OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EXTENSÕES DO HOMEM
ANGELICA ALVES DA CUNHA MARQUES ([email protected])
E OTACILIO GUEDES MARQUES ([email protected])
Obra Analisada:
MCLUHAN, Marshall. Primeira parte. In:______. Os meios de comunicação como extensões do
homem. Tradução de Décio Pignatari. 4º ed. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 21-94.
Resumo Ampliado:
A ação comunicativa extensiva, entendida por Simeão e Miranda (2003) como norteadora da
comunicação em rede, caracteriza a implosão da realidade atual com as tecnologias interativas,
marcadas também pela hipertextualidade e pela hipermidiação (MIRANDA e SIMEÃO, 2004). Na
verdade, a comunicação extensiva é conseqüência de um longo processo, desde a cultura oral,
quando “o tempo e o espaço se realizavam no momento da transmissão da mensagem”, como
assinala Barreto (1998, p. 123). Dessa cultura oral, passou-se à escrita, marcada pela invenção da
tipografia, que “confirmou e estendeu a nova tendência visual do conhecimento aplicado, dando
origem ao primeiro bem de comércio uniformemente reproduzível, à primeira linha de montagem e à
primeira produção em série”. (McLUHAN, 1977, p. 176). A escrita, como depreende-se do Julgamento
de Thamus (POSTMAN, 1994), como as demais tecnologias, não é uma tecnologia neutra e seus
usos são determinados, em grande parte, pela sua estrutura tecnológica em si – das funções que
resultam de sua forma.
A obra de McLuhan (1974) em análise é essencial para a compreensão da evolução e das
conseqüências dos meios de comunicação quanto ao seu papel de registrar e compartilhar o
conhecimento. Suas idéias vão ao encontro da função principal do Mundo 3 de Popper: exteriorizar o
conhecimento de forma a torná-lo inteligível (apud MIRANDA, 2003). A primeira parte do livro trata,
portanto, dos meios de comunicação como extensões do homem.
O primeiro capítulo do livro de McLuhan (1974, p. 21-37) – O meio é a mensagem – aborda as
conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio, ou seja, de qualquer uma das extensões de nós
mesmos, que constituem o resultado do impacto introduzido em nossas vidas por uma nova
tecnologia. A principio, o “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo.
Por sua vez, a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou
padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas (McLUHAN, 1974, p. 22). Ao dar o
exemplo da luz elétrica, o autor afirma que “o meio é a mensagem”, explicando que é o meio que
configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas (idem, p. 23). Assim, a
eletricidade viria a causar a maior das revoluções, ao liquidar a seqüência e tornar as coisas
simultâneas, deslocando a atenção dos segmentos especializados para o campo total. Nesse
contexto, McLuhan descreve a figura do “idiota tecnológico”, isto é, aquele indivíduo que não vê a
mensagem a partir do meio. Segundo McLuhan (idem, p. 33)
O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu conteúdo é um
outro meio, como o conteúdo de um filme é o romance, uma peça de teatro ou uma ópera. [...]
O conteúdo da escrita ou da imprensa é a fala. Mas o leitor permanece quase que inteiramente
inconsciente, seja em relação à palavra impressa, seja em relação à palavra falada.
Desse modo, prossegue o autor explicando sobre as conseqüências desse comportamento alienado:
“A aceitação dócil e subliminar do impacto causado pelos meios transformou-os em prisões sem
muros para seus usuários” (idem, p. 36).
No segundo capítulo, McLuhan (1974, p. 38-50) trata dos meios quentes e frios. Segundo ele, o meio
quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos e em “alta definição” - entendendo-se por
alta definição aquela que se refere a um estado de alta saturação de dados (idem, 1974, p. 38) -,
como é o caso da fotografia e do rádio, que não deixam muita coisa a ser preenchida ou completada
pelo receptor da mensagem. Por sua vez, um meio frio, explica o autor, proporciona envolvimento em
profundidade e expressão integral, como o telefone e a fala. Portanto, a forma quente exclui e a forma
fria inclui. Considerando que nenhum meio tem sua existência ou significado por si só, estando na
dependência da constante inter-relação com outros meios, o autor traz à reflexão os conceitos de
explosão e de implosão, ponderando que nossas velhas áreas industrializadas, ao corroerem
automaticamente suas tradições orais, “encontram-se na posição de ter de redescobri-las se
desejarem manter-se à altura da era da eletricidade” (idem, p. 43).
Trazendo esses conceitos propostos por McLuhan para a atualidade e analisando a dimensão de
tempo e de espaço que ocupa o ciberespaço na era da pós-modernidade, este mesmo espaço
mágico ao qual se refere Lemos (2002) e Lemos e Cunha (2003), é possível perceber que o
ciberespaço avança além do conceito de um novo meio de comunicação, agrupando um conjunto de
meios até então utilizados distintamente. Conforme a utilidade a que se destina no momento e à
forma como a interação acontece, a Internet pode ser percebida tanto como um meio quente, quanto
como um meio frio. Esta categorização dos meios em quentes e frios proposta por McLuhan, ao ser
confrontada com a complexidade fundamentada nas possibilidades de interação que o ciberespaço
proporciona, arrisca-se a um excesso tal de subjetividade, que torna difícil o enquadramento das
novas tecnologias em um meio único e exclusivo. Assim, a Internet satura o meio e pode então ser
percebida como um meio quente, para imediatamente proporcionar a amplitude da inclusão que
somente o meio frio proporciona. É possível então perceber o ciberespaço como um aglutinador dos
mais diversos meios, que se encontram em evolução rumo a uma inter-relação cada vez mais
presente. Portanto, o conceito de explosão que culmina no conceito de implosão, citado por McLuhan
(1974), pode, também, ser percebido nas inter-relações que ocorrem dentro do próprio ciberespaço.
Em seguida, no capítulo 3 (McLuhan, 1974, p. 51-58) – Reversão do meio superaquecido – o autor
discorre sobre a reversão pela qual o homem ocidental reingressa em seu ciclo tribal (McLUHAN,
1974, p. 53), processo por ele denominado “implosão”. Na era elétrica, as energias do mundo,
implosivas ou em contração, entraram em choque com as velhas estruturas de organização,
expansionistas e tradicionais, que funcionavam na lógica do centro para a periferia. Nesse quadro,
está a “nova era da informação elétrica e da produção programada”, a qual, segundo o autor, obriga
mais e mais o intelectual a investir-se no papel de comando social e de serviço da produção. Agora a
mediadora é a inteligência entre os velhos e os novos grupos de poder. O autor ainda destaca o
conceito de “limite de ruptura” de Kenneth Boulding, segundo o qual “o sistema subitamente se
transforma em outro ou atravessa um ponto irreversível em seu processo dinâmico” (BOULDING
apud McLUHAN, 1974, p. 56). Esse conceito pode ser exemplificado com o caso do homem nômade,
caçador em busca de alimentos, ser socialmente estático e, de outro lado, o homem sedentário e
especializado, que é dinâmico, explosivo e progressista (McLUHAN, 1974, p. 57). Nesse sentido, uma
das causas mais comuns de ruptura em qualquer sistema é o cruzamento com outro sistema.
Exemplo recente disso é a substituição da máquina de escrever pelo computador, equipamento que
além de realizar a função de editoração de textos, incorporou várias outras funções antes
dissociadas, como a da calculadora, a do papel carbono e a do mimeógrafo e ainda trouxe novas
funções, dentre as quais, a Internet.
McLuhan inicia o capítulo 4 (idem, 1974, 59-66), O amante de “Gadgets” – Narciso como narcose,
lembrando o mito grego de Narciso e destacando a questão da extensão de si mesmo pelo espelho.
Segundo o autor (idem, p. 59-60), o que importa nesse mito é o fato de que os homens logo se
tornam fascinados por qualquer extensão de si mesmos em qualquer material que não seja o deles
próprios, mergulhando-os num estado de entorpecimento. Ao ilustrar a evolução tecnológica, o autor
recorre à metáfora da auto-amputação (idem, p. 60), quando o homem prolonga-se ou projeta-se para
fora de si mesmo, num modelo vivo do próprio sistema nervoso central. Burgos (2004, p. 12) recorre à
obra de Freud, O Mal-Estar na Civilização, para discorrer sobre a “concepção ideal de onipotência e
onisciência” do homem, nos primórdios da humanidade, quando começou “a recriar seus próprios
órgãos, motores ou sensoriais, e ampliar os limites de seu funcionamento, tornando-se ele próprio
quase que um deus, uma espécie de ‘Deus de prótese’, tornando-se verdadeiramente magnífico”.
Exemplo da auto-amputação a que se refere McLuhan é a roda como extensão do pé, em que a
função do pé seria “amputada” e amplificada em uma função separada ou isolada (o pé em rotação).
Assim, qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo e essa
extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo (idem, p.
63). Nesse sentido, a “amputação“ está relacionada com a discussão não apenas sobre a tecnologia
eletrônica, mas às várias tecnologias usadas como extensões do homem. Nessa abordagem pode-se
questionar: o que é agregado à nossa vida diária com a tecnologia. Como esses novos sistemas são
agregados e o que ganhamos ou perdemos com o uso de novas ferramentas, acessórios,
instrumentos e a nossa capacidade de adaptação e reconhecimento de novas formas de
comunicação? Qual o impacto em nossas vidas trazido pelo garfo, pelo carro, pelo celular, pela
gravação na secretaria eletrônica: “No momento não posso atender, deixe o seu recado após o
sinal...?” Parece que, de alguma forma, estamos seduzidos ou, utilizando uma expressão de
McLuhan, “entorpecidos” pelas novas tecnologias, uma vez que delas nos tornamos dependentes. O
telefone celular, por exemplo, como uma extensão e uma ampliação dos nossos ouvidos, traz a
vantagem de permitir a comunicação móvel instantânea, mas, também, nos coloca numa posição de
subserviência ao aparelho, de modo que nos sentimos “amputados” na sua ausência. Essas questões
ainda nos permitem tecer algumas reflexões quanto ao conceito de amputação tratado por McLuhan
(1974) - similarmente o uso de uma prótese -, significando, também, a reposição, a troca de um
movimento ou função natural por um processo mecânico e artificial e que diz respeito à relativa perda
ou relativização de alguns dos nossos sentidos – visão, olfato, tato, audição – em detrimento de uma
mecanização de algumas funções e atividades. Para que usamos a nossa memória (fisiológica e
orgânica) se temos como extensão, ao alcance da mão (literalmente) o celular como todos os
números de telefones e agenda com os horários do nosso dia? Para que caminharmos até a pizzaria,
se o “disque-pizza” chega tão rápido? Para que namorarmos se agora o encontro é on-line? Diante
de todas as facilidades trazidas pelas novas tecnologias, parece que as fronteiras entre o homem e
suas extensões se tornaram invisíveis: numa relação ora de cooperação, ora de dependência e ora,
até de subordinação, nos tornamos cúmplices, senhores e escravos daquilo que criamos. McLuhan
lembra o poeta Blacke, quando ele afirma que os homens se tornaram naquilo que contemplaram
(McLUHAN, 1974, p. 64). Assim, o autor destaca que “Contemplar, utilizar ou perceber uma extensão
de nós mesmos sob forma tecnológica implica necessariamente em adotá-la” (idem). Ai aparece o
“princípio do embotamento”, quando temos de entorpecer nosso sistema nervoso central, expondo-o
e projetando-o para fora, de forma que a tecnologia seja uma extensão do nosso corpo físico (idem,
p. 65).
No capítulo 5 (McLUHAN, 1974, p. 67-75), A energia híbrida – Les Liaisons Dangereuses, o autor
trata a inter-relação entre os meios, quando estes liberam grande força ou energia. Numa relação de
interdependência, “À exceção da luz, todos os meios andam aos pares, um atuando com o
“conteúdo” do outro, de modo a obscurecer a atuação de ambos” (idem, p. 71). Desse modo,
prossegue o autor, “os meios, como extensões de nossos sentidos, estabelecem novos índices
relacionais, não apenas entre os nossos sentidos particulares, como também entre si, na medida em
que se inter-relacionam” (idem, p. 72). É a “gestalt” de massa com a simples adaptação de situações
de uma cultura a outra, sob forma híbrida, num processo de mescla cultural, caracterizado pelo
princípio da hibridização como técnica de descoberta criativa (idem, p. 75). Podemos recorrer ao
exemplo da parceria entre a televisão e o cinema, que se apropriam mutuamente de linguagens
características de cada meio com o intuito de sensibilizar espectadores, muitas vezes comuns, a
“consumi-los”.
No capítulo 6, McLuhan (1974, p. 76-81) trata dos meios como tradutores, onde “tradução” é
entendida como um desvendamento de formas do conhecimento (idem, p. 76). Portanto as
tecnologias são meios de traduzir uma espécie de conhecimento para outra e a “mecanização”, uma
tradução da natureza e de nossas próprias naturezas para formas ampliadas e especializadas. Nesse
sentido, o autor afirma que “Todos os meios são metáforas ativas em seu poder de traduzir a
experiência em novas formas” (idem, p. 76), como foi o caso da palavra falada em relação à escrita.
Na sua capacidade de armazenar experiências, o homem possui, segundo Julian Huxley, “um
aparato de transmissão e transformação” (apud McLUHAN, 1974, p. 79). É assim que as maquinas
são metáforas do homem, num processo de transmissão e transformação de sua experiência. Nesse
sentido, é latente a intenção do homem em tentar reproduzir nos computadores a função do sistema
nervoso central quanto ao processamento das informações na construção do conhecimento.
No capítulo 7 (McLUHAN, 1974, p. 82-94), Desafio e colapso – A nêmese da criatividade, os novos
meios e tecnologias pelos quais nos ampliamos e prolongamos são comparados às “vastas cirurgias
coletivas levadas a efeito no corpo social com o mais completo desdém pelos anestésicos” (idem, p.
84). O autor explica que o sistema inteiro muda, enquanto a área que sofre a incisão não é a mais
afetada: o efeito do rádio é visual e o da fotografia, é auditivo (idem, p. 84). Para a compreensão
desse complexo sistema, o autor sugere o trabalho do artista, já que este teria uma consciência
integral. Segundo ele, é preciso olhar para trás e para frente para evitar as descontinuidades da
experiência do presente com suas exigências de exame e avaliação sensíveis (idem, p. 85). “Quando
uma tecnologia de um determinado tempo implica num impulso poderoso numa direção, a sabedoria
aconselha a opor-lhe um outro impulso” (idem, p. 91). Nesse quadro, McLuhan sugere a reflexão
quanto ao especialismo da indústria mecanizada e da organização do mercado que, segundo ele,
“impôs ao homem ocidental [...] o desafio da manufatura pela mono-fratura, ou seja, a montagem de
todas as coisas e operações peça por peça” (1974, p. 94).
Assim, “O meio é a mensagem significa, em termos da era eletrônica que já se criou um ambiente
totalmente novo”, em que “o novo transforma seu predecessor em forma de arte” (idem, p. 11 e 12). É
assim que as tecnologias começam a desempenhar a função da arte, tornando-nos conscientes das
conseqüências psíquicas e sociais desses meios (idem, p. 12).
Palavras-chave: Meios de Comunicação, Mensagem.
Bibliografia Complementar:
BARRETO, Aldo de Albuquerque. Mudança Estrutural no Fluxo do Conhecimento: a comunicação
eletrônica. In. Ciência da Informação, Brasília, v. 27, n. 2, p. 122-127, maio/ago. 1998.
BURGOS, Maria de Fátima Borges. Comunidades virtuais e novas formas de sociabilidade:
panoramas possíveis para uma sociedade em rede (?). Brasília: UnB, 2004. (Tese)
LEMOS, André. As estruturas antropológicas do ciberespaço. In:______. Cibercultura, tecnologia e
vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 136-165.
LEMOS, André; CUNHA, Paulo. Espaço tecnológico e espaço comunicacional. In:______. Olhares
sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 197-211.
McLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Cultrix, 1967.
MIRANDA, Antonio. A Ciência da Informação e a Teoria do Conhecimento Objetivo: um
relacionamento necessário. In: Ciência da Informação: teoria e metodologia de uma área em
expansão. Brasília: Thesaurus, 2003, p. 173-187.
MIRANDA, Antonio: SIMEÃO, Elmira. Transferência de Informação e transferência de tecnologia no
modelo de Comunicação Extensiva: a Babel.com. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires,
n. 10, p. 27-40, 2004.
POSTMAN, Neil. Tecnopólio - a rendição da cultura à tecnologia. São Paulo, Nobel, 1994.
SIMEÃO, Elmira; MIRANDA, Antonio. Comunicação Extensiva e a Linguagem Plástica dos
Documentos em Rede. In: Organização e Representação do Conhecimento na Perspectiva da
Ciência da Informação. Brasília: Thesauros, 2003, p. 179-209.
Download

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EXTENSÕES DO