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A REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: AVANÇO OU
RETROCESSO?
Prof. Dra. Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira- PUC/Minas
Prof. Isabel Campos Araújo Pádua – Mestranda em Educação
Tecnológica,CEFET/MG
INTRODUÇÃO
Este trabalho sintetiza uma pesquisa realizada para o Pós-doutoramento em
Educação, na área de concentração de Administração Escolar, que tem, basicamente,
dois objetivos: a análise da política educacional privilegiada pelo Estado Brasileiro,
sobretudo, a partir do início dos anos 90, e a explicação dos resultados de uma
investigação feita no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) de Minas
Gerais.
Para viabilizar um nível maior de compreensão, o trabalho foi dividido em três
partes, que mantêm entre si uma grande interlocução e dependência: 1) A Política
Educacional Brasileira dos Anos 90. 2) A Reforma do Ensino Tecnológico: avanço ou
retrocesso? 3) CEFET/MG: Uma nova realidade.
1- A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA DOS ANOS 90.
Os anos 80 foram caracterizados por uma tendência em direção à sociabilização
do poder político que suscitou muitos debates de propostas ligadas à reestruturação do
sistema educacional brasileiro, envolvendo tanto o Estado “stricto-sensu”, quanto a
sociedade civil.
Pode-se afirmar que, naquele momento de redemocratização do país, buscava-se
a universalização da educação e, principalmente, a garantia da qualidade de ensino. A
temática referente à qualidade de ensino passou, então, a ser ligada à luta pela conquista
da cidadania consubstanciada, de modo mais concreto, na garantia de um padrão
crescente de qualidade da educação pública, definida como um dos princípios básicos da
Constituição de 1998.A escola é, então, entendida, como “locus” da interface do projeto
político da sociedade com os projetos que incluem, necessariamente, a formação de
cidadãos autônomos, participativos e conscientes de seus direitos e deveres.
Contudo, de forma mais acentuada, a partir do início dos anos 90, essa
concepção de educação, de caráter mais político e social, começa a ser descartada, como
explica Cunha:
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... “mais recentemente, já nos anos 90, a discussão sobre a educação passa a
ter uma inflexão de rumos, articulando-se com a abertura da economia
brasileira, no contexto do neoliberalismo, inaugurado no Governo Collor. O
deslocamento do eixo de debate sobre a qualidade como direito à cidadania,
para uma articulação com as questões associadas à competitividade, se insere
no movimento mais amplo de reordenação do sistema produtivo em termos
mundiais.” ( Cunha, 1995, p.109 )
Essa guinada de rumos da educação brasileira foi provocada, sobretudo, pela
penetração do ideário neoliberal, no início da década. O neoliberalismo por um lado, se
constitui como sendo uma alternativa de poder, extremamente vigorosa, formada por um
conjunto de estratégias político-econômicas e jurídicas, voltadas para a busca de uma
saída frente à crise do capitalismo contemporâneo; por outro lado, expressa e representa
um projeto de modificação ideológica das sociedades, consubstanciado na veiculação de
um senso-comum que legitima as propostas de reformas, defendidas pelos segmentos
sociais dominantes.
No Brasil, o neoliberalismo vem promovendo uma série de mudanças que afetam
negativamente o país, através do desmonte dos instrumentos fundamentais de defesa da
soberania nacionale tem provocado o abandono das áreas sociais - educação, saúde,
habitação, previdência social- buscando, a largos passos, a privatização das mesmas.
Esse processo crescente de redução do poder do Estado e da perda da soberania
nacional, tem sua gênese no processo de desmantelamento do Estado brasileiro, iniciado
pelos governos do período de arbítrio, continuado na Nova República e acirrado nas
duas gestões de Fernando Henrique.
A política educacional brasileira vem, então, secundarizando o papel do Estado e
adotando medidas básicas: incentivo às empresas para assumirem seus próprios sistemas
de ensino; promoção de parcerias do setor público com o setor privado; incentivo para a
criação de escolas cooperativas, ou organizadas por centros populares; adoção de
escolas públicas por empresas.
Além disso, difunde-se a idéia de que o Estado deve agir na defesa do interesse
nacional, amarrando as relações de trabalho entre ele, as empresas e os sindicatos para
diminuir os custos e alcançar níveis crescentes de qualidade e produtividade.
Nesta perspectiva, os gestores da política educacional brasileira propagam a
existência de uma grande crise de eficiência e de produtividade, mais do que de
quantidade, universalidade e extensão. Trata-se, assim, de uma crise de qualidade,
acarretada pela improdutividade decorrente de gestões administrativas inadequadas e da
incompetência daqueles que trabalham com educação.
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Para resolver a propagada crise educacional são sugeridos métodos e propostas
que não levam em conta as especificidades dos diferentes contextos, unificando e
uniformizando as estratégias de reestruturação escolar.
A globalização tem, por seu lado, se apresentado como uma panacéia, como uma
solução para todos nossos problemas sócio-econômicos e educacionais. Na verdade, o
que se constata, é que a globalização possui, como principal objetivo, encobrir a
polarização crescente entre os países centrais e os periféricos. A globalização vem se
tornando, cada vez mais ideológica e convincente, para justificar a inevitabilidade das
reformas estruturais de cunho neoliberal. Assim, sob o pretexto da globalização, as elites
intentam consolidar o seu projeto de modernização conservadora, consorciando as suas
necessidades aos interesses do capital internacional.
No âmbito específico da educação, observa-se que a globalização vem fazendo
com que os países, sobretudo, os de 3º mundo sigam um modelo único, “orientado”e
tutelado pelos organismos financeiros internacionais, ou seja; pelo Banco Mundial e
pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
2-
A REFORMA DO ENSINO TECNOLÓGICO: AVANÇO OU
RETROCESSO?
É importante ressaltar que a atual Reforma da Educação Tecnológica que vem
afetando, de forma radical, a concepção de educação, a estrutura organizacional e
administrativa e a qualidade de ensino dos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFET’s) foi toda orquestrada pelo Banco Mundial e pelo BID, conforme já
explicitado, neste trabalho.
Por isso mesmo, considera-se importante, iniciar esta parte do trabalho, com
trechos de documentos desses mencionados organismos internacionais.
... “Sobre la base de la “ LDB” y or conducto de un Decreto Presidencial, asi
como de decretos ministeriales conexos, a ser promulgados em el transcurso de
este ano (1997), el gobierno propone instrumentalizar aspectos da REP (Reforma
de la Educación Profissional) introducerá la separación administrativa y
curricular de los contenidos professionlizantes de ensenanza média general,
liberando a esta ultima para que se concentre en la ensenanza de destrezas
cognitivas y competencias básicas em areas do conecimiento academico. Por
outro lado, la “REP”permite institucionalización de una educación professional
moderna, vinculada com el mercado de trabajo que entre otros, estimula el
desarrolo de una eduacación profesionalizante moderna, vinculada com el
mercado de trabajo que, entre otros, estimula el desarrolo de una educación
professionalizante e post-secundária.”
... “Para la educación professional el Decreto Presidencial definiria lo seguinte:
tiene por objetivo mejorar permanentemente las habilidades y conecimientos de
la población para el desarrolo de la vida produtiva se torgará a tres niveles
educativos: básico (independente de la escolaridade previa); técnico
(concomitante o complementar la educación media) y tecnologica (superior).”
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... “Com la “REP” se elimina la actual educación professional del sistema de la
educación general, y se crea un sistema separado de educación professional’
(BID, 1997, p.25)”
O Banco Mundial (ex-BIRD), segundo Lango (1997), tem feito, também,
grandes restrições ao ensino público estatal, sobretudo, no âmbito do ensino
profissional. Para os consultores do Banco Mundial, as competências e habilidades
tecno-profissionais seriam melhor desenvolvidas no próprio ambiente de trabalho, isto é,
nas empresas, de forma mais prática, pontual, sem a necessidade de pressupostos
teórico-conceituais.
“Cese de la expansión en el numero de escuelas técnicas federales; promoción
de relaciones contractuales de las escuelas com instituiciones estaduales y setor
privado local y otros, para de esta manera diminuir la dependencia financeira
en el gobierno federal”... (Banco Mundial, 1997, p. 6).
Como ficou evidenciado são, de fato, os citados bancos internacionais que estão
por detrás da Reforma da Educação Profissional, ora empreendida.
O primeiro documento legal, que buscava regulamentar a Reforma, foi o PL
1603/96, gestado em curto espaço de tempo, e que dispõe sobre a Educação Profissional
e sobre a organização da Rede Federal de Educação Profissional. O PL 1603/96, na
verdade, se constituiu como uma “síntese mal feita” de diferentes experiências e de
concepções de educação profissional. Contudo, pode-se afirmar que o referido Projeto,
além de ser orientado pelo “BID” e pelo Banco Mundial, recebeu grande influência dos
modelos vivenciados no Chile e na Argentina e dos Técnicos das Universidades de
Oklahoma, dos Estados Unidos.
As comunidades cefetianas e a sociedade, como um todo, reagiram, de forma
intensa ao PL:
... “Pensa bem, a gente estava elaborando, com o maior entusiasmo, o Projeto
Político Pedagógico do CEFET/MG, tomando por base uma concepção
avançada de educação tecnológica, centrada na formação ominaletal de
homem, através de uma educação que integrava educação geral e educação
profissional.
De repente, de forma totalmente inesperada, “despenca”o tal do Projeto
1603/96 que muda radicalmente a educação do CEFET, nossa história de
qualidade, nosso compromisso, tanto com a formação de um profissional
competente, quanto com a formação do trabalhador- cidadão”.(Conselho
Diretor, Entrevista)
Em diversas regiões do país ocorreram greves, passeatas, “audiências públicas”
lideradas pelos corpo docente, discente, técnico-administrativo dos CEFET’s.
Contudo, da mesma forma abrupta que foi veiculado, o PL 1603/96, que
tramitava no Congresso, foi retirado do mesmo.
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A justificativa para a “saída de cena” do Projeto centra-se, segundo os gestores
da política educacional, na sua incompatibilidade para com a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Essa justificativa, entretanto, não procede,
pois existe uma grande organicidade entre as duas legislações. Na realidade, o que se
pretendia, cessar os questionamentos, as críticas ao Projeto, pois, logo depois, foi
divulgado o Decreto Lei 2208/97, que reedita o Parecer 1603/96, somente promovendo
pequenas alterações, no âmbito da forma.
... “É, esse governo e mesmo ditatorial. Aliás, o “FHC” só governa, através de
medidas provisórias. Na área educacional, pode-se falar que, na
contemporaneidade, as reformas educacinais, em todos os níveis, foram através
de Decretos. Bem, no ensino profissinal, veio primeiro o PL, no qual se podia
participar, criticando, fazendo passeatas, greves e solicitando “Audiências
Públicas”.
Quando veio o Decreto, aí sim, nós do CEFET, a sociedade, as famílias,
não podíamos mais fazer coisa alguma. O negócio, agora é obedecer. Agora é
cumpra-se!”( Sind-CEFET/MG).
Em síntese, pode-se resumir, assim, as principais medidas determinadas pelo
Decreto 2208/97:
· Desvinculação da educação profissional do sistema regular de ensino.
· Extinção da integração entre educação geral e a educação profissional, resgatando a
dualidade estrutural e a concepção taylorista-fordista, que desvincula o saber
acadêmico do saber prático.
· Destituição da responsabilidade do Estado, do custeio da educação profissional.
· Elitização da formação do técnico com aumento do tempo para sua formação.
· Impossibilidade do egresso do ensino técnico, sem ter concluído o ensino médio,
ingressar no ensino superior.
· Sucateamento da educação profissional, sobretudo, devido à instituição do ensino
modular da implantação do nível básico, que prescinde de escolarização prévia, da
desintegração entre ensino acadêmico e o ensino profissional.
3-
CEFET/MG: UMA NOVA REALIDADE
Após a vigência do Decreto 2208/97, o Ministério da Educação começa a
exercer um grande pressionamento sobre os CEFET’s, que vem se consubstanciando,
sobretudo, no fato de que para a concessão de recursos destinados, a melhoria e
expansão física das instituições, bem como para a aquisição de equipamentos, se faz
necessária a “adesão clara aos princípios e diretrizes do Programa de Reforma da
Educação Profissional”( PROEP).
Frente à essa medida de força e coerção, que se não for acatada, inviabilizaria o
funcionamento administrativo e acadêmico do “CEFET/MG, pode-se afirmar que a
comunidade, embora insatisfeita e ansiosa diante do futuro da instituição, foi se
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“adaptando”à nova realidade, procurando, no entanto, organizar uma resistência que se
consubstancia em procurar, apesar do Decreto assegurar, na medida do possível, a
qualidade do ensino do CEFET.
... “É, nós procuramos resistir, temos lutado mas percebe-se que os CEFET’s
não mais têm a união anterior, a força anterior. A grande maioria,
principalmente os que foram elevados, agora ao ao “status”de CEFET, os do
Nordeste, querem só “mostrar serviço”, isto é, seguir fielmente as
determinações do SEMTEC (Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico) do
MEC, objetivando ser paradígmas para os outros CEFET’s.
Apesar de alguns, aqui, serem adeptos do Paulo Renato e do Berger,
acredito que a grande maioria rejeita e teme pelo futuro do CEFET.
O que temos feito é “arranjar brechas na Lei para continuarmos lutando
pelo nosso CEFET”.( Coordenador de Curso- Entrevista)
Embora a pesquisa ainda não esteja concluída, os dados até então coletados,
evidenciam que o Decreto 2208/97 acarretou as seguintes modificações no âmbito do
CEFET/MG:
Diminuição drástica das matrículas para o Ensino Médio; término do ensino integrado,
que articulava a educação geral com a profissional; redução significativa de verbas para
o “SAE” ( Serviço de Assistência ao Educador) e para as necessidades tanto
infraestruturais, quanto acadêmicas da instituição; problemas relativos aos alunos da
“concomitância externa”, que não têm base para acompanhar o ensino
profissionalizante do CEFET e, por isso mesmo, se evadem; problemas em relação aos
alunos do Pós-Médio que, conseguindo emprego ou o ingresso no 3º Grau, também se
evadem; redução da consistência teórica e prática do Curso, devido, sobretudo à
redução da carga horária; diminuição da demanda de candidatos aos diferentes cursos
da instituição, sendo que alguns chegaram a não serem ofertados, por carência de
alunos; dificuldade em substituir professores que se afastam ou se aposentam, já que
não se faz mais concurso e a forma de contratação é muito precária; constatação de que
os cursos, por imposição da SEMTEC (Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico, do
MEC) visam estreitamente a formação para o mercado, negligenciando a formação do
trabalhador-cidadão.
Apesar de tudo o que foi ixposto, tem-se consciência de que o CEFET/MG
possui uma cultura peculiar, construída ao longo dos anos e cimentada no amor e no
respeito para com a instituição. Pode-se perceber que, apesar da correlação de forças
que defende posições diferentes, a comunidade cefetiana procura se unir, na luta para
assegurar a identidade da instituição.
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