Entrevista com Marcos Antônio Noronha
Sumário
Fita 01 – Lado A
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A Igreja não pôde fugir à duas circunstâncias marcantes da década de 60: o Concílio
Ecumênico Vaticano II e o golpe de 64.
Pontificado dos papas a partir de Pio IX.
Ação na Diocese de Itabira após o golpe.
Manipulação do povo através do sagrado.
Torturas infligidas pelos militares.
A presidência de D. Agnelo Rossi na CNBB.
Atuação da CNBB durante a ditadura.
Postura de D. João Resende Costa.
Entrevista com Marcos Antônio Noronha
Sumário
Fita 01 – Lado B
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A posição do clero mineiro.
A catolicidade mineira.
A Diocese de Itabira: nascimento, processo de reflexão, IPM’s, padres, área
metalúrgica.
A personalidade e as posturas políticas de D. Sigaud.
Em Belo Horizonte a Igreja não tomava partido do povo, exceto em algumas exceções
como Dazinho, Antônio Faria e os Dominicanos.
Entrevista com Marcos Antônio Noronha
Sumário
Fita 02 – Lado A
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A maioria dos bispos mineiros não eram conservadores.
Os encontros do Regional Leste eram dificílimo. Para haver uma votação tinha que
haver concessões para os conservadores.
Bispos conservadores e progressistas. A maioria era conservadora.
Nunca achou que as terminologias conservador ou progressista tivesse significado mais
profundo.
Saiu de Ipatinga devido a conflitos políticos e eclesiais.
1A – MN - 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS
PROGRAMA DE HISTORIA ORAL
PROJETO INTEGRADO: MEMÓRIA E HISTÓRIA : VISÕES DE MINAS
ENTREVISTADOR: SÉRGIO RICARDO DA MATA
ENTREVISTADO: MARCOS ANTÔNIO NORONHA
LOCAL: BELO HORIZONTE
DATA: 17/01/95
Entrevista – fita 01 – lado A
SR: Gostaria que o senhor começasse então...
MN: Vamos fazer assim: eu falo o que estou pensando, se você quiser me interromper, você me dá sinal e
interrompe, eu te falo. Ou então, depois, em outras vezes, se você quiser, hoje a gente faz uma geral,
depois você pensa naquilo, vê, e vê o que você quer mais. Estou inteiramente às ordens. Se puder fazer
um trabalho objetivo, honesto, sincero, para o bem da História, não é?
Então, eu não imagino uma situação particular de uma diocese em Minas fora de um contexto, para ela
sozinha, fora de uma visão global. Fica manca, não significa muito. Claro que se pode fazer uma análise
de uma diocese, ou de uma paróquia, ou de uma comunidade em qualquer lugar, fora do contexto. Mas
enriquece muito a visão de contexto, a visão do global. Eu acho que nós devíamos partir do maior para
o menor, do mais geral. E eu vou me lembrando das coisas e vou falando.
Estou pensando, por exemplo, aqui: há duas circunstâncias na década de 60 - você falou em década de
60, não é? - duas circunstâncias marcantes, cada uma a seu modo. Uma delas é o Concílio Ecumênico
Vaticano II. E a outra é o golpe de 64. Quer dizer, são duas marcas das quais a Igreja não pôde fugir,
não fugiu, e foram realmente as duas causas dos conflitos e das belezas, das bondades, das caminhadas
de Igreja, caminhada de povo. O Concílio como um convite de João XXIII a se abrir a janela. E o golpe
como cerceamento dos passos de melhoria da vida humana. Não vejo de outro jeito. As duas foram
marcas muito graves, muito importantes na vida de qualquer diocese, qualquer paróquia.
E no Brasil, o Concílio imprimiu uma marca indelével. Tanto que neste Pontificado agora, alguns
elementos da cúria romana fizeram tudo para acabar com as marcas do Concílio e não estão
conseguindo. Quer dizer, o Concílio foi uma marca determinante na Igreja do século XX.
1A – MN - 2
A gente podia até fazer um paralelo com o fim do século XIX, quando era Papa o Pio IX. Costumo
fazer esse paralelo para mim mesmo, olhando para uma hora de desânimo, de desesperança da Igreja,
porque era Papa o Pio IX, o que mais reinou depois de São Pedro. Reinou quase 40 anos como Papa.
Era uma pessoa conturbada. E pegou a Igreja numa hora difícil, a perda dos terrenos pontifícios. Então,
ele exacerbou. Proibiu, por exemplo, os cristãos de assistirem festa em Roma por causa da perda do
terreno pontifício.
Outra coisa, fez aquela síntese de condenações, chamado Sílabos. Talvez seja a maior síntese de
condenações na história da Igreja, a meu ver. Os Sílabos condena a sociologia, condena a psicologia,
condena o cinema...
SR: Tudo que é moderno.
MN: É, tudo que é moderno foi condenado por ele. Então foi um Papa de uma hora difícil. E muita gente
achou que a Igreja de Roma estava acabando. Depois, ele convocou o Concílio Ecumênico Vaticano I,
que definiu a (...)* do Papa contra a opinião do mundo, contra a opinião até de uma grande quantidade
de bispos, de clero.
Então, todo mundo achava: é, está acabando a Igreja. De repente, morre o Pio IX e eles elegem Joaquim
Pete. Joaquim Pete era um núncio velho aposentado, que morava em Roma, foi Núncio da Áustria, eu
acho. Foi o grande Leão XIII da Rerum Novarum.
Quer dizer, aconteceu também nesse século, quando se pensava que a Igreja estava em agonia com Pio
XII, Papa diplomata, um Papa de carreira diplomática e incluso no Vaticano. Enfrentou o problema da
guerra, dos judeus. Segundo alguns se calou na Segunda Guerra Mundial.
No entanto, depois desse Pio XII vem João XXIII e abre essa janela. E convoca o Concílio Ecumênico
Vaticano II e manda uma pergunta aos bispos do mundo inteiro: de que tratará esse Concílio? Eu li
esses documentos - são secretos, mas eu li, por acaso, no Concílio. Estava numa biblioteca lá e, por
acaso, eu peguei os 5 volumes e li tudo. São as respostas dos bispos do mundo inteiro para a
convocação do Concílio. Uma beleza de livro, uma sociologia viva. É um negócio que não foi
explorado até hoje, mas um negócio que valia a pena explorar como uma pesquisa, e que é só tabular.
Cada assunto do livro está sumamente pontilhado de asteriscos. E os assuntos pontilhados de asteriscos
são os mais importantes. E de alguns, o Concílio nem tratou.
Então, o Concílio foi a maior marca da década de 60 para a Igreja do Brasil.
SR: O senhor esteve lá?
MN: Eu estive na última sessão. Houve 4 sessões - 62, 63, 64 e 65. Só fui na sessão 65. Setembro, outubro e
novembro. Três meses e meio.
*
(...) = Inaudível.
1A – MN - 3
E o Concílio obrigou - obrigou no sentido bom - os bispos do Brasil a fazerem um plano de trabalho,
que até então não existia na Conferência Nacional dos Bispos, um plano com seis linhas de urgências,
que era a linha de catequese, a linha litúrgica, a linha de ação social, a linha de ecumenismo etc. Eu não
lembro de todas assim. Não há necessidade de falar todas. Falaria. Se for o caso, a gente volta a isso.
Então começou a pastoral de conjunto, chamada Plano de Pastoral de Conjunto para o episcopado
brasileiro. Então houve realmente uma caminhada de Igreja no Brasil. Houve uma tomada de
consciência. Houve um entusiasmo novo em matéria de Igreja, sobretudo em matéria de ação social e
em matéria de reflexão.
Eu costumo dizer que tive a sorte de ir para uma diocese que era gêmea do Concílio, porque a diocese
de Itabira começou a existir no dia 29 de dezembro. O Concílio terminou dia 8 e a diocese foi instalada
no dia 29. Quer dizer, no mesmo mês. Gêmea do Concílio, com todo aquele... - a gente voltou de Roma
- com todo aquele entusiasmo para fazer essa pastoral de conjunto até as últimas conseqüências.
E foi o que aconteceu. Chegando à diocese, dividi a diocese, fiz eleição de coordenadores para a
pastoral, o clero e o povo elegeu. Ela foi inteirinha dividida em setores para ver a reflexão, como está,
como é o ideal, o que faremos. Nessa linha de ver, julgar e agir. Da velha trilogia da Ação Católica. Foi
empregada em Itabira com muito entusiasmo.
Claro que havia sempre vozes contrárias. Era uma diocese tradicionalista. Tinha vindo da diocese de
Mariana e da diocese de Diamantina, e, portanto, tinha uma marca de TFP, de conservação. Mas foi
feito com coragem.
O maior inimigo que se encontrou para a implantação desse Plano Pastoral de Conjunto foi o golpe de
64. Porque se nós chegamos em pleno Concílio, chegamos também em pleno golpe. E às vésperas do
AI-5. Nós tivemos lá 8 IPMs de padres lá na diocese, coisa que virou até piada, virou anedota depois,
porque o que eles falavam era tão ridículo, tão sem base, que todo mundo ria. Mas, depois, a gente
voltará a falar disso.
Então, a minha visão geral de Igreja em Minas Gerais, ou na diocese de Itabira, como você quer, foi
isso. Uma diocese, ou um tempo de luta de pastoral marcada por dois eventos - Concílio Vaticano II e o
golpe de 64. Eu acho que não se pode fazer a história da pastoral em nenhuma diocese de Minas, ou a
história da Igreja em Minas na década de 60, sem levar em conta esses dois fatores, que são de primeira
importância, a primeira marca.
E eu daria - para não esquecer, vou falando e vou dizendo - eu acho que você deveria incluir na sua
tese, como enriquecedor, o livro “Brasil Nunca Mais”, do Dom... Você tem, não é? Outro livro, que
para Minas, e sobretudo para Belo Horizonte, é muito enriquecedor, chama-se “Rua Viva”. Você já viu
esse livro?
SR: Não conheço.
1A – MN - 4
MN: Não? Eu não tenho, porque dei os que eu tinha. Mas você encontra na prefeitura. É um livro que foi
feito por requerimento do vereador Betinho - eu tenho o sobrenome dele, não me lembro. Bom, um
vereador atual da Prefeitura, com uma equipe, resolveu fazer, elencar todas as vidas daqueles que foram
sacrificados no golpe de 64 e que receberam o nome de rua em Belo Horizonte. Por isso chama-se “Rua
Viva”. É um livro de uma grande beleza, tem...
SR: É disponível atualmente?
MN: É disponível na prefeitura. Eu vou te dizer quem pode te dar notícia desse livro. Ela está de férias. A
Luzia, trabalha no segundo andar. Ela pode te indicar quem vende, ou quem dá, ou quem empresta esse
livro na prefeitura. Luzia trabalha no segundo andar, é assessora do secretário de governo, Luiz Dulci.
Então, você entrando pelo fundo, ali na rua Goiás, você entrando ali no segundo andar - ela está de
férias esses dias, mas até fevereiro já voltou - e procurando a Luzia... [corte]
A minha visão geral é essa. Depois, você não tem acesso a nenhum livro do Riolando Azzi? Você já
ouviu falar?
SR: Já ouvi falar. Tenho textos dele, mas livros, não.
MN: Acho que eu não tenho, atualmente, nenhum livro dele também.
SR: Eu tenho um texto dele.
MN: Mas em todo caso fica feita a menção de que os livros dele são importantes para isso como reflexão.
SR: Uma coisa que me interessa é a seguinte: a despeito do senhor fazer essa observação, mostrar como o
golpe foi um marco, a posição frente da Igreja como um todo é uma coisa complexa da gente tentar
fazer esse tipo de avaliação, mas houve uma certa..., setores amplamente favoráveis, outros mais
cuidadosos, outros visivelmente contrários. Como o senhor percebia essa dialética dentro da Igreja?
MN: É, eu acho que houve posições, como diante de qualquer... (corte p/ atender o telefone) ... o telefone
cortou, falando sobre...
SR: A respeito de como a Igreja se viu diante do golpe.
MN: Do golpe. A Igreja... Houve, como em toda parte, uma ambivalência em termos de golpe. Alguns
defendendo e mesmo magnetizados por todo o cenário que armaram em torno do golpe, não é?
Chamaram até um padre do exterior para convidar o povo a rezar o terço, padre Peyton. Então
eletrizaram as massas, houve toda uma preparação subliminar do povo para isso, comandado pelo
Golbery, general Golbery.
SR: Já naquele tempo?
MN: Já naquele tempo. Ele atuou muito, ele e alguns organismos aí, eu não me lembro, eu tenho o livro do
René...
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SR: IPES, IBADE?. Aquele pessoal. Novos Inconfidentes?
MN: É, IPES, IBADE. Isso no livro do...
SR: Da Heloísa Starling também.
MN: Do Ives, como chama? O golpe de 64, tomada do poder, como chama? Esse professor da universidade.
Ives?
SR: René Dreifuss?
MN: É, Dreifuss. Aquele livro é muito importante para essa visão de preparação da anestesia do povo, muito
importante.
SR: Padre Lage chegou a insinuar, naquele livro dele, “O Padre e o Diabo”, não sei se o senhor leu, que esse
padre Peyton seria até...
MN: Fictício, fictício. Mas eu acho que nem precisa fazê-lo fictício, como real ele tem mais força. Trouxeram
um padre do exterior para anestesiar o povo do Brasil em torno de uma coisa sagrada para o povo, que é
o terço. Quer dizer, há umas coisas que são intocáveis para o povo. O remédio e o pão são intocáveis.
Quando depende de remédio e pão, o povo faz o que a gente quiser. Para se anestesiar o povo se usa
sobretudo pão e remédio, o artifício do pão e o artifício do remédio. As coisas sagradas, que o povo
consagra.
Então, pegaram isso. O que para o povo é sagrado? Então, fizeram esse truque para levar o povo
simples a acreditar que estava havendo uma redução, estava indo contra uma coisa diabólica, que era o
comunismo ateu, comedor de crianças, que Deus nos livre disso. E o povo assimilou isso, as donas de
casa saíram aqui, em Belo Horizonte, pelas ruas, rezando. O que foi tudo aquilo? Palhaçada. Tudo
aquilo foi um faz-de-conta, foi para tapear povo. Mas há os bons, que não sabem se é tapeação ou não,
quer dizer, há aqueles que vão com boa intenção, com retidão, aceitam que estão lutando contra o mal.
Então houve, na Igreja houve, mas muito mesmo. Quanto que lá em Itabira se sofreu com isso...
SR: O senhor era sacerdote lá?
MN: Eu era bispo.
SR: O bispado foi em...
MN: 65.
SR: Em 64 o senhor já estava lá?
MN: Não, 64, eu era vigário geral em Guaxupé, no Sul de Minas. Lá a coisa foi mais suave, porque é um
povo mais progressista, um povo mais independente, não pensou muito em revolução. Agora, em Itabira
era conservadorismo. Então ali, quando cheguei lá, encontrei as duas posições muito firmadas. Aqueles
que queriam a renovação e aqueles que entendiam que o governo... que houve um golpe, em 64, em
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cima do poder, que houve contravenção, que houve fechamento de Congresso, tudo isso o povo
entendeu. Mas pouca gente. A grande massa achava que estava... o golpe foi para salvar o país do
comunismo. Aonde é que está esse comunismo? Ninguém nunca mostrou. Cadê esse comunismo?
Aonde estavam esses comunistas?
SR: Mas, no entanto, dentro da Igreja havia uma ressonância a esse tipo de... vários bispos vocalizavam esse
terror anticomunista.
MN: Ah, sim. Eu estou para dizer a você que alguns bispos eram muito conservadores e chegavam não só a
defender mas a acusar...
SR: Estimular, no caso de Dom Sigaud.
MN: É, não é acusar só, não, é “delectar”. Como fala isso em português? Delectar, denunciar, é dedurar.
SR: É dedurar.
MN: Dedurar.
SR: Delatar.
MN: Delatar. Dom Sigaud delatou, acusou padres, bispos, não é? Dom Casaldaglia foi acusado por ele de
comunista. E muitos padres também delatavam. Eu também fui... um padre de Itabira saiu daqui e foi
para Juiz de Fora denunciar como comunista. Então, houve uns 8 casos de IPM contra padres. Contra
mim não fizeram nada.
Mas se houve essa reação de conservadorismo, de delatar, houve também uma meia dúzia que defendeu
o homem contra o golpe, defendeu o Brasil contra o golpe, e defendeu a Igreja contra o golpe. O golpe
queria o quê? Anular a participação do povo, anular uma tomada de consciência em face do governo,
em face dos erros, em face da mal querência, em face de tudo que é horrível nesse país.
SR: Tem uma coisa que me está instigando aqui, que é saber se essa visão que o senhor tem daquele
momento é uma visão muito formada a posteriori, ou naquele momento o senhor via exatamente como o
senhor...
MN: Exatamente. Não teve um minuto na revolução... No primeiro momento... eu vou te contar como eu
recebi a revolução. Eu estava em Poços de Caldas, indo para Guaxupé. Então, atravessa a divisa do
Estado. Eu pensei: nós estamos em revolução, há duas horas o país está em revolução. Como eu vou
atravessar a fronteira do Estado? Não aconteceu nada.
Eu liguei o rádio e ouvi o Carlos Lacerda falando o diabo contra tudo, a favor do golpe. Ele, depois,
pagou. Mas falando histericamente a favor do golpe de 64. Eu falei: “tem um erro nisso”. Naquele
momento, eu já era radical... eu daria a minha vida para defender o povo contra esse golpe. Eu tive
visão e intuição, ali, nesse momento, nessa noite, a noite de passagem de 31 para 1o de... 31 de março
para 1o de abril. Eu já tinha a posição que tenho hoje, de ódio a esse golpe. Achando que era um
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negócio de mau caratismo; não tem outra palavra, mau caratismo.
Depois que eu vim a saber tudo o que aconteceu no golpe, então só reforçou esse meu ódio. Por
exemplo, quando eu soube que jogavam jovens, enchiam um avião de jovens e jogavam em alto mar, na
boca do tubarão, não é? Até que me provem o contrário, eu acredito nisso. Um tal de coronel Penido
fazia isso. Ele está vivo ainda, aí. Depois que o coronel Portela, capitão Portela deu fezes de cavalo para
o preso político no Rio comer. Depois, esse Portela foi transferido para Belo Horizonte, e eu,
pessoalmente, sei da hediondez desse homem, porque tinha um amigo que foi preso por engano - ele
estava aqui ontem, em Belo Horizonte - Antônio Teixeira. E uma menina amiga nossa ia à cadeia levar
as coisas para ele e trazia notícias. E esse capitão se apaixonou por essa menina. Bateu nela na
Camponesa, na rua Goitacazes, com um bouquê de flores, porque ela não topou a sujeira dele.
Tudo isso a gente ficou sabendo depois, o que fizeram. Nesse livro, você vai ver, tem uma menina
chamada Áurea Pereira. Depois eu fui ver, onde será que essa menina nasceu? Nasceu na minha terra,
no mesmo lugar onde eu nasci, num lugarejo no Sul de Minas. Como ela foi encontrada? Foi encontrada
morta, enrolada num pára-quedas desativado. Quer dizer, jogaram essa menina lá de cima, num páraquedas, para dizer a ela... você está num pára-quedas, mas o pára-quedas estava desativado. Quer dizer,
ela bateu cá embaixo e morreu. Porquê? Porque tinha ideais, tinha um ideal de lutar contra isso.
E com isso eu te falaria o resto da tarde, de casos que eu sei. O Michel Le Ven, seu professor,
queimaram um maço de cigarros num braço dele. Ele não gosta de falar isso.
SR: O Michel nega que tenha sido torturado. Ele me falou disso numa entrevista longa, que a gente...
MN: No dia seguinte, o dia que ele saiu da cadeia, ele saiu hoje, na manhãzinha do dia seguinte eu fui visitálo e perguntei: “você não tinha raiva na hora que eles estavam queimando cigarro em você?” Ele
falou: “não, não cheguei a ter raiva.” Como ele respondeu a minha pergunta? Não quero polemizar,
sobretudo com ele, porque nunca mais ele tomou posição, não é? Ele ficou num canto. Parece que
nasceu dentro dele um medo pavoroso. Todo mundo me contou isso, que ele foi torturado com maço de
cigarro, em cima da privada, do vaso sanitário, e o sujeito queimou um maço de cigarro no corpo dele.
E no dia seguinte ele me fala isso. Você tinha ódio nessa hora? Não, não tinha. Como é? E não foi
torturado? Não entendo.
SR: Enfim, é uma questão de foro íntimo. De qualquer maneira...
MN: Você vai ler esse livro, esse “Rua Viva”, ali o histórico...
SR: Mas algumas coisas nos deixam assim, meio ainda por entender. [corte]. Pouco tempo depois do golpe,
de efetivado o movimento, a própria Comissão Central da CNBB tornou público um documento em que
uma crítica mais séria era feita ao golpe. Quer dizer, há uma certa... como que é isso? A lógica para a
CNBB enquanto voz oficial (...) eclesiástico no Brasil, ela tinha que passar por cima dessas
discordâncias aqui e ali?
1A – MN - 8
MN: É um negócio difícil de entrar, porque tem o negócio de caráter no meio. O presidente da CNBB
durante o golpe de 64, quase todo o golpe de 64, durante quase todo o golpe, o presidente chamava-se
Cardeal Agnelo Rossi, arcebispo de São Paulo. Ele tinha posições tão dúbias que foi à Roma e entregou
a arquidiocese de São Paulo porque não deu conta disso. Ele tomava duas resoluções no mesmo dia. Eu
fui testemunha de várias vezes em que faltou, da parte dele, a objetividade.
Vou te dar um exemplo: houve uma calúnia de um padre progressista de São Paulo, Padre Charles,
suíço, que fazia um boletim a respeito disso, de liberdade no Brasil. E esse boletim era mensal,
mandavam ele para o Brasil inteiro. E ele teve que ir embora, por efeito da revolução, voltou para a
terra dele. E lá levantaram uma calúnia grave contra ele, muito grave, e o cardeal escreveu uma carta
contra ele. O cardeal e o Corção, Gustavo Corção. Até hoje eles não... e foi provado que não era
verdade, que foi um equívoco de nomes, e até hoje não saiu nada dizendo o contrário.
SR: Fizeram a calúnia e não se importam de...
MN: Então, o cardeal era um homem fraco, um homem não preparado para o cargo que recebeu. Ele foi
eleito para a arquidiocese de Ribeirão Preto e, para mim particularmente, houve um equívoco na
nomeação dele. Porque ele foi eleito para arcebispo de Ribeirão Preto. Quando chegou em Roma, no
Concílio, estava havendo uma reunião da CNBB para se eleger o presidente, e estava havendo uma luta
muito forte entre o cardeal do Rio e o de São Paulo, ambos com possibilidade de serem eleitos. E os
bispos não queriam essa briga, que fosse eleito um fruto de uma briga. Então, um bispo lá resolveu
lançar o nome do cardeal Agnelo Rossi, recém-nomeado arcebispo de Ribeirão Preto, novinho. Ganhou
na frente de todos.
Foi um grande equívoco. A CNBB teve uma baixa tão grande que um bispo, Dom Francisco
Austregésilo, bispo de Afogados da Ingazeira, em Pernambuco, numa reunião em Aparecida do Norte, a
certa altura do discurso ele falou que a CNBB era um corpo: “tinha cabeça e não tinha corpo, e agora
tem corpo e não tem cabeça.” Referindo-se à atuação... Isso foi em público, na Basílica de Aparecida do
Norte. Dizendo da atuação do cardeal de São Paulo.
Então, eu não tenho dúvidas de que esses documentos que nasceram... saíram sobre a presidência do
Dom Agnelo e do secretário Dom José Gonçalves, não exprimiam absolutamente a opinião do
episcopado brasileiro.
SR: E tinha muito mais essa dubiedade (...).
MN: Quando ele saiu de presidente da CNBB, o episcopado começou a se pronunciar contra a tortura, contra
o golpe de 64, contra as injustiças, contra a palhaçada que o golpe foi. Então havia um equívoco aí. Até
que me provem o contrário, eu acredito nesse equívoco. Eu acho que o cardeal não tinha caráter
bastante, não tinha força e não tinha preparação intelectual para representar nada. Estou te falando
aquilo que estou pensando, se você duvidar, você pergunta às pessoas, você vai ver. Tanto que Roma
1A – MN - 9
aceitou, ele foi à Roma entregar a arquidioce de São Paulo, Roma aceitou na hora e nomeou Dom Paulo
Evaristo Arns.
SR: Por sinal, era braço direito dele, me parece.
MN: Mais ou menos. Ele era..., ele se referia ao Dom Paulo... Eu tenho até uma relação de uma reunião
acontecida em Roma, quando ele foi entregar o arcebispado, que o secretário de Estado perguntou quem
era o bispo auxiliar mais velho, ele falou: é Dom Lafayete. Esse está tão velho, não vai nem aceitar.
Agora, tem um mocinho lá muito obediente, muito humilde, Dom Paulo Evaristo, que esse é bom. Quer
dizer, a visão que ele tinha dele era de um cara humilde, submisso, com o qual não ia acontecer nada.
Quer dizer, foi uma visão inteiramente errada.
SR: Desse ponto de vista, não sei se vou estar exorbitando aqui a esfera do que a gente está tratando, o
senhor acredita que o perfil do Dom Agnelo seria próximo ao perfil de Dom João em Belo Horizonte?
MN: Não, muito pior.
SR: Pior.
MN: Muito pior. O Dom João é um pacífico, incapaz de tomar uma posição de Igreja. Durante todo o
episcopado dele em Belo Horizonte, eu não vi Dom João tomar nenhuma posição em defesa do povo, de
ideal de povo e de cidadania, de qualidade de vida. A não ser quando estava implicada a honra da
Igreja, aí ele tomava uma ou outra posição.
SR: Sob muita pressão.
MN: Quando do caso do Michel, ele tomou posição, mas só quando se tratava de dignidade da Igreja. Em
matéria de povo, eu nunca vi o Dom João, pode até ser ignorância minha, mas nunca vi nenhum
documento dele defendendo...
-:
O senhor quer que faça um café? ( alguém pergunta ao fundo )
MN: Ah, mas se fizer, nós vamos rir demais. Você toma café?
SR: Tomo.
MN: Então, eu não vi o Dom João tomar nenhuma posição. Agora, o cardeal era até... tão fraco, tão frágil,
que num dia só, houve um dia que ofereceram uma medalha para ele, ele aceitou a medalha, depois
foram uns leigos lá e falaram com ele que era... quando a Igreja estava sofrendo daquele jeito, ele
aceitar aquela medalha era uma ofensa. Aí, ele não aceitou a medalha. No mesmo dia, quer dizer, duas
coisas...
SR: Isso foi em 68, se não me engano.
MN: Por aí. Então era um homem assim. Então, acho o Agnelo Rossi pior. Eu acho pior do que Dom Sigaud.
Porque o Sigaud, todo mundo sabia das posições claras dele...
1A – MN - 10
SR: Eram abertas.
MN: ... de conservador, abertas. Ele e o bispo de Campos. E era honesto com a gente. Eu, quantas vezes
discuti com Dom Sigaud, mas como gente. Agora, o outro, não se podia discutir com ele, porque não
dava licença de ninguém discutir. E ele tinha essas armas até de denunciar bispo para Roma. Eu fui
denunciado por ele...
SR: Por Dom Agnelo.
MN: Por Dom Agnelo. Que dormi com duas freiras e uma moça, em São Paulo, durante a reunião do
episcopado.
SR: Esse é o tipo de coisa que se falava...
MN: Ele tinha fundamento. Não, é que nós tomamos posições muito fortes naquela reunião do AI-5, em São
Paulo, reunião do episcopado. Nós tomamos posições muito radicais.
SR: Logo depois do AI-5.
MN: É. Muito radicais. E ele ficou com raiva da gente por aquilo, então, tudo que ele ouvia falar, ele
denunciava.
SR: Quando o senhor diz a gente, o senhor está se referindo a quem?
MN: A alguns bispos mais progressistas - Dom Luiz Fernandes, de Vitória; o Dom Waldir, de Volta
Redonda; eu; Dom Pardim, de Bauru. Nós tomávamos posição muito unidos. E nós ficamos uma noite
inteirinha impedindo que invadissem a sede da CNBB, porque queriam tomar, exigindo dos bispos uma
posição mais forte contra o AI-5. Quer dizer, nós estávamos até a favor do cardeal, prestando um
serviço a ele. Para não conturbar o trabalho da assembléia, eu e o Waldir ficamos na porta do pátio
externo a noite inteira, vigiando para ninguém entrar. Eles não entraram, mas jogaram folhetos debaixo
da porta atacando a CNBB.
Então, nós dormimos... Os leigos e padres de São Paulo exigiram que a gente voltasse, depois da
reunião, voltasse a São Paulo, um mês ou dois depois, para fazermos uma revisão daquilo. Nós
voltamos e fomos dormir na casa de umas freiras alemãs em beliche, nós três num quarto. Então falaram
com o cardeal que eu dormi com duas freiras e ele mandou para Roma. Roma me inquiriu. O Núncio
Apostólico me chamou para perguntar se era verdade que eu dormi com duas freiras e uma moça.
E a moça era secretária do vicariato, que foi comigo libertar uma presa política. Avisar uma moça Eliane - que ela ia ser presa, que os milicos iam buscá-la. Então, ela saiu, daí a uma meia hora, os
milicos chegaram. Então falaram com o cardeal que eu tinha saído pela noite adentro com uma moça. E
é verdade, saí para avisar a Eliane que ela ia ser presa. Coisas assim, não é?
FIM DO LADO A DA FITA 01
1B – MN - 11
Entrevista – fita 01 lado B
MN: ... Roma, havia brincadeira no meio dos bispos, quando perguntava assim: você foi à reunião da CNBB?
Fui. Como foi hoje? Foi 7 a 4. 7 a 4 eram 7 gols contra 4 gols. 7 atacadas que o cardeal tinha dado ao
secretário e 3 que o secretário tinha dado. Briga, não é? Quer dizer, era assim que se referiam ao cardeal
presidente. Foi um tempo de... quase assim... tempo negativo, em termos de CNBB. CNBB que tinha
tido o Dom Helder, que depois ia ter um Dom Ivo, um Dom Lorscheider, um Dom Aloísio, e depois um
Dom Luciano, um Dom..., esse Dom de São Paulo. Foi uma lástima.
SR: Naquele contexto - 65, 69, 70 -, como o senhor via, de um modo mais particular, as posições do clero
mineiro? Basicamente, o senhor acha que Minas... Tinha..., a gente pode falar assim, de certa maneira:
há uma mística da catolicidade de Minas, do espírito conservador de Minas. O senhor acha que isso
corresponde a uma realidade histórica?
MN: Não, eu acho que existe isso, mas como folclore, como..., como a gente vai falar? Essa mineiridade é...
muito preguiça mental também. O conservador é sobretudo um preguiçoso. Não levanta da cadeira para
tomar posição, então, ele defende a posição sentado. Minas ainda tem muito disso, de defender a
posição do padre como o homem que confessa o povo, que dá os sacramentos ao povo, que acompanha
o povo, mas acompanha só no bom. Não acompanha na hora de denunciar a injustiça, na hora de
defender a qualidade de vida do povo, na hora de defender o povo como objeto de ação do governo.
Você olha aí o governo que está aí. O que faz em favor de povo? Nada. O governo é anti-povo. É uma
casta que governa.
E Minas é marcada por essa casta, é marcada por uma mineiridade falsa. Eu acho que isso não existe.
Na revolução, foi muito dedo-duro de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Padre denunciando padre,
leigo se oferecendo para torturador, como Afonso Paulino, esse presidente do Atlético. Quer dizer, se
ofereceu para torturador, tem uma sala com o nome dele no DOPS, segundo me disseram, porque ele
torturava gratuitamente, sem ganhar nada, por prazer de torturar. Como ele, muitos. Quer dizer, que
mineiridade é essa? Não existe isso.
SR: Num certo ponto de vista, o senhor reconhece que há uma tônica conservadora, vamos dizer assim.
MN: Uma tônica conservadora? Ah, sim.
SR: É, nessa “atitude mineira”.
MN: É, mas há muita passividade. Eu acho que muito é preguiça. Há um pouquinho de mineiridade, assim,
no sentido de tradição. Mas na maior parte do que eu observo com meus olhos críticos, eu acho que a
maior parte é preguiça de tomar atitude, de deixar de ganhar o dinheirinho. Você vê, na hora da política,
1B – MN - 12
o que Minas faz? Faz grupinho, como está aí.
Esse governo, eu tinha uma esperança louca nesse governo atual. O que aconteceu? Os grupos do Hélio
Garcia estão tomando o poder e se perpetuando no continuismo. Acabou a era Collor no Brasil, mas
continua em Minas Gerais a era José Geraldo, que é sócio do Hélio Garcia. Continua o..., como chama?
O Evandro, continuam os políticos de ontem. Os secretários desse governo atual são políticos de ontem,
são uma turma aí. São treze cargos nomeados por Hélio Garcia.
Quer dizer, Minas... é um pouco pataquada esse negócio de mineiridade, você me perdoe.
SR: O senhor quer dizer que o clero mineiro demonstrava esse espírito pouco transgressor, vamos dizer
assim? Naquele momento.
MN: O clero participava dessa preguiça da política de Minas, da política medíocre, rançosa. E o clero
participava. Ele quase que...
SR: Reforçava esse...
MN: Reforçava essa mineiridade utópica, mineiridade inventada. Claro que estou fazendo um exagero, que
há gente boa. Mas é uma minoria de seriedade. No governo de Minas, esse governo todo que tem aí,
quantas pessoas que estavam lá em benefício do povo, sem ser para ganhar, para capitanias hereditárias,
para dividir o bolo? Pouquíssimas pessoas, não é? Quase que os outros Estados... hoje teve um assessor
daqui e foi ao Estado de Santa Catarina, falei: “Marcos, fiquei envergonhado de ver como um Estado
pequenininho daquele tem muito mais administração e beleza de desenvolvimento do que Minas
Gerais.” Minas parou. Tem quase 30 anos que Minas está parada. Não caminha um passo.
O que define para mim o governo, esse governo todo, esse último governo de Minas, é um filme
chamado “Além do Jardim”. Você conhece?
SR: Conheço.
MN: As frases sonoras dele, genéricas. [corte]
SR: Gostaria de voltar um pouco para o palco itabirano. Como foi o processo, desde o momento que o senhor
chegou?
MN: Olha, lá houve..., sempre quando você chega... Eu falei com você que a diocese nasceu com o Concílio,
era gêmea do Concílio. Então há um aspecto simpático. Primeiro, um bispo novo que chega, anunciando
coisas boas.
SR: O senhor tinha quantos anos na época?
MN: Tinha 39, 40 anos. Desarmado, só anunciando coisas boas, que ia convidar o povo para uma reflexão,
que ia fazer tudo pela participação do povo, e que Igreja tinha, sobretudo, que cuidar da felicidade do
povo. E que o mistério da fé não podia ser contra as necessidades básicas. Então, a reflexão era em
1B – MN - 13
torno disso, de como o cristão vai cumprir sua missão terrena, pedindo respostas às necessidades
básicas, dentro de uma visão de fé. Isso era a síntese do plano de reflexão.
Então era um convite amplo e geral para que o povo participasse da reflexão. Eu cheguei até a escrever,
agora, há uns dez anos que estou burilando um livro chamado “Menina criada com mel”, que é toda a
história da diocese de Itabira, desde o primeiro dia até a saída. Então, aí tem tudo. Vou ver se consigo
para você ou se xerocam para mim esse livro. Aí você tem uma visão do processo de reflexão da
diocese de Itabira. O amplo convite que o povo..., que foi esse convite à reflexão que deu toda a luta,
que gerou os IPMs, que gerou, por exemplo...
Diziam que eu era fiscalizado pelo SNI 24 horas. Juro para você, nunca perdi uma noite de sono para
pensar em SNI. Mandava às favas. Mas hoje acredito que devia haver gente me vigiando. Mas eu
colocava, assim, uma intenção tão reta nas coisas, que o sujeito não fazia..., não tinha possibilidade de
gerar inimigos.
SR: Os clérigos acompanhavam essa lógica, a receptividade era boa?
MN: É, e a maior parte... É boa, muito boa. Eu acho que houve mais do que eu esperava. Mais do que
esperava. Eu chego lá em Itabira, hoje, e vou em qualquer casa de Itabira, mesmo tendo deixado o
Ministério, tendo discordado da Igreja de Roma, eu sou recebido em Itabira como uma pessoa de casa.
Então significa que a ação não foi uma ação deletéria. Foi uma ação que teve inimigos, mas que teve
muito mais amigos do que inimigos. Posso contar nos dedos as pessoas que fizeram guerra contra mim,
pelo menos uma guerra declarada contra mim e contra o atual bispo, que foi muito melhor do que eu,
Dom Mário Gurgel, que está lá até hoje. Há 23 anos. Eu fiquei só 5. Ele ficou 23 anos. Ele teve muito
mais inimigos do que eu.
Mas porquê? Talvez a ação dele fosse mais incisiva, mais forte até, e melhor, porque talvez ele fosse
mais popular. Não sei, não sei explicar. Não estou querendo fazer ato de humildade, não. Mas eu sei
que tive mais amigos do que inimigos. E ele também tem mais amigos do que inimigos. Os inimigos
dele são meia dúzia de idiotas lá, que é uma honra para ele.
SR: São oligarcas locais?
MN: É, nem são oligarcas, é gente tão boba, que é uma honra para ele tê-los como inimigo. Eu também tive
essa honra de ter muita gente tão boba, os inimigos conservadores eram tão idiotas que não pegou. Na
diocese teve um cara lá que foi grande denunciador do clero, chamado coronel... capitão... esqueci até o
nome dele. [Fassheber(?)]. É tão idiota essa cara, que ele foi candidato há pouco tempo a vereador pelo
PMDB e recebeu não sei se o centésimo quadragésimo sexto lugar na votação. Você vê que esse é que
era o cara contra.
O outro era um padre lá de Carneirinho, padre João não sei das quantas, nem lembro mais o nome do
cara, que também foi. Mas não foi contra, foi porque ele doou um pedaço da terra da igreja para um
1B – MN - 14
irmão dele, ou para uma pessoa lá, e eu recebi uma fotocópia e mostrei para ele. Aí que ele foi me
denunciar como comunista. Mas era raiva pessoal.
Quer dizer que não chegamos a ter inimigos políticos lá. Quando começaram os IPMs dos padres,
chegou um capitão lá, me pareceu até sem muita convicção. Chegou lá umas 3 horas da tarde na minha
casa dizendo: “vim informá-lo em nome do Exército que vai começar um IPM na sua diocese”. Falei:
“posso saber contra quem”?
SR: Isso em que ano?
MN: Em 66, 67, por aí. 67. 8. Aí falei: “posso saber contra quem”? Ele falou: “contra o padre Deman e o
padre Abdala.” Eu falei: “logo esses dois? Um era o maior capitalista que tinha na diocese”. Depois
tinha muitas qualidades que salvavam essa peste. Mas o cara... Quando começou o IPM, ele viu que não
dava para fazer contra os dois, fez contra oito, porque contra os dois, eles eram ídolos lá na baixada, em
Acesita e Coronel Fabriciano, esses caras eram os ídolos. Tanto que quando terminou, em 71, os júris lá
em Juiz de Fora, era 4 horas da madrugada quando terminou o processo - 71 ou 2, não sei, ou 3 -,
quando terminou o processo, o major mandou todo mundo ficar de pé e falou: “declarados inocentes
por absoluta falta de provas”. Para você ver. Era um capitão e um padre denunciando. E apareceu o
nome dos padres, do padre e do capitão denunciando lá.
SR: E como a..., digamos, os católicos reagiam a essas...
MN: É, esses católicos de direita, os mais..., das oligarquias, foram covardes. Teve gente lá, rico, que era
amissíssimo desse padre Deman e dos outros padres e que se calaram. Mesmo na Usiminas houve gente
que era muito amiga deles, mas que absolutamente se ausentou do processo, não falaram uma palavra de
defesa.
Agora, teve outras pessoas, o advogado era o doutor Ildeu - como chamava? Doutor..., um advogado de
Fabriciano, foi secretário depois do governo do... Ah, minha cabeça. Eu fui operado. Quando eu recebo
anestesia geral, minha cabeça pifa um ano, depois volta. Mas esqueço os nomes.
Bom, mas houve, assim como houve ausências, houve também presenças de muitas pessoas que
estiveram com os padres até o fim.
SR: Esses padres, o senhor se lembra o nome deles?
MN: Lembro de todos, uai.
SR: O senhor poderia citar?
MN: É o padre Cícero Drumond - não, Cícero, que era vigário de Ipatinga. Padre José Maria Deman(?) era
um holandês, que morava em Fabriciano, os padres do trabalho. O padre Nazareno Ataíde, que era
vigário de Melo Viana. Padre Bertolo, que era vigário do Horto, em Ipatinga. O padre Monção, que era
vigário em Monlevade. O padre Abdala, vigário de Acesita. O irmão Pedro, que era... 7. E tinha mais
1B – MN - 15
um, o... O Wilson Moreira, que era vigário do Horto, em Ipatinga.
Esse irmão Pedro era holandês e lá, em Juiz de Fora, quando terminou o júri, um dos júris, e que
pediram para assinar, os réus tinham que assinar a ata, o major lá pediu: “pode assinar aqui?” Aí, o
irmão Pedro falou: “eu assino, mas se o senhor me der licença de corrigir os erros de vernáculo”.
Falou: “que humilhação, um holandês”. Aí, ele pegou o papel e corrigiu todos os erros de
concordância, de grafia, erro de concordância e grafia, pronomes, sujeito, objeto. Corrigiu tudo, aí
assinou. Humilhação: um holandês, jovem, 30 anos de idade - já morreu até. Então, foi um caso
interessantíssimo.
E no fim, na madrugada, eles se levantaram por absoluta falta de provas. Eram os padres melhores da
diocese, era a fina flor da diocese de Itabira esses padres denunciados. Eu tenho um capítulo desse livro,
que eu vou te passar, que é sobre eles, sobre cada um deles, o que eles eram, uma beleza de gente, viu?
Então, o povo não tinha ninguém... Se você mandasse: levante aí contra..., uma palavra contra esse
padre. Não tinha ninguém que falasse. Santo, assim, no sentido literal da palavra. Os caras que tiravam
a roupa para entregar ao pobre. Então, os pobres eram todos a favor deles.
SR: E o fato de ser uma diocese numa área metalúrgica, há uma espécie de relação pelo fato dela ter uma
tendência mais modernizante no discurso, a prática?
MN: Há. Isso ajudou, não pode ser negado, não. Ajudou porque você estava na ponta de uma área de
tecnologia avançada, de... E não avança só um pedaço da história, avança tudo. Então, jornais, a
imprensa. Havia atraso, mas havia muita coisa há frente. Quer dizer, era uma área que devia ser
progressista, até por empurrão. Então isso ajudou muito, a clarividência.
SR: Então, essa modernidade, do ponto de vista da atuação católica, refletia a tônica do local em si, não é?
MN: É. Havia muito isso, é verdade.
SR: A política na região também era forte.
MN: Era.
SR: Havia pessoal engajado.
MN: É, havia mais facilidade de haver adesão aos princípios básicos fundamentais, de luta pelo povo.
Aí, um dia, lá em Juiz de Fora, na hora do processo, se pediu lá... não, o padre se negou a bater o sino
no dia da Pátria. É, mas ele se negou a bater o sino, mas foi ele que fez a procissão em honra da Pátria
lá, com esse discurso. Ele leu o discurso e todo mundo ficou emocionado com o discurso, em favor do
povo, em favor da Pátria. Quer dizer, vinha uma coisa e vinha outra em cima.
SR: Com relação a Dom Sigaud, o que o senhor pode nos falar a respeito dele? O senhor teve ligação?
MN: Muita ligação.
1B – MN - 16
SR: O que o senhor pode nos falar a respeito dele?
MN: Primeiro, um homem doente. Psiquicamente doente. Durante a reunião, ele tomava um monte de
comprimidos. E tinha dias em que ele estava aceso, no sentido de..., como a gente fala? Tem o
depressivo, quando toma o remédio ele fica às vezes...
SR: Excitante.
MN: Excitado. Um dia, no Rio de Janeiro, ele me avançou quase que fisicamente. O Dom Helder estava
fazendo uma pregação no fundo do salão, e falou qualquer coisa lá, diz que o Sigaud não gostou, e ele
veio para o meu lado e falei: quem está fazendo discurso é lá, Helder, não sou eu, não. Aí, o pessoal riu,
ele viu que ia fazer uma besteira, quase me bateu. Ele é...
Mas também houve uma reunião aqui, em Belo Horizonte, em que eu fazia parte do grupo dele e
brincava com ele como estou brincando com você aqui, tranqüilamente, sem nenhuma agressão, de
parte a parte.
SR: Uma pessoa instável, do ponto de vista emocional?
MN: É. Quando ele estava normal, sem a..., ou a depressão ou a agressividade, era um homem muito bom
com o qual se podia até discutir. Agora, as produções dele ficavam exacerbadas quando ele... Ele
tinha... Eu também sou assim, viu? Quando eu sou..., tem um excesso de auto-estima, então as injúrias
me parecem muito grandes, como fala Descartes. Descartes fala assim: “quando a gente tem muita
auto-estima, as ofensas parecem muito maiores do que são.” Talvez, na hora que estou excitado,
aconteça isso comigo como acontecia com ele. Então era hora dele ficar exacerbado, tomar essas
atitudes de denunciar o Dom Pedro Casaldáglia, o bispo lá de São Félix...
SR: A se manifestar a favor da tortura, por exemplo.
MN: É. Dizendo que ele capaz de... Como é que ele fazia o trocadilho? Pão nosso de cada dia, nos dai hoje...
Ele fazia um trocadilho. Amai-vos uns aos outros, ele falava: “armai-vos uns aos outros”. Armai-vos.
Aplicam isso a ele. Não acredito que ele tenha falado isso, não. Pode ser que numa hora dessas de
exagero, ele tenha...
SR: Mas o senhor não acredita que... muitas das manifestações e dos pronunciamentos dele não
correspondessem a uma convicção profunda?
MN: É, podia ser de uma convicção profunda, mas não com a exacerbação...
SR: O senhor diz o tom.
MN: ... o tom do pronunciamento. Eu também faço isso, então não é vantagem nenhuma. Eu, quando estou,
não gosto de um troço, eu sou capaz de fazer aquilo cair do céu e entrar no inferno. Natural. Então, ele
também pecava por isso aí, de o..., exagerar muito a ação pastoral.
1B – MN - 17
SR: Como o episcopado convivia com essa...
MN: Mal. Malíssimo. Porque ele era tido e havido como um sujeito negativo, que era conservador. Muito
mais simpática era a posição nossa, que, apesar de serem contra a gente, não, mas ele está trabalhando e
luta a favor de uma coisa boa. É muito mais simpático ser para a frente do que ser para trás. Então tinha
a favor da gente isso, tinha a simpatia de todo mundo. Tinha um cara que xingava aqui, mas tinha 10 te
aplaudindo na frente. E ele era o contrário, tinha 10 xingando e um defendendo.
Conservador é preguiçoso por natureza. Só preguiça. Quando eu vejo Mariana aí, o clero de Mariana
tomando posições, assim, a favor de conservação, no fundo é só preguiça de levantar da cadeira para
trabalhar. Me lembro de um padre que era contra o Concílio e tudo, mas todo aquele pedaço do Concílio
que facilitava para ele dormir, ele aplicava. Por exemplo, botava freira benzendo defunto lá na hora, que
ele não precisava sair da cama para ir lá benzer. Então é fácil de tomar posição em favor... É o
conservador, tipicamente conservador. Preguiça mental.
SR: Então, o conservadorismo...
MN: Vai sair daqui escandalizado comigo, não é, Sérgio?
SR: Não, de jeito nenhum.
MN: Sou convicto disso, que o conservador é antes de tudo mais um preguiçoso. Ele não quer sair do lugar.
Então é fácil para ele tomar uma decisão de não sair do lugar. Agora, o cara lutador: ah, tem que ir lá
com os pobres. Mas tem que ir lá é fogo, não é, rapaz? Tem hora que não dá para ir, tem uma preguiça.
Em Minas Gerais, eu acho que a ação não chegou a ser deletéria, porque ele tomou posições facilmente
acusáveis. Denunciar o Dom Pedro Casaldáglia, ele sofreu tanto com isso, que hoje ele não faria isso de
jeito nenhum. Quer dizer, ele mesmo pagou imediatamente o que ele fez.
Agora, pior é a ação dos bispos que votavam contra tudo que era do Concílio e contra..., a favor do
golpe de 64, de medo. Havia muitos bispos assim.
SR: Em Minas Gerais, o senhor destacaria algum?
MN: Eu faria injustiça se falasse o nome de algum. Mas a neutralidade do Dom João às vezes era muito pior
do que o ataque do Dom Sigaud.
SR: A gente percebe nela, na minha pesquisa, nas entrevistas, que Dom João era uma pessoa que não tinha
uma certa..., não tinha personalidade para tomar determinadas atitudes.
MN: Ele nunca tomou atitude nenhuma. O Serafim, criticam demais o Serafim, mas é um homem que se ele
vir uma injustiça aqui, ele denuncia mesmo. É incapaz de não dizer, de não gritar.
O bispo auxiliar aqui, o Dom Roque, que mora lá na Cidade Industrial. Um cara que foi capelão, ele
lutou pelos pobres e contra esse golpe, a vida inteira contra. Quer dizer, em nenhum momento ele se
1B – MN - 18
omitiu. Dom Serafim também não se omitiu, assim me parece.
Agora, Dom João, eu nunca vi manifestação dele, a não ser defender o clero, quando o clero era
atacado. Tinha outra coisa. Aí é cristandade. Defender o clero é cristandade.
SR: Sprit de corps.
MN: É, sprit de corps é o fisiologismo. Não é defender povo, a vida, povo, as necessidades básicas do povo,
a qualidade de vida do povo, moradia, emprego, sanidade mental.
SR: O senhor acha que, de certa forma, a gente poderia dizer que Belo Horizonte, talvez até uma herança de
Diamantina e Mariana, traz essa marca da ligação com o Estado, essa relutância em romper, em certos
momentos, com o poder?
MN: É a unidade oligárquica. Há isso. Essa marca é difícil de vencer isso. Porque, no fundo, isso está quase
em vaso comunicante, está lá no fundo. É mais fácil você ir a favor do poder do que contra ele. E o
poder é oligárquico. O poder é isso que está aí, são todos contra meia dúzia, 6% recebendo o todo da
renda bruta. E o povão à parte.
E o oligarca, o clero, seguindo muito isso. Ah, paz e amor. Quer dizer, paz e amor significa: eu vou a
favor do poder constituído, não vou nunca contra o poder. Quando é constituído é oligárquico, não é? O
que está aí é oligárquico.
Quer dizer, a luta que há contra o Patrus na Prefeitura, o que é? Se você não... É má vontade da
oligarquia. Quer dizer, o cara que está só fazendo o bem. Santo homem.Só atuando e fazendo só o bem.
Lutando pelos pobres. E uma força lutando contra ele. Você não nota isso, não?
SR: Bom, na realidade, eu tenho pouco contato com Belo Horizonte, ficava mais na minha terra. Mas sempre
a acompanho isso na imprensa.
Mas o que o senhor me diz é que de certa maneira, visualizar a Igreja é muito difícil para a gente que
não fez parte dela. Porque são muitas posições e muitos níveis que se entrecruzam quando a gente fala
em Igreja. Quer dizer, em alguns momentos parece que a posição de uma “diocese” reflete muito a
posição do bispo. E em outros momentos, a gente nota que em Belo Horizonte, mesmo nessa fase aí 67, 68 -, com a própria prisão do Michel e tudo, que parece que o clero puxa, o próprio clero vai
puxando a diocese a assumir determinadas posições mais...
MN: Aqui foi doloroso porque foi difícil a diocese puxar para o lado do clero, puxar para o lado do povo que
sofria. Você vai ver nesse livro - “Rua viva” - tem pouca ação de arquidiocese. Pouca. É mais ação
solidária de povo, de partido e povo. Menos de Igreja, de falar: esquerda católica. Isso nunca existiu em
Belo Horizonte. Nada. Existiu carolice católica. Carolice. Mas esquerda católica, militante de esquerda
católica, havia gente boa, fina. Um Dazinho em Nova Lima, que foi para a cadeia e lutou, era deputado,
foi deposto, foi para Juiz de Fora preso. Ou um Antônio Faria. Mas você pode contar nos dedos os que
1B – MN - 19
eram realmente militantes católicos e que foram contra a revolução e sofreram por isso na carne.
SR: Mas há uns casos pontuais. O convento dos dominicanos, em 64 já foi invadido.
MN: O que é uma exceção. Os dominicanos eram um incômodo para a arquidiocese.
SR: Porquê? Porque os dominicanos têm esse espírito?
MN: Não são só os dominicanos, não. O Michel, que era vigário do Horto.
SR: Padre assuncionista.
MN: É, mas não é por ser padre assuncionista e nem os dominicanos por serem dominicanos. Rotularam uma
luta contra os dominicanos porque, geograficamente, na Serra havia um convento que tinha vários
membros da ordem. Mas era meia dúzia. Se tinha 10 monges, ou 10 padres, 3 eram contra o golpe. Os
outros todos eram oligarcas. Não tenha dúvida, não.
Lá em São Paulo, você acha que todo o convento das Perdizes foi... Ah, foi..., meia dúzia foi presa, no
tempo do Marighela, foi preso, sofreu na carne, um suicidou na França, enforcou lá na árvore, o Tito.
Mas a maioria era assumidamente oligárquica. Não é por ser dominicano. Coincidiu.
SR: Acho interessante o senhor falar isso, porque em outras conversas, o pessoal tem uma percepção
seguinte: que no caso de Belo Horizonte, especificamente - não sei se o senhor pode falar muito sobre
isso -, mas que o clero, clero religioso, tinha uma inserção maior do que o secular. O secular é aquele
mais ligado, se não me engano, à estrutura da diocese.
MN: Não, engano.
SR: Ou o inverso.
MN: Engano. Minas gosta muito de... como eu falo, chamo o vaso? O clero secular é o clero diocesano, que é
diocese. E os que independem da diocese, que estão aqui fazendo um trabalho qualquer, normalmente
pertencem lá à ordem dominicana, beneditina, jesuíta, claretiano, assuncionista. Agora, o que eu quero
dizer a você é o seguinte: excepcionalmente havia, no meio dos jesuítas, um padre Vaz, que naquele
tempo da revolução era inteiramente contra o golpe. Hoje não é mais. Quer dizer, mudou ele ou mudei
eu. Ou mudou a estrutura do mundo.
Havia padres seculares, um Paulo Fernandes, que mandava... Na hora do batizado, ele dava passaporte
para o sujeito sair, fugir do país. Chegava a fazer uma cerimônia de batismo.
SR: Aqui de Belo Horizonte esse padre?
MN: É. Morreu. Ele era vigário de São Tomás, meu colega de turma. Eu conheci bem.
SR: Vigário de onde?
MN: Foi vigário de Betim. Foi..., como chama isso? Da JOC, foi assistente da JOC e foi vigário ali de Santo
1B – MN - 20
Inácio de Loyola, na Cidade Jardim, morreu ali há dois anos. O Paulo mandou muita gente,
silenciosamente, sem ninguém saber de nada.
Lá dos dominicanos havia o frei Mateus, que era assistente de JUC, e havia quem mais? Tem um outro.
Já não estou me lembrando do segundo. É pouca gente. Em São Paulo, o Tito, quem mais? O Beto, que
havia..., até hoje é um pouco assim, ele mesmo, é mais ele mesmo do que a Ordem (...) valor (...)
apostólica e intelectual.
SR: O senhor não conheceu Felipe Ratton? Também dominicano.
MN: Felipe Ratton? Como era o nome de (...) [corte]
... desarmado ou não apaixonadamente. Mas você tem que ser desarmado, não é por causa de você que
existiu o golpe, com a sua excelência (...).
SR: Bom, então não seria o fato de ser ou do clero religioso ou do secular, ou dessa ou daquela ordem que...
MN: Não. São estereótipos. São formas que botam lá dentro. É natural. Quando você vai se definir: onde é
que você mora? Tal, eu sou de Sete Lagoas, da família tal. Se a sua família é política: ah, é daqueles
políticos lá dos..., daquele pessoal lá. Não tem nada a ver, às vezes. Você é inteiramente contra aquilo.
Então falar: aquele é dominicano... Ah, já se vê que é dominicano. E tem dominicanos aqui
conservadores. Se eu lembrasse, eu te falaria nome de vários. Que nesse tempo eram contra tudo isso
que os outros todos estavam fazendo. Dois ou três faziam; os outros eram contra, mas eram os
dominicanos.
SR: Então, de uma certa maneira, Belo Horizonte, a gente poderia dizer que esse espírito modernizante era
muito pronunciado, o senhor acredita?
MN: Não, não era. Havia, mas difusamente. Difusamente. Em pólos. Eu digo assim: um padre Paulo
Fernandes era um cara absolutamente para a frente. Agora, fazia questão de se mostrar para trás. Eu
cheguei a observar na pregação dele que ele falava coisas carolas, assim, falar frase incisiva no meio
desse bolo para ninguém pegar. Ele fazia isso. Quer dizer, é uma tática. Ele salvava preso político aí,
tem um mundo de gente que deve a vida ao Paulo. Ele nunca falou isso, porque...
Ele, um dia... Há pouco tempo, ele dando uma entrevista aí para o Jarbas Medeiros, ele falava assim na
televisão: pois é, eu fui à Rússia agora, queria conhecer na Rússia se é verdade esse negócio que eles
falam de comunista, não gosto de comunista. E fui lá ver com os meus olhos. Foi nada. Ele foi lá para
ver porque ele gosta deles, não é? Mas ele sabia fazer negócio bem feito, não é?
FIM DO LADO B DA FITA 01
1B – MN - 21
A
Ação Católica, 4
AI-5, 4, 14
Vaticano I, 2
Vaticano II, 1, 3, 4
C
Cardeal Agnelo Rossi, 11
Carlos Lacerda, 9
CNBB, 10, 11, 12, 14, 16
comunismo, 7, 8
comunistas, 8
Concílio, 1, 2, 3, 4, 11, 18, 24, 25
D
diocese, 1, 2, 4, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27, 28
diocese de Itabira, 4, 19, 21
Dom João, 12, 13, 25
Dom Paulo Evaristo Arns, 12
Dom Pedro Casaldáglia, 23, 25
Dom Sigaud, 8, 13, 22, 25
dominicanos, 27, 28, 29
G
golpe, 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 25, 27, 28
golpe de 64, 1, 4, 5, 6, 9, 10, 12, 25
I
Igreja, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 12, 13, 18, 19, 26
IPM, 8, 20
IPMs, 4, 19, 20
Itabira, 4, 7, 8, 18, 19
J
João XXIII, 2, 3
L
Leão XIII, 3
M
Minas, 1, 4, 5, 7, 9, 16, 17, 18, 25, 28
P
padre Peyton, 6, 7
Papa, 2, 3
Pio IX, 2, 3
Pio XII, 3
V
1B – MN - 22
2A – MN - 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS
PROGRAMA DE HISTORIA ORAL
PROJETO INTEGRADO: MEMÓRIA E HISTÓRIA : VISÕES DE MINAS
ENTREVISTADOR: SÉRGIO RICARDO DA MATA
ENTREVISTADO: MARCOS ANTÔNIO NORONHA
LOCAL: BELO HORIZONTE
DATA: 17/01/95
Entrevista – fita 02 – lado A
MN: Olha como funciona o estereótipo, Sérgio. Lá em Belo Horizonte tem uns bispos que não são
conservadores, mas (...)* Belo Horizonte, não, são ótimos. Os lá de Minas. Tem lá o Dom Serafim, tem
o Marcos lá em Itabira, tem o... Qual é o outro? Tem o outro, não sei aonde. Não marca. Só porque
falaram que tem dois ou três que são, então quando você falava em Minas dava a impressão de que todo
mundo era. E era o contrário. Todo mundo não era. Então aquela luta danada.
No meio dos bispos aqui, quando tinha que defender uma posição era...
SR: Os encontros regionais, regional leste, como era?
MN: Era dificílimo. Porque dava uma impressão externa de que é tudo para a frente, e lá dentro era uma luta.
Para conseguir uma votação de um negócio pequenininho precisava haver concessões dos
conservadores.
SR: Esse é um ponto que eu queria chegar. O senhor está usando os termos. O senhor está usando os termos
conservador e progressista.
MN: Naquele tempo, 65 a 70, quem era bispo? Dom Sigaud era arcebispo de Diamantina. Dom José, muito
mais conservador do que o Sigaud.
SR: Dom José é de?
MN: Pouso Alegre. Um dia cheguei a brigar quase a unha com ele numa reunião. Depois os bispos ficaram
alarmados, eu fui do lado dele, saímos abraçados nós dois e fomos de braços dados conversando.
Quando acabou a reunião, acabou a briga. Isso mesmo. Nós íamos jogar buraco, nós dois. Quer dizer,
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eu tinha..., tinha facilidade, gente normal.
Quer ver outro? Tinha o de Caratinga, absolutamente calado. Não defendia nem para a frente nem para
trás. É o José Correia. Era Sigaud, José Correia, Dom João, de Belo Horizonte, e Dom Serafim era
arcebispo. Era bispo auxiliar de Dom João. Então não falava, ele não falava também, 5.
Quer ver outro? Dom Arnaldo também.
SR: Dom Arnaldo de?
MN: Bispo auxiliar daqui. Você ia para o Sul de Minas, o Dom José de Almeida Batista Pereira, do clero de
Guaxupé. Era para frente, foi bispo de Sete Lagoas. Dom José. Era para a frente, mas calado também.
Qual outro? O bispo Dom..., o velhinho lá de Oliveira, Dom José Medeiros. Velhinho, conservador,
absolutamente conservador. Era meio esclerosado. Tem mais. Na revolução, de 65 a 70.
Quer ver outro? Campanha, Dom Oto Mota, homem do Rio de Janeiro, velho conservador,
absolutamente conservador. Da lei, oligarca. Segurança, (...) com o governo.
Quem mais? De Juiz de Fora. Era bispo, arcebispo de Juiz de Fora, Dom Penido. De Pequi, perto de
Sete Lagoas, arcebispo de Juiz de Fora também. Conservador. Absolutamente conservador.
Depois, de Leopoldina, de São João del Rey, Dom Delfim, velho, conservador, absolutamente
conservador.
Você vê: cadê os progressistas? Não tinha ninguém. Era o Luiz Fernandes, que era bispo de Vitória,
bispo auxiliar, o arcebispo de Vitória e eu. Nós três lutando contra tudo.
SR: Desculpe, o senhor, esse Dom...
MN: Dom Luiz Fernandes. A regional aqui era formada de Minas e Espírito Santo. Então era o Luiz
Fernandes, bispo auxiliar de Vitória; o Dom José de Albuquerque, Dom João de Albuquerque. E quem
mais?
SR: Dom João de Albuquerque era de...
MN: Arcebispo de Vitória.
SR: De Vitória.
MN: Mas é um homem velho, não é?
SR: O senhor, daqui...
MN: De Itabira. Eu e o Luiz Fernandes, de coisa, contra todo mundo.
SR: Esse Luiz Fernandes era Vitória.
*
(...) = Inaudível.
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MN: Bispo auxiliar de Vitória.
SR: Então, na verdade, eram duas dioceses.
MN: Duas dioceses.
SR: Na regional Leste.
MN: Onde nasceram as comunidades eclesiais de base foram nessas duas. Os outros nem cuidavam disso.
Nasceram depois. Porque todo mundo falava, tinha que fazer nascer. Mas não havia nada disso. Então
era uma luta inglória. Que parecia para fora que Minas era muito para a frente, não era nada. Eram
conservadores, era uma luta tremenda para fazer passar uma coisinha de nada.
SR: Eu vou voltar naquele ponto inicial, que eu falei nessas questões. Muitos livros usam a terminologia
conservador e progressista. Eu já li várias declarações de gente do clero que diz que isso não diz muita
coisa. Naquele momento, como é que os senhores se referiam a umas e outras posições?
MN: É, o nome era esse, mas eu nunca achei também que isso tivesse significado mais profundo. Porque
você vê: uma pessoa que era tida como conservadora tinha posições, às vezes, pastorais magníficas. O
outro era tido como progressista, um preguiçoso, não fazia nada. Quer dizer, progressista é aquele que
quer o desenvolvimento da base. Mas ninguém trabalhava para isso nada. Eu não me coloco como ideal,
não. Acho que se fosse começar hoje, começava inteiramente diferente. Eu estou colocando durante
aquele tempo, como era, em termos de Igreja em Minas Gerais. Era uma luta desgraçada.
O bispo de Teófilo Otoni, uma vez, em Teófilo Otoni houve uma reunião de bispos lá para inaugurar o
seminário, e alguém se lembrou de fazer um pronunciamento contra o Dom Sigaud. E, naturalmente,
como a gente assinava tudo que era contra ele, todo mundo assinou. Só eu que paguei. Mas você precisa
ver o que escreveram, fui contra o negócio. Eu falei: “gente, não é hora de fazer declaração contra
nada, não é hora de fazer...”
Mas tinha o padre Felipe e o Cândido, que era da CNBB, que eram os assessores do bispo, auxiliares. A
CNBB ficava ajudando a cada diocese. Você convocava a CNBB, ela mandava dois padres para cá,
para secretariado, para te ajudar. Então, para essa reunião em Teófilo Otoni, eu era contra, falei: “gente,
não vamos fazer nenhum documento contra o Sigaud, deixa o homem sossegado. Olha, ele só falou mal
de mim e do Luiz, de Vitória.” Falou que o Espírito Santo, andou voando muito baixo quando elegeu
dois bispos aí novos. Lá, os padres de Diamantina, no jornal, desbancaram a gente, falaram o diabo da
gente. E nós fomos contra o documento.
SR: E os que assinaram?
MN: Dom Quirino, que era bispo de Teófilo Otoni, outro que era não sei da onde aí, Dom José Maria Pires,
não.
SR: Dom José Maria Pires já tinha ido para Paraíba.
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MN: Já tinha ido para Paraíba. Mas tinha um outro bispo aí que assinava essas coisas todas também. E no
fim, nós é que pagamos. Para você ver como é que é. Então, a gente lutava contra todo mundo na hora
de fazer as coisas e, na hora da guerra assumida, uma guerra mais declarada, aí todo mundo assinava.
Todo mudo vinha. Era equívoco em cima de equívoco.
SR: Mas no momento, digamos, desses confrontos, dessas batalhas para, por exemplo, escrever um
documento, para fazer convergir em torno de um texto...
MN: Na hora de assinar documento, todo mundo era progressista. Na hora de trabalhar mesmo, e enfrentar o
povo, enfrentar milico, essas coisas, aí ninguém era progressista. Todo mundo era conservador.
SR: Mas, digamos, o grupo do senhor se referia a esses mais tradicionalistas de que maneira? Usava esses
termos?
MN: Ah, todo respeito. Xingava por trás, mas na hora ali, com todo respeito. Brigava, mas saía tudo unido.
As celebrações eram muito bonitas. Porque havia uma amizade. Estava acima de tudo isso. Mesmo que
se fosse, Dom José e eu, Dom José de Sete Lagoas, Dom José de Almeida, nós éramos fraternais
amigos. Podíamos brigar em termos de idéia, mas conservávamos a amizade. [corte]
SR: Você podia falar a respeito da... Se não for algo relacionado a esfera eclesial, esses conflitos, você não
precisa, obviamente, tocar no assunto. Mas a sua saída lá de Ipatinga se deu em virtude desses conflitos
todos?
MN: Não, foi muito pelo conflito. Muito. Pelo conflito político e eclesial. De ser para frente não agüentei
levar a mensagem até o fim. Não agüentei porquê? Porque me deu esgotamento profundo, esgotamento
nervoso. Esgotamento assim, cansaço interior de numa hora, para ser coerente, eu largo essa Igreja de
Roma de lado para ser coerente. Houve tanta denúncia contra mim, denúncia desse tipo do cardeal
Rossi, que eu não agüentei ficar de pé. Então, hoje, eu não sairia. Hoje, eu agüentaria, levaria a verdade.
SR: Mas era um outro contexto. Na época foi barra pesada.
MN: É, eu não agüentei. Porque você saiu? Eu não agüentei. Porque eu não agüentei.
Até, ontem, eu mandei uma carta para um pessoal, uns amigos, eu mando todo mês uma carta para os
amigos. Você quer escutar essa carta, mas sem gravar?
SR: Claro. [corte]
FIM DO LADO A DA FITA 02
( A FITA NÃO FOI GRAVADA ATÉ O FINAL )
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C
CNBB, 4
comunidades eclesiais de base, 3
E
encontros regionais, 1
I
Igreja, 4, 5
R
regional leste, 1
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Entrevista de Marcos Noronha a Sérgio Ricardo da Mata