Jairo Martins da Silva
FOTOs: divulgação
E N T R E V I
S T A
Disseminando qualidade
e cultura
Superintendente-geral da Fundação Nacional da Qualidade, Jairo Martins da Silva fala
sobre o desafio da qualidade da gestão e quais os fatores responsáveis pelo verdadeiro
engajamento de uma equipe
Silva Quando fui convidado para ir
para a Siemens, recebi o convite
para criar uma unidade de vendas
de serviços de telecomunicação,
e quando recebi esse convite, a
primeira pergunta foi: por que um
brasileiro? Eles me disseram que
o alemão sabe vender máquinas,
equipamentos, mas não sabe vender
serviços, então precisavam de um
brasileiro, que brasileiro tem mais
no DNA a possibilidade de vender
serviços. Chegando à Alemanha, a
primeira coisa que fiz foi conhecer
os funcionários, os colaboradores; já
tinha conhecimento da cultura alemã,
e outro facilitador foi chegar falando
alemão. Mas como eu sabia de uma
certa simpatia deles com a cultura
brasileira, não mudei meu jeito de
ser. Claro que eu tenho que entender
a cultura deles, não podia dizer
“vou ser totalmente brasileiro”. A
pontualidade, a forma de tratamento
deles, isso mantive. Mas fiz uma
gestão muito participativa: o primeiro
passo foi dizer que não queria sala
fechada para mim. Queria trabalhar
onde estivessem meus gerentes, uma
boa parte da minha equipe. Isso
quebrou o gelo, foi muito interessante
e diferente, tanto que não haviam
passado seis meses que eu estava
lá e recebi muitos candidatos para
vir trabalhar comigo, inclusive. Isso
porque apresentamos resultados
muito bons no início, e aí disseram
“puxa, essa área é bem descontraída,
com um pessoal feliz, e apresenta
bons resultados”. Então minha lição
foi essa: você tem que respeitar a
cultura deles, mas também não pode
abrir mão dos seus valores, e aí você
tem que observar a forma de trabalhar
e tentar fazer essa junção das culturas
e tirar o melhor. Esse foi meu
aprendizado. Outra coisa que procurei
fazer muito lá foi o seguinte: é bom
entrar em contato com a cultura
deles, tanto que recebia muitos alemães
na minha casa e, com isso, eles me
convidavam para ir na casa deles. Digo
para quem vai para o exterior ficar um
tempo: não faça panelas de brasileiros,
o bom é você entender o lado deles e se
adaptar à vida também.
Bens & Serviços / Março 2013 / Edição 95
19
Quais foram suas principais lições
como vice-presidente mundial da Siemens,
na Alemanha?
Entrevista
O que diferencia os líderes brasileiros dos
líderes alemães?
Silva Eu diria que o líder alemão é
muito formal. Ele tem um diálogo
muito formal com a equipe dele,
e isso talvez até crie um clima não
muito de camaradagem. Eles são muito
estruturados, muito de processos, são
muito diretos também. Isso tem suas
vantagens, mas se você quer obter
resultados da equipe acredito que uma
comunicação menos formal é muito
importante, desde que você saiba se
impor pelo seu conhecimento. Tem que
impor respeito, mas o estilo brasileiro de
20
“Não acredito que pelo fato de fazer
parte da liderança devo ficar olhando apenas
internamente.”
Bens & Serviços / Março 2013 / Edição 95
gestão talvez seja mais adequado para
determinadas situações, principalmente
aquelas em que você precisa estabelecer
mais desafios para a equipe.
Como é sua rotina à frente da Fundação
Nacional da Qualidade?
Silva Eu já conhecia a FNQ pelo fato
de a Siemens – a divisão de telecomunicações, onde trabalhei – ter ganho
o Prêmio Nacional da Qualidade em
1998, então o processo era conhecido,
tanto que quando voltei da Alemanha e parei minhas atividades com
a Siemens, recebi o convite para vir
para a FNQ. Cheguei trazendo a visão
de uma empresa privada, mas a gente
pode aproveitar os processos. Primeiramente, meu dia a dia foi entender a
equipe, que é bastante jovem, que lida
com processos bastante complexos de
cuidar da melhoria da gestão das empresas. Então meu dia a dia é estabelecendo metas para a equipe. Fizemos
um bom planejamento estratégico,
que está sendo seguido, e procuro
equilibrar minhas atividades internas
e externas. Não acredito que pelo
fato de fazer parte da liderança devo
ficar olhando apenas internamente.
Entrar em contato com o cliente, fazer
palestras, apresentações: essa disponibilidade para o mercado, para entender a necessidade do cliente, é o que
eu sempre procuro fazer. Assim, meu
dia a dia é o equilíbrio das atividades
internas – definir claramente metas
com as pessoas – e externas, ouvindo
o cliente e trazendo esse feedback para
a fundação de modo que melhore cada
vez mais os nossos processos.
Silva Quando a fundação foi criada,
o nosso desafio era a gestão da
qualidade. Hoje, o nosso grande
desafio é a qualidade da gestão. Porque
para a gestão da qualidade temos
normas certificadas, ISOs e outras
mais. Mas a qualidade da gestão é
fazer com que a empresa realmente
seja competitiva, sustentável, fazer
com que tenha longevidade, e o
grande desafio de hoje é você orientar
uma empresa, ter uma gestão com
esse cenário totalmente volátil,
imprevisível e até incontrolável em
muitas situações. Esse é o grande
desafio da qualidade da gestão hoje.
E como a FNQ busca driblar este desafio?
Silva Toda a atividade que a FNQ
realiza é em torno do MEG –
Modelo de Excelência em Gestão.
Este é o ponto central das nossas
atividades. O MEG não pode ser
estático, porque o alvo da qualidade
da gestão é móvel e vai mudando
com relação ao cenário, e uma das
primeiras preocupações nossas é
fazer com que o MEG acompanhe
esse cenário, seja atual ou futuro. Por
isso, mantemos grupos de estudos,
núcleos de conhecimento para que
atualizem o MEG, além de fazermos
networking com os modelos de gestão
de fora do Brasil, como o europeu,
o americano, o australiano. Essa é a
nossa preocupação, o nosso dia a dia.
Com base no MEG, a FNQ dissemina
esse modelo, os fundamentos da
“A FNQ é o órgão nacional e, no Brasil,
cada Estado tem o seu o programa, e o PQGP
é um deles.”
excelência em gestão e os critérios
de excelência em gestão para que
as empresas possam ter uma gestão
sistêmica, olhando todos os aspectos.
Porque se você olhar só para a
qualidade, irá olhar mais processos,
e você não pode olhar também
somente a gestão financeira.
O objetivo do MEG é ter uma gestão
sistêmica: como você conversa
sobre liderança, como elabora
seu planejamento estratégico,
como você promove a gestão das
pessoas, como se relaciona com seus
clientes, com a sociedade, como é
o processo da troca de informações,
de conhecimento, até você chegar
no resultado, seja financeiro, seja o
resultado por meio dos clientes, o
resultados dos processos. O grande
objetivo da FNQ é disseminar esse
modelo de gestão para que a empresa
tenha uma gestão sistêmica e um
melhor desempenho.
O que as empresas brasileiras ainda
precisam aprender sobre qualidade?
Silva Primeiro é que, mesmo em
um cenário imprevisível, volátil e
incontrolável como hoje, as empresas
precisam aprender que o importante
é a constância de propósitos. Não
é pelo fato de o cenário mudar
continuamente que não terei
minha estruturação, ou usar minhas
ferramentas de planejamento
estratégico, de gestão, fazer uma
análise de cenário. Isto é, o que as
empresas precisam aprender é olhar
cenários, estar constantemente
observando o que se passa para
então poder se adaptar. Não adianta
fazer um planejamento estratégico
para cinco anos, é preciso visitá-lo
a cada três ou seis meses, porque
o cenário muda. Às vezes o que
existe nas empresas brasileiras é o
imediatismo, sem se preocupar com
o que acontece, com uma evolução
mais sustentável. Acredito que,
às vezes, o imediatismo é que leva
muita empresa a ter um desempenho
sofrível. Isso porque no mercado
você precisa escutar o cliente, ter
sistemáticas, ou seja, ter uma gestão
sistêmica disso.
E em quais aspectos elas se destacam, com
relação a esse tema?
Silva O brasileiro tem uma grande
vantagem, que é uma boa
comunicação, e ter uma boa
comunicação com os clientes,
ouvi-los, ouvir o mercado, ter uma
comunicação interna com seus
funcionários, se isso fosse praticado
pela maioria das empresas brasileiras
– porque o brasileiro tem esse DNA,
facilitaria muito. Por outro lado,
as empresas pecam pela falta de
formalização, de colocar isso no papel,
de fazer uma gestão estruturada.
Bens & Serviços / Março 2013 / Edição 95
21
Quais são os desafios com relação à
Qualidade, hoje?
Entrevista
De um lado, o ponto forte é a
comunicação, o entendimento, saber
ouvir. Por outro, a informalidade
faz com que as empresas, às vezes,
sofram um pouco.
Qual a maneira eficiente de promover
o engajamento dos colaboradores em
uma empresa?
Silva Primeiramente, eu diria que a
regra de ouro é o próprio líder tomar
a frente, não adianta ele chegar e
dizer “olha, nós vamos implementar
um programa de melhoria da gestão,
do desempenho da empresa”, se ele
não tomar a frente. Ele tem que dar
exemplo. Em segundo lugar, ele tem
que ter uma boa comunicação, que
seja aberta. Ele não precisa ser um
vendedor interno, pode ter um estilo
mais reservado, quieto, mas tem que
ter uma boa comunicação com seus
funcionários. Escutá-los e fazer com
que cada um se sinta importante.
Numa empresa, uma das atividades
principais é você desenhar uma
cadeia de valores da empresa, de
todos os seus processos e mostrar que
cada um tem o seu papel. Ou seja,
a empresa só vai ter o seu sucesso
se houver uma atuação alinhada de
cada integrante, de cada colaborador.
Para promover esse engajamento eles
devem ter metas claras, bem definidas, o que a empresa quer atingir
com isso, e ter uma boa comunicação
com eles. Tem que haver transparência. Digo sempre: chefe tem que ser
um exemplo. Tem que ser querido,
bem quisto e tem que ser firme
também. Não é porque ele tem uma
boa comunicação que ele não vai ter
firmeza na hora em que é necessário.
Como você avalia o aspecto da
competitividade nas empresas brasileiras?
22
“digo sempre: chefe tem que ser um exemplo.
Tem que ser querido, bem quisto e tem que ser
firme também.”
Bens & Serviços / Março 2013 / Edição 95
Silva Falar da competitividade das
empresas brasileiras é um tema
muito atual. No Brasil, há 20 anos,
quando passava por esse processo
de globalização, nossos carros eram
comparados a carroças – frase
que ficou famosa na época. Hoje
podemos dizer que as empresas
melhoraram seus processos,
implantaram a gestão da qualidade.
O que percebemos hoje é que temos
uma série de custos sistêmicos
que afetam a competitividade da
empresa brasileira: carga tributária
elevada, leis trabalhistas inflexíveis,
uma máquina governamental muito
pesada, dificuldade em fazer a gestão
de infraestrutura, de transporte.
O custo da logística no Brasil é
muito caro, a burocracia... Com
O que as empresas podem fazer para
“tratar” esse diagnóstico?
Silva Na minha opinião, o que
precisaria é atitude de querer
resolver, e que as empresas tentem
fazer um diálogo aberto. Estamos
precisando de um pouco de
indignação, às vezes aceitamos a
situação com facilidade, e acho
que devemos buscar o diálogo,
cobrar mesmo. Do lado do governo
falta ação, atitude, de aprovar
leis e melhorar tudo. Do lado do
empresariado, precisamos cobrar mais,
ser mais exigentes, porque é assim
que funciona nos Estados Unidos,
na Europa, em qualquer lugar. As
organizações, o governo, a sociedade
e o cidadão são os quatro pilares que
fazem com que isso funcione. De um
lado, tem que haver ação, e do outro,
tem que haver um pouco mais de
exigência, de cobrança.
“Não adianta fazer um planejamento
estratégico para cinco anos, é preciso
visitá-lo a cada três ou seis meses, porque o
cenário muda.”
Como se dá a relação entre a FNQ e
o Programa Gaúcho da Qualidade e
Produtividade (PGQP)?
Silva A FNQ é o órgão nacional e,
no Brasil, cada Estado tem o seu o
programa, e o PQGP é um deles.
Além dos programas estaduais, nós
temos programas setoriais, como o
programa de saneamento, de saúde,
por exemplo, também para ajudar
na gestão do setor. Hoje, tanto
os programas estaduais quanto os
setoriais trabalham conosco na
forma de uma rede, que chamamos
de Rede QPC – Rede de Qualidade,
Produtividade e Competividade.
Os programas estaduais e setoriais
funcionam como braços estendidos
da FNQ. No Brasil, com sua extensão
territorial, precisamos desses braços
para que o modelo seja disseminado.
Então, um elo é o nosso modelo
de excelência em gestão; o MEG é
utilizado não só pela FNQ mas pelos
programas estaduais e os setoriais.
É o elo de ligação, trabalhamos de
forma conjunta disseminando as
capacitações, o modelo, realizando
seminários regionais com o objetivo
de disseminar o modelo da gestão.
O senhor também leciona sobre
cachaça e cultura brasileira em uma
universidade alemã. Como é vista a cultura
brasileira lá fora?
Silva É até pitoresco, por ser cachaça.
Sou engenheiro eletrônico, mas na
realidade esse interesse por bebidas,
até pela cachaça que é uma bebida
espirituosa, é um hobby mesmo, e
um hobby associado ao Brasil. Eu
observava: o México idolatra a sua
tequila; a França, o seu conhaque;
na Itália, a grappa, e pensei ‘puxa,
nós temos que ter orgulho da nossa
bebida, que é a cachaça’. E quando
eu morava na Alemanha, queria
divulgar a nossa cultura e via que
a caipirinha era muito bem vista
por lá, e porque o alemão gosta até
de imitar o brasileiro, ele gosta do
nosso jeito de ser, da forma com
que o brasileiro se relaciona. Essa
preferência do alemão com relação
à cachaça é mais isso; eles gostam
da cultura brasileira, então é uma
grande marca nossa. Essa marca
verde e amarela associada a essa
cultura, às vezes entendida como
irreverente, mas é uma cultura mais
alegre, amigável. O brasileiro toca, o
alemão não. Comecei a difundir essa
cultura por lá como hobby, sabia de
uma universidade que tinha cursos,
seminários, que tinha uma área da
cultura do saber. Fiz uma palestra
sobre cachaça, uma oficina sobre
caipirinha e acabei me tornando
professor visitante da Münchener
Volkshochschule. Vou lá uma vez por
ano, lecionar essas matérias.
Bens & Serviços / Março 2013 / Edição 95
23
isso, as empresas ficam lentas, elas
têm custos muito altos decorrentes
desses fatores, e isso está claro,
não existe mais diagnóstico a ser
feito. A carga tributária afeta,
as leis trabalhistas também, a
burocracia, o Custo Brasil, a
educação. Outro fator: segurança.
Por que a área de transporte
sofre muito? Tem que contratar
escolta, segurança, e isso aumenta
o custo. Fazer um transporte de
carga numa autobahn (estrada)
alemã é diferente, aqui você tem
custos adicionais e isso afeta o
produto e, consequentemente, a
competitividade do país.
Download

Jairo Martins da silva