cenários que representam a fundação da
cidade, em detrimento da compreensão dos conjuntos como contexto para variadas formas de
ocupação e de modificação do ambiente ao longo de três séculos, pensando a cidade por meio
dos processos histórico-culturais que contribuem para a configuração dos bens materiais
urbanos (ARAÚJO, 2009).
A atual característica arquitetônica hibrida (QUADROS 2 e 3) resultou do processo de
reformas e construções de novos imóveis em meio ao casario colonial nas primeiras décadas
do século XX. Nessa época, muitas edificações do atual centro histórico foram vendidas por
preços baixos, afirmando a desvalorização imobiliária do perímetro na ocasião, sendo
diversos compradores migrantes da zona rural que se transferiram para a cidade em função
das ofertas de trabalhos nas fábricas instaladas na sede desde o final do século XIX.
Edificação / nº
Tipologia Arquitetônica
13
Colonial
16
Eclética
22
Art déco
31
Art déco
41
Colonial
56
Contemporânea
57
Colonial
72
Contemporânea
84
Contemporânea
91
Colonial
104
Colonial
109
Colonial
119
Contemporânea
135
Contemporânea
161
Contemporânea
177
Art déco
195
Art déco
203
Art déco
215
Contemporânea
QUADRO 2. Tipologia das edificações – Rua do Rosário.
Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir da análise descritiva do dossiê de tombamento do conjunto.
54
Edificação / nº
Tipologia Arquitetônica
11
Art déco
14
Contemporânea
27
Colonial
47
Colonial
59
Colonial
76
Colonial
77
Eclética
86
Contemporânea
93
Modernista
100
Contemporânea
101
Colonial
112
Contemporânea
131
Colonial
134
Colonial
147
Contemporânea
QUADRO 3. Tipologia das edificações – Rua Sete de Setembro.
Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir da análise descritiva do dossiê de tombamento do conjunto.
A variedade arquitetônica não é paisagem para usos diversificados dos imóveis, assim
como não constitui contexto para variadas atividades sociais. As características mais
marcantes do cotidiano dos conjuntos são a calma e a tranquilidade, já descritas dessa forma
por Silva (1996, p.51) a partir de um cenário que o autor vislumbrou em meados do século
XX: “A parte alta é calma e sua vida tem pronunciado sentido espiritual.” A oposição com a
“nova cidade” se expressa, também, por meio da imagem simbólica de uma imobilidade do
passado, tempo impresso nas construções da parte alta consagradas como “lugares de
memória” (NORA, 1993), e na mobilidade da nova cidade,
[...] ativa e futurosa, no fluxo e reflexo de sua população operosa e ordeira, nas
trepidantes arrancadas de seus motores e turbinas, no vai e vem dos braços dos
teares das suas fábricas e na faina incessante dos seus operários, que fabricam o
monumento da sua glória no futuro. (SILVA, 1996, p.50).
A atual ausência de movimentação de transeuntes, ocasionada pela falta de
estabelecimentos comerciais nas ruas do Rosário e Sete de Setembro, configura uma paisagem
bucólica, onde se tem a nítida impressão de um tempo estagnado. Outro fator que colabora
para a tranquilidade local é o fato de a maior parte das residências estar ocupada por famílias
55
pequenas, compostas por idosos sem a presença dos filhos, ou moradores solteiros que
permaneceram nos imóveis após o falecimento dos pais. Não se observa a circulação de
crianças brincando pelas vias, assim como não identifiquei a permanência de vizinhos
conversando nas ruas durante os momentos em que permaneci observando o espaço em
horários diurnos e noturnos. A calma desse espaço contribui para sua identificação como
território do passado e seu reconhecimento como “figura museal” (CHOAY, 2006).
Apesar de as tentativas da administração que governou o município entre 2005 e 2008
estimularem a visitação turística na cidade, incluindo seus bens culturais imóveis como
atrativos nos roteiros turísticos do estado, a permanência de frequentadores no espaço
permanece ocasional, sendo que não observei em nenhum momento a circulação de visitantes
no local nas observações realizadas entre novembro de 2009 e dezembro de 2010.
Como parte da valorização institucional das antigas ruas e edificações do sítio colonial
urbano, o projeto de revitalização do centro histórico de Itabirito, executado pela
administração municipal no ano de 2008, além da pintura dos imóveis, contemplou a
instalação de rotas de pedestres e painéis sobre a história da região e a localização cartográfica
dos casarões tombados na década de 1990. Os bens tombados isoladamente foram
privilegiados em prejuízo dos conjuntos, recebendo placas com informações históricas,
pintura das fachadas e reformas estruturais. O Projeto Museu Aberto, denominação oficial
atribuída ao processo de revitalização do centro histórico, se orientou pela expectativa de
promoção das ruas do Rosário e Sete de Setembro como atrativos turísticos, integrando-se às
ações de melhoramento urbanístico realizadas na cidade durante a administração que
governou a cidade entre 2005 e 2008. A justificativa para a realização das medidas citadas
inscreve-se na preservação do patrimônio imóvel urbano, ressaltando as casas e vias
contempladas no projeto como “sinais topográficos” da fundação da cidade (BOLLE, 1984).
No entanto, as estratégias de promoção e valorização turística da área não atraíram
visitas regulares de turistas e moradores de outras regiões da cidade. Registra-se com maior
proporção a presença de grupos de estudantes locais, conduzidos por seus professores, que
visitam as ruas históricas como parte das atividades de educação patrimonial conduzidas pelas
próprias escolas ou pela Divisão Municipal de Memória e Patrimônio.
56
FIGURA 20. Divulgação da inauguração das obras de revitalização do centro histórico.17
Fonte: SEMCULT/PMI.
FIGURA 21. Painel na Rua do Rosário com informações sobre o centro histórico.
Fonte: Foto da autora. 2010.
17
Os novos tombamentos citados no panfleto consistem na retificação dos tombamentos das ruas de bens
imóveis para conjuntos urbanos, assunto tratado adiante.
57
FIGURA 22. Rota de pedestre instalada na esquina da Rua Sete de Setembro com Rua do Rosário
Fonte: Foto da autora. 2010.
FIGURA 23. Painel na Rua Sete de Setembro com a localização das edificações tombadas isoladamente.
Fonte: Foto da autora. 2010.
Um momento específico do calendário religioso se destacou durante as observações
como período de grande circulação de pessoas e uso intenso dos templos religiosos e do
espaço público do centro histórico. Nas cerimônias da Semana Santa observei grande
circulação de pessoas no perímetro em torno dos atos litúrgicos celebrados na Matriz e das
procissões que percorreram as ruas Sete de Setembro e Matozinhos (FIGURAS 24 e 25). Na
ocasião, os três passos da Paixão que se conservam na região, sendo dois na Rua Sete de
Setembro e um na subida para a Capela do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, se mantiveram
58
abertos e enfeitados, recebendo os devotos para os ritos de costume. No decorrer do ano, os
domingos são os dias de maior circulação de pessoas entre as ruas tombadas, fato motivado
pelas missas semanais na Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem (FIGURA 26 e 27).
FIGURAS 24 e 25. Procissão do Senhor dos Passos na Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2010.
FIGURA 26 e 27. Missa na Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem e movimento de pessoas no Largo Dom
Silvério após a celebração.
Fonte: Foto da autora. 2011.
Os usos e a descrição das formas arquitetônicas encontradas nas ruas do Rosário e Sete
de Setembro colaboram na compreensão desse cenário urbano, tanto no que se refere aos
arranjos físicos, quanto nas relações sociais tecidas no cotidiano e em momentos ritualísticos
59
celebrados nesse espaço. A formação histórica e material das vias, discussão apresentada
neste capítulo, se desenvolveu no sentido de destacar a transformação do sítio colonial urbano
em atual espaço simbólico da fundação da cidade, local que abriga as construções mais
antigas da sede municipal, consagradas como ícones da identidade itabiritense.
Os valores oficiais atribuídos aos conjuntos patrimonializados aproximam-se da
valorização da parte alta da cidade empreendida pelos intelectuais locais e das representações
expostas pelos moradores tradicionais da região, conforme discutirei a seguir. Se, por um
lado, penso as representações unívocas sobre a região patrimonializada como ressonância do
discurso institucional de patrimonialização, por outra vertente, considero que a “consciência
patrimonial” (PEIXOTO, 2003) dirigida ao espaço analisado foi oficializada pela agência
municipal de preservação cultural no processo de construção do patrimônio urbano. Assim, a
valorização histórica da região antecedeu o processo de patrimonialização dos conjuntos.
Certamente, a população da “nova cidade”, grupo não contemplado na pesquisa
devido ao tempo disponível em campo, também elabora sentidos sobre esse cenário urbano.
Contudo, a representação tradicional que toma o sítio colonial como símbolo do passado
local, em oposição ao futuro que se expressa pela “nova cidade”, alteridade que acelerou a
demarcação da identidade colonial itabiritense, fundamentou ideologicamente as dimensões
do campo do patrimônio em Itabirito, tema do próximo capítulo.
60
3. A PRODUÇÃO DO PATRIMÔNIO EM ITABIRITO: FORMAÇÃO DO CAMPO E
PROCESSOS OFICIAIS DE PATRIMONIALIZAÇÃO
3.1. Formação do campo municipal do patrimônio
A produção do patrimônio foi considerada nesta dissertação do ponto de vista de seu
uso como instrumento de identificação que transmite uma consciência de grupo e demarca as
fronteiras da identidade coletiva, ainda que a relação entre identidade e patrimônio se mostre
ambígua, constituindo uma “metalinguagem das políticas urbanas” (PEIXOTO, 2004, p.184).
A nomeação de elementos culturais como símbolos coletivos ocorre no interior de agências
estatais socialmente reconhecidas como legítimas e qualificadas para selecionar os bens
patrimoniais.18 Consequentemente, o processo de construção oficial do patrimônio não é
espontâneo, muito menos desprovido de finalidade. Nesse sentido, conforme Mendonça
(1995), o caráter de patrimonialidade relaciona-se aos envolvidos na nomeação dos bens
patrimoniais. Logo, os critérios de patrimonialização, assim como os valores associados aos
bens patrimoniais, se modificam conforme as concepções que direcionam a definição dos
sentidos dos bens culturais pelos agentes envolvidos com a preservação patrimonial.
A classificação de bens culturais é realizada por “agências do poder simbólico” e se
caracteriza como ato de forma enraizado nas concepções dos atores sociais responsáveis pela
patrimonialização (MENDONÇA, 1995, p. 75). O poder simbólico, segundo Bourdieu (2005,
p. 07), é um tipo de poder dissolvido nas relações e que é menos perceptível, “esse poder
invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Assim, as ações de patrimonialização
constituem-se em atos de construção de sistemas simbólicos que se distinguem conforme a
estrutura do campo de produção e o habitus dos agentes envolvidos no processo.
Portanto, os bens patrimoniais são definidos conforme critérios arbitrários, originados
nas aspirações dos atores oficiais que constroem o patrimônio (MENDONÇA, 1995). A
18
O conceito de agência, conforme Giddens (1989 apud TAMASO, 2007, p. 283), “não se refere às intenções
que as pessoas têm ao fazer as coisas, mas à capacidade delas para realizar essas coisas em primeiro lugar”.
Logo, agência implica poder. Essa noção distingue os atos de um agente das intenções desses atos, ao passo que
alerta para a importância de analisar os efeitos não intencionais derivados das ações intencionais dos agentes. A
intencionalidade das ações de conservação patrimonial, vinculadas à racionalidade e a motivação dos agentes,
distingue os valores e as apropriações dos bens culturais. Por outro lado, Tamaso (2007, p. 283) afirma a
relevância de investigar “não apenas sobre o que visaram os agentes locais da cultura e do patrimônio, mas
também as consequências impremeditadas de seus atos”.
61
valorização de determinados bens culturais materiais como patrimônio pauta-se no
compartilhamento do código necessário para a identificação de um estilo arquitetônico ou de
uma técnica construtiva, por exemplo, como símbolos da história urbana. Tais percepções são
produto do habitus dos profissionais dedicados à construção do patrimônio e análogas aos
valores que se busca realçar na construção da memória urbana. O habitus designa as
estruturas sociais subjetivas constituídas por meio das experiências adquiridas durante a
trajetória dos indivíduos (BOURDIEU, 2003). Pode ser entendido como o conhecimento
prático obtido, que resulta de uma ação organizadora e funciona como “princípio gerador e
estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente reguladas e
regulares” (BOURDIEU, 2003, p. 540).
Nessa perspectiva, a patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de Setembro
constitui-se como processo de construção de um sistema simbólico e de apropriação da
cultura itabiritense oficializado pelo campo municipal do patrimônio e motivado pelo habitus
dos atores institucionais da preservação cultural. O argumento central dessa afirmação referese ao entendimento de que a valorização dessas vias como símbolos da história e da
identidade itabiritense fundamenta-se em interpretações sobre o sítio colonial urbano que se
desenvolveram a partir da organização de uma “nova cidade” nas áreas planas. Diante da
modernidade das novas ruas e edificações, assim como dos serviços que chegaram à cidade no
final do século XIX, como o transporte ferroviário, as fábricas de tecido e a usina siderúrgica,
foram construídas narrativas sobre o passado local materializado na região do Arraial de
Itaubira. Os discursos sobre a modernidade urbana em contraposição aos vestígios da
fundação da cidade, registrados nas obras de memorialistas locais (SILVA, 1996; SOUZA,
2004; SOUZA, 2009) e nas posteriores narrativas da preservação patrimonial, se orientaram
no sentido de atribuir ao espaço um valor histórico, enfatizando sua significação como marco
simbólico do surgimento da cidade. Logo, esse valor tradicional conferido às antigas ruas foi
legitimado pela ação dos intelectuais que participaram do “polo erudito” que iniciou as
discussões sobre a preservação de bens culturais da cidade (CAVALCANTI, 2006) e
participaram da organização do campo do patrimônio municipal.
Em 1989 foi criado o CCMPHAI, órgão de caráter consultivo com composição
paritária de auxílio ao governo municipal na proteção do patrimônio cultural de Itabirito. A
criação do Conselho de Patrimônio se relaciona à promulgação da Constituição Federal de
1988 e a emergência de novas prerrogativas às instâncias de poder, como a proteção ao
patrimônio cultural pelos municípios “com a colaboração da comunidade” (BRASIL, 2010).
Além disso, a participação municipal na construção e gestão do patrimônio cultural foi
62
estimulada pelo IEPHA/MG em seu programa de descentralização da proteção do patrimônio
cultural iniciado em 1983 por meio do PAC – Programa de Atendimento às Comunidades.
A criação do CCMPHAI indica o primeiro movimento de institucionalização do
campo do patrimônio municipal. A razão de atribuir a institucionalização do campo do
patrimônio em Itabirito à fundação do Conselho reside na conceituação de patrimônio que
considera os bens patrimoniais como elementos cuja valorização é intermediada pelo Estado,
por meio de “agentes autorizados e de práticas socialmente definidas e juridicamente
regulamentadas” (FONSECA, 1994, p.31). Logo, a Comissão Municipal de Cultura não pode
ser pensada como grupo responsável pela institucionalização do campo municipal do
patrimônio, visto que no período de sua atuação o município de Itabirito não possuía
legalidade para a produção do patrimônio, o que era restrito às posições ocupadas pelo
IPHAN e IEPHA/MG na configuração do campo do patrimônio nacional.19
Por outro lado, a posição ocupada pela Comissão Municipal de Cultura no espaço
social itabiritense sugere que o grupo integrou a dimensão não institucional da proteção dos
bens culturais, dedicando-se à promoção das manifestações da cultura e às ações de
conservação das tradições e demais elementos culturais sem oficializar a proteção
patrimonial. Considero que os agentes envolvidos na dimensão não institucional da
preservação cultural são legitimados socialmente na definição das referências da ordem da
cultura (FONSECA, 1994). No entanto, esses atores não detêm o poder para nomear os bens
patrimoniais, considerando que a condição de patrimônio cultural é atribuída pelas agências
estatais constituídas por legislações específicas.
Atualmente, o campo do patrimônio nacional, pensando de forma abrangente, agrega
as arenas institucionais de salvaguarda dos bens culturais (federal, estaduais e municipais) que
são regularizadas juridicamente para instituir o acautelamento do patrimônio, mantendo
relações diretas com o campo do poder, além de atores não institucionais que participam das
discussões sobre a preservação cultural. As agências municipais de preservação patrimonial,
espaços fundados a partir da proposta de descentralização da proteção patrimonial,
19
De acordo com o Art. 216 da Constituição Federal de 1988, a proteção do patrimônio cultural é competência
comum da União, dos estados e dos municípios. No entanto, antes da reforma constitucional determinados
municípios brasileiros optaram por implementar políticas locais de preservação patrimonial, instituídas por bases
legais municipais, como Pelotas/RS, que possui legislação específica para a proteção do patrimônio desde 1982
(SILVA, 2006) e Uberlândia/MG, que instituiu a política municipal de preservação patrimonial em 1985
(GOULART, 2006). No entanto, a ampliação da participação dos municípios na preservação do patrimônio
cultural ocorreu após a Constituição Federal de 1988 e da imposição cogente do princípio da proteção imposta ao
poder público com a participação da comunidade. Em Minas Gerais a municipalização da proteção patrimonial
foi estimulada a partir de 1995 por meio do incentivo financeiro do ICMS Cultural.
63
inauguraram uma nova estrutura no campo do patrimônio nacional e se caracterizam como
“posição por construir, desprovida de qualquer equivalente no campo do poder” das cidades
(BOURDIEU, 1996, p. 95). Por sua vez, o campo do patrimônio municipal representa um
sub-campo no interior dos campos estadual e nacional, organizado a partir da conjuntura de
descentralização e municipalização da proteção ao patrimônio, compondo uma posição
relativamente subordinada no campo geral do patrimônio (FIGURA 28).
O campo do patrimônio
Espaço social nacional
CC+
CE-
CC+
CE+
Campo do patrimônio nacional
Posição dominante: IPHAN
Campo do patrimônio estadual
Posição dominante:Espaço
IEPHAsocial nacional
(Códigos do ICMS Cultural)
Sub-campo do patrimônio
municipal
Agência municipal (DMMP)
Campo do
poder
municipal
Membros do CONPATRI
Atores não especializados
CCCE-
CCCE+
FIGURA 28. Diagrama do campo do patrimônio.
Fonte: Elaborado pela autora , inspirada em Bourdieu (1996).
Legenda:
CC – Capital cultural
CE – Capital econômico
64
Embora a Comissão Municipal de Cultura tenha iniciado oficialmente as discussões
sobre a preservação da cultura local, a instituição da política municipal de proteção do
patrimônio e a criação do CCMPHAI estabeleceram a proteção efetiva dos bens culturais por
meio do estatuto do tombamento. Assim, a configuração atual do campo municipal apresenta
as seguintes posições determinadas: 1. a posição dominante, ocupada por agentes
especializados que compõem o quadro técnico da agência municipal de preservação
patrimonial (DMMP) e que se mantém alinhados ao campo do poder local e aos códigos do
ICMS Cultural; 2. a posição intermediária, formada por intelectuais, técnicos e agentes
culturais locais legitimados para atuarem no campo do patrimônio por meio da participação
no Conselho, alinhados ao campo do poder municipal e submetidos à agência municipal de
preservação patrimonial; 3. a dimensão não institucional, ocupada por atores sociais
envolvidos na área cultural, que não possuem conhecimentos sobre os códigos da proteção
patrimonial, e se interessam pela proteção de manifestações culturais específicas (tradições,
bens culturais da Igreja, entre outros) e que representam a posição de contraponto na
configuração do campo.
O CCMPHAI, órgão de assessoria ao Departamento de Cultura da Prefeitura
Municipal de Itabirito na preservação do patrimônio cultural do município, caracteriza a
posição inicial ocupada no interior do campo do patrimônio municipal e a partir da qual se
originaram as demais posições. Na primeira fase do campo, entendida como o período que
compreende a instituição da política municipal de preservação patrimonial, o Conselho
ocupava posição dominante em relação ao setor da prefeitura responsável pela gestão cultural
na cidade. Após a implementação do ICMS Cultural em 1996, conforme as atas do
CCMPHAI, os próprios membros do Conselho elaboravam a documentação enviada ao
IEPHA/MG anualmente e direcionavam a gestão do patrimônio municipal.
A posição ocupada pelos antigos componentes da Comissão Municipal de Cultura no
campo municipal do patrimônio, que corresponde à própria institucionalização desse campo,
se relacionou à aproximação entre esses agentes e o campo do poder local. Em decorrência
disso, os membros do CCMPHAI ocuparam a posição dominante no que se refere aos atos de
preservação patrimonial. Os integrantes do Conselho encontraram respaldo no espaço social,
legitimando-se politicamente na imposição de um discurso sobre o patrimônio baseado na
valorização da arquitetura colonial como símbolo da identidade itabiritense. Em relação aos
valores atribuídos ao patrimônio, como os ocupantes iniciais do campo foram os antigos
membros da Comissão Municipal de Cultural que partilhavam os valores tradicionais sobre os
65
elementos materiais representantes da cultura itabiritense, essas representações sobre a
história urbana foram legitimadas.
A partir de 2005, diante do novo arranjo administrativo da Prefeitura Municipal de
Itabirito, foi criado um setor municipal específico para a gestão do patrimônio, a DMMP,
responsável por conduzir os processos de patrimonialização e desenvolver a política
municipal de proteção ao patrimônio cultural, além de atender às diretrizes para participação
no ICMS Cultural. A partir desse reordenamento estrutural, o Conselho foi “subordinado à
Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo” e o cargo de presidente passou a ser
ocupado pelo secretário (ITABIRITO, 2006). Essa tomada de posição se relaciona ao domínio
do corpo técnico em relação à produção e gestão do patrimônio, aspecto influenciado pelo
significado do ICMS Cultural na organização do campo do patrimônio no município. A
posição dominante na atual configuração do campo passou a ser controlada por aqueles que
possuem maior capital cultural relacionado à preservação cultural em Minas Gerais,
dominando as diretrizes do ICMS Cultural, além de apresentar as condições materiais
necessárias para executar as ações de patrimonialização. Ao contrário, a posição intermediária
ocupada pelo CONPATRI é composta por membros que se mantém alinhados ao campo do
poder, mas não partilham o capital cultural envolvido na gestão do patrimônio. Ao se
associarem diretamente ao grupo político dominante, os conselheiros legitimam as diretrizes
propostas pela DMMP, sendo que a atuação do Conselho está atualmente relacionada ao
atendimento das demandas do corpo técnico da Prefeitura Municipal de Itabirito.
Além das posições institucionais ocupadas pelos agentes oficiais da preservação
(técnicos e membros do Conselho), observa-se uma posição não institucional no interior do
campo municipal. Esse espaço social é preenchido por agentes não especializados, mas
envolvidos com a proteção de manifestações culturais específicas que, no espaço social
itabiritense, apresentam baixo capital cultural relacionado às diretrizes para a preservação
patrimonial e insuficiente capital econômico no que se refere às condições materiais e
institucionais para promover as patrimonializações. É no interior dessa posição que localizo
atualmente o contraponto mais relevante no que se refere às disputas pela autoridade
patrimonial. O confronto se instala em torno do domínio do patrimônio e não indica a
contradição de valores associados às patrimonializações. O debate, ao contrário de questionar
as significações atribuídas ao patrimônio, circunda os mesmos valores de tradição e
autenticidade, sugerindo uma querela em torno da autoridade em nomear e gerir o patrimônio
sob as mesmas percepções.
66
Essa posição conflituosa no interior do campo é claramente representada na postura
assumida pelo responsável pela Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem que integra a
posição não especializada e não institucional do campo do patrimônio e busca assumir uma
posição tão ou mais relevante do que a agência municipal de preservação patrimonial. Um
exemplo dessa atitude de contestação à autoridade das dimensões institucionais do campo é a
compra de casarões coloniais no centro histórico pelas Obras Sociais da Paróquia de Nossa
Senhora da Boa Viagem com intenção de instalar uma rede de museus independentes da
administração municipal.
FIGURA 29. Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Fonte: Foto da autora. 2010
Visto que a eficácia do patrimônio se localiza nos efeitos simbólicos dos bens
patrimoniais sobre a formação da identidade coletiva, a patrimonialização implica na
imposição de representações a respeito do mundo social e na legitimação dos valores que
direcionam a produção do patrimônio. Assim, os parâmetros conceituais da preservação se
alteram de acordo com as conjunturas do Estado e dos grupos que procedem à nomeação do
patrimônio, sendo que as percepções sobre a cultura se diferenciam segundo o habitus dos
agentes e instituições, conforme discutido. No entanto, em Itabirito, o campo se apresenta
homogêneo em relação aos valores do patrimônio e a disputa, como exposto, ocorre em torno
da gestão patrimonial e da autoridade de agir em nome do patrimônio.
67
Apesar de os ocupantes das posições do campo compartilharem a percepção do
patrimônio como um valor, concordando que determinados elementos da cultura merecem a
perenidade por representarem a identidade cultural do município, ocorrem disputas em torno
da apropriação dos lugares de poder simbólico. Os agentes que detêm o monopólio do
patrimônio competem pela autoridade considerada legítima para enunciar a significação da
realidade social e atribuir diretrizes em relação ao uso do patrimônio. Portanto, a classificação
e a gestão do patrimônio estão imersas em conflitos pelo poder de consagração.
As tomadas de posição no campo do patrimônio pretendem reforçar a legitimidade do
poder de consagrar e atuar em nome do patrimônio. Contudo, os grupos disputam o
“monopólio da violência simbólica legítima”, traduzido no reconhecimento da competência
dos agentes e instituições em impor valores arbitrários aos bens culturais (BOURDIEU, 2005,
p.12). A legitimidade das normas de preservação e dos sentidos atribuídos aos bens
patrimonializados se forma no interior do próprio campo e se submete às relações objetivas e
à crença coletiva que distinguem determinados atores como qualificados para conceituar o
patrimônio.
Deste modo, por meio das formulações de Bourdieu (1996) a propósito dos
fundamentos da ciência das obras culturais, a reflexão sobre o patrimônio como produção
específica de um campo tem como objetivo evitar o “sociologismo redutor” e localizar os
agentes da patrimonialização em redes de relações objetivas. Além disso, a noção de campo
permite conhecer a estrutura dos processos de ruptura com a ordem simbólica do campo e a
formação de um novo estado da estrutura.
A autonomia destinada aos municípios pela reforma constitucional, no que se refere à
gerência do patrimônio cultural, implicou na institucionalização de campos municipais do
patrimônio, entendidos como sub-campos subordinados às arenas estadual e federal de
proteção ao patrimônio. Assim, o campo do patrimônio municipal de Itabirito não pode ser
dissociado de sua relação com o IPHAN e o IEPHA/MG que influenciaram o surgimento das
agências locais de preservação patrimonial. No caso de Minas Gerais, a municipalização da
proteção ao patrimônio estimulou a constituição de agências municipais de preservação
cultural, principalmente a partir da implementação do ICMS Cultural e submeteram os
campos locais às diretrizes para arrecadação do repasse financeiro. Assim, a estrutura atual do
campo do patrimônio no município de Itabirito se associa à operacionalização das diretrizes
para o repasse do ICMS Cultural destinado às municipalidades que atuam na preservação do
patrimônio.
68
A abordagem teórica orientada pelos conceitos de habitus e campo, pensando nas
implicações teóricas que tais definições admitem, ao contrário de conduzir a uma análise
pautada na ação de atores isolados na preservação patrimonial, situa a participação dos
sujeitos em um espaço estruturado que condiciona a atuação e as decisões nos processos de
patrimonialização.
Certamente, a postura teórica assumida nesta dissertação não se furtou à
problematização dos limites dos conceitos adotados diante da ausência de hegemonia na
interpretação coletiva do patrimônio (CANCLINI, 1994). Mesmo que os sentidos oficiais do
patrimônio, construídos no interior do campo municipal por agentes que dividem o mesmo
habitus, se relacionem à tentativa de definição de uma memória da/para a cidade, os bens
culturais imóveis presentes no cotidiano urbano são também geradores de sentido. Portanto,
outras significações sobre as ruas do Rosário e Sete de Setembro podem emergir diante de sua
presença no cenário da cidade, ultrapassando os sentidos institucionais. O que pretendo
destacar é que os valores patrimoniais conferidos pelos agentes oficiais da preservação podem
ser questionados em determinados contextos. Os significados oficiais do patrimônio são
capazes ainda de não adquirir ressonância na comunidade (GONÇALVES, 2007).20
Sobre situações em que ocorre a ausência de ressonância do patrimônio cultural,
recorro a informações recolhidas em ocasiões de realização de trabalhos técnicos na área de
preservação patrimonial que desenvolvo em cidades de diferentes regiões do estado de Minas
Gerais e que iluminaram a compreensão sobre o caso de Itabirito. Em muitas localidades,
percebo que os tombamentos, assim como os inventários de bens imóveis e os registros e
inventários de manifestações imateriais, são desconhecidos pela maioria da população. Nessas
situações, as patrimonializações e os valores associados aos tombamentos são do
conhecimento apenas dos conselhos de patrimônio, das secretarias de Educação ou Cultura e
das empresas de consultoria que desenvolvem os trabalhos para as prefeituras participarem do
ICMS Cultural.21 Logo, não ultrapassam a circunscrição do próprio campo.
Para Canclini (1994), as desigualdades na apropriação do patrimônio relacionam-se
aos distintos capitais culturais. Assim, não basta que o patrimônio seja divulgado e o acesso
aos bens culturais garantido aos diferentes grupos sociais. De acordo com o autor, a
20
“Por ressonância eu quero me referir ao poder de um objeto exposto atingir um universo mais amplo, para
além de suas fronteiras formais, o poder de evocar no expectador as forças culturais complexas e dinâmicas das
quais ele emergiu e das quais ele é, para o expectador, o representante” (GREENBLATT apud GONÇALVES,
2007, p. 215).
21
Existem poucos trabalhos sobre a temática do ICMS Cultural e o impacto do repasse financeiro na produção e
gestão do patrimônio cultural em Minas Gerais. Sobre o assunto ver Pereira (2003), Botelho (2006) e Goulart
(2006).
69
participação dos grupos nos processos de patrimonialização ocorre de forma desigual, assim
como a apropriação do patrimônio é mediada por capitais culturais acumulados de forma
diferenciada. Nesse sentido, os usos do patrimônio podem não se desenvolver baseados
apenas na reprodução do capital cultural dominante.
Os grupos sociais que não vislumbram seus interesses na patrimonialização de
determinados bens culturais podem questionar o “monopólio da violência simbólica
legítima”, traduzido no reconhecimento da competência dos agentes e instituições em impor
valores arbitrários aos bens culturais (BOURDIEU, 2005, p.12), posição representada nesta
dissertação pela atuação do responsável pela Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem. A
legitimidade das normas de preservação, assim como os sentidos que se formam no interior
do campo e são atribuídos aos artefatos patrimonializados, submete-se às relações objetivas e
à crença coletiva que atualmente distingue os especialistas como qualificados para conceituar
o patrimônio.
De maneira mais abrangente, o conceito de patrimônio foi ampliado após a
Constituição Federal de 1988, incluindo a diversidade de manifestações materiais e imateriais
representativas da identidade, memória e ação da sociedade brasileira.22 Tal fato indica a
tomada da posição oficial do campo por grupos antes destituídos da participação nessa esfera.
De acordo com Fonseca (2001, p. 111), “Indagações sobre quem tem legitimidade para
selecionar o que deve ser preservado [...] passaram a pôr em destaque a dimensão social e
política de uma atividade que costuma ser vista como eminentemente técnica.”
Por outro lado, em relação à política municipal de proteção patrimonial praticada em
Itabirito, ocorre a conservação de um discurso tradicional que valoriza os bens culturais a
partir de seus significados em relação à fundação colonial da cidade, ainda que a legislação
municipal se ampare na Constituição Federal na abrangência das categorias do patrimônio. Os
bens tombados retomam a formação do sítio urbano, exaltando a arquitetura praticada por
seus fundadores, ao passo que não destacam a participação de diversificados grupos sociais na
ocupação da área. Os intelectuais itabiritenses, ao lado de arquitetos e historiadores da equipe
técnica responsável pela patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de Setembro,
22
A Constituição Federal de 1988 define como patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem: I. as formas de expressão; II. os modos
de criar, fazer e viver; III. as criações artísticas, científicas e tecnológicas; IV. as obras, objetos, documentos (...)
destinados às manifestações artístico-culturais; V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” (BRASIL, 1988, art. 216).
70
enunciaram uma interpretação desses conjuntos que essencializa o aspecto residual dos bens
materiais nomeados guardiões da autenticidade do passado local (CANCLINI, 1994).23
A interpretação sociológica do campo do patrimônio evidencia que esse espaço social
institucionalizou valores sobre uma antiga região da cidade que passaram a circular na
sociedade local diante da renovação da paisagem urbana a partir do final de século XIX.
Porém, defendo que a valorização do núcleo urbano original como região histórica, antes da
institucionalização da preservação patrimonial, vincula-se às narrativas que destacam o
significado histórico dessa região. As obras de memorialistas locais, mesmo publicadas a
partir da década de 1990, trazem as impressões sobre as mudanças ocorridas no espaço urbano
desde o início do século XX e a significação da parte antiga cidade como espaço histórico
(SILVA, 1996; SOUZA, 2004; SOUZA, 2009). Além disso, a ressonância do discurso de
preservação patrimonial em Itabirito foi influenciada pela proximidade com a cidade de Ouro
Preto, declarada patrimônio nacional desde 1938, e pelos tombamentos realizados pelo
SPHAN e IEPHA no município.
3.2. Atuação do campo do patrimônio na produção dos símbolos urbanos
Entre as iniciativas de descentralização da proteção patrimonial, destaca-se o acordo
firmado pelos governadores dos estados brasileiros, através dos documentos conhecidos como
Compromisso de Brasília (1970) e Compromisso de Salvador (1971), que apontam para a
formulação de legislações e criação de instituições de preservação do patrimônio no âmbito
dos estados e municípios. Em Minas Gerais, a atuação do governo estadual na preservação do
patrimônio efetivou-se em 1971, pela Lei nº 5.775, que fundou o IEPHA/MG (MINAS
GERAIS, 1971).
A finalidade do IEPHA/MG, definida no artigo 3º da Lei nº 5.775/71, é “exercer
proteção, no território do Estado de Minas Gerais, aos bens móveis e imóveis, de propriedade
pública ou privada, de que trata o Decreto Lei nº 25 de 1937.” (MINAS GERAIS, 1971). A
partir da criação do órgão estadual, formulou-se a política de proteção do patrimônio de
23
Segundo definição de Canclini (1994, p. 109), o processo de desenvolvimento social do patrimônio demanda
diferenciar em seu interior o que é arcaico, residual e emergente. O arcaico refere-se aos artefatos que pertencem
ao passado e são revividos no presente de modo especializado. Os bens residuais, ao contrário, se formaram no
passado, mas se encontram em atividade nos processos culturais. Por fim, o termo emergente designa novos
significados e valores, associados a novas práticas sociais.
71
Minas Gerais, executada através do corpo técnico composto por historiadores, arquitetos,
restauradores, engenheiros e demais profissionais envolvidos na salvaguarda e divulgação do
acervo cultural do estado, considerado significativo para todo o país.
Atualmente, o IEPHA/MG desenvolve ações de identificação, registro e proteção do
acervo cultural de Minas Gerais, além de fiscalizar os bens tombados, estimular o estudo, a
pesquisa e a promoção de cursos e a publicação de trabalhos sobre o patrimônio cultural,
executar obras de conservação e restauração dos bens tombados, auxiliar os municípios na
criação dos mecanismos legais de proteção do patrimônio, assim como estimular os
municípios nas atividades de planejamento urbano, buscando equilibrar preservação e
desenvolvimento.
As atitudes do IEPHA/MG são orientadas pela noção de patrimônio como o conjunto
dos bens culturais que representam a identidade coletiva, que são portadores de valor histórico
e social e poderão ser herdados pelas gerações futuras. O conceito de patrimônio agrega os
conjuntos urbanísticos e as variadas manifestações de grupos e épocas distintas, contrapondose à ideia de monumento que marcou o início da política de preservação no Brasil. Sua
atuação recai sobre os elementos culturais materiais móveis e imóveis e, com a publicação do
Decreto nº 42.505/02, incorporou a proteção aos bens imateriais do povo mineiro, instituindo
os livros de registro das manifestações intangíveis, conforme os livros estabelecidos pelo
IPHAN (MINAS GERAIS, 2002).
Em 1983, o IEPHA/MG iniciou o PAC – Programa de Ação com as Comunidades,
com o objetivo de inserir as localidades mineiras no processo de reconhecimento e proteção
do patrimônio. No entanto, não foi registrada a relação direta entre a criação da Comissão
Municipal de Cultura e, especificamente, da Subcomissão de Patrimônio Histórico e Artístico,
com a política de descentralização do IEPHA/MG, ainda que não possam ser desconsiderados
os intercâmbios entre a entidade municipal e o órgão estadual de preservação patrimonial. O
PAC foi estruturado a partir da seguinte concepção:
A condição necessária, para que este modo de atuação funcione plenamente, é a de
que as comunidades locais possam se assenhorear, não apenas de seus valores
culturais, mas também, dos tributos que lhes escapam das mãos [...] Deste modo, a
criação e o desenvolvimento de entidades locais, encarregadas pelo patrimônio local e
sustentadas pelas próprias comunidades, aparece como variável estratégica, capaz de
equacionar o problema da deterioração do acervo cultural de Minas. Uma das metas
fundamentais da Política de Atuação com as comunidades do IEPHA/MG é,
precisamente, fomentar a criação e o desenvolvimento daquelas entidades. Neste
sentido, cumpre-lhe oferecer às comunidades locais subsídios para que possam se
organizar de modo adequado. (IEPHA/MG, 1983)
72
Desta forma, a partir do PAC os municípios receberam do órgão estadual as
informações necessárias para a fundação de entidades locais de preservação cultural. Para
orientar as entidades municipais, a Superintendência de Desenvolvimento e Promoção do
IEPHA/MG publicou um caderno técnico no início da década de 1980 que buscou divulgar
conceitos e diretrizes para a proteção municipal do patrimônio. No entanto, as principais
modificações no projeto de municipalização da gestão dos bens culturais ocorreram a partir da
implementação do ICMS Cultural em 1995. Nesse ano, inúmeros municípios mineiros
criaram os conselhos de patrimônio e iniciaram ações municipais de preservação dos bens
culturais sem, no entanto, promover tombamentos.
Em Itabirito, a primeira lei de proteção ao patrimônio cultural data de 1989, época de
fundação da política municipal de proteção do patrimônio cultural e criação do CCMPHAI.
Para a composição do Conselho, a diretoria da Divisão Municipal de Cultura da época
recorreu aos antigos membros da Subcomissão de Patrimônio Histórico e Artístico, tendo a
antiga coordenadora desse grupo assumido a presidência do Conselho recém-criado. A
instrumentalização dos municípios para o desenvolvimento local da proteção dos bens
culturais insere-se no contexto mais amplo de desenvolvimento de estratégias da gestão
descentralizada disseminada pela Constituição Federal de 1988. Assim, considera-se que o
Conselho de Patrimônio de Itabirito se caracteriza como uma das experiências iniciais em
relação à municipalização do patrimônio em Minas Gerais, pensando em sua imediata
organização após a reforma constitucional e a instituição do princípio da participação popular
na salvaguarda dos bens culturais (MIRANDA, 2009).24
Não foi possível analisar as atas e demais documentos produzidos nos primeiros anos
de atuação do CCMPHAI, visto que os livros datados entre 1989 e 1998 desapareceram nos
processos de alternância de governos municipais que ocorreram nesse período. Nesse sentido,
pode-se inferir sobre os dissabores da vinculação direta e incondicional entre o órgão de
preservação patrimonial e as administrações municipais, lembrando que a estrutura de
24
Não localizei referências sobre quantos conselhos de patrimônio foram criados nos municípios mineiros logo
após a reforma constitucional de 1988, visto que o IEPHA/MG registra os dados sobre as políticas municipais de
proteção patrimonial a partir do ICMS Cultural. Assim, a sistematização das informações referentes aos órgãos
municipais de preservação cultural no estado demandaria um tempo de análise inexistente para esta pesquisa. No
entanto, localizei referências sobre a fundação do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Cultural de Uberlândia (COMPHAC) em 1987 (GOULART, 2006). Na região de Itabirito, o
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte foi criado em 1984 (ARROYO, 2004). Em
Ouro Preto, a política municipal de proteção patrimonial data de 1990, sendo que a criação do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural se encontra prevista na Lei Orgânica do município
promulgada no mesmo ano. No entanto, o referido Conselho foi regulamentado em 2002, visando a efetivar a
política municipal de preservação do patrimônio, objetivando adequá-la às determinações do IEPHA/MG para a
participação no ICMS Cultural (PEREIRA, 2003).
73
funcionamento do Conselho, desde sua criação, é mantida pela Prefeitura Municipal de
Itabirito, assim como a documentação produzida se mantém sob a guarda da administração
pública municipal. Logo, a memória das primeiras pautas de discussões do Conselho
permanece apenas nas narrativas dos ex-integrantes do grupo e na legislação criada para a
proteção patrimonial na localidade.
O marco inicial da política de proteção patrimonial do município de Itabirito foi a
proteção isolada de imóveis coloniais situados no perímetro do atual centro histórico,
sobretudo na Rua do Rosário. O instrumento do tombamento foi adotado para demarcar
inicialmente os bens imóveis consagrados como símbolos da história urbana e da memória
coletiva. Os primeiros tombamentos foram feitos em 1992 e privilegiaram imóveis
possivelmente erguidos no século XVIII, valorizando os resíduos materiais do passado
colonial da cidade.
O Decreto nº 1.716/92 instituiu o tombamento de sete bens imóveis urbanos, entre os
quais se destacam as ruas do Rosário e Sete de Setembro, além de uma edificação particular
situada nessa primeira via (ITABIRITO, 1992). Na ocasião, não foram elaborados dossiês de
tombamento, sendo a proteção conduzida pela ficha de inventário, entendida na época como
instrumento que permitia o conhecimento necessário para os tombamentos. Nas fichas das
ruas citadas, valoriza-se a autenticidade das vias como representantes materiais do passado
colonial, no que se refere ao processo de construção de uma memória do tempo pretérito.
Atribuiu-se um valor de autenticidade aos bens patrimoniais, sobretudo àqueles situados nas
ruas do Rosário e Sete de Setembro, tendo a época colonial se tornado paradigmática para os
processos de proteção patrimonial do campo de patrimônio em Itabirito. Como afirma Chuva
(2006, p. 295),
Ainda que tenha se dado uma ampliação significativa do campo da preservação
cultural ao longo do século XX – com inúmeras apropriações dessa matéria e
chegando mesmo a uma recente divisão entre patrimônio material e imaterial –, a
autenticidade como um valor permanece atual e capaz de determinar os rumos das
políticas públicas voltadas para a preservação cultural.
Salienta-se que, no primeiro ato de tombamento das ruas do Rosário e Sete de
Setembro, as vias não foram consideradas como conjuntos urbanos, incluindo seus imóveis e
estruturas urbanísticas. O tombamento referiu-se aos trechos viários propriamente ditos, tanto
que entre os moradores da área a salvaguarda circunscreve-se especificamente à pavimentação
antiga, autêntica, já que na época não foi incluída na legislação a noção de conjunto, definida
conforme a Recomendação de Nairóbi como
74
[...] todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos
e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano
quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista
arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sociocultural.
(UNESCO, 1976, p. 03).
No ano de 1995, dando continuidade às ações de patrimonialização do sítio colonial
urbano, o CCMPHAI aprovou o tombamento isolado de uma edificação situada na Rua Sete
de Setembro. A salvaguarda desse imóvel poderia ser interpretada como mais uma das ações
no interior da política municipal de patrimônio cultural. No entanto, o tombamento foi
requerido pelo proprietário da edificação, segundo ele, influenciado por uma moradora da
região que teve seu imóvel tombado em 1992. O motivo para o pedido do tombamento esteve
associado à expectativa de que o governo municipal contribuísse para a conservação física do
imóvel. Porém, o único benefício conquistado foi a isenção do IPTU concedido aos
proprietários de imóveis tombados.
Outra solicitação de tombamento ocorreu em 1998. Nessa ocasião, os proprietários de
um imóvel situado na Rua do Rosário protocolaram na Prefeitura Municipal o pedido de
salvaguarda da edificação que não fora contemplada nos tombamentos anteriores. Nesse caso,
tem-se novamente a motivação para a patrimonialização relacionada a razões que extrapolam
a valorização do imóvel como símbolo da arquitetura e das formas pretéritas de uso e
ocupação do espaço urbano. A entrevista com os donos do imóvel revelou que eles
pretendiam resolver uma querela com o morador do primeiro pavimento e que divide a
propriedade do local com os moradores do segundo andar (FIGURA 30). Com objetivo de
evitar a construção de um acréscimo na lateral do imóvel, o que anularia a visibilidade lateral
do andar superior, o tombamento dessa edificação foi solicitado ao Conselho de Patrimônio e
conduzido pela equipe técnica contratada pela Divisão de Cultura.
Local onde seria
erguido o acréscimo.
FIGURA 30. Casarão na Rua do Rosário.
Fonte: Foto da autora. 2010.
75
Os exemplos apresentados sobre as solicitações de tombamentos no decorrer dos anos
1990 podem ser lidos por meio de duas vertentes relacionadas às intenções dos moradores de
imóveis tombados e à disseminação do discurso de preservação patrimonial na cidade. Os
pedidos de salvaguarda dos imóveis pautam-se no caráter utilitário do patrimônio que
motivou as demandas de tombamento, sendo que nos casos citados os processos se vinculam
aos interesses particulares dos moradores das casas tombadas, seja para resolver conflitos
familiares ou para conquistar ajuda na conservação do imóvel. Por outro lado, as solicitações
de tombamento apontam para a ressonância da política municipal de proteção patrimonial e
do próprio campo do patrimônio na cidade. Logo, os valores e percepções em relação ao sítio
colonial urbano, divulgados pela Comissão Municipal de Cultura e oficializados pelo
Conselho de Patrimônio, se difundiram em Itabirito.
A rotina do Conselho até 1998 não pôde ser apreciada por meio de atas e
correspondências produzidas pelo órgão, pois, como exposto, essa documentação se perdeu
nas mudanças de equipe técnica da Prefeitura Municipal. No entanto, as atas do CCMPHAI
após 1998 evidenciam que os agentes oficiais da preservação, além de conduzirem os
tombamentos e administrarem as diretrizes da proteção patrimonial, mantinham na cidade
algumas atividades de educação patrimonial. Entre as ações de promoção do patrimônio,
destaca-se a retomada, em 1991, da exibição dos slides e da narrativa de valorização dos bens
culturais realizada pela Comissão Municipal de Cultura em 1985. Além disso, foi
desenvolvido pelo Conselho, em parceria com Divisão Municipal de Cultura, um projeto de
identificação, catalogação e exposição de fotos antigas da cidade. Posteriormente, foi
promovido o projeto Café com Memória, evento que consistia em reuniões do Conselho em
diferentes espaços públicos da cidade com o objetivo de integrar a população aos trabalhos de
preservação patrimonial.
A ocorrência de discursos de preservação cultural antes da formação do campo do
patrimônio na cidade, e que contribuíram para a organização desse espaço social estruturado,
pode estar relacionada à atuação no município dos órgãos federal e estadual de proteção
patrimonial. A influência do IPHAN na cidade pode analisada a partir da proximidade de
Itabirito com a cidade de Ouro Preto, situada a apenas 48 quilômetros de distância, o que
possibilitou a identificação entre a arquitetura colonial da cidade e o sítio urbano de Ouro
Preto reconhecido como monumento nacional em 1933 e tombado em 1938. Além disso, a
política patrimonial do órgão federal se faz presente na sede municipal desde 1955, ano de
tombamento da Capela de Nossa Senhora do Rosário (FIGURA 31). Na zona rural, a atuação
do antigo SPHAN é anterior ao tombamento realizado na cidade, fato inusitado devido aos
76
poucos tombamentos em áreas rurais promovidos pelo órgão. No ano de 1953, a Igreja de São
Vicente Ferrer (FIGURAS 32 e 33), localizada na comunidade de Morro de São Vicente, foi
inscrita no Livro de Belas Artes. A edificação desmoronou e em seu lugar foi erguido em
novo templo em 1960, sem que o tombamento federal fosse revogado.
FIGURA 31. Capela de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: www.itabiritocultural.com.br
FIGURAS 32. Antiga configuração da Igreja de São Vicente Ferrer
Fonte: DMMP/ PMI. s/d.
77
FIGURA 33. Fachada atual da Igreja de São Vicente Ferrer.
Fonte: DMMP/ PMI. 2009.
Em relação ao IEPHA/MG, o único tombamento conduzido pelo órgão estadual de
proteção ao patrimônio histórico no município refere-se ao Pico de Itabirito, tombado em
1989 no texto da Constituição do Estado de Minas Gerais. A mesma área havia sido tombada
em 1962 pelo SPHAN, mas o processo foi desfeito em 1965 para a instalação de uma empresa
mineradora nas adjacências do maciço rochoso. De acordo com um ex-integrante da
Comissão Municipal de Cultura, primeira instituição dedicada à preservação cultural na
cidade, o tombamento e posterior destombamento do Pico mobilizou a população local em
torno de sua preservação. A noção de salvaguarda dos bens culturais e naturais, além da
atribuição de valor simbólico aos mesmos, ganhou notoriedade em Itabirito diante da
possibilidade de o Pico ser moído e exportado. Na sessão do Senado Federal de 17 de junho
de 1965, durante as discussões sobre o Acordo de Garantias de Investimentos assinado em
Washington entre o governo do Brasil e dos Estados Unidos, o senador José Ermírio de
Moraes proferiu o seguinte trecho em seu discurso, indicando a indignação de representantes
da comunidade de Itabirito em relação à mineração no Pico e assinalando um conflito
associado ao destombamento.
[...] estou tomando ciência, estarrecido, da decisão do Senhor Presidente da
República de entregar a essa firma norte-americana [HANNA], através de sua
associada Nova-Limense, o Pico de Itabirito, em Minas Gerais, para ser reduzido a
minério exportável, assim destruindo-se um marco indelével de nosso passado, um
monumento histórico até aqui protegido pelo tombamento do "Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional". Quando, na qualidade de Presidente do
Diretório Nacional do PTB, estive em Belo Horizonte, acompanhando os trabalhos
de sua Convenção Regional, tive oportunidade de receber comovente apelo de
78
representantes do município de Itabirito, todos inconformados com essa decisão
governamental [...]. Com o que não posso concordar, na qualidade de representante
do povo, é com o significado dessa autorização, no sentido de crescente aumento de
facilidades às empresas estrangeiras, que vão proliferar aqui dentro, por todos os
processos, a começar pelo de cissiparidade, e que depois representarão quistos
dificilmente extirpáveis. (MORAES, 1966, p.50).
FIGURA 34. Pico de Itabirito e cava explorada pela mineradora VALE.
Fonte: Foto de Luis Fernando dos Santos Clímaco. 2007.
3.3. Nova rotina na produção do patrimônio: o ICMS Cultural
A partir de 1995, as atividades do campo municipal do patrimônio adquiriram novos
contornos, sobretudo pela implementação do repasse da cota-parte do ICMS que se tornou
conhecida como ICMS Cultural ao destinar recursos financeiros aos municípios que
desenvolvem políticas de preservação cultural. Seguindo as diretrizes da Constituição Federal
de 1988, foi promulgada em Minas Gerais a Lei nº 12.040/95, conhecida como Lei Robin
Hood por redistribuir entre os municípios parte do ICMS arrecadado pela receita estadual. A
partir dessa lei foram definidas as normas para o repasse da parcela do benefício destinada aos
municípios, destacando-se o critério da preservação do patrimônio, explicitado no artigo 1º:
[...] VII – patrimônio cultural: relação percentual entre o índice de Patrimônio
Cultural do Município e o somatório dos índices para todos os municípios,
fornecida pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – IEPHA – da
Secretaria de Estado da Cultura, que fará publicar, até o dia 30 de abril de cada ano,
os dados apurados relativos ao ano civil imediatamente anterior, observado o
disposto no Anexo III desta Lei. (MINAS GERAIS, 1995).
79
O IEPHA/MG tornou-se o responsável pela definição dos critérios de distribuição do
recurso tributário aos municípios, além de estabelecer a metodologia de pontuação dos
participantes. Em 2000, foi aprovada a Lei nº 13.803, que substituiu a Lei Hobin Hood, mas
não alterou o critério referente ao ICMS Cultural. A partir de 1996, registra-se o aumento da
participação dos municípios mineiros na distribuição do recurso (TABELA 1).
TABELA 1
Municípios pontuados no ICMS Cultural
Exercício
Número de municípios pontuados
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
106
122
167
233
186
218
335
351
457
392
586
629
660
645
705
712
703 municípios apresentaram a
documentação em janeiro de 2011
Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir das informações fornecidas pelo IEPHA/MG.
É oportuno ressaltar que Minas Gerais possui 853 municípios. Desses, 82,4%
entregaram em 2011 a documentação para o rateio do ICMS Cultural25, indicando que a
municipalização da preservação patrimonial promovida pelo IEPHA/MG alcançou êxito no
que se refere à implantação de políticas locais de proteção aos bens culturais, incluindo a
criação de legislações municipais específicas, atuação dos conselhos, elaboração e
cumprimento do IPAC – Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais,
realização de tombamentos e registros, elaboração e execução de um programa de educação
patrimonial, além de investimentos financeiros nos bens patrimoniais visando à sua
conservação.
25
Os relatórios e demais documentos enviados pelos municípios ao IEPHA no ano de 2011 referem-se às
atividades executadas pelas municipalidades durante 2010. O repasse financeiro que é estipulado a partir das
pontuações divulgadas pelo IEPHA chegará aos cofres públicos no ano posterior, ou seja, no decorrer do
exercício 2012. O valor do ponto no ICMS Cultural varia conforme a arrecadação total do ICMS pelo estado. No
entanto, tem-se um valor médio entre 10 a 20 mil por ponto obtido.
80
Em relação a queda do número de municípios participantes do ICMS Cultural no
intervalo 1999/2000, tal fato pode estar relacionado à mudança das diretrizes do IEPHA para
a participação no rateio. Em 2000, para receber a pontuação referente ao atributo PCL –
Política Cultural Local, os municípios deveriam comprovar o funcionamento dos conselhos de
patrimônio por meio de cópias das atas de reuniões, além de enviar relatórios de
investimentos no setor cultural, comprovar a atuação das equipes técnicas e apresentar, pela
primeira vez, as fichas de inventário de proteção do acervo cultural. Assim, infere-se que
muitos municípios deixaram de participar do ICMS Cultural por não se adequarem às
solicitações do IEPHA/MG. No período entre 2004 e 2005, a queda no número de municípios
pontuados pode basear-se no fato de que em 2005 novas administrações assumiram os
governos municipais e não conseguiram estruturar a documentação para o recebimento do
repasse financeiro.
No entanto, os números do ICMS Cultural não podem ser interpretados como
parâmetro para mensurar a conservação do patrimônio cultural mineiro, visto que muitos bens
patrimoniais não existem mais ou não recebem investimentos diretos para sua conservação.26
O que busco demarcar é a dicotomia entre a patrimonialização, pensada como o processo de
atribuição de valor patrimonial aos bens culturais, incluindo o estatuto do tombamento, e a
conservação do patrimônio. Essa afirmação é pautada em observações que tenho feito nos
diversos municípios mineiros que possuem políticas de patrimônio orientadas para o
tombamento de bens materiais e imateriais sem desenvolveram ações concretas de
conservação dessas manifestações culturais.
Ainda existindo os citados percalços, a partir da criação do ICMS Cultural foram
desenvolvidas nos municípios de Minas Gerais importantes ações de valorização e promoção
dos bens culturais locais. A contradição do ICMS cultural assenta-se no fato de que, para a
obtenção do recurso financeiro, as localidades instituem políticas de preservação
fundamentadas apenas no cumprimento das exigências do IEPHA/MG. Assim, em muitos
municípios, as ações de patrimonialização são motivadas exclusivamente pela arrecadação da
parcela do ICMS necessária aos cofres públicos. Os tombamentos são definidos pelos agentes
oficiais da preservação e, não raro, apenas os envolvidos no campo do patrimônio
(considerando-se as posições institucionais existentes nos campos municipais) dividem o
conhecimento sobre os valores associados aos bens patrimoniais.
26
De acordo com relação divulgada pelo IEPHA/MG, existem no estado de Minas Gerais 3867 bens culturais
tombados ou registrados, incluindo todas as categorias, sendo 234 pelo IPHAN, 39 pelo IEPHA/MG e 3594
pelos municípios (IEPHA/MG, 2010).
81
Em inúmeros municípios mineiros, apesar dos governos formalizarem as políticas
locais de patrimônio, a condução das atividades e a atribuição de valor aos bens são definidas
por empresas contratadas pelas prefeituras para a elaboração da documentação para o ICMS
Cultural. O que se nota é a formação de um mercado do patrimônio, entendendo-se como
mercado o contexto de oferta de serviços das empresas de consultoria que disputam a
execução da política patrimonial das localidades mineiras. Logo, não me refiro ao patrimônio
como recurso econômico, conforme discutido por Vicente (2009), mas pensando nas
patrimonializações como produtos comercializados em Minas Gerais. As empresas, portanto,
vendem os serviços necessários para que os municípios aumentem a receita advinda do ICMS
Cultural.
No caso de Itabirito, a dimensão institucional do campo do patrimônio vinculou-se ao
ICMS Cultural desde a implementação do repasse financeiro no exercício de 1996, quando o
município recebeu quatro pontos do IEPHA/MG, o que se repetiu em 1997. Na época, foram
privilegiadas as localidades que possuíam bens tombados pelo IPHAN e IEPHA/MG, quando
foram pontuados os tombamentos do Pico de Itabirito e da Capela de Nossa Senhora do
Rosário. Nos exercícios de 1998 e 1999, o município recebeu o repasse referente a dez pontos
conquistados devido aos tombamentos municipais realizados nos anos de 1992, 1995 e 1998.
Esses processos foram apresentados ao órgão estadual junto à documentação encaminhada em
abril de 1997 e 1998 (IEPHA, 2010).
A influência do ICMS Cultural na atuação institucional do campo do patrimônio em
Itabirito apresenta-se recorrente nas atas das reuniões do CCMPHAI após 1998, época inicial
das atas localizadas na pesquisa documental. Os registros das reuniões trazem com frequência
relatos afirmando a necessidade do funcionamento do Conselho para o recebimento do
repasse, assim como discussões sobre as pontuações auferidas para as diferentes categorias de
bens tombados. As seguintes citações ao ICMS Cultural exemplificam seu significado para o
Conselho de Patrimônio em diferentes épocas
[...] falou-se da importância do Conselho de Patrimônio, da Lei Robin Hood e do
repasse do ICMS [...]. (CCMPHAI, 1998).
[...] Também sugeriu fazer tombamentos de bens móveis a fim de ganhar mais
pontos para o exercício de 2003. (CCMPHAI, 2001).
[...] falou da necessidade de reestruturação do Conselho e que só vai aguardar passar
este momento importante da confecção da documentação para o IEPHA e logo em
seguida vai solicitar ao executivo a substituição de alguns conselheiros em função de
suas tímidas participações [...]. (CCMPHAI, 2003).
82
[...] avisou que os inventários de Acuruí [zona rural do município], segundo o
cronograma, seriam elaborados no ano de 2006 para serem entregues ao IEPHA em
2007, mas foi antecipado para este ano devido ao processo de descaracterização dos
imóveis no distrito. Em já se possuindo o inventário destes imóveis, seria pertinente
o tombamento do distrito como Núcleo [Histórico], o que todos os conselheiros
aprovaram. (CCMPHAI, 2005).
Para o exercício de 2000, atendendo a Resolução 01/97 do IEPHA/MG para concorrer
aos pontos referentes ao PCL, os municípios deveriam expor o funcionamento dos conselhos
de patrimônio e a atuação das equipes técnicas, além de enviar os inventários do acervo
cultural. Diante da ausência dos inventários e da falta de uma equipe técnica permanente, a
Prefeitura Municipal de Itabirito regrediu na pontuação e recebeu apenas sete pontos, que
subiram para oito em 2001.
A elaboração do IPAC de Itabirito ocorreu em 2001, quando o município foi dividido
em dezesseis seções e os imóveis dessas áreas começaram a ser inventariados, seguindo um
cronograma que se estende até 2013. Para o exercício de 2002, a Resolução 01/2000 alterou a
distribuição da pontuação e estabeleceu valores percentuais distintos para os critérios
exigidos, avaliando isoladamente a entrega de dossiês e laudos dos bens tombados, as ações
de investimento em bens culturais e a execução do plano de inventário. Nesse contexto, o
município teve pontuação de 7,04. Em 2003, novas mudanças ocorreram em função da
Deliberação 01/2002, e o município recebeu 7,55 pontos e 5,4 em 2004. A elaboração dos
relatórios enviados ao IEPHA/MG foi realizada até 2004 por consultorias especializadas na
atividade ou técnicos voluntários da cidade envolvidos com o campo do patrimônio. Até
2005, a Prefeitura Municipal não possuía um setor especifico para gerenciar o patrimônio
cultural, assim como a atuação do CCMPHAI ocorreu de forma desarticulada, conforme se
verificou nas atas.
O ano de 2005 representou o início de uma nova fase na política municipal de
preservação do patrimônio cultural em Itabirito e a tomada de posição no interior do campo
pela agência municipal de preservação patrimonial que assumiu a posição dominante na
gestão patrimonial. A eleição do candidato a prefeito Waldir Silva Salvador de Oliveira Júnior
(PSDB), que havia administrado a cidade entre 1989 e 1992, significou a retomada de ações
que não foram alvo direto dos governos anteriores. Ao assumir o governo, o novo prefeito
rearticulou a estrutura de funcionamento da administração pública pela criação de novas
secretarias e da organização de equipes técnicas em diversos setores. Entre as secretarias
formadas por essa administração destaca-se a Secretaria de Patrimônio Cultural e Turismo,
que teve como missão fomentar a preservação do patrimônio cultural e a prática turística no
83
município como estratégias para o desenvolvimento local. O quadro de funcionários do setor
contemplou técnicos em turismo, historiadores, arquitetos e administradores, atuantes na
Diretoria de Turismo, Divisão de Ação Cultural e Divisão de Memória e Patrimônio,
responsáveis pela gestão dos bens culturais de Itabirito, incluindo a elaboração dos relatórios
para o ICMS Cultural.
Assim, o campo do patrimônio apresentou a partir de 2005 uma atuação diretamente
relacionada ao ICMS Cultural, valorizando as pesquisas sobre a história local para a
composição dos novos processos de tombamento e da revisão dos documentos de salvaguarda
produzidos anteriormente, visando adequá-los aos parâmetros do IEPHA/MG. No entanto,
não ocorreram alterações nos sentidos atribuídos aos bens patrimoniais, mantendo-se as
noções de tradição e originalidade dos elementos definidos como símbolos da história urbana.
Em 2005, ano da delimitação do sítio histórico da cidade, foi revogada a Lei nº
1.506/89 e promulgada a Lei nº 2.455/05, que estabeleceu novos parâmetros para a proteção
dos bens culturais de Itabirito, incluindo a defesa dos bens naturais.27 A mesma legislação
criou o CONPATRI, em substituição ao Conselho fundado em 1989 (CCMPHAI), ressaltando
a proteção dos bens imateriais.28 No artigo 8º foram determinados quatro livros de tombo,
conforme os existentes no IPHAN e IEPHA/MG, destacando-se a inclusão de registros de
bens ecológicos no livro do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Como posição
intermediária, o CONPATRI, conforme a Lei nº 2429/06, foi criado como “órgão de
assessoramento ao Executivo Municipal” submisso à SEMCULT (ITABIRITO, 2006). Essa
configuração do campo municipal do patrimônio ainda se mantém na localidade.
A aprovação do Plano Diretor Municipal em 2005 e o estabelecimento das ZEIH
representa uma nova perspectiva sobre a salvaguarda dos bens imóveis urbanos.29 As regiões
de ocupação antiga da sede de Itabirito e dos distritos rurais foram demarcadas e consideradas
símbolos da história local. As intervenções nestes espaços passaram a ser regulamentadas por
diretrizes estabelecidas pelo CONPATRI e COMPURB.
Tais ações expressam a legitimidade da agência de preservação patrimonial de Itabirito
na nomeação e gestão do patrimônio cultural local. No entanto, a licitude e a própria
concretização da posição institucional no interior do campo relacionam-se à sua vinculação
27
A Lei nº 2.455/05 foi revogada e substituída pela Lei nº 2.494/06 que alterou as competências do conselho de
patrimônio, atestando seu caráter deliberativo.
28
Apesar de instaurar a preservação dos elementos culturais intangíveis, não foram determinados livros para o
seu registro, o que ocorreu apenas com a Lei nº 2.568/07, sendo que o primeiro bem imaterial, o modo de fazer o
Pastel de Angu, foi registrado pelo município em 2010.
29
A Lei nº 2.660/08 alterou a redação da Lei nº 2.494/06 sobre as competências do CONPATRI que passou a
atuar sobre a preservação de todos os imóveis inseridos nas ZEIH e não apenas em relação aos bens tombados.
84
com o campo político, sendo o campo do patrimônio na cidade alinhado ao governo
municipal, tanto na estrutura de funcionamento, quanto na composição do quadro de
conselheiros. Em relação ao arranjo das dimensões institucionais do campo (DMMP e
CONPATRI), observa-se em sua trajetória o comparecimento de representantes do poder
público, por meio da participação de membros das secretarias da administração municipal,
incluindo a equipe técnica da Divisão Municipal de Memória e Patrimônio e representantes da
sociedade itabiritense, abarcando membros de entidades culturais e ambientais locais na
composição do Conselho. As posições institucionais do campo do patrimônio municipal
reúnem, sobretudo, pessoas próximas aos grupos políticos que se alteram na administração
municipal e que compartilham as mesmas percepções em relação à realidade social,
partilhando o mesmo habitus. Conforme afirma Bourdieu (1996, p. 245),
Em razão da hierarquia que se estabelece nas relações entre as diferentes espécies de
capital e entre seus detentores, os campos de produção cultural ocupam uma posição
dominada, temporalmente, no seio do campo do poder. Por mais livres que possam
estar das sujeições e das solicitações externas, são atravessados pela necessidade dos
campos englobantes, a do lucro, econômico ou político.
No entanto, ainda que vinculado ao poder político, o campo conserva-se autônomo na
atribuição de valor patrimonial aos bens culturais, pensando que não existem disputas por
significados no interior do campo. Porém, a arrecadação do ICMS Cultural figura, a partir de
1996, como compromisso dos agentes oficiais da preservação patrimonial, caracterizando-se
como motivação para que os governos municipais mantenham o Conselho e a equipe técnica
necessária para a execução da política de salvaguarda dos bens culturais. Para tanto, em 2010,
a Prefeitura Municipal de Itabirito contratou uma consultoria externa para auxiliar nas
atividades destinadas ao ICMS Cultural. Logo, o que considero dependência entre o campo do
patrimônio e o poder político refere-se ao posicionamento dos agentes da preservação no
interior do campo do poder.
A especialização do campo, sugerida pela tomada de posição da DMMP, pode ser
mensurada pelo desempenho do município no ICMS Cultural, considerando a execução da
política de preservação patrimonial, sem que ocorressem modificações nas percepções sobre
os valores do patrimônio. Para o exercício de 2005, o município possuía 7,2 pontos auferidos
pelo IEPHA/MG. Nessa pontuação, foram consideradas as ações de educação patrimonial,
critério acrescentado pela Deliberação 02/2002 propostas para o ano de 2006.
A partir da reformulação na estrutura administrativa da cidade, com a criação da
Divisão Municipal de Memória e Patrimônio, foram realizadas ações de educação patrimonial
85
em atendimento às exigências do IEPHA/MG, o que contribuiu para a divulgação e promoção
do patrimônio da cidade. A articulação de um setor da prefeitura voltado para a gestão do
patrimônio cultural assim como os trabalhos desenvolvidos até abril de 2005, antiga data da
entrega do relatório ao IEPHA/MG, possibilitaram à cidade receber 11 pontos no ICMS
Cultural para o exercício de 2006.
O resultado das ações de proteção dos bens culturais realizadas no ano decorrer do ano
de 2005 até abril de 2006 foi o aumento da pontuação no ICMS Cultural, somando 13 pontos
repassados no exercício de 2007. Para o exercício de 2008, a cidade recebeu 15,9 pontos,
relativos aos trabalhos desenvolvidos em 2007, e divulgou o investimento de 5% do
orçamento anual em cultura, investimento maior do que o realizado pelo governo federal que,
na ocasião, aplicava menos de 0,5% (Revista Viva, 2007, p. 95). Em 2009, ano de intensa
crise política resultante da cassação do prefeito reeleito, o município contou com uma
pontuação de 18,4 pontos que representou a arrecadação mensal de, aproximadamente,
R$21.370,00 referentes às ações realizadas em 2008.
Para 2010, foi conquistada a maior pontuação de Itabirito no critério patrimônio
cultural. Diante da política de preservação dos bens culturais levada a cabo desde a
institucionalização do campo do patrimônio em 1989, o município recebeu 19 pontos do
IEPHA/MG, os quais foram convertidos no valor de R$ 241.114,80 (somatório das parcelas
recebidas até outubro de 2010). Diante da instabilidade política do exercício de 2009, a
atuação das arenas institucionais do campo do patrimônio mostrou-se instável, sendo
mantidas as atividades indispensáveis para a participação no ICMS Cultural, como as reuniões
bimestrais do Conselho. Em dezembro de 2009, após a realização de eleições extemporâneas,
uma nova administração assumiu o governo municipal e entregou, em janeiro de 2010, a
documentação referente ao ano anterior, ainda que as ações tenham sido executadas pelo
grupo político de oposição.30 Assim, no exercício 2011, o município receberá um repasse
equivalente a 18,5 pontos no ICMS Cultural.
O resultado da vinculação entre a política municipal de preservação do patrimônio de
Itabirito e o ICMS Cultural foram os pontos conquistados para os exercícios entre 1996 e
2011, sistematizados na Figura 35, que resultaram da efetivação das exigências do
IEPHA/MG.
30
A partir da Deliberação 01/09 o IEPHA/MG alterou a data de entrega da documentação anual de 15 de abril
para 15 de janeiro.
86
FIGURA 35. Gráfico com as pontuações do município de Itabirito no ICMS Cultural no período 1996 - 2011.
Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir da relação das pontuações dos municípios divulgada pelo
IEPHA/MG. Listas disponíveis em www.iepha.mg.gov.br.
A trajetória da política municipal de preservação patrimonial é assinalada por
tombamentos de bens imóveis localizados no centro histórico (QUADRO 4)31. A Rua Sete de
Setembro, apesar de apresentar apenas uma edificação tombada isoladamente, desperta
interesse pelo fato de ter sido alvo da política de salvaguarda no início da atuação do campo
do patrimônio em Itabirito, assim como a Rua do Rosário, sendo que os dois trechos foram
tombados em 1992 sem a definição precisa a respeito da abrangência da salvaguarda (trechos
viários ou conjuntos urbanos).
31
No quadro foram reunidos apenas os bens tombados e apresentados ao IEPHA/MG com a finalidade de
pontuação no ICMS Cultural. No entanto, outros tombamentos foram realizados, quais sejam: dois conjuntos de
imagens sacras em 2007; uma imagem isolada de São Vicente de Paulo, tombada em 2007 atendendo ao pedido
da Conferência de São Vicente de Paulo; tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Rua do
Matozinhos em 2006. Porém, esses tombamentos não foram submetidos ao IEPHA/MG por não acrescentarem
pontos para o município, visto que foi atingindo o limite de pontuação para as referidas categorias. Ressalta-se
que os registros de bens imateriais começaram a ser pontuados pelo IEPHA/MG no exercício de 2010, sendo que
o município apresentou seu primeiro Registro em 2011, para pontuação em 2012.
87
Bem tombado
Categoria
Ano e decreto de
tombamento
Rua do Rosário
Casa de Benjamim Francisco Passos
BI
1999 / Decreto n° 3376
Casa de Isaltino Pereira Pedrosa
BI
1992 / Decreto nº 1792
Casa de Maria Augusta Marques
BI
1992 / Decreto nº 1716
Casa de Odete Carlos Baeta
BI
1992 / Decreto nº 1792
Casa de Paulo Josafá
BI
1992 / Decreto nº 1792
Rua do Rosário
CP (retificação em 2005)
1992 / Decreto nº 1716
Casa de José Faria de Souza
BI
1995 / Decreto nº 2172
Rua Sete de Setembro
CP (retificação em 2005)
1992 / Decreto nº 1716
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem
BI
1999 / Decreto nº 3376
Prédio do Museu do Ferro
BI
1992 / Decreto nº 1716
Capela do Senhor Bom Jesus do Matozinhos
BI
1999 / Decreto nº 3376
Cine Teatro Pax
BI
2006 / Decreto nº 7871
Imagem de Santo Antônio de Pádua
BM
2006 / Decreto nº 7692
Quartel da Polícia Militar
BI
1992 / Decreto nº 7692
Confederação Católica dos Trabalhadores de Itabirito
BI
1992 / Decreto nº 1716
Conjunto da Área da Estação Ferroviária
CP
1992 / Decreto nº 1716
NH
2006 / Decreto nº 7705
RI
2010 / Decreto nº 9125
Rua Sete de Setembro
Outras áreas do centro histórico
Outras regiões da cidade
Zona rural do município
Núcleo Histórico do distrito de Acuruí
Bem imaterial
Modo de Fazer Pastel de Angu
QUADRO 4. Bens tombados e registrados pelo município e apresentados ao IEPHA/MG.
Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir da legislação municipal de proteção patrimonial
Legenda:
BI: bem imóvel; CP: conjunto paisagístico; BM: bem móvel; NH: núcleo histórico; RI: registro imaterial.
O tombamento das ruas do Rosário e Sete de Setembro em 1992 não foi acompanhado
pela produção de um dossiê de tombamento por causa da inexistência de diretriz municipal
que exigisse a elaboração desse documento para a legalidade do ato. Os tombamentos foram
instituídos por decreto municipal fundamentado nas fichas de inventário elaboradas por
técnicos que, na ocasião, trabalhavam na restauração da Capela de Bom Jesus do Matozinhos,
e contribuíram com o tombamento das vias. Os documentos do processo de tombamento
evidenciam uma “consciência patrimonial” relativa a essa área (PEIXOTO, 2003). São
demarcados os valores históricos e de autenticidade das vias, institucionalizando narrativas
88
sobre o antigo sítio urbano que circulavam entre memorialistas, intelectuais e moradores
tradicionais dessa região. A Rua do Rosário foi assim descrita no inventário produzido em
1992:
Rua em aclive, com traçado e larguras regulares, formada por edificações de um e
dois pavimentos, varandas contínuas no segundo. Beirais com cachorros nas
construções antigas. Pavimentação em pedra, trecho original da Rua Padre Souza
até a Igreja, com capistrana. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO, 1992,
p.01).
No item da ficha de inventário destinado ao histórico do bem, é retomada a
valorização da via como espaço remanescente da época de fundação do antigo sítio urbano,
ressaltando sua datação no século XVIII, além de sua função como caminho entre Itabirito e o
Vale do Paraopeba (atual cidade de Moeda/MG). O fato de a Capela do Rosário se situar no
alto dessa rua contribuiu para a delimitação das medidas de conservação do trecho, como a
determinação da altimetria das edificações, visando a não comprometer a visibilidade em
relação ao templo. A Rua Sete de Setembro, da mesma forma, foi descrita no dossiê de
tombamento como “Rua de grande importância cultural, com tipologia e pavimentação antiga
original em pedras irregulares, capistrana e lajes sarjeta” (PREFEITURA MUNICIPAL DE
ITABIRITO, 1992, p.01). No documento, valoriza-se a presença na Rua Sete de Setembro de
dois Passos da Paixão dos três ainda existentes na cidade (FIGURAS 36 e 37).
FIGURA 36. Passo da Paixão na Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2011.
89
FIGURA 37. Passo da Paixão na Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2011.
Entre os aspectos que se destacam nos tombamentos das ruas encontram-se sugestões
relacionadas ao próprio entendimento do instrumento do tombamento exposto pelos agentes
institucionais do campo do patrimônio na época. Nas medidas complementares ao
tombamento da Rua Sete de Setembro, encaminhadas ao IEPHA/MG em 1998 para fins do
ICMS Cultural, registra-se a recomendação técnica do tombamento da “altimetria das
edificações de todo o trecho da Praça Dom Silvério até a Rua João Gualberto de Lemos”.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO, 1998). Logo, o tombamento foi interpretado
como uma diretriz para a conservação da visualidade da área, e não como ato legal para a
salvaguarda do bem cultural, pensando que a altimetria foi considerada um valor em si.
Nos processos de tombamento, a imprecisão sobre a delimitação da proteção destinada
às ruas do Rosário e Sete de Setembro resultou na pontuação das vias na categoria de bens
imóveis do ICMS Cultural até 2005, quando os processos foram retificados e as vias
nomeadas como Conjuntos Arquitetônicos e Paisagísticos. Além disso, os primeiros
tombamentos influenciaram a percepção atual dos moradores sobre a inexistência da
salvaguarda dos conjuntos. No entanto, o decreto de tombamento de 1992 foi mantido,
alterando-se a categoria e o limite da proteção.32
Ademais, apesar de a nomeação das ruas como conjuntos urbanos indicar a
perspectiva ampliada da noção de patrimônio, que ultrapassa a proteção de bens isolados e
32
A delimitação dos tombamentos e as implicações da sobreposição da proteção patrimonial na área serão
discutidas a seguir.
90
estabelece diretrizes gerais para todos os imóveis inseridos nos perímetros de tombamento,
nos dossiês dos conjuntos nota-se uma valorização homogênea das vias, desconsiderando as
diversas referências construtivas e sociais presentes no espaço. Nas justificativas das
diretrizes de intervenção dos dois processos, lê-se
Este tombamento justifica-se por se tratar de um conjunto paisagístico e
arquitetônico remanescente das primeiras experiências de ocupação urbana do
Distrito sede de Itabirito. Este está inserido no perímetro denominado Núcleo
Histórico, que compreende a parte alta da cidade. Com o objetivo de garantir a
integridade do conjunto tombado e todas as características principais que
motivaram a sua proteção, a delimitação deste perímetro não compreende apenas a
rua em si, o seu calçamento e os seus limites, mas sim, todas as construções que
compõem o arruamento. Portanto, compreende-se nesse perímetro todo o lote onde
está inserido o imóvel até os eixos das ruas adjacentes. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE ITABIRITO, 2005, s/p)
A pluralidade de opções construtivas que compõem os conjuntos está nas diretrizes de
intervenção, nas quais foram considerados os diferentes períodos das construções existentes e
as suas distintas tipologias arquitetônicas e estabelecidas diretrizes específicas para a
intervenção em cada imóvel. De maneira geral, busca-se preservar o partido das edificações, a
proporção dos vãos das fachadas frontais, a tipologia das esquadrias em madeira e a cobertura
em telhas coloniais. Para tanto, sugere-se, conforme o caso, a substituição de coberturas
metálicas por telhas coloniais. Da mesma forma, recomenda-se a troca de esquadrias
metálicas por esquadrias de madeira, mantendo a homogeneidade do conjunto. Tais medidas
parecem buscar a manutenção de uma imagem do passado colonial simbolicamente
embalsamada nas estruturas preservadas. No entanto, as ruas abrigam formas arquitetônicas
distintas que evidenciam as transformações sociais e físicas do espaço ao longo da trajetória
das vias na história do desenvolvimento urbano.
A partir dos tombamentos e das representações institucionais sobre os cenários
patrimonializados, tem-se o registro da trajetória e da atuação dos agentes oficiais do campo
do patrimônio municipal. Desde sua formação em meados da década de 1980, até a
proposição diferenciada de medidas de intervenção para os imóveis dos conjuntos, ainda que
pautadas nos mesmos valores de homogeneidade e autenticidade, nota-se o desenrolar das
ações formais de afirmação do patrimônio urbano por meio de sua proteção.
No entanto, uma questão importante permeia os processos de tombamento, referindose aos valores destacados e de quais agentes emanam. Tanto nos documentos de tombamento
das ruas, quanto nos dossiês de bens imóveis isolados situadas nessas vias, identifica-se a
atribuição oficial de valor histórico aos elementos tombados. No entanto, os moradores do
91
centro histórico partilham os valores institucionais do patrimônio, somando-os às memórias
individuais construídas nas experiências com o lugar, conforme discutido no capítulo a seguir.
92
4. VIVENDO (N)O PATRIMÔNIO: DIRETRIZES DA PRESERVAÇÃO
PATRIMONIAL E REPRESENTAÇÕES DOS MORADORES SOBRE A POLÍTICA
PRESERVACIONISTA E OS CONJUNTOS TOMBADOS
4.1. As margens oficiais do patrimônio
A política local de preservação patrimonial em Itabirito teve início em 1989, a partir
da promulgação da Lei nº 1.506/89 que instituiu a salvaguarda do patrimônio pela poder
público municipal. A partir daí, a produção do patrimônio na cidade caracteriza-se pela
valorização de estruturas arquitetônicas e urbanísticas que remetem ao passado colonial, onde
se “enraíza uma tradição” de fundação da cidade (BENJAMIM, 1994, p. 167). Nesse sentido,
no processo de construção do patrimônio imóvel urbano, as ruas do Rosário e Sete de
Setembro constituíram espaços privilegiados das ações protecionistas por representarem
simbolicamente a origem da cidade. Por meio dos diferentes tombamentos realizados nesses
trechos urbanos é possível identificar a trajetória da política municipal de preservação
cultural, tanto no que se refere à demarcação simbólica do espaço patrimonializado, quanto na
relação entre as ações locais de salvaguarda dos bens culturais e o atendimento aos critérios
da municipalização da preservação cultural organizada e executada pelo IEPHA/MG.
Discuti nos capítulos anteriores que os discursos do patrimônio se articulam em torno
da totalidade que pretendem representar (GONÇALVES, 2007). Nesse sentido, as narrativas
de construção dos acervos patrimoniais fundamentam-se na produção de sistemas simbólicos
que atuam como instrumentos de comunicação, divulgando valores e atribuindo sentido ao
mundo social (BOURDIEU, 2005). A análise dos processos de tombamento das ruas do
Rosário e Sete de Setembro indicam que a patrimonialização ressaltou a formação histórica
colonial, a ambiência, a arquitetura tradicional da região e um modo de vida associado à
materialidade preservada. Da mesma forma, a delimitação dos tombamentos pretende
“garantir a integridade do conjunto tombado e todas as características principais que
motivaram a sua proteção” (ITABIRITO, 2006). Logo, as diretrizes da patrimonialização
submeteram os moradores das ruas tombadas aos valores que fundamentaram a delimitação
do espaço preservado, assim como às representações oficiais que orientaram as ações
patrimonialistas na região, além das regras para intervenções, uso e ocupação desses locais.
A partir das categorias de tombamento praticadas nas ruas do Rosário e Sete de
Setembro (FIGURAS 38 e 39), notam-se os padrões de proteção levados a cabo nas duas
93
fases da produção do patrimônio na cidade. A década de 1990 marcou o início da construção e
da gestão dos bens patrimoniais pelo município, processo baseado na salvaguarda de bens
imóveis nomeados como símbolos de formação da cidade. A partir de 2005, o ICMS Cultural
consolidou-se como norteador dos atributos de preservação, sendo que a equipe técnica da
DMMP, setor da Prefeitura Municipal de Itabirito responsável pela preservação dos bens
culturais, pautou-se no cumprimento dos critérios do IEPHA/MG para o aumento da
pontuação da localidade no rateio financeiro.
Os tombamentos realizados entre 1996 e 1999 tinham como objetivo a participação do
município no ICMS Cultural, mas não atenderam à diversidade de categorias do patrimônio
que pontuavam na época: bens imóveis isolados, bens móveis, núcleos históricos e conjuntos
urbanos e paisagísticos.33 Nesse período, predominaram os tombamentos de bens imóveis
isolados e o decreto de salvaguarda das ruas, datado de 1992, não esclarece qual a categoria
de proteção recaiu sobre as vias. A partir de 2005, por meio da revisão dos tombamentos
praticados na região, incluindo a retificação do tombamento das ruas do Rosário e Sete de
Setembro para a categoria de conjuntos urbanos, a salvaguarda passou a conter as edificações
situadas nos perímetros de tombamento.34 A adequação das patrimonializações das ruas ao
atributo de conjuntos urbanos, além de preencher a lacuna de tombamentos municipais nessa
categoria, aumentando o repasse financeiro do ICMS Cultural, ampliou a preservação para as
diferenciadas tipologias arquitetônicas localizadas nesses trechos urbanos, ainda que visando
à manutenção do valor de cenário colonial atribuído às vias.
Conforme Bosi (2003, p. 16), “Do vínculo com o passado que se extrai a força para a
formação da identidade”. Assim, a valorização das ruas do Rosário e Sete de Setembro como
cenários históricos e o tombamento dos trechos urbanos como patrimônio cultural firmam tais
espaços como ícones do passado colonial da cidade, além de incluir a sede de Itabirito no
circuito das cidades históricas mineiras. Portanto, creio que a valorização dessas ruas pelo
governo municipal após 2005, a partir das representações sobre esse espaço divulgadas pelo
campo do patrimônio e que indicam o olhar da elite intelectual local sobre o antigo sítio
33
A partir da Deliberação Normativa 01/09 foi incluída a categoria Registro de Bem Imaterial para fins de
pontuação no ICMS Cultural.
34
A delimitação do perímetro de tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Rua do Rosário
compreende as edificações situadas entre os números 13 e 215, sendo que a numeração não se apresenta
continua. A definição do perímetro de tombamento desse conjunto circunscreve-se ao trecho que conserva a
pavimentação em pedras tipo pé de moleque. No caso da Rua Sete de Setembro, a proteção patrimonial abrange
todas as edificações do logradouro, sendo que a antiga pavimentação foi mantida em toda a extensão da via e
serve de referência para os moradores como calceteria autêntica, atribuindo ao lugar um caráter histórico.
94
urbano, direcionou-se tanto para a arrecadação do ICMS Cultural, quanto para o
desenvolvimento de um roteiro turístico contemplando os bens históricos locais.
FIGURA 38. Planta de situação da Rua Sete de Setembro.35
Fonte: DMMP/PMI, adaptado pela autora.
Legenda:
Bem imóvel tombado isoladamente em 1995.
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem tombada pelo município em 1999.
Calceteria na Rua Sete de Setembro.
Calceteria nas ruas do centro histórico adjacentes a Rua Sete de Setembro.
Edificações que compõem o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Rua Sete de Setembro.
35
A edificação nº 128 também apresentava, na ocasião da elaboração dessa imagem em 2005, o nº 134. A
edificação nº 13, onde se lê “restaurante” integra a Rua do Rosário, sendo que, atualmente, o estabelecimento
comercial foi fechado.
95
FIGURA 39. Planta de situação da Rua do Rosário.
Fonte: DMMP/PMI, adaptado pela autora.
Legenda:
Bens imóveis tombados isoladamente na década de 1990.
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem tombada pelo município em 1999.
Calceteria na Rua do Rosário.
Capela de Nossa Senhora do Rosário tombada pelo SPHAN em 1955.
Calceteria nas ruas do centro histórico adjacentes a Rua do Rosário.
Edificações que compõem o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Rua do Rosário.
Os documentos da política municipal de proteção do patrimônio (inventários, dossiês
de tombamento, atas do Conselho de Patrimônio e relatórios enviados ao IEPHA/MG para o
ICMS Cultural) são permeados por valores sobre os logradouros que se fundamentam nas
categorias de originalidade, autenticidade e cultura. Além disso, os atos de patrimonialização
relacionam o antigo sítio urbano à memória coletiva, destacando significados e apropriações
supostamente universais para as vias e suas estruturas arquitetônicas e urbanísticas. As pedras
dos calçamentos, por exemplo, são elementos urbanísticos que demarcam a valorização
realizada por moradores e agentes da preservação de determinadas estruturas como históricas.
Assim, refletindo sobre a dimensão simbólica como ordenadora das relações sociais,
contribuindo para a reprodução das estruturas de poder (BOURDIEU, 2005), considero que
em Itabirito a delimitação física do patrimônio se pauta pela afirmação alegórica de traços do
96
passado colonial urbano, os quais não são legados espontaneamente às gerações do presente,
mas são selecionados no presente como patrimônio (ARANTES NETO, 1984).
As narrativas da cidade (BARREIRA, 2009) proferidas pela elite intelectual local
descrevem o antigo sítio urbano a partir dos bens culturais residuais do passado itabiritense,
interessando aqui as impressões sobre os trechos consagrados como patrimônio, onde
repousam os exemplares imóveis que associam a cidade ao barroco mineiro.36 Tais narrativas,
como discutido no primeiro capítulo, opõem o sítio colonial à “nova cidade” organizada em
fins do século XIX, reclamando a preservação da antiga paisagem urbana. Nesse sentido, o
interesse institucional na salvaguarda de estruturas arquitetônicas e urbanísticas em Itabirito
dialoga tanto com o campo do patrimônio estadual, sobretudo a partir do ICMS Cultural,
quanto com os discursos de construção de uma identidade itabiritense baseada em suas
características culturais materiais, representadas como símbolos da memória coletiva e que
podem ser exploradas como atrativo turístico.
O tombamento dos conjuntos, assim como a organização do acautelamento do espaço
patrimonializado e de seu entorno, incluindo sua admissão como ZEIH no Plano Diretor,
ocorreram no contexto de planejamento urbano efetivado no governo de Waldir Silva
Salvador de Oliveira Júnior entre 2005 e 2008. Nesse sentido, as ações de delimitação do
centro histórico e a definição dos perímetros de tombamento dos conjuntos se inscrevem
como instrumentos urbanísticos voltados à preservação do patrimônio, considerando a
salvaguarda dos bens culturais do ponto de vista do planejamento físico-territorial.
As medidas urbanísticas de salvaguarda do patrimônio ocorreram em meio ao projeto
político que pretendia promover as variadas dimensões da cidade: econômica, cultural,
ambiental, social, administrativa, turística, entre outras. Esse processo, que incluiu a
construção do Parque Ecológico Municipal de Itabirito, a elaboração e aprovação do Plano
Diretor Municipal, o fomento à industrialização com a criação de um Distrito Industrial, a
delimitação do centro histórico e o estabelecimento dos perímetros de tombamento e de
entorno de tombamento, configura parte da estratégia política de promoção do conjunto
colonial urbano como roteiro turístico, além de atender às diretrizes do IEPHA/MG para a
pontuação no atributo conjuntos urbanos. Porém, o fluxo turístico registrado na cidade se
orienta para o turismo rural, existindo inúmeros hotéis fazenda no município, não ocorrendo
36
No antigo núcleo histórico de Itabirito as edificações religiosas apresentam a ornamentação interna em estilo
barroco. Em relação às plantas das construções, essas não se configuram como poligonais e curvilíneas, o que
caracteriza o barroco e o rococó no traçado arquitetônico. Assim, conforme Oliveira (2007), o domínio próprio
do barroco em Minas Gerais são as decorações internas, sendo que a arquitetura, normalmente, apresenta-se
sóbria em oposição às opulentas ornamentações interiores.
97
visitas regulares ao centro histórico, incluindo as visitas dos moradores de outras regiões da
sede.
Considero pertinente destacar a valorização da região como atrativo turístico, projeto
levado a cabo pela SEMCULT/PMI como parte do processo de demarcação dos limites físicos
do patrimônio na cidade, pensando que as ações de patrimonialização buscaram firmar o
espaço simbólico de rememoração da história local. Compreendo que as ações urbanísticas
voltadas para o turismo cultural, como a instalação de rotas de orientação e placas
informativas sobre os casarões coloniais tombados, contribuíram para que o patrimônio fosse
sinalizado para a contemplação como atrativo turístico, atitude que também forneceu
informações sobre os bens culturais para a população da cidade e, principalmente, para os
moradores que vivem diretamente (n)o patrimônio.
FIGURA 40. Divulgação de produtos turísticos de Itabirito pela Associação das Cidades Históricas.
Fonte: Jornal Viva, agosto de 2007, p. 21.
98
37
FIGURA 41. Publicidade institucional da Prefeitura Municipal de Itabirito.
Fonte: Revista Viva, 2006, p. 89.
37
A publicidade veiculada na Revista Viva, publicação anual da Prefeitura Municipal de Itabirito na
administração que governou o município entre 2005 e 2008, apresenta bens culturais do centro histórico ao lado
da imagem de uma cachoeira localizada no município. Os bens culturais são: altar da Matriz de Nossa Senhora
da Boa Viagem, casario da Rua do Rosário e Capela do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. O bem natural é a
queda d’água da cachoeira Chicadona.
99
A valorização histórica da cultura itabiritense consolidou-se por meio de ações
simbólicas, intervenções urbanísticas e estéticas de apreciação dos sinais materiais do passado
local. A construção simbólica e a demarcação prática do patrimônio, referentes aos limites
físicos da patrimonialização e que são orientadas por tais representações, podem ser pensadas
a partir da produção social de uma memória da/para a cidade fundamentada em valores
tradicionais sobre o núcleo urbano primordial. No mesmo sentido, tem-se o atendimento às
diretrizes do IEPHA/MG para a participação do município no ICMS Cultural que resultou em
tombamentos orientados para a pontuação conforme as categorias dos bens culturais. Visando
o cumprimento das etapas técnicas dos dossiês de tombamento, a definição dos perímetros de
tombamento e do entorno dos bens tombados delimitou a área protegida
A “dialética lembrar-esquecer” (CASTRIOTA, 2009, p.43) que perpassa as políticas
de patrimônio incide na definição dos aspectos que serão preservados, arrolando o que será
esquecido no processo social de construção da memória urbana. Portanto, como afirma
Canclini (1994), a classificação dos bens patrimoniais constitui tarefa que atravessa os
conflitos sociais e não agrega a diversidade de interesses em relação ao patrimônio,
especialmente no que se refere à simbologia associada aos acervos preservados. O autor, na
tentativa de desenvolver tipificações para as políticas públicas de proteção patrimonial,
observa que o modelo tradicional-substancialista define o patrimônio a partir de valores
essencializados, entendidos como intrínsecos aos bens culturais que devem ser preservados,
independentemente das diversas apropriações a que estão submetidos.
O sentido da preservação levada a cabo pelas políticas de patrimônio identificadas
como tradicionais-substancialistas, modelo que se aplica às ações institucionais realizadas em
Itabirito, pretende “salvaguardar essências, modelos estéticos e simbólicos”, atravessando os
conflitos sociais e as variadas interpretações sobre o acervo cultural de uma sociedade
(CANCLINI, 1994, p. 103).38 Os bens considerados dignos da perenidade, associados à
memória que os atores da preservação buscam afirmar, são revestidos de valores coletivos,
homogêneos, sendo que a preservação não se orienta apenas para a conservação material do
38
Os demais modelos propostos por Canclini (1994, 103-105) são: mercantilista – direcionado para a
valorização econômica de bens históricos, relacionando-se à espetacularização da cultura e à participação do
setor privado nos projetos de restauração e oferta do patrimônio no mercado cultural; conservacionistamonumentalista – reserva ao Estado a definição do patrimônio, caracterizando-se pelo apreço por obras
grandiosas do passado e que exaltam a nacionalidade, sendo que os edifícios restaurados são frequentemente
utilizados para fins institucionais. Pode-se relacionar esse modelo à política desenvolvida pelo SPHAN em sua
criação em 1937; e, por fim, o paradigma participacionista, no qual se identifica a alteração do foco das políticas
públicas que se direcionam para os usos sociais do patrimônio, incluindo tanto bens monumentais, como
costumes e crenças.
100
patrimônio, mas para a manutenção dos valores atribuídos aos bens patrimoniais nos ritos de
instituição (BOURDIEU, 2005).
No entanto, a produção do patrimônio inclui, além de uma dimensão simbólica,
associada aos valores que os agentes oficiais da preservação cultural conferem aos bens
patrimoniais, aspectos restritivos relacionados às diretrizes para intervenções, uso e ocupação
de bens tombados. A retificação do tombamento das ruas do Rosário e Sete de Setembro para
a categoria de conjuntos urbanos privilegiou a noção de ambiência, conforme os próprios
dossiês, ainda que nos documentos dos dois conjuntos seja ressaltada a formação colonial do
espaço como justificativa para a salvaguarda da região, sendo que nas “edificações históricas”
são vetadas as intervenções descaracterizantes e, nas demais construções, são proibidas
interferências construtivas que prejudiquem a visibilidade dos imóveis históricos. Somadas às
diretrizes dos atos de patrimonialização, a proteção das vias apresenta-se na legislação
urbanística que considerou esses locais como ZEIH da sede de Itabirito. Assim, entendida
como área de conservação no plano urbano, a região tombada foi assinalada com o atributo da
perenidade, espaço de rememoração no interior do cenário urbano.
No entanto, consagrados como “lugares privilegiados onde a memória retira a seiva”
(BOSI, 2003, p.71), os conjuntos urbanos receberam tratamento diferenciado no que se refere
à regulamentação das intervenções nessa área, com o intuito de proteger e promover a
identidade cultural que representa. Porém, diante das medidas legais de conservação das ruas
tombadas, assim como da valorização simbólica da área, surgem as seguintes questões: quais
os efeitos da política municipal de proteção patrimonial no cotidiano da população dos
Conjuntos Arquitetônicos e Paisagísticos? Quais as implicações de residir em um cenário
patrimonializado? Como a política patrimonial é interpretada e acionada pelos moradores?
Tais indagações ampliam a compreensão do patrimônio como sistema simbólico
(BOURDIEU, 2005), apontando para os conflitos que não se resumem a disputas por
sentidos, mas expressam a presença do patrimônio no cotidiano urbano.
Uma das questões centrais em relação ao tombamento de bens imóveis refere-se à
função sociocultural da propriedade (BRASIL, 1988). A partir da imposição de que o poder
público preserve os bens culturais, o direito de propriedade, também garantido pela
Constituição, torna-se evidentemente limitado. Ao se tornarem de interesse da comunidade os
bens patrimoniais são regidos por regramentos de salvaguarda em benefício da coletividade,
impedindo sua destruição e impondo aos proprietários comportamentos positivos na
preservação da edificação (MIRANDA, 2009). No entanto, o patrimônio muitas vezes não
encontra ressonância entre os donos de imóveis patrimonializados, além de o tema da
101
preservação patrimonial esbarrar em interesses de ordem econômica relacionados à questão
imobiliária.
Nesse sentido, pensando que as ações de preservação do patrimônio cultural se
vinculam aos atos de poder (CHAGAS, 2002), assim como a produção do patrimônio consiste
na construção social de alegorias que legitimam a dominação simbólica (BOURDIEU, 2005),
a produção do patrimônio itabiritense é entendida como ato de afirmação de uma
materialidade urbana consagrada como símbolo da cultura local, o que inaugurou uma
realidade de valorização (patrimonial, urbanística e turística) e de restrição para os moradores
da região tombada. Refletindo, conforme Arantes Neto (1984), sobre a definição arbitrária dos
sentidos oficiais que permeiam as ações patrimonialistas, convergindo para a naturalização de
valores em detrimento das diversificadas significações que possam ser elaboradas sobre os
bens culturais, busquei identificar os conflitos e as convergências entre os sentidos das ações
oficiais de patrimonialização e os significados produzidos por seus moradores diante dos
tombamentos realizados na área.
Autores como Castriota (1999) e Santos (1986) discutem a relevância de considerar os
discursos dos sujeitos submetidos às ações de patrimonialização. No centro histórico de
Itabirito a pesquisa voltou-se para a compreensão das significações sobre os tombamentos
existentes entre os moradores atuais das edificações situadas nas ruas do Rosário e Sete de
Setembro que integram a delimitação dos Conjuntos Arquitetônicos e Paisagísticos. Para
tanto, busquei responder às seguintes questões específicas: como a população das ruas do
Rosário e Sete de Setembro interpretam a patrimonialização e a revitalização da área e como
as significações elaboradas pelos moradores dialogam com os valores atribuídos pelo campo
do patrimônio na definição desses espaços como símbolos da identidade e da história da
cidade? Após a patrimonialização, emergiram novas formas de apropriação das vias? Em que
medida as ações políticas do governo municipal interferem na significação e nos usos
cotidianos das ruas tombadas? Ao considerar a produção do patrimônio como um rito de
consagração que envolve atribuição e legitimação de sentidos, que são produzidos
socialmente e se vinculam aos interesses e valores dos agentes envolvidos na nomeação dos
bens patrimoniais (BOURDIEU, 2005), em que grau as representações dos moradores sobre
as ruas tombadas desvendam a imposição dos valores oficiais do patrimônio?
A partir das indagações previamente formuladas, considerando que as perguntas foram
refeitas e aprofundadas a partir das observações realizadas em campo, ouvi os moradores
sobre as representações que elaboram a propósito do espaço onde vivem e sobre a política
municipal de preservação cultural, que interferiu diretamente nas condições de uso e de
102
intervenção no espaço em questão. Para tanto, considerei que, antes de consagradas como
conjuntos urbanos, as ruas do Rosário e Sete de Setembro são lugares de vivências cotidianas
rituais, espaços onde se desenvolvem experiências individuais e coletivas. Portanto, essas ruas
são “lugares de memória” (NORA, 1993), cenários que se confundem e se integram aos
patrimônios privados ao servirem de suportes materiais para as memórias de sua população.
4.2. Representações sobre as ações patrimoniais e os conjuntos tombados
As representações dos moradores das ruas do Rosário e Sete de Setembro a respeito do
espaço onde residem e passaram a maior parte de suas vidas evidenciam diálogos entre os
significados atribuídos a um cenário urbano patrimonializado, assim como expõem
divergências relacionadas à gestão dos bens patrimoniais. Identifiquei que a população
residente no espaço pesquisado partilha dos discursos sobre o sítio colonial urbano,
representação institucionalizada pelo campo do patrimônio a partir da década de 1980. Além
disso, considerei o tombamento da Capela de Nossa Senhora do Rosário pelo SPHAN em
1955 como variável que influenciou a construção da imagem patrimonial da região por meio
da atribuição de valor histórico a uma construção ali localizada.
Durante as entrevistas e observações realizadas nos conjuntos tombados emergiram
representações nativas sobre os cenários patrimonializados como parte de suas experiências
cotidianas e rituais. A descrição das ruas a partir de um referencial simbólico particular, fruto
da “intimidade afetiva” dos moradores com o espaço (BOSI, 2003, p. 29), baseia-se em
relações rotineiras e cerimoniais a partir das quais sua população confere sentido às vias.
Assim, os traços emotivos que vinculam a ruas à sensibilidade dos moradores ilustram os
relatos com percepções sobre o espaço carregadas de lembranças.
As estruturas arquitetônicas e urbanísticas que, durante a trajetória do campo do
patrimônio na cidade, foram consagradas como símbolos da identidade itabiritense, imagem
que se oficializou com os tombamentos realizados na área, podem ser entendidas como
objetos biográficos incorporados à vida das pessoas e que representam “uma experiência
vivida, uma aventura afetiva do morador” (BOSI, 2003, p. 26). Para a população tradicional
das ruas do Rosário e Sete de Setembro, as vias são extensões das casas, espaços onde se
desenrolam vivências cotidianas, como os encontros entre vizinhos, experiências rituais, como
103
rezas e procissões, entre tantas atividades que tomam as ruas como cenários, conforme
relatado por um morador, 60 anos:
Nasci na parte mais antiga. Na região do Bairro Matozinhos, proximidades da
Igreja do Senhor Bom Jesus [do Matozinhos] e também bem próximo à Igreja das
Mercês. Na área considerada mais antiga, primitiva da cidade. Também estudei
aqui [na cidade] no Grupo Raul Soares, um grupo tradicional, que a época da
reforma ele veio para as proximidades da [Matriz] Boa Viagem. Então eu passava
nessa rua [Sete de Setembro] aqui durante três anos, subindo e descendo todos os
dias. O que me chamava a atenção era a rua, com uma formação um pouco
abaulada, em que a água corre pelos cantos. Então poderia chover do jeito que
fosse, que se a gente fosse pela área central molharia o mínimo. E as pedras [...]
tem um nome próprio dessa parte central. Então, menino sempre gostava de andar
nela, que era onde passavam os ministros religiosos, as autoridades, as pessoas nos
eventos. Então me chamava a atenção. Era a rua que passava o padre nas
procissões, nos enterros em que o sacerdote acompanhava, com toda a pompa e
circunstância. A gente dizia: estamos passando onde o padre passou. Uma vez o
bispo passou também. Era a rua do bispo. Era a rua do padre. Era a rua de acesso.
FIGURA 42. Rua Sete de Setembro com a Matriz da Boa Viagem ao fundo.
Fonte: Foto da autora. 2011.
As entrevistas elucidaram representações sobre os espaços patrimonializados que
foram construídas a partir de vivências diárias e que não se apresentam nos processos de
tombamento das ruas, ainda que dialoguem com os discursos oficiais sobre os conjuntos. A
relação entre o campo do patrimônio e o campo do poder local legitimou a faculdade
discricionária na definição do patrimônio cultural a partir de antigas ruas e edificações
interpretadas como símbolos da fundação da cidade. Como afirma Bourdieu (1998), a
autoridade que produz o reconhecimento da palavra que nomeia se estrutura no interior do
104
campo de produção simbólica e se baseia na crença coletiva que legitima o poder de certos
agentes na produção de representações sobre o mundo social.
Voltar-me para a questão da construção social do patrimônio implicou reconhecer a
abrangência das ações políticas de preservação patrimonial, identificando não apenas a
ressonância dos bens patrimonializados, mas entendendo que os valores sobre um
determinado espaço urbano são oficializados por meio da prática dos agentes reconhecidos
como legítimos no processo de nomeação da realidade social. Para além das significações
institucionais presentes na documentação de tombamento das ruas pesquisadas, as entrevistas
com os moradores indicaram representações sobre os trechos tombados que foram construídas
na rotina das ruas – durante as brincadeiras dos filhos, nas conversas em torno da bica d’água,
no atendimento aos clientes na loja de tecidos – e nas cerimônias religiosas, como nas
procissões da Semana Santa. Essas representações particulares somam-se aos significados
oficiais atribuídos ao centro histórico no processo de valorização desse espaço urbano e
sugerem uma polissemia do patrimônio.
No entanto, os entrevistados não se calaram sobre os sentidos universais das ruas do
Rosário e Sete de Setembro utilizando a categoria de “recordação do tempo antigo”, por
exemplo, para definir o local como referencial sobre as formas pretéritas de ocupação e uso
do espaço urbano: “A rua aqui foi o primeiro bairro da cidade [...]. Elas [as casas] todas têm
um jeito que as pessoas veem que eram armazéns. As portas em baixo.” De outro morador, 42
anos, ouvi: “A rua para a cidade tem aquela memória. Tem aquele lado histórico. [...] Eu
penso na minha história e no lado da cidade. O lado histórico, do patrimônio e da cultura
também.”
A semelhança entre as representações da população das ruas tombadas e a significação
oficial dos conjuntos situa-se no valor histórico atribuído às vias, tanto por sua população
tradicional, quanto pelos agentes da preservação que institucionalizaram essa representação.39
Em decorrência da identificação desse espaço como “marco do passado” e cenário de
“recordação do tempo antigo”, a representação institucional das ruas e as significações dos
39
De acordo com Choay (2006, p. 168)), o historiador da arte vienense Alois Riegl foi o primeiro teórico a
apresentar a distinção entre monumento e monumento histórico. Além disso, o autor definiu o monumento
histórico a partir dos valores que o revestiram ao longo da história. Assim, a teoria riegeliana baseia-se na
oposição entre duas categorias de valores: “de rememoração”, ligado ao passado (para a memória, para a história
e a história da arte e de ancianidade), e “de contemporaneidade”, relacionada ao presente (relativo de novidade e
de uso). Interessa-me, aqui, entre os valores descritos por Riegl como “de rememoração”, o valor histórico, que
remete a um saber, e o de ancianidade, referente à idade do monumento e que se dirige imediatamente a
sensibilidade de todos, considerando que esses valores foram identificados nos processos de tombamento e nas
narrativas tradicionais sobre os trechos urbanos objetos desta dissertação.
105
moradores fazem referência à fundação da cidade, vinculando o espaço à chegada dos
mineradores: “A rua aqui foi o primeiro bairro da cidade, foi aqui. Eles [mineradores] vieram
por cima e fizeram essas casas.”
O valor de rememoração atribuído às ruas é tanto individual quanto coletivo,
remetendo a uma representação unívoca entre os agentes da preservação e os habitantes
tradicionais dos conjuntos tombados ouvidos na pesquisa. A significação do espaço como
local que merece ser preservado relaciona-se à conservação da memória particular dos
moradores da área, narrada a partir das lembranças familiares e individuais, mas também
alude à história coletiva, informando sobre a fundação e o passado da cidade de forma
genérica. Para tanto, a partir da atribuição de valor histórico às vias, os entrevistados
destacaram a ameaça da perda como motivação para a preservação. As alterações físicas no
espaço, como as reformas em algumas edificações e a implantação de elementos construtivos
contemporâneos, como as esquadrias metálicas, foram apresentadas nas entrevistas como
parte do processo de “descaracterização” das ruas e mudança das “características das casas”,
como relatado por um morador da Rua Sete de Setembro, 42 anos: “[...] uma coisa de cem
anos, vai colocar uma coisa moderna ali, sendo que as outras coisas já estão antigas? [...] É a
história, é o princípio das coisas.”
Portanto, entre as representações evidenciadas nas entrevistas, identifiquei alusões à
política patrimonial como estratégia para evitar a deterioração dos elementos históricos
presentes nesse espaço, mas também como forma de preservar os suportes materiais da
memória de seus moradores. Aqui, retomo a afirmação sobre a influência do destombamento
do Pico de Itabirito no que se refere à construção do discurso de preservação patrimonial na
cidade, identificando a “retórica da perda” como argumento para a preservação dos bens
culturais locais (GONÇALVES, 1996).
Os significados oficiais dos conjuntos não se distanciam de algumas representações
dos moradores sobre as ruas tombadas, considerando que nos processos de tombamento os
valores tradicionais dos bens, que remetem à sua história e ancianidade, foram
institucionalizados. Por outro lado, entende-se que a experiência urbana consiste em
diversificadas apropriações e usos dos cenários da cidade. Assim, da multiplicidade de
vivências com o espaço, emergem distintas significações relacionadas às práticas sociais que
ali se desenvolvem. A partir dessa premissa, considerei as representações sobre as ruas
patrimonializadas como significações associadas às experiências com os cenários urbanos em
questão e que revelam aspectos da relação entre passado e presente, da articulação de
lembranças tomando como suporte os arruamentos e suas estruturas. No entanto, as
106
significações presentes nos relatos dos entrevistados indicam, ainda, a ressonância do discurso
de preservação patrimonial na cidade, além de evidenciarem aproximações com os
enunciados oficiais de salvaguarda dos bens culturais.
Das conversas com a população dos conjuntos tombados, aparecem representações
particulares que foram silenciadas nos atos oficiais, mas que persistem na interpretação do
espaço. Deparei-me com descrições muito semelhantes em relação ao valor histórico das vias,
entre outras descrições que apresentam o significado coletivo do lugar. Portanto, encontrei
diálogos entre os valores existentes entre os moradores da área, construídos em suas
experiências duradouras com o espaço, que sugerem tanto a ressonância dos sentidos oficiais
dos bens patrimoniais, divulgados pelo campo do patrimônio, quanto a institucionalização dos
valores sobre essa região que circulavam na sociedade itabiritense.
Para fins de organização da exposição, o exame das entrevistas encontra-se dividido a
seguir de acordo com as categorias analíticas que orientaram a apreciação temática dos
depoimentos dos moradores (MYNAIO, 2007). Os relatos foram estruturados conforme as
categorias previamente definidas e que tratam do tema da patrimonialização das ruas e da
convivência cotidiana com o patrimônio, sendo apresentadas no plano das entrevistas a partir
de blocos temáticos (Ver Anexo). Assim, as temáticas abordadas foram: 1. a política
patrimonial, tratando do reconhecimento e dos conflitos associados ao processo de
patrimonialização e às diretrizes para o uso e as intervenções nos imóveis; 2. as dinâmicas
sociais tecidas nos conjuntos tombados, visando a interpretar as memórias e os significados
inscritos na materialidade urbana pela apropriação do cenário cotidiano.
4.2.1. “Legalidade para preservar” e “Sepulcros caiados”: a política patrimonialista
segundo os moradores
Como discutido, a regulamentação da preservação patrimonial pela municipalidade
relaciona-se ao processo de valorização da cultura itabiritense e de definição dos bens
representantes da história urbana. Essa política se baseou simbolicamente em valores
tradicionais sobre antigas estruturas arquitetônicas e urbanísticas do passado colonial da sede
municipal. Além de estimulada pelas manifestações da década de 1980 que divulgaram os
valores tradicionais sobre o espaço urbano, as ações protecionistas situam-se no contexto de
descentralização político-administrativa da reforma constitucional de 1988 que, entre outros
107
aspectos, conferiu autonomia aos municípios para a produção e gestão de seu patrimônio
cultural. Ademais, a implementação dessa política se vincula ao projeto do IEPHA/MG de
municipalização da proteção aos bens culturais do estado, e desde 1996 tal programa vem
sendo estimulado pelo ICMS Cultural.
Pensando na construção do patrimônio como prática social de produção dos símbolos
coletivos que ordenam a compreensão da realidade (BOURDIEU, 2005), creio que a política
patrimonial deve ser analisada em suas relações com a valorização da cultura itabiritense e a
produção de uma memória da/para a cidade associada à construção do patrimônio e à
promoção do antigo sítio urbano como representante material da história da cidade. Como
atos legais de consagração dos bens patrimoniais, os processos de tombamento também
atribuem regras e obrigações aos proprietários de bens tombados, assim como limitam o
direito de propriedade dos imóveis, categoria patrimonial aqui privilegiada.
Tomando como referência a discussão inicial deste capítulo, relacionada à demarcação
dos limites da preservação, processo baseado na consagração de determinados bens à
perenidade, entende-se que a patrimonialização da área em questão submeteu os moradores a
limitações no uso e ocupação dos imóveis que visam a manter a integridade do conjunto
tombado. Além disso, a população vivenciou a atuação direta do poder público municipal no
cotidiano das vias a partir do projeto de revitalização no qual foram implantadas rotas de
pedestres nas ruas, placas informativas nas casas tombadas isoladamente e feita a pintura
dessas edificações com consentimento dos proprietários.
Assim, não se pode deixar de considerar que a construção do patrimônio envolve uma
dimensão normativa que, no caso de Itabirito, juntamente com o Plano Diretor Municipal,
limita o plano direito de propriedade das edificações de interesse histórico. Em decorrência
das restrições impostas aos proprietários e moradores dos imóveis situados nos perímetros de
tombamento e entorno de tombamento, identifiquei alguns conflitos referentes, sobretudo, à
gestão da preservação dos bens imóveis na localidade. No entanto, como será discutido
adiante, esse aspecto da patrimonialização não se configura ponto de tensão representativo na
relação entre os moradores dos conjuntos tombados e a política preservacionista do município
de Itabirito.
Um exemplo dos enfretamentos entre moradores do entorno de bens tombados e os
órgãos de preservação refere-se ao conflito entre o IPHAN e os proprietários de imóveis nas
proximidades da Capela de Nossa Senhora do Rosário, bem tombado na cidade em 1955. Em
2006, o órgão federal notificou os moradores solicitando a demolição dos acréscimos
realizados em suas residências, sendo que muitas dessas intervenções se caracterizam como
108
ampliações dos imóveis nos pavimentos superiores, como a construção dos chamados
terraços, os quais comprometem a visibilidade da edificação tombada. No entanto, algumas
intervenções receberam autorização da Prefeitura Municipal de Itabirito e, em determinados
casos, os moradores necessitados receberam materiais de construção do governo municipal
para a execução das obras. Outras construções foram realizadas sem autorização do setor
municipal competente. Em dezembro de 2010, a diretoria da 13a Regional do IPHAN, situada
em Ouro Preto e responsável pela fiscalização do patrimônio tombado pelo órgão federal em
Itabirito, notificou novamente os moradores da área, os quais alegam que desconhecem o
perímetro de tombamento do bem e, portanto, ignoravam as restrições sobre intervenções nos
imóveis. Assim, os proprietários das edificações incluídas no entorno de tombamento
responsabilizam a Prefeitura Municipal de Itabirito por autorizar os acréscimos nas
construções da área. Por sua vez, os técnicos do poder público municipal alegam que o
IPHAN não elaborou a normatização sobre as intervenções no local, retornando a
responsabilidade para a agência federal. Diante do impasse, atualmente os moradores da área
temem pelas demolições e aguardam a decisão judicial sobre o assunto.
Sobre os atos de percepção da política patrimonial local, abordei o reconhecimento
dos moradores sobre os tombamentos nos trechos urbanos onde residem, buscando interpretar
o reconhecimento dos padrões de tombamento na área, a ressonância dos valores atribuídos ao
patrimônio e a convivência com as ações de patrimonialização. Para tanto, considerei,
conforme Tamaso (2006, p. 270), “que as experiências urbanas deveriam ser mais observadas
pelos agentes da preservação”.
A análise das respostas sugere que a patrimonialização das ruas é reconhecida pelos
moradores, ainda que nenhum entrevistado tenha distinguido exatamente a categoria de
tombamento na qual a salvaguarda das vias se enquadra (Conjunto Arquitetônico e
Urbanístico). No entanto, os tombamentos de bens imóveis isolados realizados na década de
1990 e a “consciência patrimonial” (PEIXOTO, 2003) destinada à região, que se apresenta
nos discursos dos agentes da preservação e nas falas da população da área, marcaram
profundamente a identificação das ruas e de suas edificações como patrimônio cultural. Além
disso, o tombamento da Capela de Nossa Senhora do Rosário pelo SPHAN contribuiu para a
divulgação do discurso de valorização patrimonial do centro histórico e para a sensibilização
dos moradores em relação ao significado histórico da região. Logo, as ruas, casas coloniais e
pedras das ruas do Rosário e Sete de Setembro são descritas simbolicamente pelos moradores
como marcos da fundação da cidade e deslocadas para a categoria de patrimônio
(GONÇALVES, 2007).
109
Quando questionados sobre a política municipal de preservação patrimonial, os
entrevistados enunciaram dois tipos de representação, por vezes proferidas pelos mesmos
moradores: 1. uma perspectiva positiva do processo de patrimonialização, associada à
normatização dos usos do espaço e ao impedimento de descaracterizações na área; 2. uma
percepção negativa das ações laterais de patrimonialização40, vinculada à gestão do
patrimônio e à falta de incentivos financeiros da prefeitura para a conservação dos imóveis
tombados. Outra conotação negativa se dirige ao projeto de revitalização reconhecido como
parte do discurso político da administração que governou a cidade entre 2005 e 2008.
Durante o trabalho de campo, os moradores se
referiram aos limites físicos da
patrimonialização a partir da diferenciação entre as casas que foram tombadas isoladamente e
as que não foram nomeadas como bens patrimoniais de forma avulsa, desconsiderando a
inserção das construções na categoria conjunto a partir da retificação do tombamento das vias
em 2005. Nesse sentido, o proprietário de uma edificação tombada, 56 anos, ressaltou sua
intenção de
solicitar o destombamento da residência, motivado pela falta de ajuda da
prefeitura na conservação do imóvel, como se fosse possível destituir essa edificação da
proteção deliberada para o conjunto. Ele não autorizou a implantação em sua casa da placa
informativa do projeto de revitalização, alegando que o ato foi um “protesto contra a gestão
do patrimônio”.
Durante as entrevistas, os moradores não utilizaram o termo conjunto para se referir à
hierarquia de tombamento dos arruamentos, apesar das minhas citações ao local partirem
desse atributo. A população ouvida cuidou de destacar o tombamento isolado ou não de suas
residências por meio de expressões diferenciadoras, relativas a edificações distintas: “Aqui
não é tombada. É tombada a rua. A casa não”; “Aqui foi uma das últimas casas a ser
tombada”; “É protegida pela rua. A casa não foi tombada”.
40
As ações laterais de patrimonialização incluem intervenções urbanísticas, paisagísticas, arquitetônicas, entre
outras, que visam a acentuar o valor patrimonial de objetos ou cenários urbanos (LEITE e PEIXOTO, 2009).
110
FIGURA 43. Esquina da Rua Sete de Setembro com a Rua do Rosário, destacando duas
edificações tombadas isoladamente na década de 1990.
Fonte: Foto da autora. 2010.
A retificação do tombamento das vias em 2005 adaptou a salvaguarda ao atributo de
conjuntos paisagísticos do ICMS Cultural e ampliou a proteção para os bens inseridos nos
perímetros de tombamento. No entanto, nas entrevistas, a ausência de alusões às vias como
conjuntos indica que esse padrão de tombamento, que considera a ambiência do cenário
tombado, não adquiriu ressonância entre a população do local. Considero que a falta de
ressonância do tombamento das ruas como conjuntos se deve aos seguintes fatores: 1. a
valorização das casas coloniais nos dossiês e na publicidade institucional sobre a cultura
itabiritense em detrimento das demais tipologias arquitetônicas encontradas na área; 2. a
ausência de divulgação pelo campo do patrimônio dos conjuntos urbanos tombados no centro
histórico, considerando suas múltiplas formas e apropriações; 3. a noção que circula entre os
moradores da área sobre a inexistência de um conjunto a ser preservado, visto que as ruas
abrigam atualmente variadas tipologias arquitetônicas que são interpretadas como
“descaracterizações” do cenário colonial; 4. o amplo destaque às edificações tombadas
isoladamente na década de 1990, como no painel com a localização dos imóveis e na
implantação de placas informativas somente nesses bens.
Assim, a representação positiva da política de proteção ao patrimônio cultural se
relaciona, sobretudo, à proteção da paisagem do passado conservada nas ruas do Rosário e
Sete de Setembro e que ancoram as memórias particulares de seus moradores tradicionais, os
quais mantêm vínculos duradouros com o espaço. Porém, a conotação normativa atribuída às
ações patrimonialistas pauta-se no reconhecimento das estratégias de preservação (diretrizes
para as intervenções nos imóveis) como condição para a manutenção da “característica
111
histórica” das vias. Sobre esse aspecto, um morador, 71 anos, narrou como a construção de
um prédio na Praça da Açucena (localizada no final da Rua Sete de Setembro) no início da
política preservacionista, quando não existiam diretrizes específicas para o entorno do centro
histórico, impediu a visibilidade da ladeira do Matozinhos: “Ontem mesmo estava passando a
procissão do Senhor dos Passos e eu brincando [...] que a gente não vê mais a cobra pelo
chão.”
Para subtrair da paisagem a memória das procissões da Semana Santa que sobem em
direção à Capela do Bom Jesus do Matozinhos e podiam ser vistas da Rua Sete de Setembro,
o morador pediu ao filho, artista plástico, que registrasse o antigo cenário na parede de sua
sala, imortalizando a paisagem histórica como a figura de um antepassado (FIGURA 44).
Essa disposição no interior de algumas casas de paisagens culturais do núcleo urbano
primordial, representado por meio da arte pictórica, além de transpor para o espaço privado os
símbolos do espaço público, monumentaliza o centro histórico e aumenta seu capital
simbólico (TAMASO, 2007)41.
FIGURA 44. Pintura da ladeira do Matozinhos na parede de uma casa da Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2010.
41
Conforme Choay (2006), o sentido do monumento é a rememoração. Os monumentos não trazem informações
imparciais, mas são carregados de memórias vivas. Assim, ao ocuparem o interior das casas, as paisagens do
centro histórico evocam lembranças e estreitam a relação entre o passado e o presente.
112
FIGURA 45. Construção que alterou a vista da ladeira do Matozinhos a partir da Rua Sete de Setembro.
Fonte: Foto da autora. 2011.
Ainda em relação ao reconhecimento da política preservacionista e de suas diretrizes,
as falas dos moradores não apresentaram diretamente conflitos relativos à limitação do direito
de propriedade dos bens patrimonializados. Mesmo os donos de edificações que não foram
tombadas isoladamente na década de 1990 e que afirmaram que o tombamento recai somente
sobre os arruamentos e não inclui todas as casas dos logradouros, manifestaram conhecer e
cumprir as regras para intervenções no perímetro, como a solicitação de autorização para a
realização de reformas externas nas edificações ou desmembramentos de terrenos: “Pra
começar, não pode mudar nada, mesmo não sendo tombada. Mas tem que respeitar a lei. [...]
De um tempo pra cá, a gente tem que pedir licença na prefeitura. Antigamente não. [...] Por
aqui não pode construir prédio, não pode construir nada que afeta a visão.” No entanto, o
relato de outro morador, 60 anos, revela que algumas táticas foram utilizadas no perímetro,
quando se falava no tombamento, para que algumas construções fossem remodeladas antes
das limitações impostas pela legislação patrimonial: “Algumas moradias, algumas residências
tiveram algumas modificações estruturais, fizeram algumas adaptações, até próximas à lei de
tombamento. Isso é uma forma de dizer que o que estava feito, estava feito.”
A existência de diretrizes para interferências nos imóveis da região do centro histórico
e a necessidade de submissão dos projetos de intervenção ao COMPURB e CONPATRI não
foram relatadas nas entrevistas ou em conversas informais como aspectos negativos da
política preservacionista. Nas respostas dos moradores, não identifiquei narrativas avessas às
113
medidas de preservação instituídas pela agência municipal de gestão patrimonial. Pelo
contrário, os moradores tradicionais caracterizaram o regramento do uso e ocupação do centro
histórico como mecanismo de preservação não apenas dos marcos simbólicos da história da
cidade, mas das referências materiais de suas memórias particulares.
Dois relatos feitos por habitantes dos conjuntos tombados são reveladores dessa
dimensão da política patrimonial associada à preservação de “sinais topográficos e vasos
recipientes da história da sensibilidade e da formação das emoções” (BOLLE, 194, p. 14). De
um entrevistado, 72 anos, ouvi: “Apareceram umas outras casas aí [...] fora do modelo antigo.
Inclusive jogaram no chão casa até muito bonita, que deixou muita lembrança nessa rua aqui.
[...] Tem muitas lembranças das pessoas.” Na mesma perspectiva, outro morador relatou: ”É a
história da cidade. É a memória das famílias. [...] Imagina construir um prédio aqui? [...] A
cidade tá crescendo, podem construir em outros bairros. [...] Parece que eu até conheço cada
pedrinha da rua.” Assim, a paisagem cultural do centro histórico é representada como suporte
para as memórias de seus moradores e as ações protecionistas interpretadas como legalidade
para a preservação de um cenário de rememoração. Como discutido, observei que temas da
paisagem urbana primordial (ruas, igrejas, becos e casas) são transpostos para o interior de
algumas residências (FIGURA 46) e colocados ao lado de fotografias de familiares, como
uma figura ancestral, preservando simbolicamente a imagem original da cidade em uma
atitude de monumentalização do centro histórico.
FIGURA 46. Quadro da Rua do Rosário em uma casa no mesmo local.
Fonte: Foto da autora. 2011.
114
Como exposto, o tombamento da Capela de Nossa Senhora do Rosário pelo SPHAN
em 1955 e as manifestações pela preservação da cultura local na década de 1980 contribuíram
para a formação de uma “consciência patrimonial” (PEIXOTO, 2003) relacionada ao centro
histórico. Além disso, o destombamento do Pico de Itabirito em 1965 e a destruição de
antigas edificações do centro histórico fundamentaram a organização de uma “retórica da
perda” (GONÇALVES, 1996) que orientou a apropriação dos bens culturais e naturais de
Itabirito como patrimônio.
Logo, a conotação positiva das ações preservacionistas relaciona-se ao fato de os
sentidos institucionais dos bens patrimoniais assemelharem-se aos valores simbólicos dos
bens culturais, representados como referenciais da ordem da cultura pelos moradores dos
conjuntos (FONSECA, 1994). Nesse contexto, as práticas institucionais de preservação são
reconhecidas como instrumentos de valorização de uma região avaliada por seus moradores,
assim como pelo campo do patrimônio, como merecedora da perenidade, conforme destacado
no relato de um morador: “Tudo tem um começo. A gente deveria ser valorizado em tudo,
sabe? Tudo o que vai vangloriar, seja o que for, é lá pra baixo [...]. Não valoriza o que teria
que ser valorizado.”
Apesar do reconhecimento positivo da política patrimonialista, representada
oficialmente como instrumento de preservação da paisagem cultural que simboliza a
identidade urbana e evoca memórias particulares dos moradores, durante as entrevistas
ocorreram representações negativas sobre as ações patrimoniais associadas à gestão do
patrimônio e ao projeto de revitalização. No entanto, destaco que os mesmos moradores que
relataram insatisfação com a gestão patrimonial não se opuseram aos processos de
patrimonialização e reconheceram a legislação patrimonial como medida positiva de
valorização do centro histórico. Entre essas entrevistas, destacaram-se relatos que indicam a
ausência de continuidade nas ações protecionistas e a deficiência na fiscalização do
cumprimento da legislação patrimonial. De acordo com um morador, 74 anos: “Tem uma
placa lá proibindo caminhão. Ali [Rua do Rosário] não é lugar de passar caminhão [...] nem
na Rua Sete de Setembro. Pois passa. [...] passa até trator lá na Rua do Rosário. [...] Se você
tem um patrimônio e não cuida dele, automaticamente ele acaba. Se você tem a lei e não cuida
dela, não adianta.”
115
FIGURA 47. Placa proibindo o trânsito de caminhões no centro histórico.
Fonte: Foto da autora. 2011.
Na mesma perspectiva, um entrevistado, 60 anos, ao descrever sua relação com os
procedimentos de patrimonialização, destacou que a legislação patrimonial é aplicada de
forma desigual conforme causas partidárias. Ao ser questionado sobre o campo do
patrimônio, ele afirmou se tratar de uma “fogueira de vaidades”, referindo-se às ações práticas
de conservação patrimonial conduzidas pelo pároco da Matriz de Nossa Senhora da Boa
Viagem que questiona o monopólio dos agentes oficiais em torno do patrimônio.
Lido facilmente [com o tombamento] porque eu gosto do moderno, usufruo do
moderno, mas eu conservo também essas coisas. E antes do tombamento já existia o
Conselho de Patrimônio Histórico que foi criado em gestões anteriores. [...] Ele
[tombamento] foi muito bem recebido por mim e por meus familiares como uma
legalidade para preservar. É a intervenção estatal limitando o direito de propriedade,
mas no sentido de manter um conjunto, preservar uma harmonia. Estabelecer regras
que possam ser comuns a todas as pessoas. [...] Os agentes políticos de períodos
diferentes têm formações culturais diversas. [...] Eu estava em um período de
recuperação [reforma] do imóvel em que a legislação foi absolutamente aplicada.
Diria que hoje existe uma mudança de determinados conceitos, de alguns valores
[...]. Não digo que eu poderia fazer diferente, mas até arriscar fazer alguma coisa,
não inovadora, mas dentro de um conjunto. Mas não tendo a necessidade de
preservar aquela originalidade. [...] Vamos permitir desde que não agrida!
Como discutido, o responsável pela Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem integrou
o Conselho de Patrimônio na década de 1990 e publicou um livro sobre a história da
Paróquia. Durante sua atuação religiosa e social na cidade ele se afastou das arenas
institucionais de preservação patrimonial, mas se manteve envolvido com ações particulares
de conservação dos bens patrimoniais de propriedade da Paróquia. Entre estas obras estão a
116
restauração da Matriz, restauração de imagens sacras, compra de casarões no centro histórico
para instalação das dependências do Museu de Arte e Ofício de Itabirito, entre outras. Logo,
as medidas de conservação e divulgação dos bens culturais da Paróquia e de seu entorno,
conduzidas pelas Obras Sociais da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, parecem
contribuir para a “consciência patrimonial” do centro histórico (PEIXOTO, 2003). Nesse
contexto, considero que o desempenho do pároco na valorização do centro histórico
representa uma posição de contraponto no interior do campo do patrimônio (BOURDIEU,
1996), visto que sugere uma nova perspectiva para a gestão patrimonial, ainda que não se
oponha aos significados oficiais das patrimonializações.
As ações patrimonialistas são reconhecidas pelos moradores das ruas do Rosário e
Sete de Setembro como estratégias positivas de preservação do centro histórico. No entanto,
as falas dos moradores sugerem conflitos associados à gestão do patrimônio e se relacionam à
ausência de recursos para a conservação das casas, aos impasses originados na relação entre o
campo do patrimônio e o campo do poder na cidade e à divulgação institucional das ruas e
casas dos perímetros.
As representações da política preservacionista por meio das categorias nativas
“balela”, “fantasia”, “decepção”, “frustração”, “desgosto” e “apenas discurso político”
sugerem insatisfações subjetivas relacionadas à gestão do patrimônio conduzidas pelos
membros do Conselho e funcionários da DMMP, ocupante da posição dominante no campo
do patrimônio na cidade. O descontentamento dos moradores do centro histórico não se refere
a conflitos por significados, mas a ausência de fomento do poder público para a conservação
dos imóveis e a falta de continuidade das ações de conservação e promoção da área. Nesse
sentido, quando questionados sobre suas relações com o campo do patrimônio, surgiram
expressões que apontam um desagrado com as obras executadas durante o projeto de
revitalização no centro histórico e a falta de subsídio financeiro para a conservação das
edificações.
Um morador, 56 anos, relatou que para ele “a rua tem um significado histórico [...]
mas a gestão ocorre de forma equivocada”. O mesmo entrevistado disse que esperava receber
benefícios específicos para a conservação de sua residência após o tombamento e que entende
as restrições “como empecilho para que as pessoas não alterem o que restou”, mas que
pretende solicitar o destombamento da casa como atitude de protesto. Outro morador, 72
anos, afirmou que recorreu ao poder público municipal em diversas ocasiões buscando ajuda
para a reforma de sua residência, mas não foi contemplado com as intervenções que a
residência necessita: “A gente vai lá e conversa com eles sobre o que precisa ser feito. Eles
117
dão até bastante esperança pra gente. [...] O pouco que ajudar já ajuda. A pessoa às vezes não
tem condições de deixar ela [a casa] do jeito que tem que ser a conservação.” Assim, a
colaboração financeira da municipalidade na conservação das edificações é interpretada como
contrapartida à nomeação das edificações como patrimônio.
FIGURAS 48 e 49. Interior de uma casa do centro histórico com danos no forro e no revestimento das paredes.
Fonte: Foto da autora. 2010.
Portanto, esse descontentamento com o estado de conservação dos imóveis parece se
basear no interesse da população em receber benefícios a partir da patrimonialização, além da
isenção do IPTU que é concedida aos moradores dos conjuntos tombados. A dispensa do
pagamento do imposto municipal aos moradores das edificações tombadas se aplica a todos os
imóveis inseridos nos conjuntos e deve ser requerida anualmente pelos moradores no setor de
tributação da prefeitura. No entanto, as falas dos entrevistados indicam que a dispensa do
tributo não é suficiente como benefício: “A gente não paga IPTU para ir conservando. Mas
mesmo assim não é fácil não.” De outro morador ouvi: “Eles fizeram uma lei aí que não paga
IPTU. A gente paga taxa, que eu acho que nem isso a gente deveria pagar. Mas dentro da lei
que eles fizeram [...] o IPTU não paga, mas taxa paga. Vem o carnê.”
Ainda no que se refere à conotação negativa das ações laterais de patrimonialização, as
entrevistas aludem uma possível insatisfação com o projeto de revitalização, que foi
desqualificado por meio das expressões: “o discurso é muito em torno de pouca coisa”,
“projeto de fachada” e “não mudou em nada”. Por outro lado, identifiquei perspectivas que
abordam a revitalização como uma estratégia pontual e incompleta de valorização do centro
118
histórico, como relatado por um morador: “Hoje não tô vendo ação. Do que eles fizeram,
parece que está pronto.” Outro entrevistado, 60 anos, apesar de representar positivamente as
ações de revitalização, retomou o tema da descontinuidade das medidas laterais de
patrimonialização. De acordo com ele: “O projeto de valorização da área foi bem estruturado
e lamento não ter continuidade.” Na mesma perspectiva otimista, um dos moradores, 74 anos,
relatou: “Eu acho que eles fizeram [a revitalização] porque estava na onda disso, né? Toda
cidade estava fazendo. Então na nossa aqui não ia ser diferente.”
A percepção negativa dos atos laterais de patrimonialização indica que os moradores
possuíam expectativas de mudanças nas condições materiais e cotidiana das ruas do Rosário e
Sete de Setembro, como o aumento de visitantes na região. Embora as entrevistas tenham
sugerido um reconhecimento positivo da legislação patrimonial, representada como uma
“legalidade para preservar”, a conservação e a promoção do patrimônio e, principalmente, a
ausência de fomento para a conservação das edificações aparentam ser os pontos de tensão
que permeiam a patrimonialização do sítio urbano primordial. Nesse sentido, a revitalização
do centro histórico é classificada nas narrativas dos moradores como uma etapa incompleta do
projeto de valorização da região consagrada como símbolo da cultura itabiritense. Os relatos
de dois moradores esclarecem esse posicionamento negativo em relação às ações urbanísticas
e arquitetônicas executadas: “O que a pessoa vê lá na rua, por exemplo, a pessoa vê que tá
tudo legal, mas quando chega pra olhar por dentro, não tá legal. Tem alguma coisa assim que
era pra ter arrumado.” Na perspectiva de outro entrevistado: “Isso aí é só caiação. Eles só
pintaram por fora. [...] vieram e fizeram placa, e traz não sei quem e bate palma e solta
foguete [...]. Puro sepulcro caiado.”
4.2.2. “Nossa Senhora da Boa Viagem, minha vizinha”: vivências e memórias de um
cenário patrimonializado
Enquanto os discursos oficiais de patrimonialização ressaltam os valores coletivos das
ruas do Rosário e Sete de Setembro, consagradas oficialmente como símbolos da cultura
itabiritense e representação da época colonial no cenário urbano atual, as percepções dos
moradores dos conjuntos tombados dirigem-se para as experiências e memórias construídas
119
nesse lugar42. Os sentidos do lugar narrados pela população são fruto das “experiências
diretas” (TUAN, 1983), das vivências com as ruas e casas dos conjuntos. No entanto, como
discutido, a população do centro histórico não deixou de relatar o significado da região para a
história da cidade, associando o valor coletivo relacionado à percepção patrimonial sobre a
área aos significados particulares e afetivos dos bens patrimonializados.
Durante as entrevistas, quando questionados sobre a sociabilidade instalada nas vias
(aqui entendida como as relações de vizinhança), os moradores escolheram entre suas
memórias os acontecimentos que representam as vivências e memórias tecidas com o lugar
atualmente patrimonializado. Em meio às representações sobre a política de preservação e o
projeto de revitalização, surgiram memórias que indicam as experiências da população com
esse cenário urbano, assim como sugerem as apropriações cotidianas do centro histórico.
Conforme Santos (1998, p. 353), “A memória não se constitui de elementos exteriores a nós,
mas de imagens que nós podemos ter a partir de nossas experiências sensíveis. São estas as
experiências que podem ser lembradas”.
As narrativas dos moradores, no que se refere às vivências e memórias dos conjuntos
tombados, relacionam-se às recordações das experiências no espaço público, onde os vizinhos
se reúnem para conversar, rezar e observar os filhos brincarem. Em meio às memórias
construídas pelos usos e apropriações do centro histórico, os moradores atribuem valor afetivo
e caracterizam o espaço público como “prolongamento de sociabilidades pessoais.” (LEITE,
2006, p. 32). Portanto, a preservação da paisagem cultural ultrapassa a salvaguarda do cenário
que simboliza a fundação da cidade, relacionando-se com a preservação dos suportes para as
memórias que fazem do espaço um lugar.
As memórias dos conjuntos tombados são representações individuais que emergem do
ato de lembrar e se originam da experiência urbana (TAMASO, 2006) e, apesar de
particulares, guardam aproximações sobre o cotidiano do espaço que procedem das vivências
coletivas, como as conversas ao redor da antiga fonte e os encontros entre vizinhos:
O pessoal convivia muito uns com os outros porque não tinha instalação de água.
Não tinha rede de esgoto nem água. Tinha as bicas [...]. Aí o pessoal conversava
muito uns com os outros. Eu achava até que deviam ter deixado essa bica lá, nesse
lugar. Ia lá lavar roupa, trazia água pra tia aqui. Naquela época não tinha nem rádio.
Aí o pessoal reunia nas esquinas, os meninos brincavam muito nas esquinas,
brincavam de roda. Era muito menino, não é igual agora não. Toda casa tinha oito,
10 ou 15. Muito menino.
42
Conforme Tuan (1983), o lugar é um centro carregado de significados, incorporando escalas espaciais e
relações sociais distintas. Portanto, o conceito de lugar não representa uma definição locacional, mas remete a
memórias e vivências dos indivíduos com o espaço, sugerindo a organização de laços afetivos com o ambiente.
120
As referências dos entrevistados aos acontecimentos diários e rituais das ruas do
Rosário e Sete de Setembro pautam-se na oposição entre o passado e o presente, associadas a
qualificadores contrários como “movimentada” e “morta”, ambos relacionados à ocupação do
espaço público. Os usos dos conjuntos no passado ilustram as memórias do lugar marcadas
pela agitação das crianças brincando e pelas manifestações religiosas que se caracterizavam
como os principais momentos de sociabilidade entre os vizinhos, como sugere a fala de um
morador: “A gente tem um bom relacionamento. Quando chega a novena de Natal, Campanha
da Fraternidade, a vizinhança participa. [...] Hoje em dia não tem nem criança mais para
participar.”
Os relatos coletados entre os moradores sugerem que as ruas abrigaram livremente as
brincadeiras da infância, com os becos servindo de refúgio para o esconde-esconde, ou se
transformavam no caminho para Belém nas Folias de Reis ou em cenário para as variadas
festas religiosas: “A gente era uma meninada. Ô rua movimentada! A gente brincava nisso
aqui. [...] a Festa da Boa Viagem. Mês de maio, tinha a coroação com leilão.” Conforme outro
morador: “Tinha banda na rua e o pessoal acompanhava quando eu era criança. E tinha Folia
de Reis. Aí era o pessoal que saía vestido de reis e visitando os presépios e o pessoal atrás
cantando e visitava as casas.”
As manifestações religiosas ocupam lugar central nas memórias dos moradores. Como
cenários para os encontros entre vizinhos e contextos para a vivência do espaço público, os
rituais religiosos são momentos referenciais sobre a ocupação dos conjuntos. Durante o
trabalho de campo, acompanhei as cerimônias da Semana Santa realizadas no centro histórico
em 2010 e observei como o local é apropriado simbolicamente como o caminho para o
Calvário.43 A Rua Sete de Setembro, que serve de ligação entre a Matriz de Nossa Senhora da
Boa Viagem, de onde sai a procissão do Senhor dos Passos, e a Capela do Bom Jesus do
Matozinhos, local de depósito da imagem, ficou repleta de fiéis que piedosamente
acompanharam o translado simbólico de Jesus carregando a cruz. Ainda que para mim o
espaço estivesse preenchido pela multidão que seguia a procissão, caracterizando o momento
como o mais intenso no que se refere à ocupação do espaço, os moradores com os quais
conversei descreveram os rituais do passado como cerimônias com “participações mais
43
Os responsáveis pelas paróquias de Nossa Senhora da Boa Viagem e de São Sebastião organizam
conjuntamente as cerimônias da Semana Santa. Assim, a cada ano as celebrações ocorrem em uma paróquia. No
entanto, os moradores do centro histórico relataram que essa prática prejudicou a tradição local de realizar as
celebrações e colaborou para a falta de conservação dos únicos três Passos da Paixão ainda existentes, sendo dois
localizados na Rua Sete de Setembro e um na Rua do Matozinhos.
121
numerosas” ou que “tinham mais pessoas” e “acabaram com a Semana Santa.” Apesar dos
aspectos relacionados ao diversificado cenário religioso brasileiro na atualidade, o que,
certamente, influencia na quantidade de pessoas que frequentam as cerimônias católicas, os
moradores do centro histórico utilizaram a participação nas procissões para classificar o
espaço como “vazio” a despeito da valorização patrimonial da região.
Ainda sobre a religião como elemento de integração entre os moradores do centro
histórico e aspecto que permeou as narrativas das vivências e das memórias do lugar, os
relatos de dois entrevistados, 72 e 74 anos, respectivamente, elucidam a representação da
Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem como principal espaço de sociabilidade e referencial
para os moradores das ruas do Rosário e Sete de Setembro: “Dia 15 de agosto, que é dia da
protetora do bairro, Nossa Senhora da Boa Viagem, aí tem tudo. Tem novena, procissão. Tem
festa os dias todos. Barraquinha não tem mais.” Na perspectiva de outro entrevistado: "Moro
na Rua do Rosário desde que nasci. Meus vizinhos são a coisa melhor que eu tenho. Primeiro,
eu tenho uma vizinha que é mãe do filho de Deus e mãe de Nosso Senhor [...] que é Nossa
Senhora da Boa Viagem, minha vizinha.”
Entre as narrativas sobre as experiências no espaço público destacou-se nas
entrevistas a antiga presença das casas comerciais. As vendas, os bares e as lojas foram
citados como qualificadores da centralidade da região no cenário urbano até o início do século
XX. Além disso, o comércio e as pequenas manufaturas, como as fábricas de calçados,
contribuíram para a circulação de pessoas pelas ruas do Rosário e Sete de Setembro. Na
pesquisa, pude identificar a concentração no passado de casas comerciais principalmente na
Rua Sete de Setembro, sendo que algumas funcionaram até a década de 1980, como a loja do
Zé Bacula e o bar do Zé Balbino.
O cotidiano pretérito do atual espaço patrimonializado é cantado pelo grupo
itabiritense de samba de raiz Cachaça com Arnica (QUADRO 5) que descreve a prática de as
crianças irem à antiga venda do Zé Balbino fazer pequenas compras para os pais, atividade
experimentada no passado por integrantes do grupo. A letra também evoca os moradores
tradicionais e apresenta um “tempo social” que os dossiês de tombamento e o discurso oficial
suprimiram em nome de um “tempo monumental”, pautado na representação coletiva,
genérica (HERZFELD apud TAMASO, 2007).
122
Menino, vai no Zé Balbino.
Menino, vai no Zé Balbino / Comprar um pedaço de queijo
Menino, vai no Zé Balbino / Uma linguiça Maria Rosa
Menino, vai no Zé Balbino
Zé Balbino era um senhor
Que tinha uma venda.
Era pai do Xulico
Da Luzia e da Vanda.
Lá vendia de tudo
Secos e molhados
Pastéis dóceis e salgados
E também kichute
Pro meu irmão mata cão
Jogar bola no campinho
Da Carioca.
Menino, vai no Zé Balbino.
Mas que saudade que eu tenho
Daquele tempo.
A gente vivia em comunidade.
Todo mundo era pai todo mundo era mãe...!
E filhos!
Ninguém ficava sem um pouco de carinho
Um ombro amigo
Pessoas tão boas que cuidaram tanto da gente
Na Rua Sete de Setembro na Boa Viagem.
Quem não se lembra de Nonô Bebe Soda,
Seu Plinio, Seu Waldomiro, Seu Milton e Dona Arpálice,
Laurita e Lilina, Edite e Tutuca, Bacula e Danduque Piolho.
Quadro 5. Letra da música Menino, vai no Zé Balbino.
Fonte: Márcio Lima (Autor). Grupo Cachaça com Arnica.
A circulação de pessoas em torno dos estabelecimentos comerciais foi relatada pelos
moradores na descrição das dinâmicas sociais e serviu como elemento de oposição entre o
passado e o atual contexto de uso do espaço público do centro histórico. Tanto na música do
grupo Cachaça com Arnica, quanto nas entrevistas com os moradores das ruas do Rosário e
Sete de Setembro, identifiquei um saudosismo em relação a um tempo preenchido por
experiências coletivas que eram mais frequentes no local. Ressalto que em suas narrativas os
moradores privilegiaram as experiências em grupo, silenciando os usos individuais do espaço
com a suposta intenção de caracterizar a movimentação da área e sua significação coletiva.
Crianças brincando, pessoas transitando entre as casas comerciais, serestas e rezas foram as
principais vivências descritas pela população dos conjuntos, sugerindo a agitada rotina de uma
época repleta de vida no antigo sítio urbano, conforme os relatos de dois moradores:
123
[...] essa rua era uma rua muito movimentada [...] porque aqui tinha comércio. O
centro comercial era aqui. Aqui era a loja da Odete, que era o maior armarinho de
Itabirito. Vinha gente de fora pra comprar aqui. [...] A venda do Zé Bacula. Do lado
era a venda do Zé Balbino, entendeu? Descendo um pouco mais era a venda do
Lindouro [...] a venda do Zé Michel era mais embaixo.
Essa juventude de hoje eu não sei o que eles pensam da rua. É apenas um acesso.
[...] Tinha o bar do meu avô e depois da missa, da procissão, as pessoas iam para o
bar e minha avô fazia peixe, pastéis. Aí divertia, tinha mais movimento. [...] Naquele
tempo envolvia muitas pessoas, tanto na colaboração da festa [da Boa Viagem]
quanto no público. Hoje tô vendo que tá acabando. Em vista de antigamente, podia
colocar nisso daí [procissão] umas quatro ou cinco vezes! [...] Chegava lá no
Matozinhos e a procissão, o final dela, ainda estava aqui [na Rua Sete de Setembro].
[...] O pessoal antigo já não tão existindo mais. Tá acabando. [...]. Igual nós, ficava
brincando na rua. Bola, bolinha de gude, pegador. Hoje não vê mais isso. E tinha
movimento. Nessa rua tinha movimento de carro, de bicicleta, de pessoal com tropas
de burro, de cavalo. E via até, às vezes, boiada daqueles fazendeiros lá do Paraopeba
e de Moeda trazendo aqui para os pastos aqui das redondezas. [...] Hoje nem vê o
outro. [...] Não tem convivência.
A agitação nas ruas foi apresentada a partir das eventuais manifestações religiosas e
das experiências diárias, como as conversas entre os vizinhos, as brincadeiras da infância e o
comércio. Na perspectiva de um morador: “Agora a gente passa aqui e não tem quase
ninguém. Tem a novena de natal, mas o pessoal não leva a sério não. Difícil de reunir o
pessoal. De vez em quando tinha a seresta, mas ultimamente nem seresta o pessoal tá
querendo fazer.” Nesse sentido, a memória de um espaço movimentado preenche a atual
lacuna de ocupação desse cenário urbano. De acordo com um entrevistado: “Hoje é uma rua
morta. Os antigos foram morrendo [...] vai casando, vai mudando. Os novos foram saindo
[...]. Tá uma rua velha, ficou uma rua velha.” Na mesma perspectiva, ouvi de outro morador,
74 anos: “Muito diferente. Demais. A vizinhança acabou [...]. Com a televisão, acabou as
fofocas dos vizinhos. Sem a televisão, a mulher debruçava na janela e conversava com a
mulher do outro lado. Você não vê vizinho mais na janela. [...] Acaba e missa e quando você
vê já sumiu todo mundo. [...] Sei que eu moro na parte velha [...]. Não vê nem um bar lá mais,
nem um restaurante. [...] Lá é um museu, sem nada dentro do museu. Nas casas, né? Nas
casas velhas não tem mais nada.”
124
FIGURA 50. Pessoas descendo a Ladeira de São Francisco ao lado da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Ao fundo a “nova cidade”. 1927.
Fonte: DMMP/PMI.
As memórias e vivências do espaço patrimonializado narradas nas entrevistas com
moradores tradicionais das ruas do Rosário e Sete de Setembro foram marcadas pela
dicotomia movimento/vazio na caracterização do passado e do presente do lugar. Os
entrevistados se referiram ao passado como um tempo de vida nesse cenário urbano, e as
recordações se dirigiram para as experiências coletivas, momentos de sociabilidade que
diminuíram na atualidade. As representações das ruas pelas expressões nativas “velha”,
“morta” e “museu” alinham-se às referências tecidas no início do século XX sobre a nova e a
velha cidade. Portanto, o centro histórico parece assumir diante da “nova cidade”, alteridade
que contribuiu para a mudança de percepção sobre essa região, a identidade de local do
passado, “como um museu de história” (SILVA, 1996, p.165).
Por fim, as narrativas dos moradores foram atravessadas pela oposição entre o passado
e o presente na tessitura das memórias construídas nas experiências vivenciadas em um
passado “movimentado”. Apesar de balizadas pela dicotomia apresentada, as memórias dos
moradores revelam aspectos cotidianos e rituais dos bens patrimoniais que não se encontram
nos atos oficiais de patrimonialização, sugerindo a polissemia na interpretação do espaço
urbano. As memórias narradas nas entrevistas são mediadoras entre o valor oficial do
patrimônio e as significações atribuídas pela população do local. Portanto, da rememoração
surgem “crônicas do cotidiano” de um espaço patrimonializado, que não são contrárias aos
significados coletivos, às “representações ideológicas” (BOSI, 2003), mas sugerem as
variadas abordagens de um cenário patrimonializado.
125
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da
circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os
tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso,
mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado
[...]. (CALVINO, 1990, p. 38).
Falar da construção do patrimônio se torna algo incompleto se não abordarmos as
representações e as apropriações dos bens patrimoniais inseridos no cotidiano das cidades.
Como discutido por diversos autores (ARANTES NETO, 1984; CANCLINI, 1994;
GONÇALVES, 2005, 2007), os valores oficiais atribuídos ao patrimônio nem sempre atingem
as populações que convivem e interagem com os bens culturais nomeados como símbolos
identitários.44 Da mesma forma, diante da diversidade de interpretações e apropriações da
materialidade das cidades, que derivam das interações desiguais entre a população e os
objetos urbanos e da definição unilateral dos atores que participam da produção do
patrimônio, o reconhecimento dos bens nomeados como símbolos da coletividade também é
assinalado por disparidades. Nesse sentido, a interpretação da paisagem arquitetônica das
cidades assim como da materialidade urbana em todas as suas manifestações se configura
como objeto profícuo nas análises sobre o patrimônio cultural.
Ao longo desta investigação procurei demarcar a dimensão simbólica associada à
patrimonialização das ruas do Rosário e Sete de Setembro, localizadas no centro histórico da
cidade de Itabirito, investigando a valorização histórica dessas vias e a atribuição de valor
patrimonial a esse espaço no interior do campo do patrimônio municipal. Para tanto, o
contexto de fundação do campo do patrimônio e os arranjos da política local de proteção ao
patrimônio cultural foram definidos e relacionados aos parâmetros do IPHAN e do
IEPHA/MG no que se refere à municipalização da preservação cultural.
No entanto, tomando como pressuposto a desigualdade na interpretação do patrimônio,
deparei-me com a necessidade de delimitar as aproximações e os afastamentos entre o
discurso oficial sobre os bens patrimoniais, proferido pelo poder público por meio dos
44
A relação irrefletida entre patrimônio e identidade, de acordo com Tamaso (2008), deve ser objeto de crítica,
considerando que o patrimônio não se apresenta naturalmente como referência identitária de um povo, sendo
essa relação construída socialmente por agentes legitimados. Logo, o patrimônio se caracteriza como recurso
retórico acionado quando se busca representar algum bem cultural como símbolo identitário.
126
ocupantes das posições institucionais do campo do patrimônio municipal, e as representações
presentes entre os moradores das ruas do Rosário e Sete de Setembro em relação às ações
patrimonialistas e aos próprios conjuntos nomeados patrimônio. As narrativas oficiais e as
representações da população tradicional dos conjuntos patrimonializados não se apresentaram
diferenciadas, constituindo-se unívocas em relação aos valores coletivos atribuídos ao espaço.
Certamente, a investigação com habitantes de outras regiões da cidade de Itabirito pode
apresentar informações distintas das obtidas na investigação desenvolvida, o que caracteriza
esta pesquisa como parcial na análise da apropriação de espaços urbanos.
A aproximação entre as representações sobre o patrimônio indica tanto a ressonância
do discurso oficial da patrimonialização, quanto sugere a institucionalização pelo campo do
patrimônio de valores tradicionais sobre cenários urbanos originados nos primórdios de
fundação da cidade. A partir de narrativas tradicionais sobre a história itabiritense, anunciadas
pela elite cultural urbana e publicadas por memorialistas e jornalistas locais, considerei que
desde o início do século XX circulavam representações sobre o sítio urbano primordial como
“marco histórico da cidade” (PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO, 1998). Essa
percepção sobre o local inicial da povoação organizou-se diante da mudança do eixo de
ocupação urbana da parte alta para a planície no limiar do século XX. Em decorrência da
formação de uma “nova cidade” (SILVA, 1996), o antigo centro urbano passou a representar
o passado local. No mesmo sentido, os tombamentos realizados pelo SPHAN no município na
década de 1950 e a proximidade com Ouro Preto contribuíram para o desenvolvimento na
cidade de uma percepção patrimonial sobre o sítio colonial urbano.
A valorização histórica desse espaço foi privilegiada pelo campo do patrimônio na
definição dos bens culturais urbanos patrimonializados na trajetória da política municipal de
preservação cultural. Soma-se a isso o significado dos critérios do IEPHA/MG para
arrecadação do ICMS Cultural no que se refere às categorias de tombamento praticadas na
cidade. De tal modo, a patrimonialização conduzida pelo poder público municipal nas ruas do
Rosário e Sete de Setembro afirmou o valor histórico dessa região e seu significado para a
história colonial urbana.
As representações da população também indicaram a identidade e a história como
justificativas para a preservação. Portanto, essas narrativas se alinharam aos valores oficiais,
baseados em uma suposta hegemonia do patrimônio que sustenta a construção de símbolos,
em torno da proteção de bens culturais consagrados como ícones da identidade urbana.
Porém, o investimento no passado não ocorre apenas em favor da identidade coletiva.
O encontro entre a valorização oficial e as representações dos moradores não revela apenas a
127
ressonância da patrimonialização e a reprodução dos discursos oficiais do patrimônio. As
falas da população dos cenários patrimonializados indicam como o patrimônio é associado à
noção de continuidade e conservação da paisagem cultural. A possibilidade de benefícios para
a conservação das edificações e a iminência de perda das referências materiais que sustentam
a memória dos moradores despertou o consenso em relação às ações protecionistas. A
proteção da memória individual e familiar permeou as justificativas dos moradores sobre o
significado coletivo da patrimonialização. Por outro lado, a revitalização urbanística
conduzida pelo poder público municipal anunciava restaurar a movimentação experimentada
no passado das antigas ruas. O patrimônio oferecia possibilidades de desenvolvimento
econômico e social para a região. A decepção surgiu diante da ausência de continuidade da
promoção do núcleo histórico.
Temos assim, a representação da patrimonialização das ruas como legalidade para a
proteção da memória dos moradores e da revitalização como possibilidade de retomada da
centralidade (ainda que simbólica) dessas vias na configuração urbana, o que caracteriza uma
perspectiva positiva dos moradores em relação às ações patrimonialistas. Com intenção de
proteger as memórias particulares, construídas nas vivências dessa população com o espaço
patrimonializado, e obter apoio na conservação das edificações, os moradores dos conjuntos
tombados acionam a história urbana como justificativa para a preservação da região. Tais
aspectos remetem aos usos do patrimônio e da política patrimonial, revelando a complexidade
na interpretação das implicações práticas da afirmação simbólica de um cenário urbano como
patrimônio.
Por fim, procurei nesta dissertação destacar aspectos da construção do patrimônio por
uma agência municipal de preservação patrimonial, destacando sua constituição no interior do
processo endógeno de valorização da história urbana e suas relações com a descentralização
da salvaguarda do patrimônio conduzidas pelo IPHAN e IEPHA/MG. Assim, no caso
específico da patrimonialização de trechos urbanos em Itabirito, os significados institucionais
do patrimônio são semelhantes aos valores atribuídos ao espaço por sua população tradicional,
ainda que a valorização coletiva seja repleta por motivações particulares. No entanto, diante
da crescente participação dos municípios mineiros no ICMS Cultural e da intensa construção
do patrimônio pelas municipalidades no estado, as agências locais de preservação patrimonial
se consolidam como nova posição no campo nacional do patrimônio, despertando novas e
instigantes questões para o tema do patrimônio cultural.
128
REFERÊNCIAS
Bibliográficas
ARANTES NETO, A. A. (Org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do
patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984.
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: A cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES,
Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único:
desmanchando consensos. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 11-74.
ARAÚJO, Guilherme Maciel. Instrumentos urbanísticos na preservação do patrimônio – áreas
de conservação e planos urbanos. In: MIRANDA, Marcus Paulo de Souza; ARAÚJO,
Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo (Orgs.). Mestres e conselheiros: Manual de atuação
dos agentes do patrimônio cultural. Belo Horizonte, IEDS, 2009. p. 57-67.
ARROYO, Michele. A Gestão do Patrimônio em Belo Horizonte (1994 - 2003). In: Anais do
Seminário Inventário de Bens Culturais. Belo Horizonte: PBH - SMC - ASCOM, 2004. p. 2833.
BARREIRA, Irlys. Narrativas de Lisboa. In: FORTUNA, C., LEITE, Rogério Proença.
(Orgs). Plural de Cidades: léxicos e culturas urbanas. Coimbra: Edições Almedina, 2009. p.
207-224.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 1987.
BOLLE, Willi. Cultura, patrimônio e preservação. Texto I. In: ARANTES, A. A. (org.).
Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1984. p. 11-23.
BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
BOTELHO, T. R. Patrimônio cultural e gestão nas cidades: uma análise da lei do ICMS
Cultural de Minas Gerais. Habitus, v. 4, p. 471-492, 2006.
BOTELHO, Tarcísio R. Revitalização de centros urbanos no Brasil: uma análise comparativa
das experiências de Vitória, Fortaleza e São Luís. EURE, Santiago de Chile, n. 93, p.53-71,
2005.
BOURDIEU, P. A sociologia de Pierre Bourdieu. Renato Ortiz (Org.). São Paulo: Olho d’
Água, 2003.
129
BOURDIEU, P. As Regras da Arte: gênese e estrutura do campo literário. Lisboa: Presença,
1996.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
BOURDIEU, P. O que falar quer dizer. Lisboa: Difel, 1998.
BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das. Letras, 1990.
CANCLINI, Néstor Garcia. O Patrimônio Cultural e a Construção Imaginária do Nacional.
Revista do IPHAN, n. 23, p. 95-111, 1994.
CASTRIOTA, Leonardo Barsi. Alternativas contemporâneas para políticas de preservação.
Topos Revista de Arquitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, vol 1. n. 1, p. 134-138, 1999.
CASTRIOTA, Leonardo Barsi. Patrimônio Cultural: valores e sociedade civil. In:
MIRANDA, Marcus Paulo de Souza; ARAÚJO, Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo
(Orgs.). Mestres e conselheiros: Manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural. Belo
Horizonte, IEDS, 2009. p. 40-48.
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro: A História de uma Nova Linguagem na
Arquitetura (1930-60). Rio de. Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
CHAGAS, Mário. Cultura, patrimônio e memória. Educação, Ciências e Letras, Porto
Alegre, n. 31, p. 15-29, jan./jun. 2002.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP,
2006.
CHUVA, Márcia. A noção de autenticidade nas práticas de preservação cultural no Brasil:
representações em disputa. In: LOPES, Antonio Herculano; VELLOSO, Mônica Pimenta;
PESAVENTO, Sandra Jatahy (Orgs.) História e Linguagens: texto, imagem, oralidade e
representações. Rio de Janeiro: 7Lertas, 2006.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Em busca de uma polifonia urbana. Revista do
Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, p. 24-27, jul./dez. 2007.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Construções do passado: concepções sobre a proteção
do patrimônio histórico-artístico nacional (Brasil: anos 79-80). 1994. Tese (Doutorado em
Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Referências Culturais: Base para novas políticas de
patrimônio. Políticas sociais: acompanhamento e análise. IPEA, 2001. p.111-119.
GADELHA, Everaldo. Região Metropolitana do Recife: o espaço de suas relações
funcionais. 1997. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
130
GIDDENS, Anthony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: BECK, U.; GIDDENS,
A.; Lash S. Modernidade reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna.
São Paulo: Ed. Unesp, 1997. p. 73-133.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio
cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Antropologia dos objetos: coleções, museus e
patrimônios. Rio de Janeiro: IPHAN, 2007.
GONÇALVES, José Reginaldo. Ressonância, materialidade, materialidade e subjetividade: as
culturas como patrimônios. Horizontes Antropológicos, n. 23, jan/jun 2005, p. 15-36.
GOULART, Maurício Guimarães. Apenas uma fotografia na parede: caminhos da
preservação do patrimônio em Uberlândia (MG). 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo)-Universidade de Brasília, Brasília.
GUIMARÃES, Carlos Magno e REIS, Flávia Maria da Mata. Agricultura e mineração no
século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLALTA, Luiz Carlos. (Orgs.). As
Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007. p. 321336.
HALL, Stuart (Ed.) Representation: cultural representations and signifying practices.
London: Sage, 2001.
JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003.
LEFEVBRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004
LEFEVBRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
LEITE, Rogério Proença e PEIXOTO, Paulo. Políticas urbanas de patrimonialização e
contrarrevanchismo: o Recife Antigo e a Zona Histórica da Cidade do Porto. Cadernos
Metrópole, n. 21, p. 93-104, 1º sem. 2009.
LEITE, Rogério Proença. A exaustão das cidades: Antienobrecimento e intervenções urbanas
em cidades brasileiras e portuguesas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n.
72, p. 73-88, fev.2010.
LEITE, Rogério Proença. Margens do dissenso: espaço, poder e enobrecimento urbano. In:
FRÙGOLI JR., Heitor; ANDRADE, Luciana T. de; PEIXOTO, Fernanda A. (Orgs.) A cidade
e seus agentes: práticas e representações. Belo Horizonte/São Paulo: Ed. PUC Minas/Edusp,
2006. p. 23-44.
MENDONÇA, S. R. de. Por uma sócio-história do Estado no Brasil. In: CHUVA, M. (Org.).
A invenção do patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995. p. 67-80.
131
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 26ª
ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
MIRANDA, Marcus Paulo de Souza. Princípios básicos da proteção ao patrimônio cultural.
In: MIRANDA, Marcus Paulo de Souza; ARAÚJO, Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo
(Orgs.). Mestres e conselheiros: Manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural. Belo
Horizonte, IEDS, 2009. p. 15-24.
MORAES, Fernanda Borges de. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas
coloniais. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLALTA, Luiz Carlos. (Orgs.). As
Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007. p. 5586.
MOREIRA, Corina Maria Rodrigues. Patrimônio Cultural e Revitalização Urbana: usos,
apropriações da Rua dos Caetés, Belo Horizonte. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). PUC Minas, Belo Horizonte.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História, São
Paulo, n. 10, p. 07-28, dez. 1993.
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Barroco e rococó na arquitetura religiosa da
Capitania das Minas Gerais. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLALTA, Luiz
Carlos. (Orgs.). As Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do
Tempo, 2007. p. 365-382.
PEIXOTO, Paulo. Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades. A cidade entre
projectos e políticas. Colóquio. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Junho de
2003. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo8511.pdf. Acesso em: 05
set. 2010.
PEIXOTO, Paulo. A identidade como recurso metonímico nos processos de
patrimonialização. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra, n. 50, p. 183-204, dez.
2004.
PEIXOTO, Paulo. Requalificação urbana. In: FORTUNA, C., PROENÇA, Rogério Leite
(Orgs). Plural de Cidades: léxicos e culturas urbanas. Coimbra: Edições Almedina, 2009. p.
41-52.
PEREIRA, Márcia Custódia. Patrimônio Histórico-Cultural e Gestão Urbana: os casos de
Ouro Preto e Itaúna. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
RUBINO, Silvana. Enobrecimento urbano. In: FORTUNA, C., PROENÇA, Rogério Leite
(Orgs). Plural de Cidades: léxicos e culturas urbanas. Coimbra: Edições Almedina, 2009. p.
25-40.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo.
Revista Projeto, São Paulo, n. 86, p. 60-61, abr.1986.
132
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A luta da memória contra o esquecimento: reflexões sobre
os trabalhos de Jacques Derrida e Walter Benjamin. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, n.
82, p. 351-368, 1998.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. História e Memória: o caso do Ferrugem. Revista
Brasileira de História, São Paulo, n. 46, p. 271-295, 2003.
SILVA. Patrícia Reis da. A postura da municipalidade na preservação do patrimônio
cultural urbano. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-Universidade de
Brasília, Brasília.
SIMMEL, G. A metrópole e a vida do espírito. In: FORTUNA, C. (Org.). Cidade, cultura e
globalização. Ensaios de sociologia. Oeiras: Celta, 1997. p. 31-43.
TAMASO, Izabela Maria. A Cruz do Anhanguera: representações, experiências, memórias,
patrimônio. In: FRÙGOLI JR., Heitor; ANDRADE, Luciana T. de; PEIXOTO, Fernanda A.
(Orgs.) A cidade e seus agentes: práticas e representações. Belo Horizonte/São Paulo: Ed.
PUC Minas/Edusp, 2006. p. 245-273.
TAMASO, Izabela Maria. Em nome do patrimônio: representações e apropriações da
cultura na cidade de Goiás. 2007. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade de
Brasília, Brasília.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.
VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Editora
Nacional, 1948.
VELHO, G. O antropólogo pesquisando em sua cidade: sobre conhecimento e heresia. In:
VELHO, G. (org.). O Desafio da Cidade: novas perspectivas da antropologia brasileira. Rio
de Janeiro: Campus, 1980.
VICENTE, Eva. A economia do patrimônio. In: FORTUNA, Carlos e LEITE, Rogério
Proença (Orgs.). Plural de cidade: novos léxicos urbanos. Coimbra: Almedina/CES, 2009.
ZUKIN, S. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. In: ARANTES
NETO, A. A. (Ed.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. p. 80-103.
Documentais
Fontes impressas
ANTONIL, André João. Das minas do ouro que se descobriram no Brasil. In: ANTONIL,
André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda; São Paulo:
EDUSP, 1982. p.163-195.
133
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais.
Belo Horizonte: Editora SATERB Ltda, 1971.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 4a. ed. São
Paulo: Escala, 2010.
BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1976.
FIORILLO, Padre Miguel Ângelo. Fundamentos históricos da Paróquia de Nossa Senhora
da Boa Viagem. Belo Horizonte: O Lutador, 1996.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Deliberação nº 01/02. Dispõe sobre a pontuação prevista no Anexo III da Lei nº 13.803/2000.
Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2002.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Deliberação nº 02/02. Dispõe sobre a pontuação prevista no Anexo III da Lei nº 13.803/2000.
Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2002.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Deliberação nº 01/09. Aprova normas relativas à distribuição do ICMS em Minas Gerais.
Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2009.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS. PAC Política de Ação com as Comunidades. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 1983.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Relação dos bens protegidos em Minas Gerais apresentados ao ICMS Patrimônio
Cultural. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2010.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Resolução nº 01/97. Dispõe sobre a pontuação no critério Patrimônio Cultural do repasse do
ICMS aos municípios. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 1997.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS.
Resolução nº 01/00. Altera a distribuição da pontuação e estabelece valores percentuais para
os critérios exigidos. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2000.
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS
GERAIS. Política de Ação com as Comunidades - PAC: Documento Básico. Belo
Horizonte, 1983.
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS
GERAIS. Diretrizes para a Proteção do Patrimônio Cultural. Belo Horizonte, 2007.
Itabirito explode-se no avanço de seu parque imobiliário. Gazeta de Itabirito. Itabirito,
março de 1979.
134
ITABIRITO explode-se no avanço de seu parque imobiliário. Gazeta de Itabirito. Itabirito,
mar. 1979. p.1.
ITABIRITO. Decreto nº 1.716 de 18 de março de 1992. Dispõe sobre preservação de bens
imóveis e culturais do município de homologa seus respectivos tombamentos. Prefeitura
Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Decreto nº 1.792 de 22 de outubro de 1992. Dispõe sobre preservação de bens
imóveis e culturais do município de homologa seus respectivos tombamentos. Prefeitura
Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 1.313 de 31 de maio de 1985. Cria a Comissão Municipal de Cultura.
Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 1.506 de 20 de julho de 1989. Estabelece a proteção do Patrimônio
Histórico e Artístico de Itabirito, atendendo ao disposto no artigo 180 da Constituição
Federal, autoriza o Poder Executivo a instituir o Conselho Consultivo Municipal de
Patrimônio Histórico e Artístico de Itabirito, e dá outras providências. Câmara Municipal de
Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 14 de 1925. Institui a obrigação de construção de passeios em frente às
casas por seus proprietários. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.410 de junho de 2005. Delimita a área perimetral do núcleo histórico
de Itabirito e do seu entorno, é dá outras providências. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.455 de 29 de novembro de 2005. Estabelece a proteção do patrimônio
Cultural e Natural de Itabirito, atendendo ao disposto nos artigos 180, 216 e 23, III, IV, VI e
VII da Constituição Federal e cria o Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio
Cultural e de Itabirito (CONPATRI), e dá outras providências. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.460 de 14 de dezembro de 2005. Dispõe sobre o parcelamento, o uso e
a ocupação do solo urbano na sede municipal, nos distritos e nas áreas urbanas especiais do
município de Itabirito. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.468 de 15 de março de 2007. Institui a Proteção do Patrimônio
Imaterial, com fulcro no Art. 216 e Parágrafos e Art. 30 da Constituição Federal e Arts. 208 e
209 da Constituição Estadual e dá outras providências. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.494 de 11 de abril de 2006. Fixa normas sobre a proteção do
Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito, atendendo ao disposto nos artigos 180, 216 e 23,
III, IV, VI e VII da Constituição da República Federativa do Brasil, cria o Conselho
Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito – CONPATRI, e dá
outras providências. Câmara Municipal de Itabirito.
ITABIRITO. Lei nº 2.660 de 27 de março de 2008. Altera a Lei Municipal nº 2494, de 11 de
abril de 2006, que fixa normas sobre a proteção do Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito e
cria o Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito –
CONPATRI, e dá outras providências. Câmara Municipal de Itabirito.
135
LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania de Minas Gerais (origens e formação). 3ª ed.
Belo Horizonte: Instituto de História, Letras e Arte, 1965. p.18-64.
MINAS GERAIS. Decreto nº 42.505 de 15 de abril de 2002. Institui as formas de Registros
de Bens Culturais de Natureza Imaterial ou Intangível que constituem patrimônio cultural de
Minas Gerais. Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
MINAS GERAIS. Lei nº 12.040 de 28 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a distribuição da
parcela de receita do produto da arrecadação do ICMS pertencente aos Municípios, de que
trata o inciso II do parágrafo único do artigo 158 da Constituição Federal, e dá outras
providências. Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
MINAS GERAIS. Lei nº 13.803 de 27 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a distribuição da
parcela da receita do produto da arrecadação do ICMS pertencente aos municípios.
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
MINAS GERAIS. Lei nº 5.775 de 30 de setembro de 1971. Autoriza o Poder Executivo
a instituir, sob forma de Fundação, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico (IEPHA/MG) e dá outras providências. Assembléia Legislativa do Estado de Minas
Gerais.
MORAES, José Ermírio. Discurso do Senador José Ermírio de Moraes. Diário do Congresso
Nacional (Seção II), de 17 de junho de 1965. Revista Brasileira de Política Internacional,
n. 35-36, p. 47-56, 1966.
OLIVEIRA, Ronald Polito de e LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. (Orgs.). Visitas
Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825). Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, 1998.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Dossiê de tombamento da Rua do Rosário.
2005. Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Dossiê de tombamento da Rua Sete de
Setembro. 2005. Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Inventário da Rua do Rosário. 1992.
Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Inventário da Rua Sete de Setembro. 1992.
Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Jornal Cidade Viva, ago. 2007, p. 21.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Revista Viva, n. 1, dez. 2005.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Revista Viva, n. 2, dez. 2006.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Revista Viva, n. 3, dez. 2007.
136
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e
Turismo. Documentação encaminhada ao IEPHA/MG para ICMS Cultural. Pasta 1.
1998.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITABIRITO. Secretaria Municipal de Urbanismo. Projeto
do Plano Diretor Municipal. 1992.
SILVA, Olímpio Augusto da. Itabirito: minha terra (memórias). Itabirito: Prefeitura
Municipal de Itabirito, 1996.
SOUZA, Jarbas Nazareth de. Itabirito: Memória viva dos sentimentos. Belo Horizonte:
Duplo Ofício, 2004.
SOUZA, Jarbas Nazareth de. Itabirito: Memória viva dos sentimentos. Vol. II. Belo
Horizonte: Editora do Autor, 2009.
Fontes manuscritas
CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO
E NATURAL DE ITABIRITO. Ata da 11ª reunião do Conselho Consultivo Municipal de
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Itabirito realizada em 18 de novembro de
1998. Divisão Municipal de Memória e Patrimônio.
CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO
E NATURAL DE ITABIRITO. Ata da 74º reunião do Conselho Consultivo Municipal de
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Itabirito, realizada em 10 de dezembro de
2001. Divisão Municipal de Memória e Patrimônio.
CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO
E NATURAL DE ITABIRITO. Ata da 92ª reunião do Conselho Consultivo Municipal de
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Itabirito realizada em 24 de fevereiro de
2003. Divisão Municipal de Memória e Patrimônio.
CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO
E NATURAL DE ITABIRITO. Ata da 147ª reunião do Conselho Consultivo Municipal de
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Itabirito realizada em 23 de novembro de
2005. Divisão Municipal de Memória e Patrimônio.
Virtuais
COLEÇÃO DIGITAL DE ITABIRITO. Mapas e croquis. Evolução urbana. Disponível em
http://www.arq.ufmg.br/nehcit/itabirito/evolucao_urbana.php. Acesso em 10 de set. de 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Primeiros Resultados do
Censo 2010. Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em
20 de fev. de 2011.
137
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS
GERAIS. Pontuação Final ICMS Patrimônio Cultural - Exercício 1996 a 2003. Disponível em
http://www.iepha.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=96&Itemid=151
Acesso em 30 de jan. de 2011.
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS
GERAIS. Pontuação Final ICMS Patrimônio Cultural - Exercício 2004 a 2011. Disponível em
http://www.iepha.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=96&Itemid=151
Acesso em 30 de jan. de 2011.
Recomendação de Nairóbi. 19ª Sessão da UNESCO. Recomendação relativa à salvaguarda
dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea. Disponível em
http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do;jsessionid=138CB040F87E61B7BDDD92
EDFC223569?id=249. Acesso em 20 de ago. de 2010.
138
ANEXO
Roteiro da entrevista com os moradores dos conjuntos patrimonializados
1. Dados Biográficos
Dados biográficos para identificação dos entrevistados.
A. Nome:
B. Idade:
C. Local e data de nascimento:
D. Atividade profissional:
E. Formação escolar:
2. Informações sobre o imóvel
Verificar a relação do morador com a residência e investigar as representações sobre a política
de preservação patrimonial do município e sobre as edificações.
A. Mora há quanto tempo no imóvel?
B. É alugado, comprado ou foi transmitido por herança?
C. Se herdado, qual o histórico familiar de relações com o imóvel.
D. Estado de conservação da residência. Como a mantêm?
3. Representações sobre os conjuntos
Compreender relação dos moradores com as ruas, investigando as interações sociais passadas
e presentes vivenciadas nas ruas tombadas e as memórias construídas no espaço.
A. Como é o cotidiano? Existem encontros ou manifestações públicas que reúnem os
moradores?
B. Memórias ou relatos sobre antigas festas e manifestações públicas na rua. (PERGUNTAR
SOBRE OS MOMENTOS DE SOCIABILIDADE PASSADOS E PRESENTES).
C. Descreva a rua no passado. O que modificou atualmente? (SE O ENTREVISTADO
MORA NA RUA DESDE CRIANÇA, PERGUNTAR SOBRE O COTIDIANO NESSA
ÉPOCA).
D. Atualmente muitas pessoas visitam a rua? Como você interpreta as visitas?
139
E. Existe fluxo de turistas na rua? Como avalia o turismo na rua? (PERGUNTAR SOBRE O
TIPO DE VISITAS QUE OCORREM NA RUA E COMO INTERPRETA O
ESTÍMULO À VISITAÇÃO PROMOVIDO PELA PREFEITURA).
F. O que os conjuntos tombados significam para você? E para a cidade?
4. Política patrimonial e ações de revitalização
Investigar o reconhecimento da população sobre a política municipal de preservação
patrimonial e as interpretações sobre o projeto de revitalização do centro histórico.
A. Você conhece o padrão de proteção de sua residência? (NÃO ABORDAR
DIRETAMENTE O TEMA DO TOMBAMENTO, DEIXANDO MANIFESTAR
ESPONTANEAMENTE.
APENAS
EM
CASO
DE
OMISSÃO
TOCAR
NA
TEMÁTICA DO TOMBAMENTO).
B. Existem restrições para o uso, reforma e alterações no imóvel?
C. Existe proteção para os outros imóveis da rua? (NÃO ABORDAR DIRETAMENTE O
TOMBAMENTO COMO CONJUNTO. ANALISAR A PERCEPÇÃO DO MORADOR
SOBRE A MUDANÇA NA FORMA DE PRESERVAÇÃO DOS IMÓVEIS QUE
PASSARAM A INTEGRAR OS CONJUNTOS).
D. No período compreendido entre a década de 1990 e 2005/2006 como se deu a preservação
do imóvel? Após esse período, mudou a forma de preservação da residência? (SE O
ENTREVISTADO NÃO ABORDAR O TOMBAMENTO DOS CONJUNTOS,
QUESTIONAR SOBRE A RETIFICAÇÃO DO PROCESSO E DA ATUAL
ABRANGÊNCIA DA PRESERVAÇÃO PARA TODAS AS CASAS QUE INTEGRAM
O PERÍMETRO, INCLUINDO AS MAIS NOVAS).
E. Como é sua relação com o setor da prefeitura responsável pela gestão do patrimônio?
(NÃO ABORDAR A AGÊNCIA MUNICIPAL DE PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL.
VERIFICAR SE O MORADOR CONHECE SUA ATUAÇÃO. SE O ENTREVISTADO
NÃO ABORDAR O TEMA, QUESTIONAR SOBRE A POLÍTICA MUNICIPAL DE
PROTEÇÃO PATRIMONIAL E PERGUNTAR SE RECORREU AO ÓRGÃO
MUNICIPAL DE PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL PARA ASSUNTOS RELATIVOS
AO IMÓVEL).
F. Sobre o projeto de revitalização, como você avalia as ações promovidas pela prefeitura?
G. Ocorreram mudanças na região após o projeto de revitalização?
Download

dissertação Bianca Pataro - Pontificia Universidade Catolica de