RÉBUS
leonardo araujo
#7
méxico, 1925
é que esse farol é alguém que foi embora.
e o mar que a gente entorna a cada gole,
é o veneno que colocamos pra dentro,
aos poucos,
em doses insalubres.
a gente sente ele rasgando a garganta,
e quanto mais rasga,
mais se vê o farol.
a gente bebe porque alguém foi embora.
esse mar inteiro que navego e engulo,
vomito em pedras.
o sal em pedras.
o sangue não filtra essa água toda,
você vai enferrujando por dentro,
num movimento proporcional
a uma viagem de uma âncora só.
alguém foi embora...
ALGUIEN LLORABA, NO MUY LEJOS
van holanda
a gente bebe pra lembrar,
pra esquecer todo o resto
que martela e encarna na pele,
como maresia.
leandra plaza
SCOTT
beatriz lemos
esse farol não precisa ser.
a gente para antes de chegar nele,
porque o vento vai tomando conta
de todos os porquês
que nos fizeram caminhar até ele.
esse vento úmido,
que pesa o cabelo,
que te gruda a pele,
o couro, o vazio.
esse grude só existe perto assim.
Scott come baratas. Mas isso não é um asco exatamente. Acaba sendo
sua diversão enquanto cuidadosamente limpa suas centenas de objetos.
Esse sim é seu hábito mais compulsivo. Todas as noites de suas estadias
em DF, México, Scott perambula pelas madrugadas da cidade atrás de
objetos antigos, esculturas perdidas e móveis de ferro enferrujados,
os quais rouba sorrateiramente, assim como seus hábitos alimentares.
Tudo se acumula em seu apartamento na calle Sterling, perto do metrô
Balderas, no centro da cidade. Lugar onde aloja suas baratas e, de vez
em quando, alguns estrangeiros. Scott vive nos EUA e visita o México
com certa frequência por causa de Zat, seu escondido amante. Entre
baratas e esculturas, Scott e Zat prometem o mundo todo. Um universo
que não ultrapassa aquelas janelas, santos, deuses, quadros, pinturas,
esculturas, livros, louças, remédios anti-décadas e velhos mantimentos.
Passam dias, semanas (uma vez, quase um mês inteiro) contando cada
item da casa. Fazem o inventário do mundo prometido deles. Guardam
todos de cabeça, mas também gostam das listas. Limpam e lustram
obsessivamente cada elemento dessa casa como um jogo de sedução,
como se fosse a primeira vez que se amassem: entre baratas.
ANTES DE TIJUANA,
mercedes torres
olivia ardui
maya dikstein
AS FÉRIAS DO ESQUELETO
leonora carrington tradução thais medeiros
lucas parente
O esqueleto estava feliz como um louco de quem acabam de tirar a camisa
de força. Sentia-se livre ao poder caminhar sem carne. Os mosquitos já
não o picavam. Não precisava mais cortar os cabelos. Não sentia fome,
nem frio, nem calor. Estava bem longe das teias do amor e da burguesia,
do leite das concubinas, do muco lunar. Os cogumelos mágicos que
cresciam nos meridianos já não ocupavam seus pensamentos. O professor
de química alemão, aquele que tinha planos de transformá-lo em um
delicioso ersatz, dinamite, geléia de morango, ou um sauerkraut com
salsichas...etc, teria que esperar por ele um bom tempo. O esqueleto,
afinal, tinha conseguido despistar sua presença colocando, no seu lugar, o
osso de um jovem zepellin - sobre o qual o professor atirou-se recitando
hinos químicos e cobrindo-o de beijos calientes, que sempre foram um
tanto incestuosos. A casa do esqueleto tinha fachada clássica e entrada
moderna. O teto era o céu e o chão, a terra. Era toda pintada de branco
e decorada com bolas de neve nas quais piscava um coração. Parecia um
monumento transparente que sonhava com um peito elétrico, e que, com
um sorriso doce e invisível, admirava a inesgotável fonte de silêncio que
envolve nossa estrela. O esqueleto não ligava pros desastres, mas, a fim
de sugerir que a vida também tem certos momentos perigosos, colocou
um enorme dado no meio do seu lindo apartamento, e ali sentava-se,
de tempos em tempos, como um verdadeiro filósofo. De vez em quando,
ele dava pra saltar e dançar ao som da Dança Macabra, de Saint Saëns.
Mas o fazia com tanta graça, com tanta inocência, e tão à maneira dos
bailes de meia-noite dos antigos cemitérios românticos, que ninguém,
ao vê-lo, achava desagradável. Satisfeito, contemplava a Via Láctea, essa
imensidão de ossos ao redor do nosso planeta. Cintilantes, brilhantes,
resplandecentes com todas essas miríades de esqueletos incompletos
que dançam, pulam, dão cambalhotas e cumprem o seu dever. Saúdam
os mortos de mil campos de honra, honra de hienas, crocodilos, cobras,
morcegos, piolhos, sapos, aranhas, solitárias e escorpiões. Dão-lhes
os primeiros conselhos e guiam os recém falecidos que se sentem tão
negligenciados quanto os bebês que acabam de nascer. Muitos desses,
nossos repugnantes e iminentes companheiros, colegas, cunhados e
cunhadas que cheiram a javalis e tem os narizes incrustados de ostras
mumificadas que, ao morrer, transformam-se em esqueletos de uma
beleza assustadora. Vocês já escutaram o terrível barulho dos mortos nas
hecatombes? A desilusão dos recém-nascidos à morte é cruel. Esperavam
o merecido sono eterno, mas descobrem que foram enganados e que
estão presos em correntes eternas de sofrimento e dor. Os esqueletos
não sabiam o que fazer com o próprio esqueleto. Seria ele um esqueleto
profissional ou amador? Bem, esse esqueleto não estava nem um pouco
preocupado com o que fazer com a carne errante, senhoras e senhores!
Levantava todas as manhãs limpo como uma lâmina de navalha.
Enfeitava seus ossos com ervas, escovava seus dentes com as medulas dos
antepassados, e pintava as unhas com o esmalte Fatma. Todo fim de tarde,
ia ao café da esquina para um happy hour, e lia o Jornal do Necromante,
periódico preferido dos cadáveres elegantes. Frequentemente gostava
de jogar xadrez e de agir como um dândi. Uma vez ele fingiu estar com
sede e pediu algo para escrever, esvaziou o tinteiro em suas mandíbulas,
deixando escorrer a tinta por suas costelas: a tinta respingou manchando
seus adoráveis ossos brancos. De outra feita, ele foi a uma loja de
brinquedos e comprou diversos objetos para fazer truques: imitações de
excrementos. Na mesma noite, colocou um deles em seu urinol e jamais
se esqueceu da cara do seu mordomo, que, ao vê-lo pela manhã, não
conseguia entender como, um esqueleto que não era capaz de comer nem
beber, podia aliviar sua natureza como todos nós. Aconteceu que, um dia,
o esqueleto encontrou pequenas avelãs caminhando pela floresta com suas
lindas perninhas cuspindo rãs pela boca, olhos, orelhas, nariz e demais
orifícios e buracos. O esqueleto tomou um susto como quem encontra
com um esqueleto em plena luz do dia. Imediatamente um detector de
abóboras cresceu em sua cabeça, tinha um lado diurno como um naco de
patchouli, e um lado noturno como ovo de Colombo; e em seguida ele foi
encontrar uma cartomante.
cuando ella me dijo que había encontrado una ballena muerta en la playa
yo me he dado cuenta de que nunca antes había tocado en una ballena,
ni mismo por casualidad. así que me imaginé que se fuera yo en la playa
me iba a acostar al lado del cadáver, echarme contra su largo cuerpo y
encostar mis oídos en el emborrachado de la piel, a ver se escuchaba los
murmullos húmedos de algún profeta rebelde. cuando ella me dijo que
en el segundo día había encontrado una multitud de calamares muertos
en la arena yo me imaginé un sin número de aguavivas transparentes con
tentáculos y puntitos colorados peligrosamente centellantes. así que se
fuera yo me iba a pegar una de ellas contra mi antebrazo derecho, a ver
que visiones flameantes tendría mientras mis párpados se cerraran y los
músculos se me contrajeran con las quemaduras. cuando ella me dijo que
en el tercer día había encontrado una filera de cabezas humanas ordenadas
con espantosa simetría, yo me imaginé que se fuera yo una de las cabezas
me iba a sacar afuera la lengua y dejar que por los dos lados de la boca se
me saliera una baba rabiosa y blanca, hasta que los quienes me mirasen
hubiesen empezado a gritar. cuando ella me dijo que en el cuarto día
había encontrado una centena de langostas yo me imaginé que se fuera yo
delante del mar me iba a poner una langosta adentro de mi sexo, cantar una
canción punk con gestos frenéticos y convertirme en un hombre de verdad.
agradecimientos: zerjio/R.A.T, diego flores magón, leonardo araujo, LASTRO arte.
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