UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
O CONCEITO DE TEMPO NO ENSINO DE FÍSICA E SUA
INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Por: RAIMUNDO DOS SANTOS MONTENEGRO JUNIOR
Orientador
Prof. Dr. Fernando Gouvêa
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
O CONCEITO DE TEMPO NO ENSINO DE FÍSICA E SUA
INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Apresentação
Candido
de
Mendes
monografia
como
à
requisito
Universidade
parcial
para
obtenção do grau de especialista em Docência do
Ensino Superior.
Por: Raimundo dos Santos Montenegro Junior.
3
AGRADECIMENTOS
Ao
orientador
Prof.Dr.
Fernando
Gouvêa, sem o qual a realização deste
trabalho
não
seria
possível.
Aos
amigos que contribuíram, direta ou
indiretamente, para a confecção desse
trabalho acadêmico.
4
DEDICATÓRIA
À Deus por iluminar meu caminho na
busca da realização deste sonho, e a
Lucélia Ribeiro da Silva, minha esposa,
que durante os momentos mais difíceis da
realização
deste
trabalho,
acreditou em meu potencial.
sempre
5
RESUMO
Este trabalho tem como propósito central compreender aspectos da construção do
conceito de tempo desenvolvidas por alguns dos principais pensadores, ao longo dos
séculos, tendo como ponto de partida uma concepção de ciência que se insere, mais
amplamente, numa teoria dialética do conhecimento, em contraposição a uma visão
metafísica. Busca-se em seguida explicitar a relação entre a história do conceito de
tempo e a prática pedagógica, emergindo disso nossa opção por uma educação
dialógica e libertadora, da qual se depreende, entre outras coisas, a relevância da
história da ciência sob diversos aspectos, fundamentando, nessa perspectiva, o
conceito de tempo como sendo de extrema relevância no âmbito da física, resultando
na construção de um texto destinado, preferencialmente, a professores de ciências e
áreas afins. A análise do material bibliográfico consultado permitiu delinear as
características mais marcantes do processo de conceitualização do tempo,
representados por um caminhar no sentido da objetivação e do racionalismo
crescentes. Também foi possível avaliar a pertinência do referencial teórico utilizado
na interpretação desse processo.
Palavras-chave: tempo, ensino de física, escola.
6
METODOLOGIA
O intuito deste trabalho é apresentar os principais resultados de uma
pesquisa bibliográfica, cujo objetivo central é compreender aspectos da
construção do conceito de tempo. Nosso estudo partiu da constatação de uma
grande ausência, no que se refere a estudos voltados especificamente a
aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do conceito de tempo no
ensino de física.
No que diz respeito ao tempo, há estudos destinados à compreensão do
tempo geológico, assim como outros onde o conceito de tempo aparece
“pulverizado” em outros conceitos, mais não é o foco principal de atenção. A
principal referência acerca do conceito de tempo em crianças encontra-se na
obra A Noção de Tempo na Criança (Piaget, s/d), fundamental para a
construção do conceito de tempo por crianças de 5 a 9 anos de idade. Tendo
como ponto de partida os trabalhos alencados acima, a preocupação do nosso
estudo foi a de buscar compreender a continuidade do processo de
conceitualização do tempo físico, no campo teórico, sem estudo de casos,
identificando os obstáculos históricos à construção desse conceito.
Em
nosso
estudo,
fizemos
uso
principalmente
de
noções
bachelardianas, aplicadas na questão da construção do conceito de tempo. É
justamente ao analisar o progresso do conhecimento científico que Bachelard
funda o conceito de obstáculo epistemológico. Para ele, é em termos de
obstáculos que o problema do conhecimento deve ser colocado, pois eles
surgem inevitavelmente na relação dos sujeitos com os objetos do
conhecimento. É a superação desses obstáculos que propicia o avanço do
conhecimento. Se o progresso do conhecimento depende da superação de
obstáculos, essa por sua vez nunca é definitiva. Para caracterizar esse
processo a partir dessa perspectiva, analisamos a evolução filosófica do
conhecimento, objetivando compreender como um processo que atravessa
fases, caminhando no sentido de uma maior coerência racional, passando pelo
aninismo (ou realismo ingênuo), empirismo e pelo racionalismo tradicional,
7
contribuiu para o progresso do entendimento do conceito de tempo ao longo da
história.
SUMÁRIO
8
INTRODUÇÃO.....................................................................................................09
CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA ....................10
CAPÍTULO II - O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA..................................21
CAPÍTULO III – A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E SUA
PERSPECTIVA HISTÓRICA................................................................................31
CONCLUSÃO......................................................................................................38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...........................................................................41
ÍNDICE.................................................................................................................44
FOLHA DE AVALIAÇÃO......................................................................................45
9
INTRODUÇÃO
O interesse pela questão do tempo certamente não é novo,
pessoalmente acredito que nossa sociedade atual, por motivos ligados à sua
organização política e econômica, é escrava do tempo, em diversos sentidos.
Mas é possível (e preciso) negar essa visão como única e definitiva para
redescobrir e admirar esse conceito. De um lado, o tempo subjetivo, a
percepção do tempo, a construção cognitiva dessa noção, as diferentes visões
sociais e histórias a seu respeito, a memória, tudo isso é complexo e
interessante, assim como, de outro, o tempo físico, seja ele da mecânica
clássica, da relatividade, ou retocado pela termodinâmica ou pela cosmologia.
Além disso, a problematização pedagógica desses conceitos ainda é um
terreno não muito explorado.
Desvela-se assim (mas jamais inteiramente) o mistério do tempo que,
como quase todos os “obscuros” conceitos da física, paradoxalmente “claros” à
primeira vista, exerce o seu fascínio. A própria palavra que, isolada, leva quase
que imediatamente à reflexão, é em si mesma uma metáfora da existência.
Muitas dessas entrelinhas estarão presentes nesta monografia.
10
CAPÍTULO 1
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA
Diante das atuais condições do ensino de física no Brasil e das diversas
bases teóricas desenvolvidas ao longo dos anos em pesquisa na área de
educação, muitos professores deparam-se com a disparidade entre o que é
produzido cientificamente e o que de fato pode ser aplicado em sala de aula.
Na prática, o método tradicional estabelece distância na relação professoraluno e diminui a convivência entre os sujeitos, restringindo o aprendizado,
pois uma relação mais amistosa e humana entre ambos contribuiria também
na aprendizagem. Já o método cognitivo interacionista, prioriza as atividades
dos sujeitos, ao criar um ambiente desafiador.
De fato, um ambiente onde o aluno possa construir suas habilidades de
maneira autônoma, através da interação entre os alunos e o professor,
contribui para o desenvolvimento das inteligências e, quando aplicadas ao
ensino de física, certamente despertarão o interesse sobre os conteúdos
desta ciência.
Uma educação científica que apresente a ciência como um fazer
humano, contextualizado histórica e socialmente, que evidencie seu caráter
inacabado, transitório, bem como as rupturas e transformações pelas quais
essa atividade passou através dos séculos não pode, certamente, abdicar da
história. Seja no ensino superior, médio ou fundamental, defendemos que
aspectos históricos estejam contemplados na prática educativa. No entanto,
de qual história da ciência falamos aqui?
Não defendemos aquela história que, quando presente nos textos
didáticos tradicionais do ensino médio ou superior sirva apenas como
11
ilustração. Esse tipo de história factual e cronológica, às vezes, mais prejudica
do que auxilia uma tentativa de apresentação da ciência, perpetuando muitas
vezes concepções ingênuas do fazer científico, estereotipadas e, até,
mentirosas.
Defendemos a história da ciência tanto na formação dos professores e
pesquisadores da área de ciências quanto na formação do cidadão comum
contemporâneo que pode, ou não, seguir algum curso superior em outras
áreas do conhecimento. Optamos por uma história que não seja uma
reconstrução do passado com o objetivo de selecionar apenas o que pode ser
útil para a compreensão das teorias e modelos atualmente aceitos, e a
argumentação deve caminhar no sentido de fazer uma construção racional
crítica, instigadora do imaginário, que revele os sucessos e fracassos
ocorridos ao longo do desenvolvimento da física, enfim, uma história que
apresente o caráter dinâmico do passado e que, certamente, com uma
educação inovadora, será ainda mais dinâmica.
Não se trata, portanto, de tomarmos a história da ciência de forma
dogmática, como se ela fosse a solução para todos os problemas do ensino
de física e sim abalar as certezas, tornando-a não-dogmática, crítica e
humana. Isso revela a complexidade do fazer científico, e nesse sentido, a
formação do discente-cidadão não estaria de forma alguma prejudicada, mas
engrandecida.
Reafirmamos que as razões levantadas em favor da utilização da
história da ciência no ensino de física inserem-se no contexto da concepção
dialética do conhecimento, e consideramos que a perspectiva histórica seja
algo que também deva estar presente na sala de aula, sendo encarada de
modo não-dogmático.
Embora a história da ciência não seja, em si, uma metodologia de
ensino, também não pode ela, garantir tal coisa. Certamente, nem todos os
estudantes irão motivar-se através de uma educação científica histórica, mas
12
essa perspectiva deve ser-lhes apresentada, sob a pena de transformarmos
educação em doutrinação. (SCHENBERG, 1984, p. 30)
Pretendemos haver evidenciado em que medida a não-historicidade
contribui para intensificar o caráter dogmático da educação científica, em
geral. Esse dogmatismo, entretanto, acentua e é acentuado por uma prática
pedagógica caracterizada pela fragmentação. Resultam os currículos de uma
excessiva e artificial compartimentalização do conhecimento, e, mesmo
dentro de cada disciplina, o conteúdo é subdividido de modo estanque,
fazendo com que um determinado estudo pouca ou nenhuma relação pareça
ter com o seguinte. A fragmentação é tamanha que, muitas vezes, a
cinemática parece absolutamente não se relacionar com a dinâmica, que se
apresenta aos alunos como “outra matéria”. Certamente que a perspectiva
disciplinar é importante, no sentido de que o professor de física precisa ser
conhecedor de física, para que possa estabelecer claramente os limites de tal
conhecimento, seu âmbito de atuação e sua perspectiva do real. A idéia de
disciplinaridade é importante para demarcar e para poder compor.
Somente é possível compor um todo juntando as partes, quando você
conhece as partes. A disciplinaridade é o ato de conhecer essas partes. Um
todo é muito mais que a soma das partes, mas é preciso que se tenha
conhecimento dessas partes.
O pensar dialético leva-nos a reinterpretar a soma das partes e essa
soma é algo que se concretiza à custa de uma perda. Nessa soma, deve-se
buscar o estabelecimento dos limites de certo conhecimento.
Nesse sentido, um conceito, lei, teoria ou disciplina deixa de possuir um
imenso campo de atuação que uma abordagem primeira poderia levar a
supor. Há uma perda que, paradoxalmente, é um ganho, no tocante ao
estabelecimento de uma maior profundidade. Desse modo, pensamos que
exista uma ruptura entre o chamado senso comum e o conhecimento
sistematizado. A problematização do primeiro o limita, visando à sua
transcendência.
13
Então: Não seria a prática interdisciplinar uma forma de estabelecer
esses limites? Um conceito ganha clareza quando compreendemos o que ele
não é? Onde ele não se aplica?
Vejamos: No momento que um conceito muda de sentido, é um
acontecimento da conceptualização (percurso entre a percepção e a
construção do conhecimento). Mesmo se colocando do simples ponto de vista
pedagógico, o aluno-cidadão compreenderá melhor, por exemplo, o valor da
noção galineana de velocidade se o professor souber expor o papel
aristotélico da velocidade no movimento. (BACHELARD, 1985, p. 51)
Acreditamos que o aluno também compreenderá melhor o conceito
físico de tempo se o professor souber expor as outras acepções que esse
conceito adquire em outras áreas do conhecimento, na linguagem nãoacadêmica.
Um trabalho dessa natureza pode vir a ser interessante na busca que
nos propusemos aqui, e representa certamente um tipo de pensamento
interdisciplinar. Contudo, para nós, a interdisciplinaridade nasce a partir da
problematização, concebida segundo o referencial educacional de Paulo
Freire. Para ele, tudo pode ser problematizado e, nesse processo, o educador
não
é
mero
espectador,
encontrando-se
igualmente
problematizado.
(FREIRE, 2ª edição, 1975)
A
verdadeira
problematização,
acreditamos,
passa
pela
interdisciplinaridade. Como problematizar um determinado conteúdo de física,
sem efetivamente incorporar os elementos dessa problematização em uma
prática subseqüente? Esses elementos poderão contribuir para a delimitação
do conhecimento em física, numa prática interdisciplinar?
Para nós, o próprio professor de física, no âmbito da problematização a
que se propõe, deve explorar as possíveis interfaces do conceito, tema ou
assunto que pretenda trabalhar com seus alunos. A partir disso os estudantes
14
podem admirar e readmirar esse conceito, uma vez que conhecem os limites
do mesmo, no campo do conhecimento sistematizado.
O trabalho a partir de diversos referenciais, dados pelas diversas
disciplinas, resulta num aprofundamento, numa objetivação daquele conceito,
complexo em sua natureza, em torno do qual, dois sujeitos, dialogicamente,
elaboram suas reflexões.
Nesse
nosso
trabalho,
deixaremos
de
lado
a
perspectiva
interdisciplinar, citada apenas para estabelecer uma relação dialética, optando
pelo aprofundamento da perspectiva histórica. Não que a primeira seja menos
relevante dentro de nossa concepção de educação, mas por refletir apenas
um tipo de limitação inerente a esse trabalho.
Com vistas a uma exemplificação de como a perspectiva histórica
poderia estar contemplada no ensino de física, tomaremos para nossa
análise, a partir de agora, um conceito de fundamental importância na física: o
conceito de tempo.
Embora nossa escolha contenha uma aparente simplicidade, o conceito
de tempo é extremamente complexo, permeando os diversos ramos do
conhecimento físico, dado o seu caráter fundamental. Apesar disso, é um
conceito pouco estudado, no que se refere ao ensino de física.
Pretendemos apresentar diversas concepções desse conceito ao longo
da história, criando subsídios para uma análise posterior, favorecendo um
primeiro contato com o material histórico, ainda não problematizado.
Procuraremos abordar as idéias desenvolvidas por alguns dos principais
pensadores que se debruçaram sobre essa questão específica, ao longo dos
séculos.
1.1 - O CONCEITO DE TEMPO NA ANTIGUIDADE
15
Já na pré-história, o homem notava mudanças sazonais em seu meio
ambiente, tanto no que se refere à abundância de espécies animais e
vegetais, como à presença de ciclos regulares na natureza, como o dia e a
noite.
Não tardou a surgir a percepção de relações entre os ciclos celestes e
os biológicos. Foi, no entanto, a fixação do homem à terra que o levou à
elaboração dos primeiros calendários, marcas das primitivas civilizações
agrícolas. Reciprocamente, o conhecimento das estações foi uma condição
para que esse processo ocorresse de modo definitivo.
A história dos calendários, por si só, é algo extremamente fascinante,
que mereceria uma abordagem mais extensa. O que nos importa aqui, no
entanto, é, em primeiro lugar, a própria idéia de marcação do tempo que surge
com eles e, em segundo lugar, as possíveis concepções sobre o tempo.
O calendário egípcio, por exemplo, era composto de 12 meses de 30
dias cada, com 5 dias adicionais de festa ao final do ano. Baseado no
movimento do Sol dividia-se o ano em três estações: tempo da inundação,
tempo da semeadura e tempo da colheita. O ciclo das cheias do Nilo tem
profunda relação com a visão de tempo dos egípcios, pois o “mito de Osíris”,
que corporificava esse ciclo de nascimento, encerrava uma promessa de
imortalidade, ou seja, de tempo infinito para Faraó. Por ocasião da morte física
do Faraó, uma série de ritos o capacitava a tornar-se “Osíris”, entidade imune à
devastação do tempo. (WHITROW,1993, p. 38)
As pirâmides são verdadeiros monumentos à imortalidade, e o culto a
“Osíris” simbolizava essa busca. Devemos aos egípcios os primeiros relógios
de Sol, assim como os primeiros relógios de água, usados posteriormente
pelos gregos e romanos.
16
Os babilônios criaram um calendário baseado na Lua. Havia 12 meses
Lunares, com 29 ou 30 dias cada, sendo um décimo terceiro mês
acrescentado de vez em quando.
Devido ao próprio ambiente onde essa civilização desenvolveu-se,
assolado por grandes variações climáticas, tinham uma visão do mundo
marcada por destruições, o que se reflete em sua mitologia. A visão babilônica
do tempo caracterizava-se mais pela inconstância do que pela permanência de
ciclos. Os antigos calendários gregos eram bastante caóticos. Todos eles se
baseavam em meses lunares astronômicos, sendo que a intercalação do 13º
mês era feita segundo a vontade da autoridade local. Assim, o calendário
diferia de cidade para cidade.
Posteriormente, os gregos procuraram ciclos que pudessem organizar
essas intercalações. O mais importante deles foi o Metônico, com duração de
19 anos. O grego Meton observou, por volta de 430 a.C., que 19 anos Solares
correspondiam a 235 Lunações, enquanto 19 anos Lunares correspondiam a
228 Lunações. Era necessário, então, intercalar 7 meses Lunares a cada ciclo
de 19 anos.
Na América, os maias construíram um calendário extremamente preciso
e complexo, formado por um ano Solar de 18 meses e 20 dias, com 5 dias
intercalados, perfazendo um total de 365 dias. Havia outros ciclos de
importância em sua astronomia, fruto de uma relativamente avançada
matemática. (BOCZKO,1984, p. 16. WHITROW,1993. p. 109 – 113)
17
A marcação do tempo, para as primeiras grandes civilizações, sempre
esteve associada aos movimentos dos astros e os ciclos da natureza. As
observações astronômicas eram uma necessidade, e não apenas fruto de
simples curiosidade.
Essa idéia de tempo, associada aos movimentos dos astros, estendeu-se
ao movimento de qualquer corpo que possui massa, tornando-se uma
característica da mecânica newtoniana, que faz uso de outro conceito físico
igualmente importante (a velocidade), que diz que o tempo é igual ao espaço
percorrido dividido pela velocidade (t = S / v). Essa velocidade, no contexto
físico, deve ser entendida como a rapidez dessa mudança de posição. Sendo
assim, o tempo newtoniano estaria relacionado com a mudança de posição,
em relação a um referencial inercial e à respectiva rapidez com que essa
mudança ocorre. Porém, se a mudança de posição depende da adoção de um
referencial inercial, pode-se dizer que o tempo matemático de Newton
dependeria do estado de movimento desse corpo, ou seja, sem movimento
não haveria tempo matemático.
Esse tempo matemático, equacionável, seria um tempo independente da
percepção humana, uma vez que o estado de movimento é uma característica
inercial dos corpos.
Referenciais inerciais e não inerciais podem ser distinguidos pela
ausência ou presença de forças fictícias, como explicado brevemente. A
presença de forças fictícias indica que as leis físicas não são as leis mais
simples disponíveis, então, em termos do princípio da relatividade especial, um
referencial onde forças fictícias estão presentes não é um referencial inercial.
Corpos em referenciais não inerciais ficam sujeitos as chamadas forças
fictícias (pseudo-forças); isto é, forças provenientes da aceleração do próprio
referencial e não de forças físicas atuando no corpo. Exemplos de forças
fictícias são a força centrífuga e a força de Coriolis em referenciais girantes.
Como então, são as forças "fictícias' separadas das forças "reais"? É
difícil aplicar a definição newtoniana de referencial inercial sem essa
18
separação. Por exemplo, considere um objeto estacionário em um referencial
inercial. Estando em repouso, nenhuma força resultante está aplicada. Mas em
um referencial girando sobre um eixo fixo, o objeto parece mover-se em um
círculo, e está sujeito a força centrípeta (que é composta pela força de Coriolis
e pela força centrífuga). Como podemos decidir que o referencial girante é um
referencial não inercial? Há duas abordagens para essa resolução: uma
abordagem é olhar para a origem das forças fictícias (a força de Coriolis e a
força centrífuga).
Nós perceberemos que não há fontes para essas forças, nenhum corpo
originando-as. Uma segunda abordagem é a olhar para uma variedade de
referenciais. Para qualquer referencial inercial, a força de Coriolis e a força
centrífuga desaparecem, então a aplicação do princípio da relatividade
especial
seria
identificar
estes
referenciais
onde
as
forças
desaparecem,compartilhando das mesmas e mais simples leis da física, e, por
conseguinte, que o referencial girante não é inercial.O próprio Newton
examinou esse problema usando esferas em rotação. Ele argumentou que se
as esferas não estão em rotação, a tensão na corda é medida como zero em
todos os referenciais. Se as esferas apenas aparentam estar em rotação(isto
é, estamos observando esferas estacionárias, de um referencial em rotação), a
tensão nula na corda é respaldada pela observação de que a força centrípeta é
fornecida pelas forças centrifuga e de Coriolis em combinação, logo nenhuma
tensão é necessária. Se as esferas realmente estão em rotação, a tensão
observada é exatamente a força centrípeta exigida pelo movimento circular.
Assim, a medição da tensão na corda identifica o referencial inercial: é o que
onde a tensão na corda é exatamente a força centrípeta exigida pelo
movimento da maneira que ele é observado naquele referencial, e não um
valor diferente. Isto é, o referencial inercial é aquele onde as forças fictícias
desaparecem. (Halliday,1995)
O poeta lucrécio (98 - 55 a.C.) apresentava idéias avançadas para sua
época, ao defender um universo infinito em todas as direções e um tempo
sem existência em si mesmo, não-separado do movimento das coisas. Aqui,
19
vemos que a idéia de tempo lucreciano nos remete à física clássica, e ao
conceito de tempo defendido modernamente por Newton. O tempo, para os
judeus, era linear devido a crença da criação e triunfo do povo eleito(Israel), e
esse conceito influenciou o cristianismo (por considerar a crucificação de Cristo
um evento não passível de repetição), que por sua vez influenciou a visão
ocidental de tempo, de maneira profunda.
(LUCRÉCIO, 1980, p. 37.
WHITROW,1993. p. 57 – 73)
1.2. O CONCEITO DE TEMPO NA IDADE MÉDIA
Um personagem importante para nós, dada a sua profundidade sobre
suas reflexões sobre o tempo, foi Santo Agostinho (354 – 430). Nascido cerca
de 40 anos após o cristianismo tornar-se a religião oficial do Império Romano
do Ocidente, procurou compreender o significado da frase do Gênesis: “no
princípio Deus criou o céu e a Terra”. Como nada material poderia existir
antes da criação, Agostinho concluiu que o criador fez o mundo a partir da
palavra. Em seguida procura responder a questão: O que estaria Deus
fazendo antes da criação? Sua resposta: “não sei”. E é nesse ponto que
começam suas conjecturas sobre o tempo.
(AGOSTINHO,1980. p. 213 –
214)
Para ele, o “passado” já não existe, e o “futuro” ainda não veio. Numa
tentativa de atribuir realidade ao “presente”, passa a considerar alguns
intervalos de tempo, mostrando que sempre há, em qualquer divisão que se
faça, um passado que já não é, e um futuro que ainda será. Concluiu que o
presente não tem nenhuma duração. Não obstante, Agostinho admite que
podemos comparar intervalos de tempo, na poesia ou na música, sem
associá-los aos movimentos dos corpos. Segundo ele, se os astros, por
exemplo, deixassem de se mover, ainda assim poderíamos avaliar se o
movimento de uma roda é mais rápido ou mais lento a cada volta. Também
as sílabas por nós pronunciadas continuariam sendo “longas” ou “breves”.
20
Sendo assim, os movimentos dos corpos celestes não marcavam o tempo,
para Agostinho. (AGOSTINHO,1980. p. 217 – 219)
São Tomás de Aquino (1225 – 1274) discutiu a existência de 3 tipos de
tempo: o dos corpos e fenômenos terrestres, a eternidade atemporal, e o
tempo dos anjos, dos corpos celestes e das idéias. A visão aristotélica de
tempo, fundida com teses religiosas, torna-se evidente em São Tomás
quando afirma que, se Deus não está sujeito aos movimentos de coisa
nenhuma, pode-se inferir que não há nele qualquer sucessão de tempo.
(TOMÁS DE AQUINO,1973. p. 79)
O importante para nós, até aqui, é assinalar como todo esse
desenvolvimento influenciou a visão comum sobre o tempo. Cada vez mais o
tempo passa a ser “medido”, “racionalizado” e “economizado”. Horários fixos
passam a ser estabelecidos para uma série de atividades, principalmente no
que se refere ao estudo e ao trabalho. Encontramos nessa época de
profundas transformações políticas, sociais e econômicas, as raízes de
muitos aspectos da maneira como o tempo é vivenciado por um cidadão
comum de nossa sociedade atual.
21
CAPÍTULO 2
O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA
Para a filosofia e a ciência, estava por vir uma alteração mais profunda.
Galileu Galilei (1564-1642) irá desferir duros golpes contra o conceito
aristotélico ainda dominante na descrição do universo, em geral, e dos demais
movimentos, em particular. Ao defender a mobilidade da Terra, inaugura uma
“nova interpretação natural”, baseada na relatividade do movimento.
Galileu “matematiza a experiência” ao estabelecer sua Lei de queda dos
corpos. E é nesse ponto em particular que o seu trabalho nos diz respeito
aqui, uma vez que a mudança de velocidade dos corpos em queda dá-se a
uma taxa constante relativamente ao tempo(vfinal = a.t), e não ao espaço.
A visão manifesta por Galileu, após haver “temporalizado” o movimento
de queda dos corpos, é um prelúdio da teoria newtoniana, tanto no que se
refere ao conceito de tempo, propriamente dito, quanto ao desenvolvimento
do cálculo diferencial e integral. (Revista Brasileira de Ensino de Física, 1995,
17(1), p. 50-54)
René Descartes (1596-1650) propõe uma teoria bastante complexa para
explicar o universo. Admite a presença de Deus para o seu surgimento, sendo
sua ação responsável por “quebrar” a matéria primordial e colocá-la em
22
movimento.
As
desenvolvimento
“Leis
naturais”,
posterior
do
criadas
mundo.
A
por
Deus,
cosmologia
acarretariam
de
o
Descartes,
essencialmente qualitativa, será alvo de duras críticas por parte de Newton.
Uma discussão detalhada sobre a cosmologia de Descartes foge aos
propósitos desse trabalho. Interessa-nos aqui somente apontar sua existência
e o fato dela admitir um início temporal para o universo.
(MARTINS, 2ª
edição, 1994)
Isaac Newton (1642-1727) entendia o tempo e o espaço como absolutos,
e os trouxe para o formalismo da mecânica, que passou a chamar-se
“mecânica newtoniana”. Em sua principal obra, Newton procura separar o que
chama de “tempo absoluto” do “tempo relativo”. O primeiro é o “tempo da
mecânica”, enquanto o segundo é uma espécie de “sombra” do primeiro,
vinculado à nossa percepção. No Opticks(livro III – Parte 1 – Q31), ele
caracteriza o espaço absoluto como sendo o “sensório de Deus” e quanto ao
tempo, Deus também faz-se presente quando lança sua concepção de dt (o
infinitésimo de tempo) que representava a ação de Deus em cada instante
como um “regulador” de tudo o que ocorre no universo. Essa visão da
atuação divina, que será criticada por Leibniz (1646-1716), procurava ir de
encontro a teoria de Descartes, por considerar que essa favoreceria o
“ateísmo”.
No entanto, a sua preocupação com o ateísmo acaba levando Newton
à, paradoxalmente, construir uma mecânica que, em sua formulação
matemática,
possibilitaria
“deterministas”
da
obra
eliminar
de
a
Newton
presença
devem-se,
de
Deus.
portanto,
As
visões
mais
aos
“newtonianos” do que ao próprio Newton, tendo em vista seu apego aos
princípios metafísicos. (LEIBNIZ, 2ª edição, 1983)
Um primeiro aspecto interessante da mecânica newtoniana é o fato dela
ser “reversível”, ou seja, admite uma transformação temporal que troque “t”
por “-t”. Dito de modo acadêmico, equivale a dizer que os sistemas
conservativos (nos quais a energia mecânica total permanece constante) não
23
são capazes de definir um sentido preferencial para o transcorrer do tempo.
Assim, se filmássemos um pêndulo conservativo em oscilação, não seríamos
capazes de decidir, ao assistirmos a exibição do filme, se o mesmo estaria
sendo projetado “para frente” ou “para trás”.
Por outro lado, nos sistemas dissipativos (onde a energia mecânica total
não permanece constante), somos capazes de distinguir o sentido de
projeção do filme. (SACHS,1987)
As idéias de Newton sobre o tempo sofreram críticas por parte de
pensadores da sua época e posteriores. Dentre eles, destacaremos um
contemporâneo de Newton já citado anteriormente: Gottfried W. Leibniz.
Para Leibniz, o tempo não tem uma existência independente das
pessoas que o concebem. Ao contrário, é a ”ordem sucessiva das coisas” que
nos dá a noção de tempo, sendo ele, pois, relativo. Diante da questão de por
que Deus não havia criado o mundo algum tempo antes do momento em que
o fez, Leibniz usa o seu “princípio da razão suficiente”, segundo o qual nada
pode existir sem uma causa que o faça existir daquele modo. Se o tempo
tivesse existência “fora dos eventos observáveis” (absoluto, portanto), seria
difícil, com base nesse princípio, explicar por que Deus optou por um instante
e não por outro. Para ele, o tempo é algo “idealizado”, construido a partir de
relações, o que não impede de ser dotado de “quantidade”, ou seja, Leibniz
admite que o tempo pode ser medido. (KOYRÉ, Gradiva, s/d)
Outro importante crítico das idéias de tempo absoluto de Newton foi
Ernst Mach. Em seu tratado sobre o o desenvolvimento histórico da
mecânica, ele nega a possibilidade de um “tempo absoluto” pois, segundo ele,
a própria idéia de tempo é uma abstração, a qual chegamos pela variação das
coisas observadas. Não podemos afirmar, por exemplo, que o movimento de
um pêndulo em oscilação ocorre no “tempo”. Percebemos esse movimento
quando comparamos as sucessivas posições do pêndulo com outros pontos.
Ainda que esses pontos não existissem, a comparação se daria com nossos
pensamentos e sensações, que seriam diferentes. Da mesma forma, um
24
movimento só é uniforme quando comparado com outro movimento, também
uniforme.
Mach afirma que a nossa representação do tempo surge a partir de uma
correspondência entre o conteúdo de nossa memória e o conteúdo de nossa
percepção. O “tempo absoluto”, para ele, seria fruto de um conceito
metafísico, sem valor científico. (MACH,1949)
Fugiria dos propósitos aqui expostos uma descrição pormenorizada de
todos aqueles que contribuíram para a formulação do princípio da
conservação da energia, e consequentemente, da evolução do conceito de
tempo, portanto, abordaremos somente os aspéctos que julgamos relevantes
para uma melhor contextualização da discussão sobre o tempo.
2.1. O TEMPO NO SÉCULO XIX
O princípio da conservação, é um dos mais fundamentais de toda a
Física, assumido como válido tanto na mecânica clássica quanto na teoria
quântica e na relatividade. Ele expressa a homogeneidade do tempo, ou seja,
o fato de que o tempo “flui” sempre no mesmo ritmo, num dado referencial.
Dessa forma, um fenômeno físico não muda, ao longo dos anos, se as
condições iniciais permanecerem as mesmas. Podemos, em conseqüência
disso, assumir, entre outras coisas, que uma determinada experiência não
necessita ser repetida com o passar do tempo, pois seu resultado continua
válido, consideradas as mesmas condições iniciais.
No entanto, se um pêndulo partisse espontaneamente do repouso e
começasse a oscilar, isso em nada violaria o princípio da conservação da
energia. Os chamados “fenômenos irreversíveis”, como a transformação de
um ovo em omelete, poderiam ser reversíveis, à luz do princípio da
conservação. (NUSSENZVEIG,1981, p. 391-395)
25
Sadi Carnot (1796-1832), motivado pelas profundas transformações
que as máquinas térmicas começaram a operar, apresenta um estudo teórico
sobre o funcionamento delas em 1824. Nesse trabalho, Carnot busca
princípios
gerais
para
o
funcionamento
das
“máquinas
de
calor”,
estabelecendo condições de rendimento máximo para um ciclo reversível
ideal e tecendo argumentos contra o “motor perpétuo” (crença da época sobre
a possibilidade de se fabricar um motor que, após ser posto em movimento,
jamais pararia). Os estudos sobre as máquinas térmicas favoreceram a
elaboração da 2ª Lei da termodinâmica, que define um sentido preferencial
para as trocas de calor: do corpo de maior temperatura para o corpo de
menor temperatura. Isso conduziu os cientistas do século XIX a duas idéias:
de que o tempo possui um sentido preferencial para transcorrer (do passado
para o futuro) e tem caráter homogêneo (possui um “ritmo” constante).
(MARTINS, 1994, p. 128-130)
A descoberta da radioatividade natural propiciou uma exemplificação de
um processo irreversível em nível atômico. Além disso, em breve ela seria
utilizada para “medir o tempo”, ajudando em muito a fundamentação da
geologia e da teoria da evolução de Charles Darwin. Proposta em 1859, sua
teoria “esbarrava” em objeções referentes ao tempo necessário para que a
evolução tivesse ocorrido, avaliado por Darwin como sendo superior à idade
estimada naquela época para o universo, tanto no âmbito religioso (tempo
bíblico) quanto no pensar científico.
2.2. O TEMPO NO SÉCULO XX
Albert Einstein (1879-1955) propõe, em 1905, a chamada teoria da
relatividade especial, cujos pilares básicos são: o princípio da relatividade
(segundo o qual as leis físicas são invariantes entre sistemas de referência
26
inerciais), e a constância da velocidade da luz no vácuo (cujo valor foi
estimado em 3.108m/s).
Tais premissas são incompatíveis com a mecânica newtoniana que,
como já vimos, pressupõe a existência de um tempo absoluto. Para a
relatividade, o tempo passa a ser relativo, ou seja, depende do sistema de
referência do observador. Desse modo, os relógios de observadores que se
deslocam, um em relação ao outro, não marcarão a mesma coisa.
(WHITROW, p. 175-178, 1993)
Em sua teoria, Einstein apresentou uma nova definição para os
conceitos de tempo e espaço, mostrando que a maneira como a mecânica de
Newton abordava esses conceitos não era válida para algumas situações. Ao
discutir o conceito de tempo, Einstein mostrou que a simultaneidade(fatos que
ocorrem em diferentes locais e ao mesmo tempo) é algo relativo. Assim, o
que é simultâneo para um observador poderá não ser simultâneo para outro
observador que se move em relação ao primeiro.
Podemos entender esse conceito de relatividade da simultaneidade se
analisarmos um exemplo proposto pelo próprio Einstein. Suponha que um
trem muito comprido se mova com velocidade muito alta. Imagine agora que
dois raios caiam em dois lugares “A” e “B”, separados por uma distância que
possui o mesmo valor do comprimento de um dos vagões do trem. A queda
dos raios ocorrerá no momento em que as extremidades do vagão estiverem
exatamente abaixo dos pontos “A” e “B” e será observada em dois
referenciais inerciais diferentes. Um observador estará em repouso num ponto
da estrada que corresponde à metade da distância entre “A” e “B” e um
segundo observador estará no centro do vagão e, desta forma, em movimento
em relação a um observador na estrada.
Quando os dois raios caírem, o observador em repouso na estrada verá
que esse acontecimento foi simultâneo, mas o observador dentro do vagão
não perceberá a queda dos dois raios ao mesmo tempo, no seu referencial
27
um dos raios cairá primeiro. Por que isso acontece? A resposta está no fato
de que a velocidade da luz, embora seja muito grande, não é infinita.
No nosso exemplo, a luz dos dois raios terá que percorrer uma grande
distância até chegar aos olhos dos dois observadores. Para o observador em
repouso, a distância a ser percorrida será a mesma tanto para o raio que caiu
em “A” como para o raio que caiu em “B”. Já para o observador no vagão,
embora no momento em que os raios caíram ele estivesse no ponto médio
entre “A” e “B”, a sua posição em relação a esses pontos mudou com o
passar do tempo, pois ele se movimentava com a mesma velocidade do
vagão. Desse modo, esse observador se movia em direção a um dos raios ao
mesmo tempo em que se afastava do outro. Sendo assim, a luz do raio em
direção ao qual ele se movia percorreu uma distância menor para chegar até
ele enquanto a distância percorrida pelo outro raio foi maior e, por isso, o raio
foi percebido num instante posterior.
Imagine agora outra situação onde será possível verificar mais um efeito
da relatividade, chamado dilatação do tempo. Um experimento será realizado
no interior de um vagão que desta vez será muito alto. Novamente teremos
dois observadores em referenciais diferentes. Haverá um observador no
interior do trem em alta velocidade e será ele quem realizará a experiência.
Mas, iremos supor que para um observador em repouso na estrada também
será possível verificar o que ocorrerá no interior do vagão.
O experimento consiste na emissão de um pulso de luz por uma lanterna
presa no chão do vagão. A luz será refletida por um espelho, que por sua vez
se encontra preso ao teto. Cada observador irá cronometrar o tempo que a
luz da lanterna levará para subir até o teto e descer de volta à lanterna, após
ser refletida pelo espelho. Digamos que a altura do vagão seja de 900.000 Km
e sua velocidade 240.000 Km/s. Como a velocidade da luz é de 300.000
Km/s, e admitindo que a luz se propaga com velocidade constante, o tempo
gasto pela luz da lanterna para percorrer a altura do vagão será de 3
segundos no movimento de subida e 3 segundos no movimento de descida.
28
Portanto, o tempo total será de 6 segundos. No entanto, para o observador
em repouso na estrada, o tempo medido será de 10 segundos. Qual o motivo
dessa diferença? Estaria com defeito o cronômetro utilizado pelo observador
localizado fora do vagão? Na verdade, o que ocorre nesse experimento é que
a trajetória percorrida pela luz da lanterna não será a mesma nos dois
referenciais. Para o observador dentro do vagão, a luz percorre uma trajetória
vertical tanto na subida como na descida. A distância percorrida por ela é o
dobro da altura do trem(1.800.000 Km). Mas para o observador em repouso,
durante o movimento da luz da lanterna, o trem também irá se movimentar. O
resultado desse movimento do trem será uma trajetória, vista para o
observador em repouso, que corresponde aos lados iguais de um triângulo
isósceles, cuja base é a distância percorrida pelo vagão a 240.000 Km/s.
Esse efeito verificado no exemplo anterior é conhecido como dilatação do
tempo. Embora esse exemplo represente uma situação fictícia, podemos
observar a dilatação do tempo nos relógios que viajam nos satélites artificiais
em torno da Terra. Os aparelhos de GPS por exemplo, fornecem suas
indicações ao captar os sinais dos satélites do Sistema de Posicionamento
Global. De acordo com a teoria da relatividade, os relógios que se movem nos
satélites a 14 mil quilômetros por hora e a cerca de 20 mil quilômetros de
altura(como é o caso dos satélites de GPS), atrasam cerca de 7
milesegundos (0,007 segundos) por dia em relação aos relógios da Terra.
Além desse efeito da relatividade restrita, ocorre também um efeito
relativístico maior devido à gravidade, de modo que os relógios dos satélites
também irão se adiantar cerca de 45 microsegundos por dia e o desvio a ser
considerado será o adiantamento de 38 microsegundos por dia.
De qualquer forma, a dilatação do tempo é extremamente importante na
precisão dos dados fornecidos pelos aparelhos GPS.
Para a questão que nos toca particularmente aqui, a relatividade trouxe,
portanto, sérias e profundas implicações sobre a maneira de se pensar o
tempo no século XX. Várias conseqüências surgem do tratamento matemático
dado a essa teoria, como a chamada contração do comprimento e a dilatação
29
do tempo. Posteriormente, com a teoria da relatividade geral, estabelece-se
uma relação entre o transcorrer do tempo e a gravidade, de modo que quanto
mais próximo um relógio estiver da Terra, mais lentamente ele trabalhará.
Essa idéia está na base do famoso “paradoxo dos gêmeos”. (WHITROW, p.
175-178, 1993)
A segunda “revolução” no conceito de tempo do século XX ocorreu com
o advento da mecânica quântica, a nova teoria sobre o “micromundo” que
rompeu, em muitos aspectos, com a ciência desenvolvida até fins do século
XIX. A revolução quântica resultou do trabalho de um grande número de
pessoas, dentre os quais poderíamos citar Planck, Bohr, Einstein, Born,
Heisenberg, De Broglie, Schroedinger, Pauli, Dirac, Fermi, entre outros.
Durante as primeiras décadas do século XX, o “novo olhar” trazido pela
mecânica quântica levou a um série de questionamentos acerca do
conhecimento físico desenvolvido até então. Dualidades, incertezas e
probabilidades são conceitos que ajudam um “novo saber” sobre o conceito
de tempo, agora mais distante da física clássica.
Uma outra questão que envolve a noção temporal na mecânica quântica
diz respeito ao famoso debate Einstein-Bohr sobre os fundamentos dessa
teoria. Einstein, descontente com o “status” que a probabilidade assumira no
mundo quântico, encabeçou uma série de críticas à mecânica quântica,
intencionando sempre demonstrar a incompletude dessa teoria.
Interessa-nos destacar que, tanto a teoria da relatividade quanto a
mecânica quântica são teorias reversíveis temporalmente, ou seja, suas
estruturas matemáticas não distinguem “t” de “-t”. Seria oportuno apontar que,
inclusive, as chamadas “anti-partículas” (partículas desprovidas de massa)
podem ser interpretadas, à luz dessas teorias, como sendo “partículas”
viajando para trás no tempo. (PESSOA JR, 1995)
A física do século XX proporcionou uma revolução, não apenas no
“micromundo”, mas levou à formulação de novas teorias sobre o universo
como um todo. Seria difícil tentarmos resgatar aqui todos os modelos
30
surgidos, pois eles nos interessam na medida que apontam concepções
novas sobre o tempo.
Surge então em 1947, com G. Gamow, a chamada teoria do “big-bang”,
cujas idéias centrais constituem a visão dominante em cosmologia. O “bigbang” repesenta uma grande explosão que teria originado, a 15 bilhões de
anos, o nosso universo. A partir de então, iniciou-se a expansão que
presenciamos ainda hoje. O aspecto interessante nessa teoria é a
singularidade presente em t = 0, ou seja, no instante de surgimento do
universo. Nesse ponto haveria uma grande densidade de matéria,
representando um problema matemático para a teoria, uma vez que a
quantidade de matéria total existente no universo ainda é uma incógnita.
Poderíamos considerar o “big-bang” como sendo a origem do tempo?
Se a resposta for sim, estaremos retornando ao problema inicialmente
proposto por Santo Agostinho: o que existia antes?
Uma teoria completa e unificada ainda não foi alcançada. Segundo
Stephen Hawking, tentativas nesse sentido podem levar à introdução de um
tempo imaginário (definido matematicamente usando números complexos),
fazendo desaparecer nossa distinção entre espaço e tempo (visão
euclidiana), conduzindo o pensamento para um universo com “duas histórias”:
uma segundo o tempo imaginário e outra segundo o tempo real.
Como vemos, as teorias mais fundamentais e atuais ainda encontram,
no tempo, um profundo mistério.
Finalizando essa seção, seria importante apontarmos que a “marcação
do tempo” por meios de relógios mais e mais precisos, vinculada a questões
de ordem econômica e social, acrescida de um sistema de comunicação cada
vez mais interligado e rápido, acabou por tornar o tempo o grande “senhor” da
vida das pessoas. Uma pretensa “domesticação” do tempo pela ciência,
representada pela própria definição do segundo no sistema internacional de
unidades( duração de 9.192.631.770 períodos de oscilação da radiação
31
correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do Césio-133) parece
corresponder plenamente ao papel que esse conceito adquiriu em nossa
sociedade industrial moderna. (HAWKING, 4ª edição, p. 182-191, 1996)
CAPÍTULO 3
A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E
SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA
Nesse último capítulo, procuraremos efetuar uma síntese do que foi
apresentado até aqui, buscando incorporar elementos dos dois primeiros
capítulos, contemplando uma discussão educacional das concepções sobre o
tempo, fruto dessa pesquisa. Para transformarmos esse estudo numa história
que
não
seja
meramente
ilustrativa,
factual
e
cronológica,
iremos
problematizar um determinado período histórico, aprofundando nossa análise
sobre ele.
Selecionamos, com essa intenção, o período compreendido entre os
séculos IV a.C e XVII d.C, aproximadamente. Nosso propósito será analisar
como o conceito de tempo foi introduzido de forma definitiva no estudo dos
movimentos. Iniciaremos essa seção a partir de um erro. Galileu, ao
estabelecer a lei de queda dos corpos, busca primeiramente relacionar a
variação de velocidade dos corpos em queda com a distância percorrida a
partir da origem, e não com o intervalo de tempo correspondente. Esse “erro”
que Galileu assume ter incorrido, também foi cometido por Descartes.
(KOYRÉ,1986, p.105)
32
Por que dois “monstros” da ciência haveriam de titubear para introduzir
o tempo no estudo do movimento de queda? Uma resposta satisfatória sobre
essa questão só poderá emergir se conseguirmos compreender o trabalho de
ambos no âmbito de uma revolução científica. Galileu, representou a
transição
entre
dois
paradigmas:
do
aristotélico-ptolomaico
para
o
newtoniano. E é justamente por isso que necessitamos, inicialmente, penetrar
no “universo conceitual” do primeiro paradigma. Somente dessa forma
poderemos entender a natureza e o porquê da revolução, a relevância e a
razão do erro galineano, e a ruptura existente entre as visões de mundo
representadas por esses paradigmas, em geral, e entre os conceitos de
tempo a eles associados, em particular.
Foi no âmbito da astronomia que os mais duros golpes foram desferidos
contra a cosmologia aristotélica. O universo heliocêntrico de Nicolau
Copérnico veio, no século XVI, contribuir não apenas para uma completa
reformulação da astronomia, sob novas bases, como também para uma
profunda transformação na visão do homem e de seu papel no universo. O
universo herdado por Copérnico era um “mundo fechado” e suas raízes
encontram-se por volta do século IV a.C na Grécia, onde consolidou-se a
visão de que a Terra era esférica e encontrava-se imóvel no centro do
universo. Em seu redor circulavam, presos a esferas, a Lua, o Sol, os demais
planetas e, por último, as estrelas. Além delas, não existia nada: nem espaço,
nem matéria.
A esfera fora escolhida por ser a mais perfeita figura da geometria,
sendo por isso a melhor opção de que dispunha o Criador para construir o
mundo, e o tempo havia sido criado junto com o universo, como uma “imagem
da mobilidade da eternidade”. Entretanto, havia também outras razões de
natureza observacional que sustentavam a esfericidade da Terra, como o
formato da sombra projetada por essa durante um eclipse lunar ou a maneira
pela qual os navios desapareciam no horizonte(primeiramente o casco e
depois o mastro). (PLATÃO, 1977, p.50)
33
Quanto à imobilidade da Terra, nossos próprios sentidos atestam a seu
favor, enquanto o Sol e as estrelas parecem caminhar no céu durante o dia e
a noite, circundando-nos. Esse é um ponto importante, uma vez que o
argumento dos sentidos somou-se a motivações teóricas, estéticas e
religiosas para sustentar, durante séculos, esse modelo cosmológico.
O universo esférico e geocêntrico explicava de modo bastante
satisfatório uma série de movimentos observados no céu, como o movimento
do Sol e das estrelas(de leste para oeste) e o movimento do Sol do norte para
o sul. No entanto, os planetas apresentavam movimentos mais complexos,
conhecidos como movimentos retrógrados, interrompendo por um certo
período o seu movimento para leste e avançando para oeste, retrocedendo
novamente em seguida. Tais movimentos desafiaram desde sedo os
defensores do universo geocêntrico, levando Ptolomeu à desenvolver , no
século II a.C, uma série de “artifícios geométricos” que foram utilizados pelos
astrônomos na tentativa de adequar o modelo com as observações
planetárias.
O importante nesse ponto é percebermos como o problema das
posições planetárias acabou levando os astrônomos da antiguidade a
construirem um modelo cada vez mais aprimorado e “geometrizado”do
universo, numa tentativa de “salvar” a esfera celeste, conciliando observação
e sentidos. O modelo aristotélico-ptolomaico estava cada vez mais
incorporado e adaptado a questões religiosas, tornando-se mais difícil romper
com essa visão de mundo. Embora o sistema de Ptolomeu não conseguisse
ajustar-se fielmente às observações, dominou como um modelo aceito por
quase 1800 anos.
Mas como situa-se a questão do tempo na cosmologia aristotélica?
Adentramos aqui, em um ponto de grande interesse para a perspectiva
colocada por nosso trabalho.
Aristóteles relaciona o tempo ao movimento em geral, afirmando que o
tempo é o aspecto numerável do movimento, o número do movimento com
34
respeito ao “antes” e “depois”, ou seja, o tempo e o movimento definem-se um
ao outro. O movimento dos céus, para Aristóteles, por ser circular, regular e
imutável, forneceria uma medida perfeita desse tempo contínuo e “eterno”, o
que implicaria num tempo infinito(cuja existência é desde sempre).
Um outro ponto importante é o fato de Aristóteles questionar-se sobre
se o tempo poderia existir na ausência da alma, ou seja, de alguém que
possa “contar”. Nessa hipótese, o tempo em si não existiria, mas apenas o
movimento. Parece-nos claro, o caráter secundário que o tempo assume
dentro desse paradigma. O movimento não é relativo ao tempo (embora seja
esse seu aspécto mensurável) mas ao lugar. No universo Aristotélico, os
lugares estão bem determinados, numa rígida hierarquia de um mundo
fechado, onde prevalece o “espaço-matéria”, e o tempo é um coadjuvante,
que aparentemente desapareceria com a ausência do homem.
A importância do espaço, na concepção aristotélica, difere radicalmente
do espaço newtoniano. Para Newton o espaço é homogêneo e neutro, não
existindo nenhuma região ou direção preferencial para o movimento. Já para
Aristóteles, o espaço parece ter “vida”, onde os objetos movimentam-se por
“desejos” e “motivações” internas. A análise de Aristóteles parece encontrar
respaldo nas concepções infantis sobre o tempo, onde esse é associado a
“mudança” e “movimento”, vinculadas num primeiro momento a fenômenos
naturais e meteorológicos. Desse modo o tempo passa enquanto a pessoa
está crescendo, por exemplo, mas não a partir do momento em que se torna
adulta. O chamado “tempo psicológico” ou a percepção subjetiva do tempo,
parece também corresponder a uma dose de aninismo, na medida em que
associa seu transcorrer a uma percepção pessoal, dependentes de estados
internos que variam. Newton irá separar o “tempo absoluto”(da mecânica) do
“tempo relativo”(de caráter subjetivo).
A superação do ponto de vista aristotélico não foi um processo fácil e
tranquilo, pelo contrário, a substituição desse paradigma requereu uma
revolução científica que rompeu profundamente com o conhecimento
35
estabelecido. O nascimento da nova mecânica, que teve Copérnico, Galileu,
Kepler e Newton como protagonistas, necessitou de uma ruptura com o saber
anterior. (PIAGET, vol 2, 1981, p.16-18)
O período de gestação de uma nova teoria do movimento foi longo.
Ptolomeu, que viveu no século II a.C., pode ser considerado uma das últimas
grandes figuras da ciência antiga. O saber ocidental decaiu sob o domínio
romano e com a ascensão do pensamento cristão. Resgatado posteriormente
pelos árabes durante a invasão da Península Ibérica no século VII, ressurgiu
na Europa por volta do século X, quando as primeiras traduções latinas do
árabe passaram a ser aceitas. Ao longo de todo esse período, o mundo
islâmico tornou-se um pólo de conhecimento.
Esse processo de recuperação do saber antigo intensifica-se no século
XIII, com o surgimento das primeiras universidades, que irão abrigar a
tradição filosófica conhecida como escolástica. Não obstante, a Igreja teve
papel determinante em concentrar todo o conhecimento , durante toda a
idade média. Os primeiros teólogos eram hostis com relação ao conhecimento
“pagão”, numa época em que a fé cristã procurava afirmar-se. Nos séculos XII
e XIII, com a hegemonia do cristianismo assegurada, tornaram-se
necessárias algumas modificações para fundir a cosmologia aristotélicoptolomaica com as inconciliáveis teses da Igreja. Desse modo, abandonou-se
a idéia de que o universo e o movimento sempre existiram.
O Renascimento foi o momento propício para a revolução científica que
recebeu impulso das “grandes navegações”, por exigirem um melhor
conhecimento dos céus e uma mais precisa marcação do tempo. É nesse
contexto que surge o trabalho de Nicolau Copérnico (1473-1543), de
importância capital para o desenvolvimento de uma “nova astronomia e
cosmologia”. Indiretamente, a contribuição de Copérnico foi crucial, na medida
em que abalou todo um sistema explicativo “coerente”. Uma mudança na
astronomia teve que ser acompanhada por uma nova teoria do movimento, e
é nesse momento que surgirá a questão temporal. (KOYRÉ, p.46-55)
36
A “harmonia geométrica” ainda era uma promessa no heliocentrismo
copernicano e, procurando não nos distanciarmos muito de nosso propósito,
podemos destacar o fato de que a idéia de uma Terra planetária, levantava
uma série de problemas para a vida cristã, como o fato de que se houvesse
outros corpos essencialmente “iguais” a Terra, levaria à hipótese deles serem
habitados e, se existissem homens em outros planetas, como eles poderiam
ser descendentes de Adão e Eva? No bojo da luta entre católicos e
protestantes inseriu-se o copernicanismo, “apanhando” dos dois lados.
Porém, os céus não eram mais os mesmos depois de Copérnico.
3.1. GALILEU E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
Chegamos, finalmente, a Galileu (1564-1642) que, no âmbito da
astronomia, trouxe grandiosas contribuições ao modelo copernicano. Com o
uso do telescópio, observou os céus como ninguém antes havia feito e relatou
como tudo era compatível com a nova cosmologia que surgia, na qual não
havia separação entre o celeste e o terrestre. No entanto, o que nos importa é
o trabalho efetivo de Galileu na construção de uma nova teoria do movimento,
pois o movimento da Terra trazia questões para a física que claramente
estavam em desacordo com a visão aristotélica. (KOYRÉ, p.86)
Contrapondo a idéia do movimento “em direção ao lugar natural”,
Galileu lança a “relatividade do movimento”, inaugurando uma nova
interpretação natural, ou seja, uma nova forma de olhar o real. A idéia de
movimento compartilhado, de composição de movimentos, da dependência
do movimento em relação ao observador serão o fundamento da “nova física”,
mais não nos deteremos na análise de tal construção, voltemo-nos à questão
do tempo.
Galileu acreditava que os acréscimos de velocidade na queda dos
corpos ocorriam em intervalos de tempo iguais e a temporalização do
37
movimento marca a introdução do conceito de tempo de modo profundo na
mecânica, abrindo o caminho que leva ao tempo absoluto de Newton, ainda
que Galileu não tenha se valido de relógios mecânicos. No que diz respeito à
medida do tempo, Galileu empregou um grande recipiente cheio de água,
suspenso no alto, com um pequeno orifício feito no fundo, de onde caia um
fino fio de água que era recolhido num pequeno copo durante todo o tempo
em que uma bola descia de um plano inclinado. As quantidades de água
assim recolhidas eram “pesadas” com uma balança, repetidas vezes.
A medição do tempo define o próprio tempo, assim como a medição da
massa define a massa. Essa noção empirista encontra-se fortemente ligada a
aspectos econômicos e sociais, estando cada vez mais presente na vida do
cidadão comum ao longo dos séculos. Ainda hoje é comum pensar-se o
tempo como “aquilo que o relógio mede”, e o “horário de verão”, por exemplo,
ainda parece “roubar” efetivamente uma hora na vida das pessoas. Com o
cálculo infinitesimal, de Newton, e a consolidação da nova cosmologia, inserese o tempo num outro quadro conceitual completo. Não podemos esquecer a
relação estabelecida por Newton entre o “dt” e a ação de Deus no universo,
que gerou duras críticas por parte de seu contemporâneo Leibniz, e para o
qual chamamos a atenção anteriormente. Outra importante crítica ao conceito
de tempo de Newton deveu-se a E.Mach que encarava-o como um “ocioso
conceito metafísico”. Entretanto, até o advento da teoria da relatividade, a
noção newtoniana de tempo reinará, absoluta.
Com o trabalho de Newton podemos dizer que se completa a revolução.
O universo aristotélico-ptolomaico fora substituído por outro, que trouxe um
conjunto de novos problemas e possibilidades para a ciência, além de ter
influenciado diversas áreas, tais como a filosofia e a política. Nesse contexto,
o conceito de tempo transita entre o empirismo primitivo e o racionalismo
característico do novo paradigma. A temporalização do movimento de queda
insere-se,
portanto,
na
construção
de
uma
teoria
do
movimento
incomensurável como o paradigma anterior. Esse momento marca de forma
38
indelével a introdução do conceito de tempo de modo profundo na mecânica,
abrindo o caminho que leva ao tempo absoluto newtoniano.
CONCLUSÃO
Se a educação, como diz Paulo Freire, visa não apenas inserir o homem
no mundo, mas com o mundo, de uma forma crítica e autônoma, então esse
homem deve ser capaz de ler esse mundo, cuja linguagem é constituída, em
grande parte, de caracteres científicos. Por isso, saber física é poder desvelar
o mundo, interpretá-lo, compreendê-lo, questioná-lo, transformá-lo. Nossa
cultura é, também e principalmente, uma cultura científica.
Seria o ensino tradicional, da forma como caracterizamos em nosso
trabalho, uma via propícia a esse desvelamento? Contra uma tal educação,
pobre e desmotivadora, massificadora e alienante, fundada numa concepção
metafísica do conhecimento, cujo ideal é a transmissão pura e simples do
saber, juntamo-nos a uma legião que parte de outros pressupostos. E não se
trata, é claro, de uma luta do “bem” contra o “mal”, mais de um duro processo
de conservação e transformação cultural, do qual somos agentes e vítimas.
Estamos então vinculados a problematização dialógica para estabelecer,
dentre outras coisas, a necessidade pedagógica da história da ciência. Essa
fundamentação teórica poderia encontrar, no que se refere ao ensino de
física, inúmeros temas a abordar. Essa ciência, em sua particular maneira de
39
olhar o real, proporciona-nos um vasto campo de atuação, do qual
escolhemos, por motivações várias, o conceito de tempo.
Para o cidadão comum talvez o tempo seja “aquilo que o relógio marca”,
ou ainda “ o clima”. No entanto, o ensino de física pode ampliar esse conceito,
redefini-lo a partir dos “universos conceituais” nos quais se insere, de suas
relações e interfaces com outras noções. Procuramos justamente mostrar
através desse trabalho uma possível maneira de problematizá-lo, a partir da
história da ciência.
Embora nosso trabalho possua um caráter de investigação bibliográfica
no âmbito específico da pesquisa em ensino de ciências, podemos dele
depreender certas mensagens dirigidas para a sala de aula, no que se refere
especificamente à construção do conceito de tempo.
Sabemos que pouca ou nenhuma atenção é dada à problematização
dessa noção nas aulas de física do ensino médio (sem esquecermos também
os livros didáticos). Normalmente, o tempo é considerado como algo
“conhecido a priori” pelo aluno e que, portanto, não necessita ser explorado
ou discutido. O conceito é abordado sem discussão, nos estudos iniciais da
mecânica, e lá permanece, como um parâmetro matemático abstrato,
referenciado pelo relógio supostamente familiar a todos. No entanto,
acreditamos não apenas que o debate em torno do tempo possa ser mais rico
do que isso, mas que a própria compreensão desse conceito e de sua
inserção nas teorias físicas depende de um trabalho mais cuidadoso.
Como fazê-lo? Certamente não há uma “receita”. Entretanto, ao longo do
desenrolar de nosso estudo, pudemos verificar que certas questões
abordadas nesse trabalho apresentam um grande potencial problematizador
sobre a idéia de tempo. A discussão sobre a história dos relógios (ampulheta,
corda ou digital) e sua precisão, por exemplo, pode vir a ser uma atividade de
sala de aula que ajude a compreender aspectos ligados à mensuração do
tempo. O entendimento do “como se mede” contribui para o entendimento do
“o quê se mede”, para a construção do próprio conceito.
40
O debate em torno da permanência ou não do tempo, em função do
desaparecimento do relógio, do Sol, do ser humano e da própria matéria do
universo, é outra questão levantada aqui que pode ser transformada em uma
atividade significativa de sala de aula. Esse debate sobre a natureza do
tempo pode mostrar-se fundamental para que os alunos confrontem suas
visões, permitindo momentos de aprendizado e reflexão ao longo da aula,
onde o aluno elabora e reelabora seus posicionamentos. Essas diferentes
visões sobre o tempo, da maneira como foi exposta nesse trabalho, podem
ser usadas pelo professor de física que deseja discutir o conceito de tempo
com seus alunos, elaborando atividades sobre o tema.
A ação do professor volta-se, então, à promoção não de uma “mudança
conceitual”, mais de uma alteração dos perfis conceituais de seus estudantes.
Nesse processo, a construção de um tempo cada vez mais objetivo permite
ao aluno lidar com a problemática de sua medida, relacionando-a a
fenômenos cíclicos ou uniformes, ao mesmo tempo que consegue associar
sua percepção da passagem do tempo a fenômenos de outra natureza. Esse
tempo objetivo passa a ser algo muito presente na vida do aluno, havendo
ocorrência de dificuldade de lidar com um conceito tão presente e
fundamental, que também é imaterial. Devido a isso, o tempo poderá vir a ser
encarado pelos alunos como uma “entidade”.
A idéia de tempo que é adquirida por um grupo de alunos a partir de um
longo processo de aprendizagem, que desconhece, a priori, o contexto
histórico da evolução do conceito de tempo, dificilmente será capaz de uma
sequência, regularidade e continuidade, a fim de contribuir para uma melhor
compreensão do presente, passado e futuro. Os conceitos temporais fazem
parte, então, da dimensão experimental do real.
Seguindo o referencial epistemológico de Gaston Bachelard, inserido no
contexto mais amplo da discussão epistemológica que deve permear a
formação dos professores de física, objetivando preparar a intervenção dos
mesmos para interpretar as concepções dos alunos, acreditamos que o nosso
41
trabalho forneça, especificamente à construção do conceito de tempo,
subsídios para que o professor interprete também a sala de aula em termos
dos compromissos epistemológicos de seus alunos, identificando a presença
de obstáculos no processo de ensino-aprendizagem,
adquirindo mais
elementos para enfrentar tais obstáculos, explorando as visões dos
estudantes para auxiliá-los na construção da cidadania.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AGOSTINHO, STO. – Confissões (coleção “Os Pensadores”), São Paulo,
Abril Cultural, 2ª edição, 1980. p. 213 – 214.
AGOSTINHO, STO. – Confissões (coleção “Os Pensadores”), São Paulo,
Abril Cultural, 2ª edição, 1980. p. 217 – 219.
BACHELARD, G. – O Novo Espírito Científico. Lisboa, Presença, 1985, p.
51.
BOCZKO, R. – Conceitos de Astronomia, São Paulo, Edgard Blucher, 1984,
p. 16.
FREIRE, P. - Extensão ou Comunicação?. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª
edição, 1975.
Halliday, D. & Resnick, R. – Fundamentos da Física, Mecânica. 4ª edição,
Rio de Janeiro, LTC, 1995.
HAWKING,S. W. – Breve história do Tempo. Trad. Ribeiro da Fonseca,
Lisboa, Portugal, 4ª edição, p. 182-191, 1996.
42
KOYRÉ, A. – Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Trad. Jorge Pires,
Lisboa(Portugal), Gradiva, s/d.
KOYRÉ, A. - Estudos Galilaicos, 1986, p.105.
KOYRÉ, A. – A Contribuição Científica da Renascença, p.46-55.
KOYRÉ, A. – As Etapas da Cosmologia Científica, p.86.
LUCRÉCIO – Da natureza (coleção”Os pensadores”), São Paulo, Abril
Cultural, 2ª edição, 1980, p. 37.
LEIBNIZ, G. W. – Correspondência com Clarke (coleção “Os Pensadores”).
Trad. Carlos Lopes de Mattos, São Paulo, Abril Cultural, 2ª edição, 1983.
MARTINS, R. A. – O Universo: teorias sobre sua origem e evolução. São
Paulo, Moderna, 2ª edição, 1994.
MACH, E. – Desarrollo Histórico–crítico de la Mecanica. Trad. Jose Babini,
Buenos Aires (Argentina), Espasa – Calpe, 1949.
MARTINS, R. A. – O Universo: teorias sobre sua origem e evolução. São
Paulo, Moderna, 2ª edição, p. 128-130, 1994.
NUSSENZVEIG, H. M. – Curso de física básica(vol. 1), 2ª edição, 1981, p.
391-395.
PESSOA JR, O. – Uma Incerta História do Tempo na Física Quântica. In:
ÉVORA, F.R.R. (org.) – Espaço e Tempo. Campinas, UNICAMP, 1995.
PLATÃO – Diálogos (Vol. XI – Timeu), 1977, p.50.
PIAGET, J. – Os Dados Genéticos da Epistemologia Física, vol 2, 1981,
p.16-18.
SCHENBERG, M. – Pensando a Física. São Paulo, Nova Stella Editorial,
1984, p. 30.
SACHS, R. G. - A cerca da reversibilidade do tempo na mecânica clássica,
The Physics of Time Reversal. University of Chicago(EUA), Capítulo 2, 1987.
43
TOMÁS DE AQUINO, STO. – Compêndio de teologia (coleção “Os
Pensadores”), São Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 79.
WHITROW, G.J – O Tempo na História: concepções do tempo da préhistória
aos nossos dias. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1993, p.
38.
WHITROW, G.J – O Tempo na História: concepções do tempo da préhistória aos nossos dias. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1993. p. 109 –
113.
WHITROW, G.J. – o Tempo na historia: concepções do tempo da préhistória aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges, rio de janeiro,
Jorge Zahar Ed, p. 175-178, 1993.
WHITROW, G.J – O Tempo na História: concepções do tempo da préhistória aos nossos dias, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1993. p. 57 – 73.
44
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO.....................................................................................2
AGRADECIMENTO.....................................................................................3
DEDICATÓRIA............................................................................................4
RESUMO.....................................................................................................5
METODOLOGIA..........................................................................................6
SUMÁRIO....................................................................................................8
INTRODUÇÃO................................................................................... .........9
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA......................................10
1.1 - O Conceito de Tempo na Antiguidade.......................................................14
1.2 - O Conceito de Tempo na Idade Média......................................................19
CAPÍTULO II
O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA...................................................21
2.1 - O Tempo no Século XIX............................................................................ 24
2.2 - O Tempo no Século XX............................................................................25
CAPÍTULO III
45
A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E SUA PERSPECTIVA
HISTÓRICA...................................................................................................31
3.1 - Galileu e a Revolução Científica.............................................................36
CONCLUSÃO..........................................................................................38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...............................................................41
ÍNDICE....................................................................................................44
46
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes.
Título da Monografia: O Conceito de Tempo no Ensino de Física e sua
Influência na Construção da Cidadania.
Autor: Raimundo dos Santos Montenegro Junior.
Data da entrega:
Avaliado por: Prof.Dr. Fernando Gouvêa
Conceito:
Download

universidade candido mendes pós