REPRESENTAÇÃO DOCENTE SOBRE O PAPEL A AFETIVIDADE NO ENSINO TÉCNICO
MÁRCIA APARECIDA DE OLIVEIRA
ETEP Faculdades/Faculdade de Administração, Av. Barão do Rio Branco, 882 – Jd. Esplanada – SJC
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Resumo - Este trabalho tem por objetivo verificar as representações de professores de escola técnica
sobre o papel da afetividade na prática docente. Para tal, iniciamos por apresentar a concepção de
educação segundo Gusdorf(1970). Em seguida analisamos o discurso de um professor de ensino técnico,
tendo como instrumento para tal análise a Gramática Sistêmica Funcional (GSF), conforme descrita por
Halliday (1994) e seus seguidores. Nossa hipótese é que, os profissionais da área da educação ainda
entendem que há dicotomia entre razão e emoção. Após a análise dos dados apresentados na narrativa do
professor entrevistado pudemos inferir que a nossa hipótese confirmou-se, pois embora o professor tenha
consciência da importância da afetividade para o processo ensino/aprendizagem, nota-se a primazia dos
aspectos racionais em detrimento dos emocionais.
Palavras-chave: cognição, afetividade, escola técnica.
Área de Conhecimento: LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES
Introdução
Corroborando com as ideias de
Gusdorfg (1970), de que o espaço escolar é o
lugar dum face-a-face e de que o papel do
professor não se reduz à afirmação impessoal,
tudo isso associado à ideia de que cognição e
afetividade atuam conjuntamente para a
constituição do ser humano, surgiu este
estudo; pois ao longo de vinte e três anos de
magistério, oito desses anos trabalhando com
escola técnica, percebemos que educar
envolve não só a formação intelectual, mas
também, a formação moral desse indivíduo de
necessidades diversas.
Ao longo de nossas observações,
percebemos que os profissionais da educação,
mais especificamente os professores, tendem
a separar a emoção da razão, priorizando,
inclusive, essa última, muitas vezes por
acreditarem que o conhecimento intelectual é
mais
valorizado
socialmente,
ou
por
considerarem as emoções como fatores
secundários.
O objetivo deste trabalho é investigar
as representações dos professores do ensino
técnico sobre o papel da afetividade para o
êxito de sua prática docente. Para este estudo
específico, escolhemos e analisamos o
discurso de um professor do ensino
técnico,em Mecânica da Escola Técnica
“Professor Everardo Passos” situada em São
José dos Campos.
Metodologia
Analisamos o depoimento de um
técnico em mecânica com setenta anos de
idade e que atua como professor há 52 anos.
Fizemos a esse professor a seguinte pergunta
que deveria ser respondida discursivamente:
“Na sua opinião, quais aspectos são
relevantes para garantir um bom trabalho no
seu curso?” Nosso objetivo era verificar se os
aspectos
afetivos
também
seriam
mencionados entre aqueles considerados
relevantes.
Como instrumento de análise de
dados desta pesquisa, ecolhemos a Gramática
Sistêmico-Funcional (doravante GSF) descrita
por Halliday (1994), Eggins (1994), entre
outros. Entendemos que a GSF, pelo seu
caráter
discursivo
trará
consideráveis
contribuições à análise das representações
docentes aqui examinadas.
Mesmo porque a linguagem, em sua
base funcional, é compreendida como
mecanismo de produção de significados ou
sentidos do mundo (Halliday e Hasan, 1989),
Desse modo é focalizada sob o aspecto
sociossemiótico,
Já de acordo com Neves (1994), a
GFS faz uma “proposição de função da
linguagem”. São três metafunções. A primeira,
conhecida como Ideacional, a segunda a
Metafunção Interpessoal e a terceira
Metafunção é a textual.
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Para análise do corpus deste trabalho,
valemo-nos das Metafunção Ideacional cujos
processos classificam-se em seis tipos.
Segundo Halliday 1994), três são os principais
(material, mental e relacional) e três são
intermediários (comportamental, verbal e
existencial). Ao observar as particularidades
de cada processo, temos: 1) Processos
materiais: relacionados às ações físicas,
concretas. 2) Processos mentais: relacionamse a reações mentais. 3) Processos
comportamentais:
são
ligados
a
comportamentos fisiológicos e psicológicos do
comportamento.
4) Processos verbais:
relacionados
a
dizer
e
verbos
correspondentes. 5) processos existenciais:
referem-se ao que existe ou ao que acontece
(haver). 6) Processos relacionais: referem-se à
ordem do “ser”; realizam-se por meio de dois
modos: atributivos e identificativos.
Resultado
Ao analisarmos o depoimento de um
professor em mecânica com 70 anos de idade
e que atua há 52 como professor percebemos
que aparecem como participantes na
entrevista
(Formação
de
profissionais/
profissionais = 07; Aluno/aluno – família = 6;
objetivos = 03; Mecânica/ técnico em
mecânica = 03; pré-requisitos= 03; (aparecem
ainda outros participantes, em pequeno
número) evidencia como o professor
estabelece a importância dos elementos
ligados à cognição. Tais participantes são
considerados de extrema relevância para a
escola técnica, e o professor evidencia essa
importância na escolha de seu léxico. Embora
apareçam elementos humanos: “aluno”,
“aluno/família” esses estão relacionados aos
aspectos cognitivos e configuram um aspecto
predominantemente racional que interfere no
sucesso (ou fracasso) escolar. A proposição
abaixo evidenciam tal suposição
Particularmente na área de mecânica é
indispensável que o aluno e a família sejam
informados sobre a estrutura e objetivos do
curso.
Considerando as circunstâncias que
aparecem no discurso, tomamos como foco de
análise aquelas que marcam a maneira
(modo) como os aspectos cognitivos e os
aspectos afetivos aparecem no texto do
professor. Pretendemos com isso analisar as
concepções do entrevistado acerca da
afetividade no desenvolvimento de seu curso.
Nesse caso, o professor tem grande
preocupação de que os alunos conheçam os
objetivos de seu curso (Mecânica). Tal
preocupação é evidenciada por todo o texto:
“(...) é indispensável que o aluno e a família
sejam informados sobre a estrutura e objetivos
do curso.” Parece-nos que, através do
conhecimento desses objetivos, o aluno irá
envolver-se, como na proposição:
“É indispensável insistir junto aos alunos sobre
a necessidade de se envolver plenamente na
sua formação profissional.”
No que se refere às concepções
apresentadas no discurso do professor acerca
da cognição percebe-se que as escolhas
lexicais do professor são, na sua grande
maioria, voltadas aos aspectos cognitivos, pois
os vocábulos utilizados, na sua maioria, são
da ordem da razão como: objetivo,
competência, formação profissional, prérequisitos e outro. E ainda, por todo o texto
veem-se marcas da importância da cognição,
quer
quando
apresenta
os
objetivos
específicos de seu curso (Mecânica).“Os
objetivos específicos de um Curso Técnico em
Mecânica
definem
com
clareza
as
competências que devem ser desenvolvidas
nos alunos...” quer quando fala da formação
de profissionais no mercado de trabalho.
Mesmo quando aborda aspectos afetivos, e
para isso o professor utiliza-se de vocábulos
da ordem do sentimento/pessoal como:
família, vivência, envolvimento e outros,
coloca-os a “serviço” da cognição. Como na
proposição:
“Vivenciamos uma época na qual o mercado
de trabalho para Técnicos em Mecânica se
destaca pelo alto nível de tecnologias
empregadas, tanto na fase da engenharia de
desenvolvimento do produto, quanto na
fabricação e controle de qualidade.”
Sabemos que essas escolhas lexicais
podem ser justificadas, de acordo com
Halliday (1994) e seus seguidores, levando-se
em conta o ambiente e o contexto em que são
produzidas. No nosso caso, a Escola Técnica
irá primar por um léxico totalmente voltado ao
mercado profissional. E utiliza na sua grande
maioria, de vocábulos que nos remetem à
cognição e/ou à formação profissional do
aluno como: “mercado de trabalho”, “formação
profissional”, “pré-requisitos”, entre outros.
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Mesmo nesse caso, há ainda uma ordem do
discurso em que o professor assinala, em
primeiro plano, todos os aspectos referentes à
razão, deixando somente para o último
parágrafo uma apresentação mais explícita da
emoção, utilizando-se de vocábulos que nos
remetem
à
emoção
como:
“família”,
“envolvimento”, “motivação”, “relacionamento”,
o que parece demonstrar uma possível
hierarquização da cognição em detrimento da
afetividade.
Já no que se refere às
concepções apresentadas no discurso do
professor acerca da afetividade, embora os
aspectos concernentes à cognição sejam
predominantes no discurso desse professor,
percebe-se que ele se utiliza de um léxico
voltado também à afetividade, mesmo quando
isso não é mencionado. Constatamos, porém,
que os aspectos afetivos aparecem em
proporção bastante inferior aos aspectos
cognitivos. Na verdade, as poucas vezes em
que o professor menciona a afetividade parece
colocá-la a “serviço” da cognição.
Ao longo de todo o texto, o professor faz
menção à afetividade por três vezes, sendo
que, em duas delas, ele apresenta a emoção a
serviço da cognição, quando fala da
necessidade de o aluno e família serem
informados sobre a estrutura e os objetivos do
curso. Nesse caso, o professor traz para seu
discurso um elemento importante da
afetividade: a família. Parece-nos porém, que
o objetivo seja também que essa participe do
processo da cognição.
Também em alguns momentos, parecenos que o professor associa a cognição à
afetividade, quando fala que as fases da
adolescência associadas às deficiências de
formação do ensino básico interferem na
formação do aluno. Parece-nos, nesse caso,
que a emoção chega a atrapalhar a “missão”
exercida pelo professor, a formação cognitiva
tão necessária ao aluno. De acordo com
proposição abaixo:
“...mas por outro lado variáveis como fase da
adolescência e deficiência na formação do
ensino básico e fundamental, interferem de
forma acentuada na missão de preparar esses
profissionais.”
É interessante observar que, nessa
mesma proposição existe uma ideologia muito
forte sobre a importância da formação
profissional,
evidenciada
principalmente
quando o professor utiliza a palavra “missão”,
termo comum nas empresas e indústrias e que
se refere a propósitos e objetivos sociais,
morais e profissionais. Provavelmente isso
aconteça porque, de acordo com Eggins
(1994), o contexto é tratado de um nível mais
alto – o da ideologia – uma vez que a posição
ideológica adotada determinará o uso da
linguagem. “É importante frisar que todo o
texto está imbuído de ideologia e, por esse
motivo, codifica valores, visões, perspectivas,
ou seja, constrói uma visão de mundo.”
(EGGINS, 1994 p. 10-11).
No nosso caso, a instituição “Escola
Técnica” parece ainda endossar a idéia da
dicotomia, no que se refere à cognição e à
afetividade, isso porque desde os seus
primórdios,
idealizadores
como
René
Descartes (1596 – 1650) já estabeleciam essa
separação e primavam pela formação
puramente cognitiva objetivando profissionais
gabaritados para enfrentar o mercado de
trabalho. No entanto, não podemos esquecer
que, independente de seu objetivo, estamos
tratando com uma instituição de ensino que
trabalha com a formação de “pessoas”. Essa
preocupação só aparece no último parágrafo
do discurso do professor. Somente no final, o
docente apresenta de forma mais explícita a
importância que confere à afetividade. Tal
preocupação é apresentada como um último
aspecto, como se arrematasse o discurso
pedagógico esperado:
Concluindo,
será
imprescindível
o
envolvimento do aluno, que deve ser motivado
continuamente, uma estrutura escolar que se
identifique com as características desse tipo
de formação, o relacionamento professor com
o aluno e a indispensável participação da
família nas diversas etapas desse processo.
Discussão
Ao abordarmos o conceito de
afetividade, o nosso objetivo é apresentar a
idéia contemporânea de que pensar e sentir
são ações indissociáveis, tendo como
preocupação central as reflexões a respeito da
afetividade no funcionamento psicológico e na
construção do conhecimento cognitivo-afetivo,
assim como a importância da afetividade na
formação do indivíduo.
De acordo com Araújo (2004), os
aspectos afetivos e cognitivos presentes na
mente humana não se constituem em
universos opostos, pelo contrário, estão
indissociados.
A autora acredita que a
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afetividade influencia de maneira significativa a
forma como os seres humanos resolvem
conflitos. Para Araújo (2004), essa ideia, faz
questionar a divisão histórica culturalmente
estabelecida entre os “saberes racionais” e
“saberes emocionais”.
Segundo Silva (2002), vários foram os
pensadores e filósofos que, desde a Grécia,
postularam a suposta dicotomia entre razão e
emoção. Platão definiu como virtudes a
liberação e a troca de todas as paixões,
prazeres
e
valores
individuais
pelo
pensamento, considerado por ele como um
valor universal, ligado à imutabilidade das
formas eternas. Descartes criou a tão
conhecida afirmação na história da filosofia –
“Penso, logo existo” -, sugerindo a
possibilidade de separação entre razão e
emoção.
De acordo com Araújo (2004), longe
de serem esquecidas, essas premissas da
filosofia permanecem vivas até os dias atuais.
Ainda se acredita que, para uma pessoa tomar
decisões corretas, é necessário que ela se
livre dos sentimentos e das emoções.
ordem que ele atribui ao processo,
discursando em primeiro plano sobre os
Conclusão
ARAÚJO, Valéria Arantes Amorin. Afetividade
e Cognição: Rompendo a Dicotomia na
educação
Disponível
em
http://hottopos.com./videtur23/valeria.htm.
2004.
A partir da análise do discurso do
professor de ensino técnico em mecânica,
pudemos constatar que a valorização dos
aspectos cognitivos ocorre de forma marcante
e hierarquizada em relação aos aspectos
afetivos, talvez porque esses discursos
tenham sua presença na memória histórica e
no espaço social desses interlocutores,
cristalizando uma imagem do “saber racional”
como
principal
responsável
pelo
desenvolvimento do aluno.
É interessante observar que, no
depoimento do professor de mecânica ele
apresenta menção aos aspectos afetivos, de
uma maneira hierarquizada, em que a
cognição predomina.
Embora o professor aborde aspectos
afetivos, como a “família”, por exemplo,
demonstrando, inclusive, o seu conhecimento
em relação à afetividade, ainda assim esta se
apresenta como um aspecto secundário.
Nesse discurso, encontramos uma
nítida hierarquização dos processos cognitivos
sobre os afetivos, não só na escolha do léxico
utilizada pelo professor, mas também pela
processos cognitivos e deixando para
o final os aspectos afetivos. Também é
interessante ressaltar que, em muitas das
vezes, o docente coloca o aspecto afetivo a
serviço do cognitivo.
Apesar de o nosso contexto de estudo
seja uma escola de ensino técnico que prima
pela qualificação profissional de seus alunos
no mercado de trabalho, não podemos
esquecer que se trata, antes de mais nada, de
uma instituição de ensino cujo principal
objetivo deve ser a formação integral do
cidadão que ocupará um lugar não apenas no
mercado de trabalho, mas na sociedade como
um todo. Mesmo porque, segundo Gusdorf
(1970), a educação não tem um fim em si
mesma, mas por meio dela o educando
conquista verdades mais altas, pois a
educação de um homem resume-se na
formação de sua personalidade.
Referências
GUSDORF, Georges, 1970 Professores para
que? Moraes Editora, Tradução João Bernardo
da Costa e Antópnio Ramos Rosa, Lisboa,
2ªed.
HALLIDAY, M.A.K. Na Introduction to Function
Gramar. Second Edition. London:Edward
Arnold, 1994.
HALLIDAY, M.A.K. & HASAN, R. (1995).
Language, context and text: aspects of
language in a social semiotic perpective.
Oxford: Oxford University Press,1989.
NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática
Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
SILVA, N. P. Entre o público e o privado: um
estudo sobre a fidelidade à palavra
empenhada. Tese de Doutorado. Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo. São
Paulo: 2002.
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Representação docente dos professores de ensino técnico