CRIME E INVESTIGAÇÃO: NENHUM PASSO ATRÁS
Vinicius de Melo Lima1
Caminhar rumo ao esclarecimento dos fatos que mais afetam à
comunidade, atingindo o campo criminal, é essencial à democracia e aos
direitos fundamentais.
Com efeito, Bobbio lembra que a democracia é o governo do Poder
Público em público, sendo que, na atual quadra histórica, sustenta-se a
existência dos deveres de bem administrar, legislar e julgar acerca dos
acontecimentos do mundo da vida.
Nessa linha de raciocínio, a investigação criminal afigura-se como um
direito fundamental dos cidadãos, os quais reivindicam uma prestação do
Estado voltada à devida elucidação dos crimes, sobretudo os que mais
contaminam os objetivos da República, dentre eles, o de constituir uma
sociedade livre, justa e solidária. A criminalidade organizada, a lavagem de
dinheiro e a corrupção, a título ilustrativo, são espécies delitivas que têm se
disseminado no país, trazendo sérios prejuízos aos interesses difusos e
coletivos.
A seu turno, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) n.º 37/2011, a qual retira do Ministério Público a
legitimidade para a função investigatória, sob o argumento de que tal atividade
foi conferida com exclusividade à polícia judiciária, além da alegada ausência
de fiscalização e controle.
Daí a (necessária) indagação: Qual a justificativa ética para o retrocesso
social em matéria investigatória?
Ora, se há um direito fundamental à investigação pré-processual, e se a
Constituição assegura ao Ministério Público a titularidade privativa da ação
penal (artigo 129, inciso I), não se afigura coerente afastar sua legitimidade sob
o argumento calcado na exclusividade da polícia judiciária para a condução das
investigações. Tal “exclusividade” deve ser interpretada no que toca à
investigação da polícia judiciária federal em relação aos crimes que ofendem
os bens, serviços e interesses da União, tão-somente para distingui-la das
funções da polícia investigativa em nível estadual (artigo 144, § 1º, inciso IV, da
Carta da República). É preciso que eventual interesse corporativista ceda
espaço à interlocução e ao diálogo entre as Instituições, sob pena de manifesta
quebra das expectativas comunitárias relativas ao controle da impunidade.
Ademais, as instâncias de fiscalização da atividade do Ministério Público
(Corregedorias, Conselho Nacional, comunidade, etc.) não buscam o
engessamento, mas sim, a correção de rumos, quando necessária, ao
aperfeiçoamento da Instituição, haja vista sua natural vocação: servir às
pessoas que acorrem ao Ministério Público na espera de um leito hospitalar, de
medicamentos, de uma vaga na escola; enfim, a concretização do respeito à
dignidade humana, seja da vítima ou de seus familiares (e, por extensão, do
tecido social), em razão da prática do delito, ou mesmo do investigado, com a
rejeição das provas obtidas ilicitamente.
A visão de que “o Estado é mau e o indivíduo é bom” não mais encontra
ressonância, demandando uma ruptura paradigmática com a barbárie. Aliás,
não se pode olvidar que significativos ataques ou lesões aos direitos
fundamentais provém de comportamentos de particulares, em especial dos
denominados “poderes privados”, a exemplo da corrupção sistêmica, que pode
comprometer o bom funcionamento da Administração Pública.
Por conseguinte, a PEC n.º 37/2011 deve ser levada ao conhecimento
da sociedade, destinatária final de toda e qualquer atividade exercida pelos
Poderes Constituídos e Instituições, diante da manifesta inconstitucionalidade e
da tragédia anunciada a recair sobre a investigação. Afinal, nenhum passo
atrás se justifica diante do dever de proteção do Estado aos direitos
fundamentais, pois retroceder implicaria num ato de repúdio ao sentimento
constitucional que brota da democracia participativa. Avançar é preciso, e o
Ministério Público é parceiro da construção da cidadania e da concretização
dos direitos, inclusive na esfera criminal, sendo que a sua legitimidade
investigatória radica no compromisso inadiável com a civilização.
1
Promotor de Justiça. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela
Universidade de Lisboa e Doutorando em Direito pela Unisinos.
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