Dossiê nº 1 - Dezoito anos de inconstitucionalidade dos assentos portugueses
8. O tratamento dos Assentos no Código Civil
8. O tratamento dos Assentos no Código Civil
1.
O civilismo português encontra no Corpus Iuris Civilis a sua fonte normativa,
de sorte que desde o século XIII para, após, com as Ordenações, ver-se a passagem do latim
para o português como idioma base para a redação das leis1. De concreto, a característica
fragmentária das Ordenações complicava a escorreita compreensão da sistemática civil,
embora se encontrasse "o essencial das mais clássicas regras, ainda atuais e perfeitamente
adaptadas ao Povo e ao seu tempo"2.
2.
De 1772 a 1867, período da pré-codificação, debruçou-se sobre a elaboração
de uma lei civil cientificamente elaborada3. Das várias contribuições, destacam-se o
compêndio de Pascoal de Mello tomado nos círculos científicos como as Instituições; as
Notas a Mello da lavra de Manuel de Almeida e Sousa; e a sistematização de Corrêa Telles,
tanto pela tradução das obras de Domat e Pothier ícones do movimento na França, quanto pela
elaboração do Digesto Portuguez4. Há que se acrescer as iniciativas acadêmicas de Coelho da
Rocha e Liz Teixeira como professores da cátedra de Direito Civil empenhados em difundir a
nova interpretação do Direito Romano sobre os contemporâneos anseios.5
O Direito Civil português da pré-codificação não deparava problemas de unidade
[...]. Tinha, em compensação, dificuldades graves no tocante à multiplicidade e à
concatenação das fontes e à atualização de certas soluções.6
Há que lembrar que o problema das fontes ante ao Romanismo fora enfrentado
pela Lei da Boa Razão.7
3.
O Código de Seabra - em referência ao seu idealizador: António Luiz de
Seabra - passou a produzir efeitos em idos de 18678. Leia-se Cordeiro:
1
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. V. I. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2012; p. 216.
Cordeiro, op. cit., p. 217.
3
Cordeiro, op. cit., p. 219.
4
Cordeiro, op. cit., p. 223.
5
Cordeiro, op. cit., p. 220/221.
6
Cordeiro, op. cit., p. 221.
7
Vide item 6, publicado anteriormente na sequência deste Dossiê nº 1.
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Por ALEX SANDER XAVIER PIRES
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8. O tratamento dos Assentos no Código Civil
O Código de Seabra é filho do seu tempo. Ele integra-se no sistema napoleônico,
seja a nível de sistematização global, seja pelos princípios, seja, finalmente, em
muitas das suas soluções. [...] Não foi, porém, uma integração servil. Ele
beneficiou das críticas à ordenação napoleónica que, então, já ultrapassara o meio
século. Além disso, tirou partido da pré-codificação portuguesa e da preparação
filosófica do seu autor. Finalmente, o Código manteve linhas de continuidade com
o Direito anterior, particularmente o Direito das Ordenações, de modo a concertar
uma adaptação à cultura dos povos a que se aplicava. [...]9
Ao que complementa Mário Júlio de Almeida Costa:
Desde logo, o nosso Código Civil afastou-se da divisão orgânica das codificações
da época, que, no fundo, perfilharam ainda o plano das Institutiones romanas,
segundo a adaptação do Código francês [...] Preferiu Seabra que todo o sistema do
Código gravitasse em torno do sujeito activo da relação jurídica na vida do qual
distinguiu, sucessivamente, os aspectos fundamentais [...]. Não parece necessário
mais para se entrever a poderosa feição individualista desse nosso Código Civil.
Nele, a vida jurídica aparece tipicamente construída apenas do ângulo do
indivíduo, do sujeito de direito, desaparecendo o que há de institucional e de
objectivo nas relações sociais e jurídicas. Trata-se de uma completa hipertrofia do
aspecto subjectivo do direito, aliás, característica do clima do Liberalismo. Os
fundamentos teóricos do diploma encontram-se, fora de dúvida, nas concepções
sobre o direito e a sociedade ligadas ao jusnaturalismo racionalista e ao
individualismo liberal, de que Seabra era adepto e logo o projecto reflecte. [...]10
4.
O Código Civil de 1867 foi introduzido pela Lei de 1º de Julho de 1867, de
iniciativa de D. Luiz, em acolhimento a promoção das Cortes Geraes de 26 de junho do
mesmo ano, cujo formato final contou com 2538 artigos, além dos dispositivos introdutórios.
O sintético texto introdutório com dez artigos permite, ao menos ao rigor da
redação, destacar a preocupação com a abrangência (extensão para todos os domínios - art. 2º
c/c art. 3º c/c art. 9º), a operacionalidade (previsão para a criação de órgãos públicos
necessários a fruição da norma - art. 4º -, ordem de formação de uma comissão de
jurisconsultos para observância à aplicação [ou não] da lei - art. 7º - e a ordem para
regulamentação dos institutos que dependessem de normatização específica - art. 8º -) e a
sistemática (revogação dos dispositivos anteriores sobre a matéria versada no Código,
independentemente proveniente de lei especial ou geral - art. 5º c/c art. 10 - e permissão para
8
Vide Carta de Lei 1 de Julho de 1867.
Cordeiro, op. cit., p. 229.
10
COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. Coimbra: Almedina, 1996; p. 435.
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modificação [por acréscimo, revisão ou supressão] do texto por necessidade de adequação
futura dos dispositivos - art. 6º).11
5.
A vigência do Código Civil de 1867 não encerrou as incertezas sobre a
persecução da justiça, tampouco estabilizou o Superior Tribunal de Justiça permitindo uma
eficaz uniformização de jurisprudência. Nesta seara, se disse alhures12 que a instabilidade e a
divergência jurisprudencial chamaram a atenção para a necessidade da busca de instrumentos
que garantissem a uniformização eficaz. Destarte, os relatórios enviados à direção geral dos
negócios da justiça, como determinado pela Portaria de 27 de Outubro de 1898, originou dois
projetos de lei: o de 15 de Maio de 1903, sucedâneo do Decreto nº 4:618, de 13/07/1918,
modificador do Código de Processo; e o de 7 de Fevereiro de 1903, fonte para o Decreto nº
19:196, de 16/12/1930, reformador do Código Civil13.
6.
Além destes diplomas, somaram-se a Lei nº 706, de 16 de junho de 1917
(Bernardino Machado) e o Decreto nº 4:620, de 13 de Julho de 1918 (Sidónio Pais).
7.
Aos Assentos, em particular, credita-se ao Decreto nº 12:352, de 22/09/1926, a
sistematização14, como se depreende do art. 66, especialmente o §2º, 2ª parte.
8.
A excelência da construção foi tão sensível que inspirou o procedimento de
recurso para o Pleno, como consta do Código de Processo Civil introduzido pelo Decreto-Lei
nº 29:637, de 28 de maio de 1939, em seus artigos 763 ao 770.
9.
Regressando ao conteúdo material, O Código de 1867 foi sucedido pelo de
1966, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, de dedicação à
Adriano Vaz Serra. Quanto ao seu conteúdo, conta com um mérito fundamental destacado por
Cordeiro:
11
Texto integral disponível em: <http://legislacaoregia.parlamento.pt/imgs/print.aspx?i=1.42.79&p=306-454>,
último acesso em: 11/07/2014.
12
Vale a leitura das partes 6 e 7, integrantes deste Dossiê.
13
REIS, Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado. v. VI. Coimbra: Editora Coimbra, 1953; p. 236.
14
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. V. I. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2012; p. 628.
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8. O tratamento dos Assentos no Código Civil
[...] consagrou, a nível de fontes e no espaço lusófono, o pensamento da sistemática
integrada, com todas as suas consequências, nos planos científicos e culturais.
Agitou, ainda, a doutrina nacional, facultando-lhe um salto qualitativo,
acompanhado da consagração definitiva de vários institutos. [...]15
10.
Quanto aos assentos, tratou o legislador positivar o tema no art. 2º, in verbis:
"Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina legal
com força obrigatória geral."16.
11.
A novel positivação trouxe inovações de ordem material, como lecionam
Fernando Lima e João Varella:
O assento tanto pode fixar uma das várias interpretações possíveis da lei, como
preencher uma lacuna do sistema, criando a norma correspondente, para depois
fazer aplicação dela ao caso concreto sub judice. [...] Em qualquer das situações, o
que vale como fonte (mediata) de direito é o preceito genérico, proclamado em
forma de disposição normativa, e não a aplicação dele ao caso real que serve de
base ao recurso. [...].17
...Então, vamos Pensar a Justiça...
15
Cordeiro, op. cit., p. 240.
LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código Civil Anotado. Coimbra:
Coimbra Editora, 1967; p. 10.
17
Lima, op. cit., p. 10.
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