Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006
O Processo Natural de Comunicação Humana: a Emergência da Linguagem1 .
Adenil Alfeu Domingos
Universidade Estadual Paulista de Bauru2
Resumo
A visão mais generalizada que se tem da comunicação humana pela linguagem esteve
sempre ligada a uma demiurgia platônica. Seria por meio dela que o homem não só
percebe, conhece e explica os objetos, ao retirá- los do caos (nebulosa de Saussure) em
que se encontram no pensamento, dando- lhes um determinado sentido, como também,
esse mesmo homem destacar-se- ia dentre os demais seres vivos. Por essa visão topdowm da comunicação, homem e deuses se interligam pelo sopro da palavra. Tenta-se,
aqui, inverter essa visão, partindo de um princípio evolucionista da linguagem, segundo
o qual ela teria acontecido por Emergência, de um modo botton-up, como produto da
capacidade do corpo humano naturalmente produzir sons e organizá-los em sistemas.
Palavras-chave: comunicação; epistemologia; emergência; semiose; linguagem
Introdução
Objetiva-se aqui tentar inverter a visão comum que se tem do processo de
linguagem humana, considerando-o cientificamente, não de um ponto de vista topdown, mas como um produto que emerge de sistemas de elementos naturais em um
movimento botton-up. A faculdade humana de emitir sons para se comunicar pode ser
muito antiga, mas a capacidade do homem servir-se de mensagens lingüísticas
codificadas parece ser muito recente. No corpo humano, não há um aparelho específico
para se produzir a fala. O homem adaptou órgãos específicos de outras funções como a
respiratória, para esse fim. Para tratar dessa evolução, considera-se, portanto, como
ponto de partida, para as reflexões feitas adiante, o aparecimento dos hominídeos,
acerca de 2 milhões de anos e sua evolução para homo sapiens, tal como ele é
conhecido no presente. Por certo, foi dentro desse espaço temporal que o homem
percebeu-se biologicamente apto para falar. Assim, deu-se-lhe, nessa época, o
desenvolvimento progressivo da função cerebral ocorrida em estreita consonância com a
bipedia e a libertação da mão, que lhe permitiriam o aumento do volume do cérebro, a
1
Trabalho apresentado ao Seminário de Temas Livres em Comunicação.
2
Doutor pela Unesp de Assis em Teorias da Literatura e Literaturas comparadas - 1995
Professor de Semiótica e Teorias da Comunicação do Curso de graduação de Jornalismo e Relações
Públicas e Professor de pós-graduação de Comunicação Midiática da Unesp de Bauru.
Coordenador do grupo Getesp – Grupo de Estudos de textos de Semiótica Peirceana
[email protected]
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par do desenvolvimento de órgãos fonadores e da mímica facial entre outros fatores em
correlação. Mais recentemente, a imprensa mundial divulgou até mesmo a descoberta
do gene da comunicação, o FOXP2 no cromossomo 7, que regularia os movimentos da
mandíbula, o que possibilitou a capacidade da fala humana, conforme declarações de
WOLFHANG e PÄÄBO,(2002: 869-872) 3 , em consonância com outros cientistas que
estão tratando da questão.
Para base teórica das idéias a serem aqui desenvolvidas dando à linguagem
humana um desenvolvimento natural, tomam-se as idéias de sistemas regidos pelo
princípio de Emergênc ia defendido por JOHNSON (2003). Segundo ele, elementos
relativamente simples se organizam para formar sistemas complexos, inteligentes, autoadaptáveis como colônias de formigas, cérebros, cidades, softwares entre outros. É
nesse mesmo ponto de vista, que se coloca, a seguir, a linguagem verbal como um
produto natural de emissões sonoras compostas pela caixa de ressonância do corpo
humano. Os sons da linguagem verbal aparecem, por certo, no processo natural de
respiração do corpo, ou seja, quando a corrente de ar sai dos pulmões e, ao passar por
determinados órgãos (boca, laringe, traquéia, fossas nasais, cordas vocálica), produz
diferentes ressonâncias. Esses sons teriam sido captados identificados e distinguidos
entre si pelos ouvidos humano, dentro de determinadas faixas de freqüência. Para que
servissem como signos, no seu uso cotidiano como comunicação, esses mesmos sons
foram, então, naturalmente selecionados e organizados em sistemas lingüísticos,
passando a possuir características, identidades e funções próprias de comunicação.
Tornaram-se objetos distintos de um todo como quaisquer outros e relacionaram-se com
outros objetos de modo metonímico, ou indicial, no cérebro humano.
Não se pode, porém, pensar em um momento preciso da história do homem em
que essa operação tivesse acontecido. Pode-se, sim, pensar em um processo paulatino e
evolutivo desse desenvolvimento, que ainda continua sua expansão, pois, toda língua
como objeto vivo, tem sua concepção embrionária inicial, nasce, cresce e desenvolvese, como todo e qualquer objeto que, ao desenvolver-se, multiplica-se ou é assimilado
por outro mais poderoso. Ela transforma-se, mas jamais desaparece por completo
passando a presentificar-se em novos signos. Com a premente necessidade de viver em
3
Conforme publicações da Revista Científica Nature e reproduzidas na Scientific América Brasil
(Revista semanal) 26 a 31 de Agosto de 2002, tratando dos estudos feitos no Instituto Max Planck de
Antropologia Evolutiva de Leipzig, com participação do Welcome Trust Center for Human Genetics de
Oxford.
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sociedade, o homem percebeu que os sons por ele produzidos, embora possuíssem
diferenças de produção e recepção de indivíduo para indivíduo, poderiam, por
abstração, tornarem-se comuns e comunicarem informações úteis ao bando. Como a
presença do objeto no espaço percebido, impondo-se ao homem com sua forma e
estrutura, como um estímulo exterior, a primeira apreensão do mesmo se dá por
iconicidade, ou seja, a similaridade entre objeto e sua representação, feita in loco, diante
do objeto em si. Posteriormente, em relações interiores entre dois perceptos iconizados,
percebe-se a possibilidade de interação metonínica entre eles, gerando os índices.
Assim, a linguagem verbal não é senão um produto do natural de relações de elementos
de um sistema de objetos e a mente humana que os relaciona com os sons que produz
com funções representativas, na presença ou ausência dos mesmos. Certos conjuntos de
sons, espécie de células desse organismo, foram, então, sendo relacionados com
determinados objetos, como, por exemplo, os gritos-avisos ao demais membros da tribo
da presença do predador ou da caça. Desse modo, nasce a relação som/objeto. Os
fonemas aparecem como conseqüência desse mesmo ato diferenciador e criador de
defasagem entre objeto e som, o que permitu o corte do cordão umbilical dos fonemas
com os objetos representados.
Desse modo nasce também o nome que representa o objeto. Nesse momento
primeiro, o nome parece ter sido a produção de uma espécie de rótulos onomatopaicos
dos objetos, ou algo muito semelhante, sem nenhum convencionalismo nem
arbitrariedade. No entanto, era um discurso redutor que necessitava de expansão, dando,
então, origem a orações e textos. Assim, também nascem, os conceito dos mesmos,
como necessidade premente de identificação cada vez mais precisa do que está sendo
representado no signo, pois percebe-se a defasagem entre a seqüência sonora e o seu
referente. Aparecem, então, os qualis identificadores personificando não só os objetos
entre si, os sinsignos de Peirce (1972) mas também, suas classes gerais, universalizadas,
então, como legisignos.
Possivelmente, os primeiros tratados científicos fossem enumerações de objetos,
como estrelas, sol, lua etc. Depois, ao se perceber as características identificadoras e
individualizadoras desses mesmos objetos (os sinsignos, como existentes na realidade)
e, posteriormente, as relações existentes entre eles, geraram-se os conceitos
generalizantes como hoje os conhecemos. Sempre relacionando fatos observados, o
homem começa a procurar causas e conseqüências e, portanto, começa a pensar. Foi por
meio da linguagem codificada, portanto, produto de inferências, que o homem sapiens3
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sapiens se tornou um ser capaz de usar símbolos. Assim sendo, pode o homem inferir,
então, que comunicar-se verbalmente não era senão um dos meios fundamentais de sua
sobrevivência em sociedade.
1. A Visão Clássica Top-down da Linguagem
Após as recentes pesquisas dos etólogos e geneticistas, bem como de modernas
tecnologias que estudam a mente humana de modo científico recolocou-se, na pauta do
dia, a discussão entre o Criacionismo e/ou Evolucionismo. As bases de defesa do
primeiro continua ram centradas essencialmente em idéias platônicas e de textos bíblicos
em uma espécie de verdade ditada por métodos autoritários. Com caráter eminente de
uma linguagem mediada entre deus e os homens, os textos dos apóstolos e uma mente
superior criadora de mundos por meio de verbos; o princípio de crença é topdowm, e a
verdade é ditada pelo poder do ser que se diz representante demiurgo dessa mente que
está acima de tudo. Opondo-se a essa idéia, aparece o Evolucionismo ou
Transformismo, doutrina de Lamarck e Darwin. Para esses cientistas, há provas
suficientes da evolução natural e progressiva das espécies. Assim, elas se derivariam
uma das outras em transformações naturais. Essa idéia passou a expandir-se, hoje,
atingindo quaisquer sis tema composto de elementos, como os signos. A idéia de
evolução parte do princípio de que o desenvolvimento dos seres é a diferenciação,
seguida de uma integração, formadora de sistemas como o solar, espécies químicas,
seres vivos, faculdades intelectuais, instituições sociais, passou a se opor a filosofia do
eterno e imutável concentrado em uma mente superior, como origem de tudo. Desse
esquema não escapa a linguagem verbal com seus signos em constante transformação.
Até os fins do século XIX, porém, predomina a visão clássica da linguagem,
ligada as idéias platônicas do mundo das idéias separado do mundo físico em que ela se
dá. Se o ponto de vista determina o objeto, a linguagem humana top-down,
principalmente no Ocidente, continua ainda relacionada a uma visão de poderio
criacionista. Seres primordiais da construção do universo, os deuses, teriam capacidades
que extrapolariam o mundo físico: seriam entidades espirituais, o que lhes permitia se
servirem da linguagem como instrumento capaz de criação. Os deuses, em sua grande
maioria, foram vistos não apenas como criadores de mundos pela palavra, mas criaturas
ideologicamente criadas por palavras, como entidades onipotentes, onipresentes e
oniscientes e com régios poderes sobre os destinos de todo o universo. A criatura mais
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nobre dos deuses seria o homem, criado à sua imagem e semelhança, que, embora
submisso aos seus desígnios, fora agraciado com o poder de reinar sobre os demais
seres. Esse foi o modo teogônico de explicar a arque grega que tentava evitar a
regressão do aparecimento do universo ao infinito, encontrando, assim uma explicação
da sua causa primeira. Desse ponto de vista, deuses e homens, capacitados de
engenhosos cérebros, distanciar-se- iam, sobremaneira, não só dos demais seres vivos,
como também do universo como um todo. Os homens viram-se, então, como
privilegiados expectadores do grande cenário do universo e portadores de um cérebro
que poderia ex-plicá- lo. Entenda-se “explicar” aqui como sendo um vocábulo composto
pelo prefixo grego eks- significando 'fora de’ e o latino ‘plicare’ com o sentido de
dobrar e multiplicar mundos por meio das palavras. Essa visão contraria a holística
moderna que considera o homem como simples parte de um todo, ou seja, um ser ‘im +
plicado’ em um sistema maior, do qual depende para sobreviver, influindo e sendo
influenciado pelo mesmo. Esse ponto de vista é fundamental para diferenciar a visão
semiótica da linguagem como algo natural da visão lingüística platônica da aparência
dos seres que ela representa.
A idéia da linguagem como produto racional inspirado pelos deuses, de modo
dionisíaco ou apolínio, não considerou que o homem nem sempre foi um falante. Não
leva em conta que o aparelho de fala humano é apenas uma adaptação de órgãos do
corpo que servem a outras funções como, por exemplo, respiração, deglutição. Esse
tempo de adaptação é prova evidente que, antes da língua ser um sistema organizado,
houve um processo de concepção dos elementos básicos da linguagem, ou seja, a
produção do jogo de xadrez: do tabuleiro, suas peças e regras de jogo. Só
gradativamente vai se constituindo um sistema lingüístico, no próprio uso da caixa de
ressonância do ar inspirado e expirado que trafega em nosso corpo. Nenhum desses
elementos brotou como um “passe de mágica” vindo do nada, mas foi um produto
naturalmente constituído passo a passo, em um processo de evolução bottom-up. Dado
uma série de fatores que vão desde os biológicos aos sociológicos, dos grunhidos aos
fonéticos, dos gestuais aos verbais, os sons começaram a ganhar a primazia na
comunicação humana e a servir o homem ao substituir o objeto presente diante dos
sentidos pelas projeções desses mesmos objetos na memória humana quando distantes
dos mesmos. Esse ato, que se tornaria inexplicável fisicamente, passou a ter relações
com as ações de criação divinas, tornando presente algo inexistente, como se o objeto se
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presentificasse no mundo interior e aparecesse na fala, agora como representação do
mesmo.
A visão diádica de signo segundo SAUSSURE (1973), simples relação no
cérebro humano de significante/significado, é nitidamente influenciada pelo idealismo
platônico dos arquétipos: os objetos reais seriam cópias imperfeitas e menos reais, de
formas imutáveis e eternas que estariam no mundo das idéias, gerando até certo poder
apriorístico do conhecimento humano de mundo, e os signos, como seus representantes,
sempre estariam em defasagem com o objeto do mundo nele representado. Saussure dá
ao signo lingüístico, ainda, o poder de tirar esse mesmo objeto da nebulosa amorfa
(1973:130) no pensamento. Dar sentido (direção) ao objetos do mundo, seria o ato
humano de dar significado a uma forma lingüística interior, capaz de gerar conceitos
metafísicos, tirando, desse modo, a idéia do objeto do caos das idéias amorfas interiores
entre as quais ela existia. Esse modo de ver pararealidades ex-plicadas como produto de
linguagem foi, por essa platonicidade das idéias, transportada para a imagem icônica e
suas relações indiciais, já que, primeiramente, o objeto deve ganhar um sentido
lingüístico verbalizado para depois presentificar-se no mundo interior do sujeito
pensante. Por isso, o homem desconfia da presença da realidade sensível nos universais
projetados no pensamento. Assim sendo, o real jamais estaria na linguagem em si, já
que esta é mera representação defasada daquele. Essa idealização de modelos criados
pela mente lingüística humana divo rciada da realidade em si favoreceu o nexo de
imanência entre os seres e a consciência, em que o pensamento escapa do domínio dos
sentidos. É nítida, portanto, a influencia de Platão na Lingüística, para quem contemplar
a idéia de verdade, bem e beleza é penoso, mas compensador e nesse (ad) mirar é que os
seres existem em excelência, por si mesmos. Daí, também, a idéia de alma, originária no
supraceleste, contemplando amorfidades transcendentes, espiritualizadas, irreais que são
as idéias e que o ato de encarnar na memória humana apenas vaga lembrança do mundo
anterior. Tais idéias passam a Plotino, atravessam a Escolástica e, ainda hoje, dão à
linguagem humana o poder de estar além dos sentidos e da realidade apreendida por
eles.
O ponto de vista epistemológico da linguagem centrado na idéia da supremacia
da mente humana sobre os demais seres do mundo, incapazes de falar vê o homem
como o único ser produtor de cultura, capacidade que os demais seres não possuiriam.
Assim, própria linguagem passa subdividir até mesmo os seres humanos entre si. Ela
torna-se um instrumento de poder dentro da própria espécie separando os cultos dos
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vulgos, por regras de linguagem determinadas como normas padronizadas, em que um
poder institucionalizado norteia as regras das mesmas. Só os “eleitos” teriam poderes
institucionais de salvar ou condenar, promover ou demover, ao servirem-se da palavra
culta. O vulgo é visto, então, como ser incompetente, obrigado a executar tarefas de
sustento não intelectivas e de menor importância social como os trabalhos braçais.
As diferentes visões da Lingüística, em geral, não consideram, também, que o
homem também possua pensamentos instintivos e comunicações sinestésicas, aquém ou
além das palavras, pois tudo está anteriormente determinada pelo recorte do objeto pela
linguagem, retirando-o do caos. Assim sendo, o mundo só aconteceria como aparências
em um cérebro privilegiado e não como realidade de modo natural, como na verdade
acontece. Como produto cultural ou divino só os deuses e os seres humanos, portanto,
seriam capazes de produzir símbolos e criar mundos, por meio da linguagem, criando a
dicotomia de um corpo (material) separado de uma alma (espiritual).
Historicamente, há mais ou menos 15.000 anos, aparecem os idiomas indoeuropeus, advindos principalmente do Sânscrito. Entre eles está o grego e o latim. A
gramática sânscrita desenvolveu-se em torno de uma visão fonética, com o objetivo de
manter a pureza dos Vedas em orações bramânicas ou budistas. Os diálogos entre
mestres e discípulos sobre o conhecimento do Ser Absoluto, eram feitos de acordo em
ininteligíveis aforismos mnemônicos, que elevariam o espírito além das realidades
terrenas, não só apagando da mente experiências cotidianas passadas, como sintonizaria
seu falante com esse Ser. A emissão dos fonemas seria mais perfeita e eterna quanto
mais
se
afastasse,
de
modo
progressivo,
da
linguagem
do
cotidiano,
e,
conseqüentemente, da mente prática. A gramática deveria fixar as regras da perfeita
produção do fonema, a justeza na sucessão dos sons articulados que fazem surgir os
sentidos, para que essa emissão pudesse conduzir o homem à salvação. Esse modo de
encarar a linguagem não só cortaria o cordão umbilical das relações do pensamento com
o mundo, como tiraria do sujeito do conhecimento o processo de evolução da própria
linguagem. A fala seria sagrada e a escrita, sucedâneo de uma tradição vocal, não seria
senão uma ajuda à memória. Isso talvez sirva para explicar, também, a distinção de uma
linguagem fonética ocidental da ideogramática oriental, cuja filosofia comunga homem
e universo como um todo.
No Egito, o Deus Celeste (Rê) convidara Toth para ser seu escriba, dando- lhe o
nome de Thot-Séti-Rê (o representante de Rê). Ele poderia punir os rebeldes servidores
que enraiveceram o coração de Rê. Thot tornara-se senhor das sabedorias e das falas
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divinas, o escriba dos deuses, produtor de poemas, por conhecer segredos e mistérios.
Ele foi adorado como apaziguador, pois suas palavras traziam harmonia ao povo. Não é
por acaso, portanto, que a etimologia da palavra poesia na Grécia está ligada com a
idéia de construir mundos por meio de palavra, assimilada à Língua Ptah dos deuses.
Estes criariam os seres humanos, produzidos pelas palavras de Ptah ou modelados no
torno do oleiro, e seu espírito se conservaria enquanto existisse seu suporte físico. Essas
idéias os levam à mumificação dos corpos e sua deposição em tumbas suntuosas.
Na Grécia, Hermes era tido como o pai das ciências pela sua sabedoria. Aliás,
existem confusões entre Toth e Hermes Trimegisto (três vezes sábio). Citado na
Odisséia, VIII, 335, como filho de Zeus e seu mensageiro entre os homens. A grande
tarefa de Hermes era ser “intérprete da vontade de Deus” entre os homens (Cf.
BRANDÃO,1991:550). Assim, essas idéias logo se estenderiam a outros centros
religiosos e se integrariam à cosmogonia de muitos povos.
Os filósofos gregos não deixaram de criar suas versões sobre esse tema.
Heráclito (550 a 480 aC) iria considerar que “O mestre, cujo oráculo está em Delfos,
não diz, nem cala, mas significa”, atribuindo, assim, a virtude de significar a deus, o
único capaz de animar as palavras (cf. fragm. 92). Ele concebe o “Logos Eterno”
através da sua manifestação fonética. No fragmento 1, ele assegura que a fala humana
que distingue objetos segundo sua natureza específica, tentando defini- los, manifesta a
ausência de sabedoria, já que ela é incapaz de dominar o Logos, segundo o qual todas as
coisas acontecem. Vivendo na aparência (fragm. 17) os homens são incapazes de saber
e dizer, pois o Logos é o pensamento e a fala, indissolúveis do Um. Por isso, Heráclito
considera que só o devir, a metamorfose, a transformação é concreta, onde estaria o
todo em dinamismo absoluto, enquanto os contrários seriam frutos da ignorância
humana, em determinar individualidades. Assim, o Logos é ignorado, pois o
pensamento individual é ilusório e o tema da participação da fala no Logos, ou de sua
irremediável alienação, é propriamente metafísico, senão teológico. Essa primeira
apreensão conhecida do fenômeno significante, no pensamento grego, condensa uma
semântica ou lingüística em um dinamismo ontológico unificante.
Heráclito fora o mestre de Crátilo. Este, por sua vez, fora o primeiro mestre de
Platão - 428/27 a.C. - 347 aC. Crátilo passaria ao seu discípulo versões distorcidas do
pensamento de Heráclito, pois tomou deste apenas a doutrina do fluxo essencial de
todas as coisas, sem interpretá- las como um Logos, fogo sempre vivente e uno. Em vez
disto, reduziu tudo a um instantismo inteiramente mobilista, o que levou Platão a
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considerar os heraclitinianos como loucos, como no Teeteto 179 e. É que Heráclito
considerava não ser possível pronunciar o nome das coisas, já que elas seriam outras,
quando se terminasse de dizer a palavra. Importaria, para ele, limitarmo- nos a apenas
indicá- las com um sinal natural, como um som, ou como um movimento instantâneo do
dedo.
Assim sendo, a idéia de criacionismo dos deuses passa aos sábios, poetas,
teóricos, oradores, nobres e políticos procuram conservar a idéia de sujeitos
privilegiados entre os demais, como demiurgos em cumprimento de missões.
Consideram-se sujeitos eleitos entre os demias por possuírem uma inteligência superior
e serem capazes de intermediarem a linguagem criada por uma mente superior e
espalhá- la entre os homens. Não é por acaso que certas etimologias de vocábulos usados
pelos chamados pensadores da humanidade estão ligadas à deificação. Desde
Aristóteles, registra-se a idéia de “teorizar” como ‘ad+mirar’ algo com o pensamento,
contemplar. Pela teoria 4 o ser humano se aproxima de deus (theos), a que ele ama e
contempla. Do mesmo modo, a palavra ‘entusiasmo’liga-se à idéia de estar embebido da
comoção profunda da sensibilidade recebida por inspiração divina. Assim, também, a
idéia de poiesis como criar mundo pelas palavras fundamenta toda a criação literária.
Exemplos nesse sentido são inumeráveis, mas bastam alguns para mostrar essa ligação
com contundência.
2.A Visão da Linguagem como Emergência
Quando se coloca a idéia criacionista em xeque, tira-se o pedestal que o homem
construiu para si, por meio da linguagem e esta passa a ser vista como objeto natural.
Parte-se, para tanto, do princípio que o universo está em expansão constante, e que o
big-bang foi o momento desencadeador dessa mesma expansão. Se se pudesse fazer o
processo inverso e retornar no tempo criado pelo ponto de vista humano sobre o
universo por meio da linguagem, por certo, voltar-se-ia, não só a uma fala primordial,
mas também, ao momento desencadeador de tudo, conhecido como big-bang. O
homem, desse ponto de vista, estaria virtualmente como possibilidade e potencialidade
de existir, como todos os objetos ora existentes, nesse ato fundador. Pensa-se, assim,
que o homem é um produto que também aparece botton-up na face da terra, há pouco
4
cf o dicionário Houaiss - gr. theóría,as 'ação de observar, examinar; estudo ou conhecimento devido a
raciocínio especulativo', pelo lat. theorìa,ae 'investigação filosófica, p.opos. à prática
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tempo, da evolução natural, sendo a tinta que se passou no teto do último andar desse
edifício com centenas de andares.
Vendo a linguagem como algo natural, substância sonora ou gráfica, ela é objeto
produzido a partir da substância de objetos do mundo colocados em forma. A linguagem
está nessa formatização e não na sua substância, dizia a glossemática de Hjelmslev.
Assim, a definição de signo lingüístico saussuriano recebia um complemento pela visão
de Hjelmslev (1975). Para esse lingüista, a parte material da língua ou expressão, é
formada de substância sonora (fonética) que só se transforma em fonemas (unidades
distintivas de significados) ao se “en- formar” em unidades com características próprias,
dentro do sistema. De modo aproximativo, na visão do processo de Emergência, podese inferir que, dentre os infinitos sons que o aparelho de ressonância humano pode
produzir, só alguns sobreviveriam para constituir as peças do sistema da língua,
evitando, portanto, a entropia do mesmo. Esse mesmo processo deve ser considerado
em relação ao sentido (significado) dado a esses mesmos signos, também como frutos
do uso.
A Lingüística, em um nível profundo, considera, porém, a linguagem como algo
além dos objetos, ou seja, na relação interior feita entre a forma da expressão e a forma
de conteúdo, produzindo sentidos psicológicos. Se, nesse modo de pensar, a linguagem
é um sistema que dá formas a outros sistemas ao transformá- los em linguagem, tirandoos do caos nebuloso em quer encontravam, como a linguagem passou a ser vista como
sistema por ela mesma ? Sabe-se que as idéias de Hjelmslev têm em sua base a
lingüística estruturalista de linha saussuriana que considera a linguagem como o único
sistema capaz de servir de meio organizacional de outros sistemas. Assim, formar-se-ia
o léxico, com valores definidos, ou conceituados pela razão humana. Era preciso,
porém, pensar o objeto para que ele passasse a existir, princípio eminentemente
cartesiano. Por esse modo de pensar, a linguagem também se encontrou no meio do caos
e dele se formou. Logicamente, então, como entender o esse deslindar do limbo da
própria linguagem? Parece que a essas perguntas o saussurianismo não deu atenção e a
linguagem em si permanece com uma visão advinda da inspiração de uma mente
superior.
Na verdade, a metalinguagem, os conceitos e valores das palavras na linguagem
nascem do seu uso e não do conceito dicionarizado, assim como se valoriza e se
conceitua todos os objetos naturais. Como o homem valoriza positivamente o ouro em
detrimento aos demais metais que encontramos, não só pela sua beleza e pela
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dificuldade de encontrá- lo na natureza, mas pelo uso que dele fazemos em nossa vida,
também passamos a valorizar dar o valor dos signos da linguagem, ou seja, criando as
significações a partir das diferenças nas relações entre signos e objetos. Os conceitos
são, portanto, inferidos de uma pragmática em torno dos objetos, como produtos de
nossas experiências e necessidades. Foi primeiro como instinto e posteriormente como
reflexão, passagem gradativa e semiósica, sobre os objetos relacionados aos signos da
linguagem que o homem percebe a substância sonora transformada em um objeto de uso
de comunicação lingüística verbal humana. Dentre as centenas de possibilidade de
produção de sons do aparelho fonador humano, certos fonemas foram selecionados em
detrimento aos demais, por motivos de uso: facilidade de produção e recepção,
facilidade de diferenciação entre os demais, intensidade tonal e assim por diante. Não é
por acaso que Saussure, em 1872, (ver LOPES, 1997:56 a 58) conhecedor de francês,
alemão, inglês, latim e grego, escreve seu “ensaio para reduzir as palavras do grego e do
latim e do alemão a um pequeno número de raízes”. Saussure não só afirmava existir
um nove raízes bi ou triconsonantais como P – T – K, mas também que era viável
construir esquemas fonéticos de base, ligados com valores culturais. Ele encontrara
numerosas provas que R – K eram não apenas raízes da língua, como eram fonemas que
indicavam prepotência ou potência violenta como em rex, regis, Rache, rügen, etc.
Lopes cita também Pierre Guiraud que postularia a existência de uma relação
psicologicamente motivada entre determinado campo semântico e determinada matriz
consonantal, em que t e K, corresponderia ao proto-semantema da “idéia de golpe”:
toque, taco, ticar etc., enquanto Jakobson trataria da existência da correlação entre as
dimensões relativas do plano de expressão e do conteúdo, como o singular, em geral,
sendo mais breve, enquanto o plural teria o seu plano de expressão mais longo.
Enformada em fonemas nos sistemas das linguagens que passaram a significar na
linguagem em relação aos objetos que determinaram suas origens, já que não há idéia
humana que não tenha o mundo dos objetos como parâmetro inicial. O abstrato é
inferência do concreto, como a linguagem. Assim, toda linguagem é inferência e o
objeto está no nascedouro de qualquer pensamento criativo. Só pode pensar o
Minotauro, a mente que conhecera touro e homem. Nada nasce, enfim, a não ser de algo
já existente e produzir o novo não é senão ligar ou distorcer elementos existentes antes.
Nas ciências da linguagem, em geral, ainda hoje, o signo continua sendo visto,
de modo ideológico, como entidade psicológica, abstrata, desconsiderado até mesmo
como um objeto entre os demais objetos, pois serem entidades abstratas cerebrais, ou
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seja, construídas no mundo interior cérebro. Essa mesma visão vai corroborar com a
idéia de que os signos lingüísticos não representam objetos do mundo, mas sim, idéias
sobre esses objetos, em uma visão bastante platônica do processo de percepção. Além
disso, os objetos do mundo foram considerados como extralingüísticos. Ícones e
Índices, no sentido peirceano desses termos, só existiriam para os lingüistas como
linguagem humana, depois que fossem detectados e transpostos em conceitos pelo
simbolismo da linguagem verbal, em que o signo não é senão produto de uma
convenção, não motivado e arbitrário. Todas essas nuanças da epistemologia do signo
lingüístico partem do princípio que o signo lingüístico é fabricado pela racionalidade do
cérebro humano e, portanto, algo que acontece fora do mundo dos objetos, ou seja, no
mundo interior de cada ser pensante.
As idéias de um sistema naturalmente emergente da linguagem, como foram
sendo colocadas antes, vai na contramão do princípio do signo psicológico da
lingüística. Elas abrem a possibilidade de entender a comunicação humana uma prática
relacional entre mentes e objetos, inteiramente depenente da realização da experiência
do homem com seu entorno. A verbalização do mundo, do qual depende todo
pensamento humano, em que tudo é signo, passa advir da apreensão pelos sentidos
(podendo, então, ser sonoro, rítmico, gustativo, olfativo etc.) de um objeto apreendido,
em primeira instância, na relação do corpo com o mundo exterior e interiorizados de
modo empírico. O novo nasceria da recombinatória de elementos apreendidos e
transformados pela mente. Não há idéia que nova que não tenha alguma correlação com
as experiências dos objetos do mundo, em seu nascedouro. Daí o sinquenismo de Peirce
(CP 7.565), tendência de encarar tudo como contínuo e semisose, em que um signo gera
outro de modo infinito. Como vimos, a possibilidade de retrocesso desse sistema dar-seia no big-bang, onde tudo já existiria em potência. Para esse mesmo semioticista, os
tiquismos, ou acasos, provocariam combinatórias inesperadas, gerando, então, o novo,
inclusive o homem. Assim, é da correlação entre objetos é que nasce o novo e a palavra
grega semion parece ter íntima relação com sêmen e semente.
Modernamente, ao se perceber a insuficiência da dualidade corpo/espírito para
explicar não só a linguagem em si, mas também a consciência humana e suas
capacidades metafísicas, procura-se entender a mente humana como um objeto gerado
entre objetos naturalmente integrada no mundo físico, como nítida postura naturalista,
decorrente das idéias semiótico-pragmaticista naturalista de Peirce. São as idéias de
pensadores como Austin, Quine, Putnam, Davidson, Kim, Rorty e Searle que vão nos
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interessar mais de perto. AUSTIN (1970) tratará de enunciados constativos que são, sob
o ponto de vista lógico, verdadeiros ou falsos, e performativos, os que permitem realizar
certo tipo de ação por contratos de fala. Os pragmáticos da linguagem, porém, na linha
de SEARLE (1983), naturalista e realista rigoroso, continuam a defender o princípio de
que o ato de fala humano é produto de uma intencionalidade, condicionado a virtudes de
assunções contextuais que possibilitam o processo interpretativo. Para QUINE (1960), a
utilização do vocabulário intencional desempenharia um papel nas práticas sociais, em
que expressões como "acredita que" e deseja que" ajudam a predizer comportamentos,
situações. Após defender um funcionalismo da mente como sistema computacional,
seguindo seu mestre Putnam, FODOR (1975), quinze anos mais tarde, dizendo-se
realista, passou a defender a idéia de um externalismo, ou seja, a idéia de que os
processos internos do cérebro não são suficientes para determinar o conteúdo mental,
sendo necessário é considerar a relação entre mente e mundo, já que não há idéia que
não nasça dessa relação, havendo literalmente estados intencionais, capazes de agir
sobre o mundo de modo causal. A idéias de DENNETT (1997), caminham entre a
filosofia e as ciências cognitivas, sendo um nome popular entre os neo-darwinistas e
analisa a evolução da intencionalidade a partir da evolução das espécies. Assim, a
própria idéia de intencionalidade passará a ser tomada dentro do processo de evolução
natural, como um fenômeno que se desenvolveu ao longo do tempo, de sistemas mais
grosseiros a sistemas mais complexos, não havendo uma forma de intencionalidade
tipicamente humana, como crêem os realistas. Essas idéias, entre outras, não deixaram,
porém, de considerar o homem como o centro do processo de linguagem, sob um ponto
de vista ainda preso a idéia platônica do signo como produto interior psicológico. A
visão de Emergência da Linguagem, como foi proposta aqui, considera toda a semiose
como produto naturalmente existente nas relações entre A e B, gerando C, como
produto novo, que não é senão o interpretante de Peirce.
Balanço Geral
A idéia de Emergência da linguagem abre possibilidades de se pensar a
comunicação dos ícones e índices como instantes anteriores à própria verbalização, não
só antes da existência da linguagem codificada em si mesma, mas como relação vigente
e constante no processo de percepção/cognição do mundo. O signo verbal não seria
senão um objeto entre objetos, nascidos de uma relação semiósica de elementos A e B
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que geram um novo elemento C, conforme a noção de signo triádico de PEIRCE (1972).
Esse semioticista consideraria, posteriormente, essa relação lógica como base de todo
sistema de produção de signos, abrangendo, assim, todo pensamento, verbal ou não,
como produtor de semiose. A percepção de imagens, diagramas e suas relações foram,
tomadas por ele não só como atos de percepção anteriores ao pensamento simbólico,
mas a este integrados em somatória. Aqui estaria o pensamento em primazia dos
designers, dos pintores, dos arquitetos, entre outros que têm nitidamente um pernsar
diagramático das imagens percebidas. Pode-se incluir aqui até mesmo o pensamento de
poetas e publicitários para quem a palavra é um objeto a ser medido e esquadrinhado.
Desse ponto de vista epistemológico, vê-se a linguagem humana como um
sistema, emergiu de elementos naturalmente existentes, em relações naturais de uso. Só
posteriormente a linguagem foi se gramaticalizando e os conceitos lingüísticos sendo
dicionarizados. Se apenas os sons mais usados do sistema se transformam em fonemas
eleitos por algum motivo, como por exemplo, facilidade de produção, assim também os
conceitos foram sendo identificados dentre as inúmeras possibilidades do homem dar
sentido ao seu entorno e construindo sistemas de significação.
Isso condiz com o princípio de seleção das espécies de Darwin em que o mais
forte prevalece sempre sobre os demais. Estes, então, em geral, desaparecem. Como a
norma culta é sempre vilipendiada pelo uso, infere-se que o mais forte, nesse processo
de seleção é a regularidade e a simplicidade. Não é por acaso que em nossa língua, por
exemplo, aumentam os verbos de primeira conjugação diante da evidente estabilidade
ou mesmo decadência dos verbos de segunda e terceiras conjugações pelas
irregularidades que impuseram ao sistema. Assim sendo, foi sentindo a presença
iterativa de determinados sons correlacionados a certos objetos, constituindo palavras e
conceitos, também dentro de relações indiciais, é que o homem inferiu a linguagem,
saindo do concreto para chegar à abstração. Esta, por certo, é apenas um produto de
semiose, colocando a semiosfera em intermitente expansão, selecionando estruturas
fonéticas, lexicais, gramaticais, discursivas e assim por diante segundo as necessidades
de épocas e contextos. A produção de modificações no sistema se dá pela imperiosidade
de progressão do pensamento humano também em evolução expansiva. O que a
cosmologia de Peirce denominou de sinequismo, ou progressiva evolução do universo,
inclui, indefectivelmente, a expansão dos signos como objetos naturalmente existentes.
É no uso e na inferência que a língua é construída e desenvolvida, ou seja, na relação do
homem com os objetos que constituem seu entorno, de modo concreto e onde não há
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nada, nesse procedimento, de construções abstratas e espirituais. Essa seleção é
determinada por fatores como facilidade de produção, facilidade de identificação, maior
incidência de uso entre outros fatores, um processo semelhante à seleção de seres vivos
preconizada por Darwin em sua teoria da evolução.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSTIN, J.L.Quando dizer é fazer: palavras e ação Porto Alegre. Artes Médicas, 1990
BRANDÃO, Junito, Dicionário Mítico Etimológico vol. 1. Petrópolis, 1991, p. 550
DENNETT, D. C. Tipos de Mentes: Rumo a uma Compreensão da Consciência . Rio de
Janeiro, Rocco, 1997.
FODOR, Jerry A. The Language of Thought. Sussex, Harvest Press,1975
HJELMSLEV L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975
LOPES, E.. A identidade e a Diferença. São Paulo, Edusp, 1997
PEIRCE, C.S. Semiótica e filosofia . São Paulo, Ed. Cultrix, 1972.
QUINE, W.V.O. Word and Object. Cambridge, The MIT Press, 1960
SAUSSURE F. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1973.
SEARLE, John. Intentionality. Cambridge, Cambridge University Press, 1983
WOLFHANG E. et al. Molecular evolution of FOXP2, a gene involved in speech and language,
in Nature 418, August 2002, pgs. 869-872
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O Processo Natural de Comunicação Humana: a Emergência da