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3. O efeito da cintilação luminosa: causas, efeitos e soluções.
3.1. O que é cintilação luminosa ou efeito “flicker” [7]
O fenômeno designado por cintilação luminosa, em inglês “flicker” ou “lamp flicker”
se refere à percepção, pelo olho humano, das variações luminosas provocadas pela flutuação
da tensão de alimentação. Testes com observadores, realizados nos Estados Unidos, na
Inglaterra e na França, demonstraram que a sensibilidade do olho humano às variações
luminosas se restringe a uma faixa bastante estreita de freqüências, entre 0 e 30 Hz. E mesmo
nessa faixa a sensibilidade não é uniforme, sendo máxima em torno de 8,8 Hz, no caso da
fonte luminosa ser uma lâmpada incandescente (no entanto, também pode ser observada com
lâmpadas fluorescentes). A unidade para a sensação de cintilação instantânea é definida de tal
forma que um valor unitário corresponde ao limite de percepção para 50% da população.
A maioria das pessoas já experimentou a sensação de variação da intensidade de
iluminação das lâmpadas incandescentes quando outras cargas ligadas ao mesmo circuito de
alimentação variarem, repentinamente a corrente consumida. Em ambientes domésticos,
aquecedores, condicionadores de ar, e impressoras a laser são exemplos comuns de
equipamentos que podem gerar flicker observável. Uma descrição mais precisa de flicker é
encontrada na (IEC) EN 61000-3-3 que define como "... O incômodo subjetivo da cintilação
imposta à luz produzida por lâmpadas incandescentes de 230 V, 60 W pelas flutuações da
tensão de alimentação ". Flicker é definido em termos da variação da luminosidade percebida
nas lâmpadas incandescentes por causa do uso comum e porque elas apresentam maior
sensibilidade a alterações de voltagem.
Figura 3.1 Sensibilidade relativa do olho humano às variações luminosas de lâmpada
incandescente.
3.2. Efeitos provocados pela cintilação luminosa
Apesar de se tratar aparentemente de um mero problema de desconforto visual, já
ficou demonstrado que esse efeito pode atingir o sistema nervoso central e provocar
disfunções neurológicas em observadores submetidos ao processo.
Para o observador comum, as variações luminosas podem causar dificuldades para
leitura, incômodo visual, dor de cabeça, cansaço visual, estresse mental, perda de
concentração, etc. Isso significa que as pessoas podem ser mais ou menos afetadas por esses
efeitos, mas de qualquer modo a sua capacidade produtiva física ou intelectual fica
prejudicada.
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3.3. Causas do efeito flicker
A seriedade do problema fica ainda mais evidente quando se constata que o olho é
capaz de perceber a variação luminosa da lâmpada submetida a uma variação brusca de
apenas 0,2 % da tensão nominal. Para que esta percepção se transforme em incômodo é
preciso aumentar a intensidade da variação ou repetir essa variação na faixa de freqüências de
maior sensibilidade. Isto significa que se tivermos uma carga variando ciclicamente, as
variações da corrente podem provocar o efeito de cintilação nas lâmpadas alimentadas pela
mesma rede. Um exemplo típico é o do compressor de ar. Outros exemplos de cargas
variáveis que costumam provocar o efeito flicker são: chuveiros e fornos elétricos com
controle automático de temperatura, aparelhos de solda elétrica, prensas e estamparias,
elevadores, bombas, fornos a arco, laminadores siderúrgicos, etc.
Como se pode ver, as causas podem variar desde simples cargas domésticas variáveis,
bombas e compressores em oficinas mecânicas até processos industriais pesados como fornos
a arco. Neste último caso, o número de pessoas afetadas evidentemente é muito maior devido
ao maior alcance das variações de tensão.
3.4. Medição do efeito flicker
A atual norma da Comissão Internacional de Eletrotécnica IEC - 61000-3 [7], antiga
IEC - 555-3 [10] trata da avaliação das flutuações e, em particular do efeito de cintilação,
estabelecendo uma curva limite para o nível de flicker, mostrada na figura 3.2. Para avaliar os
níveis de flicker existe uma metodologia específica de processamento da tensão, que
originalmente foi proposta pela UIE (União Internacional de Eletrotermia) em 1982 [11] e
aprovada em 1986 pela IEC como Std. 868 [8], e atualmente IEC - 61000-4-15. A Figura 3.3
mostra o processamento do sinal de tensão necessário para extrair o nível de flicker
provocado pelas variações da amplitude sobre o sistema de iluminação [8, 9, 11]. Existem até
equipamentos de medição, desenvolvidos na Unicamp, baseados nessa metodologia [13,14].
Δ
V
___
%
V
(4)
(3)
(1)
(2)
min-1
Figura 3.2. Curva 1 - Limiar de percepção visual para modulação senoidal;
Curva 2 - Limiar de percepção visual para modulação quadrada;
Curva 3 - Limite aceitável segundo a IEC;
Curva 4 - Valores resultantes pelo método proposto pela IEC.
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3.4.1 Descrição detalhada do Medidor de Flicker
A Figura 3.3 mostra um diagrama de blocos para a medição de flicker, conforme
descrito na IEC 868 e na IEC 61000-4-15. Nas seções que seguem, cada bloco será descrito
em detalhes no que diz respeito tanto às funções de processamento do sinal fornecido pelo
bloco, bem como de sua relação com os fenômenos fisiológicos correspondentes. Como a
resposta espectral de alguns blocos proporciona uma maior compreensão de sua função, os
comportamentos desses blocos no domínio da freqüência são incluídos.
Bloco 1 - Adaptador de tensão de entrada.
A principal função do adaptador de tensão de entrada é a de fornecer uma tensão RMS
normalizada para a entrada do bloco 2. Um controle automático de ganho (AGC) com uma
característica de resposta ao degrau de 10 a 90% em 1 minuto fornece a funcionalidade
necessária. De uma perspectiva de resposta de freqüência, a constante de tempo especificada
corresponde a uma função de primeira ordem, passa-alta com freqüência de corte ajustada
para 0,00583 Hz. Flutuações de tensão em frequência mais elevada passam pelo AGC sem
atenuação, mas componentes de baixa frequência são removidos.
Do ponto de vista fisiológico, o circuito de AGC imita uma característica bem
conhecida da percepção humana em que estímulos constantes aos sentidos, de nível
moderado, gradualmente se tornam imperceptíveis.
O Bloco 1 também inclui uma entrada para um sinal de calibração. Esta função é
adequada para garantir a precisão da calibração dos instrumentos mais antigos, de tipo
analógico, descritos na norma IEC 61000-4-15. É menos necessária nos instrumentos
digitais, pois é fácil de assegurar suficiente estabilidade de calibração.
Estritamente falando, o transformador de entrada mostrado antes Bloco 1 não faz parte
do mesmo. Sua função é adaptar o circuito de entrada do instrumento para o nível nominal do
sinal medido. Instrumentos modernos podem diferir ligeiramente em virtude do uso de
amplificadores diferenciais de ganho variável, ao invés de transformadores.
A saída do bloco 1 é aplicada à entrada do bloco 2. Também pode ser aplicado a um
circuito opcional de medição da tensão eficaz, que pode servir para analisar mudança de
tensão ao longo do tempo, facilidade que pode servir para alguns testes previstos na EN
61000-3-3.. A medição RMS é normalmente incluída no medidor de flicker de acordo com a
UIE, mas não é utilizada para avaliar o valor de flicker.
Bloco 2 - Demodulador.
O Bloco 2 faz uso de um circuito quadrador (multiplica o sinal por ele mesmo) como
demodulador. O objetivo deste bloco é a recuperação do sinal modulante e, simultaneamente
suprimir o sinal da freqüência portadora (rede). A operação do Bloco 2 é mais facilmente
compreendida no domínio da freqüência. Como exemplo, a Figura 3.4 mostra o espectro de
um sinal de corrente de 50 Hz com 1%, 9-Hz de modulação senoidal de amplitude. O nível
equivalente ΔU/U é de 2%. Para fins de ilustração, o sinal de portadora de 50 Hz é mostrado
normalizado para 0 dB.
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Figura 3.3. Metodologia UIE/IEC para medição de flicker.
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Figura 3.4. 50 Hz com 50% de modulação AM (no tempo) e espectro para 1% de
modulação AM em 9 Hz.
Deixando de lado a normalização da amplitude da portadora, o sinal mostrado na
Figura 3.4 seria a entrada do Bloco 2, assumindo-se uma modulação equivalente de uma
tensão invariável da rede. O sinal modulante é visto como um par de bandas laterais
deslocadas 9 Hz acima e abaixo da portadora. Tais componentes estão -6 dB em relação ao
nível de -40 dB (1%) do sinal modulante.
Aplicando o sinal da Figura 3.4 como entrada, resulta na saída do demodulador
mostrado na Figura 3.5. Como seria de esperar de uma função não-linear, aparecem outras
freqüências na saída do Bloco 2. A portadora de 50 Hz é duplicada em frequência e aparece
como um sinal de 100 Hz. A freqüência modulante é recuperada e aparece em 9 Hz, -40 dB
(ou seja, 1%). Um vestígio da segunda harmônica do sinal modulante também aparece na
saída, cuja parte CC, está oculta em relação ao eixo esquerdo da figura.
Figura 3.5 Sinal da figura 3.3, demodulado por quadramento.
A saída do Bloco 2 é aplicada exclusivamente à entrada do Bloco 3. A única saída
desejada do Bloco 2 é a componente de modulação de sinal, mas o trabalho de remoção de
freqüências indesejáveis é executado por meio de filtros no Bloco 3.
Bloco 3 - Filtros de ponderação.
O Bloco 3 inclui três filtros ligados em série e um circuito de escalonamento. Um
filtro passa-alta de primeira ordem tem frequência de corte de 0,05 Hz. Em seguida um filtro,
passa-baixa, com uma frequência de corte de 35 Hz. Essas duas funções visam,
respectivamente, remover as componentes CC e de 100 Hz, com as bandas laterais associadas.
O terceiro filtro, Butterworth de sexta ordem, fornece uma resposta passa-banda,
centrada em 8,8 Hz, cuja resposta reproduz a curva da figura 3.1. O filtro passa-banda
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apresenta uma função de ponderação muito específica dentro da faixa de freqüência de
interesse, entre 0,05 Hz e 35 Hz. Seu objetivo é simular uma parte da resposta global
filamento-olho-cérebro para um observador humano típico. O pico da resposta é em 8,8 Hz. O
filtro é muito bem especificado por meio de uma equação que determina a função de
transferência necessária no domínio da freqüência.
A Figura 3.6 mostra a resposta de frequência dos três filtros em série, enquanto a
Figura 3.7 mostra a saída do Bloco 3, dada a entrada mostrada na Figura 3.4.
A função de escalonamento mostrada na saída do bloco 3 é necessária em certos
instrumentos que usam classificadores estatísticos no Bloco 5, mas geralmente é eliminada se
classificadores não-lineares são utilizados. Em ambos os casos, o instrumento deve prever
medidas de sensação de cintilação instantânea (Sf) dentro de uma faixa de 0,01 a 6400 em
unidades do limiar de percepção. Fundos de escala em intervalos correspondentes aos níveis
de ΔU / U de 0,5, 1, 2, 5, 10 e 20% são definidos, com a exigência de uma resolução mínima
de 1 parte em 64, dentro de cada faixa.
Figura 3.6. Resposta em frequência composta dos filtros
Figura 3.7. Sinal de saída do bloco dos filtros
Dado que a relação entre percepção de flicker (Sf) e ΔU / U varia com freqüência, não
há relação direta entre os dois conjuntos de valores. No entanto, as faixas de ΔU/U são
especificadas para garantir que a variação da sensação de cintilação seja acomodada para
qualquer freqüência de modulação.
Bloco 4 - Multiplicador por quadratura e filtro de média móvel de primeira ordem.
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O Bloco 4 fornece condições para realizar o restante do modelo filamento-olhocérebro associado à percepção de flicker. O operador de quadramento converte o sinal de
variação de tensão ponderada em variação de energia luminosa equivalente, simulando a
característica de resposta não linear do cérebro-olho, enquanto o filtro de primeira ordem
simula os efeitos de persistência da imagem na retina. O filtro de primeira ordem é um pouco
imprecisamente especificado como um filtro de média móvel tendo uma constante de tempo
de 0,3 segundos, mas deve ser implementado como um filtro passa-baixa de primeira ordem,
com uma freqüência de corte de 0,53 Hz.
Quando o ganho total do instrumento é configurado corretamente, os níveis de
modulação, correspondentes aos da curva correspondente ao limiar humano médio (Figura
3.2) para sensação de flicker, produzirão Sf na saída do Bloco 4 que constitui o valor de
referência (base) para normalização em pu dos níveis de flicker gerados por outros sinais
quaisquer, ou seja, Sfpu = Sf/SfB .
Várias etapas de processamento adicional podem ser realizadas na saída do Bloco 4
para auxiliar na escolha da escala do instrumento ou para fins de pesquisa. Para os testes
previstos na EN 61000-3-3, no entanto, estas saídas são opcionais (assumindo que o uso de
um classificador não-linear no Bloco 5), uma vez que as saídas do Bloco 5 são usadas
exclusivamente para determinar a conformidade das emissões de cintilação.
Bloco 5 - Classificador.
O classificador estatístico no Bloco 5 modela a irritabilidade humana na presença de
flicker. A perturbação é mais tolerável se ocorre com pouca freqüência em intervalos
curtos. A tolerância diminui com crescimento da intensidade da perturbação, aumento da
freqüência de eventos ou da sua duração.
A entrada para o bloco 5 mostra um conversor A/D, seguido por um classificador
estatístico. Em instrumentos modernos, a conversão do analógico para digital tipicamente
ocorre já em blocos anteriores. O classificador é dedicado a fornecer a informação estatística
necessária para calcular a severidade do flicker de curta duração (Pst), bem como a severidade
do flicker de longa duração (Plt).
A severidade da cintilação de curto prazo é calculada utilizando percentis obtidos a
partir do classificador estatístico. Percentis são níveis da grandeza sob análise que são
observados durante um determinado porcentual do tempo total ou do conjunto de amostras. O
percentil P95 de Sf, por exemplo, expressa o nível de Sf que é superado apenas 5% das vezes
(num intervalo de tempo ou quantidade de amostras pré-fixado). Isso é feito por períodos de
integração de 1, 5, 10 ou 15 minutos, sendo o intervalo de 10 minutos especificado como o
período de integração para as medições de conformidade. Assumindo por hipótese que as
amostras são acumulados a uma taxa de 100 Hz e que o período de integração de 10 minutos é
usado, 60.000 amostras individuais de Sf serão adquiridos para cada cálculo do PST.
Cada amostra é acumulada no classificador estatístico, incrementando um contador, o
qual está associado a um certo nível de Sf. O contador a ser incrementado é selecionado
determinando entre quais níveis pré-estabelecidos de Sf a amostra se insere. No final do
período de integração, a contagem total acumulada de todos os contadores é igual ao número
total de amostras colhidas durante o período de integração (60 mil nesse exemplo). O
conjunto de percentis pode então ser obtido através de metodologia estatística.
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Dependendo do projeto do classificador, as classes podem ser em número reduzido
como 64, que podem ser linearmente ou logaritmicamente espaçadas. O uso de um projeto
com o requisito mínimo de 64 níveis linearmente espaçadas exige a implementação de
circuitos de escalonamento como especificado para o Bloco 3. Implementações modernas
normalmente usam níveis em escala logarítmica, geralmente com 1024 níveis ou mais. Esta
abordagem, assumindo uma faixa dinâmica adequada em outras partes do processamento do
sinal, elimina a necessidade de escalonamento do Bloco 3. Classificação logarítmica também
evita problemas de precisão que surgem quando se aplica uma interpolação linear para
calcular os limites percentuais entre os níveis.
A notação percentual utilizado nos índices das normas deve ser entendido como % de
violação, pois corresponde à percentagem de amostras que ultrapassam os níveis, em vez de
números cumulativos de amostras. Por exemplo, P0.1 corresponde ao nível excedido por 0,1%
das amostras. Este nível é mais convencionalmente referido como o percentil 99,9.
A severidade da cintilação de longo prazo (Plt) é calculado a partir de uma janela de 12
valores sucessivos de Pst adquiridas durante um intervalo de 2 horas, com 10 minutos de
períodos de integralização.
Note-se que as unidades dos indicadores de severidade Pst e PLT são alteradas de
"perceptibilidade" para "irritabilidade". Assim Pst = 1pu é o limiar médio de irritabilidade
para a cintilação de curto prazo e 0,65 é definido como o limiar de flicker de longo
prazo. Limites para aprovação / reprovação para Pst e Plt são fixados na EN 61000-3-3 de
acordo com estes limiares. Os testes são realizados com uma impedância de referência IEC
725 colocada entre a fonte de alimentação e o equipamento sob teste.
PST = a1.P50 + a2 .P10 + a3 .P3 + a4 .P1 + a5 .P0.1
(3.1)
onde:
Pi
são percentis da classificação estatística ou níveis de Sf ultrapassados durante i % do
tempo. Por exemplo, P50 representa o nível de Sf que é violado 50% do tempo; P10 é
o nível ultrapassado durante 10% do tempo, e assim por diante.
a1 a2 a3 a4 e a5 são valores numéricos atribuídos de forma que a combinação dos cinco
percentis Pi produzam valores de PST unitários para flutuações dadas pela IEC61000.3, mostrada na Figura 3.2, curva 3. Testes revelaram que esses coeficientes de
ponderação valem:
a1=0,08; a2=0,28; a3=0,0657; a4=0,0525; a5=0,0314
A figura 3.8 ilustra como se faz a classificação dos níveis do sinal Sf amostrado para o
cálculo do valor de PST.
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P0.1
P1
P3
P10
P50
Figura 3.8 Exemplo de sinal discretizado da Sensação Instantânea de flicker (Sf) com 1000
amostras e histograma de distribuição [Prodist].
Por exemplo, para modulação senoidal de 0,125% em 8,8Hz, deve resultar Sf
constante e igual a 1 pu e portanto todos os percentis assumem o mesmo valor, no caso, 1pu.
Com isso o PST resulta 0,714 (raiz da soma dos coeficientes). Para ser atingido o limiar de
irritabilidade é preciso ter Sf = 2 pu, pois nessa situação PST = 0,714 S f = 1 pu.
A figura 3.9 mostra os espectros dos sinais após passagem pelos diferentes blocos de
processamento (figuras a, b, c). O sinal de Sf, no tempo é mostrado em d). Notar que existe
uma pequena ondulação residual, característica do processo de filtragem de Sf.
A grandeza PLT (Long Term Probability) é definida como uma média cúbica de 12
valores consecutivos de PST (2 horas de medição) para expressar o efeito flicker para períodos
mais longos, de vários dias, para cobrir, por exemplo, o ciclo de carga semanal:
PLT =
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3
1
12
12
∑ (P )
1=1
3
(3.2)
ST i
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Figura 3.9 Sinais nas saídas dos blocos 1, 2, 3 e 4 para uma modulação senoidal de 0,125%
em 9 Hz.
No Brasil, o GQEE (Grupo de Qualidade de Energia Elétrica) propôs à ANEEL uma
legislação aplicável para a chamada rede básica (operada sob responsabilidade do ONS) em
sintonia com os procedimentos estabelecidos pela IEC/UIE [12]. Os limites, atualmente
recomendados no Brasil, são expressos em termos de atendimento percentual, durante um
determinado período de observação. Esses limites são os seguintes:
Limites globais de severidade de flicker
PST95% diário
PLT95% semanal
Limite global inferior
1pu/FT
0,8pu/FT
Limite global superior
2,0pu/FT
1,6pu/FT
ou seja , admite-se violação durante 5% do respectivo tempo de observação. FT é o Fator de
Transferência que mede a atenuação de flicker ao se propagar pela rede desde o ponto onde
existe a carga perturbadora (forno a arco, por ex.) até a baixa tensão (220/127 V), onde o
fenômeno se manifesta através das lâmpadas. Valores típicos de FT são os seguintes:
Fatores típicos de transferência de flicker
Nível de tensão
Vnom≥ 230 kV
69 kV≤Vnom<230 kV
Vnom<69 kV
FT
0,65
0,8
1.0
3.5 Exemplo de medição de flicker
Os resultados seguintes foram obtidos em uma subestação em 138 kV, que alimenta
uma indústria siderúrgica com forno a arco de 50 MW. Havia reclamações de consumidores
sobre a ocorrência de flicker na região.
Os resultados dessa medição mostram que tanto o nível de PST como de PLT
ultrapassam o valor de 1pu durante quase 30% do tempo. Isto viola o limite aceitável para
essa instalação, confirmando as reclamações de consumidores das áreas próximas.
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Figura 3.10 Valores de PST medidos durante 24 horas em instalação com forno a arco [14].
Figura 3.11 Valores de PLT medidos durante 24 horas em instalação com forno a arco.
3.6. Formas de atenuar o efeito flicker
A atenuação do efeito flicker exige capacidade de controlar dinamicamente o nível de
tensão na presença das cargas variáveis responsáveis pelo fenômeno. Para isso utiliza-se
normalmente compensadores reativos com capacidade de resposta em até meio ciclo de 60Hz,
uma vez que o espectro de flicker vai até 30 Hz. Compensadores estáticos como o CCTCapacitor Chaveado a Tiristores tem sido usados para garantir o fator de potência da carga
variável, enquanto o RCT-Reator Controlado por Tiristores têm sido a solução mais eficiente
quando se trata de instalações com fornos a arco [4,15]. Reatores saturados também já foram
empregados, porém o seu uso aumenta o nível de perdas introduzidas no sistema [15].
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No caso de novas instalações industriais com cargas variáveis, para se evitar
problemas de flicker, deve-se prever já na fase de projeto do alimentador, um nível de curtocircuito no ponto de entrega da energia ao consumidor com pelo menos 50 vezes a capacidade
da maior carga reativa a ser chaveada. Dessa forma se estará limitando a máxima variação da
tensão local, que pode ser aproximada pela relação seguinte, baseada no equivalente de
Thevenin do sistema no ponto de entrega, ou seja:
Δ Vc ≅
Δ Qc
1
. 100 % =
.100 % = 2 %
Scc
50
(3.3)
onde: ΔQc corresponde à variação reativa da carga;
Scc corresponde à potência de curto-circuito local;
ΔVc corresponde à variação porcentual da tensão.
Essa mesma expressão também pode ser usada para estimar a capacidade reativa do
compensador a ser utilizado para atenuar as variações da tensão. Indústrias com geração
própria ou com compensadores síncronos, que em geral são usados para melhorar o fator de
potência da instalação, dispõem de controle da tensão local através do reajuste da excitação.
Além disso, essas máquinas síncronas aumentam o nível de curto-circuito local, contribuindo
para atenuar o problema de regulação da tensão reduzindo com isso o nível de flicker [15].
O Centro de Aplicações de Eletrônica de Potência do EPRI1 realizou testes de
cintilação em vários tipos de iluminação moderna. Observou-se durante estes testes a
característica de amplificação da cintilação luminosa, ou fator de ganho, devido a flutuações
de tensão. Testes adicionais mostram como inter-harmônicas (harmônicas não-inteiras) e
mudança na fase de harmônicas na alimentação podem causar cintilação em lâmpadas
fluorescentes, apesar de terem fatores de baixo ganho quando comparados às lâmpadas
incandescentes.
O fator de ganho é definido e calculado medindo mudanças relativas no nível de luz,
induzindo flutuações controladas de tensão. Ao controlar a magnitude e a freqüência das
flutuações de tensão, a resposta da lâmpada pode ser determinada usando um fotômetro. Se a
percentagem de variação de luz relativa é maior que a porcentagem de flutuação de tensão, a
lâmpada é dita ter um efeito amplificador, ou um fator de ganho superior à unidade. A Figura
3 mostra um exemplo de fator de ganho para lâmpadas incandescentes e fluorescentes.
Figura 3.12 Variação do “Fator de ganho” para diferentes lâmpadas.
1
S. Mark Halpin, R. Bergeron, T. Blooming, R. F. Burch, L. E. Conrad, T. S. Key, “Voltage and Lamp Flicker
Issues: Should the IEEE Adopt the IEC Approach?”, acessível em
http://grouper.ieee.org/groups/1453/drpaper.html
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As lâmpadas fluorescentes têm pouca inércia térmica e reagem mais rápido do que as
incandescentes. A constante de tempo para uma lâmpada incandescente de 120 V é de cerca
de 28 ms e para uma lâmpada de 230V é cerca de 19 ms. Uma lâmpada fluorescente típica
tem uma constante de tempo de menos de 5 ms. No entanto, como se observa na figura 3.12,
o fator de amplificação é muito menor na lâmpada fluorescente. A razão é que o circuito
eletrônico que alimenta o tudo de descarga é alimentado por uma tensão CC, obtida da
retificação da tensão da rede. As variações na tensão CA ficam minimizadas. No entanto, este
tipo de lâmpada se mostra mais sensível ao valor de pico da tensão CA, o qual é influenciado
pelas harmônicas e suas fases.
A figura 3.13 mostra uma situação em que a componente fundamental permanece
constante mas ocorre uma alteração na amplitude da 3ª e da 5ª harmônicas. Tais harmônicas
estão dentro do limite das normas (3% da fundamental). Sua variação pode ser causada, por
exemplo, pela alteração no ângulo de disparo de uma ponte retificadora ou de um RCT.
Observe-se que o limite tolerável de sensação de flicker é ultrapassado. Isto significa que
outros fenômenos podem provocar a cintilação luminosa, além da alteração na tensão da
componente fundamental.
Figura 3.13 Espectros e valor final de Sf para modulação em harmônicas (3%), produzindo
flicker acima do limite tolerável.
Bibliografia adicional
J. A. Pomilio and S. M. Deckmann: “Flicker produced by Harmonic Modulation”. IEEE Trans.
on Power Delivery, vol. 18, no. 2, April 2003, pp. 387-392.
International Electrotechnical Commission, "IEC 868 Amendment 1 (1990), Flickermeter,
Functional and design specifications," Geneva, 1990.
International Electrotechnical Commission, "IEC 868 (1986), Flickermeter, Functional and
design specifications," Geneva, 1986.
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International Electrotechnical Commission, "IEC 1000-3-3 (1994), Part 3: Limits–Section 3:
Limitation of voltage fluctuations and flicker in low-voltage supply systems for equipment
with rated current ¾ 16 A per phase," Geneva, 1994.
International Electrotechnical Commission, "IEC 61000-4-15 (1997), Testing and
measurement techniques—Section 15: Flickermeter—Functional and design specifications,"
Geneva, 1997.
Sakulin M, et al., “International Recommendation for Universal Use of the UIE/IEC
Flickermeter”, UIE XIII Congress on Electricity Applications, Paris, 1996.
UIE, "Flicker Measurement and Evaluation," Paris, 1986. Revised version (1992) available
from L'Union Internationale pour les Applications de L'Electricité, Paris.
James McKim, “The UIE Flickermeter Demystified”. Acessível em
http://www.ce-mag.com/archive/1999/mayjune/McKim.html#
S. Mark Halpin, R. Bergeron, T. Blooming, R. F. Burch, L. E. Conrad, T. S. Key, “Voltage
and Lamp Flicker Issues: Should the IEEE Adopt the IEC Approach?”, acessível em
http://grouper.ieee.org/groups/1453/drpaper.html
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