Dimensão cultural na formação de professores
DIMENSÃO
CULTURAL NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005
UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
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Dimensão cultural na formação de professores
SUMÁRIO
COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS
Páginas
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A INCORPORAÇÃO DO HABITUS E A DIMENSÃO CULTURAL DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES.
Adriane Knoblauch (PUC/SP/EHPS). Agência financiadora: CNPq.
13
CARACTERÍSTICAS E HABITUS DOCENTE EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO.
Fernanda Maria Fornaziéri Musto; Luci Regina Muzzeti (FCL/UNESP/Araraquara).
20
EDUCAÇÃO ESCOLAR/CULTURA/VALORES: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DO EDUCADOR. Profa. Dra. Sonia Aparecida Ignacio Silva (Universidade Católica de
Santos).
28
FATORES QUE CONDICIONAM PROFESSORES DE SUCESSO. Selma Cristina Ávila Moissa; Lucia
Helena Tiosso Moretti (UNOESTE).
38
GEOGRAFIA E LITERATURA: MEIOS DE CONSTRUIR E MODELAR SIMBOLICAMENTE O MUNDO.
Maria Dalva de Souza Dezan – Mestranda em Geografia; Professor Assistente Doutor Fadel David Antonio
Filho – Departamento de Geografia (IGCE/UNESP/Rio Claro).
43
INFÂNCIA E MODERNIDADE: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Anilde
Tombolato Tavares da Silva (UEL); Pedro Ângelo Pagni (FFC/UNESP/Marília).
49
NOTAS SOBRE O PROBLEMA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Rodrigo Pelloso Gelamo; Márcia
Machado de Lima – Programa de Pós-Graduação em Educação. (FFC/UNESP/Marília).
57
O CLIMA CULTURAL CONTEMPORÂNEO TENSIONANDO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES COM
PRETENSÕES EMANCIPATÓRIAS. Andreia Cristina Peixoto Ferreira; (PPGE/UNIMEP – UFG/CAC).
Apoio Financeiro: CNPq.
66
O QUE É FORMAÇAO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRIMEIRAS NOTAS. Márcia Machado
de Lima. Programa de Pós-Graduação em Educação (FFC/UNESP/Marília).
74
PROFESSOR, ALUNO: CADA QUAL EM SEU LUGAR. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna. (PUC/SP:
Educação: História, Política, Sociedade). Agência Financiadora: CNPq.
84
PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: SATISFAÇÃO
E/OU DESCONTENTAMENTO? Fabio Junio Valentim (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos
(DEFMH/UFSCar).
93
PROFISSÃO DOCENTE: OPÇÃO CONSCIENTE OU “CAUSALIDADE DO PROVÁVEL”? Noemi Bianchini
(FCL/UNESP/Araraquara).
104
RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA: AS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SOB A
PERSPECTIVA DOS PROFESSORES. Marilene Cesário (UEL – doutoranda da UFSCar); Silvia Gaia
(CEFET/PR – doutoranda da UFSCar); Dra. Aline M. M. Reali; Dra. Regina Tancredi (UFSCar).
112
ROMANCES NO ENSINO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA HUMANÍSTICA NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR. Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes (FE/USP).
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Dimensão cultural na formação de professores
A INCORPORAÇÃO DO HABITUS E A DIMENSÃO
CULTURAL DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
KNOBLAUCH, Adriane (PUCSP/EHPS)
O presente texto pretende contribuir com as discussões em torno da dimensão
cultural na formação de professores, por meio de abordagem sociológica, ancorada, sobretudo,
nos estudos de Pierre Bourdieu, tendo em vista a possibilidade de análise crítica e profunda da
escola e de seus professores por meio da perspectiva relacional aqui assumida.
Os dados aqui analisados foram coletados para minha dissertação de mestrado,
que não teve como foco a formação de professores, mas a implementação da proposta de Ciclos
de Aprendizagem em uma escola da periferia de Curitiba que oferece os anos iniciais do ensino
fundamental. No entanto, por meio da observação das práticas criadas pela escola para o
enfrentamento do não aprendizado dos alunos, foi possível perceber que a escola possui marcas
próprias da sua cultura, que foram historicamente construídas e que são internalizadas e
incorporadas pelos professores ao longo de sua socialização profissional. Tal processo, constitutivo
do habitus profissional dos professores, ocorre de forma tácita, implícita e não consciente. Conhecer
esta dimensão cultural da formação de professores se faz necessário, tendo em vista que a
compreensão é o primeiro passo para a intervenção.
Inicialmente serão apresentadas algumas considerações a respeito da cultura da
escola e de seu processo de institucionalização. Num segundo momento, os dados serão analisados
por meio de dois descritores: a organização da escola e as alterações no processo avaliativo.
1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCOLA E A CULTURA.
Em seu texto “Sistemas de ensino e sistema de pensamento”, Bourdieu afirma que
a escola, em diferentes momentos históricos, é a instituição responsável por transmitir, por meio
da comunicação, um conjunto de esquemas fundamentais, automatismos interiorizados, que teria
como função a seleção de futuros esquemas com o sentido de “sustentar o pensamento, mas
também podem, nos momentos de ‘baixa tensão’ intelectual, dispensar de pensar” (Bourdieu,
2004a, p. 209). Assim, a escola seria a responsável por transmitir uma ‘força formadora de hábitos’,
ou seja, um programa de pensamento e ação comum a um momento histórico, por meio do qual
diferentes atos e práticas seriam regulados. Neste sentido, então, a escola teria a função de transmitir
um habitus cultivado, isto é, um sistema de disposição geral baseado numa mesma cultura. Desta
forma, a internalização da cultura, para Bourdieu, é similar à incorporação do habitus,
compreendendo este como um conjunto de disposições fortemente internalizado que regula práticas,
sem obediência consciente a regras, adaptando-as a seu fim, sem o conhecimento consciente
desta finalidade. Neste sentido, a metáfora de uma orquestra sem regente define bem o conceito
de habitus para Bourdieu. Ou seja, o habitus produz práticas, é o princípio de engendramento
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delas numa relação dialética entre condições objetivas exteriores ao sujeito e condições subjetivas,
sem que o sujeito perceba a sua incorporação. (Bourdieu, 2003).
Mas, vale ressaltar que para Bourdieu:
A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório
comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um
conjunto comum de esquemas fundamentais, previamente
assimilados, e a partir do quais se articula, segundo uma “arte da
invenção” análoga à da escrita musical, uma infinidade de esquemas
particulares diretamente aplicados a situações particulares. (Bourdieu,
2004a, p. 208).
Desta forma, então, é possível compreender que um mesmo habitus admite práticas
diferençadas já que para Bourdieu há diferentes modos de engendramento do habitus, os quais
são explicados pelas condições específicas de existência. Desta forma, as práticas não devem ser
encaradas como uma reação mecânica do sujeito, mas como um produto da relação entre o
habitus e uma determinada situação conjuntural. Ou seja, há práticas singulares dado que há
diferentes trajetórias possíveis dentro de uma mesma condição social. Sendo assim, Bourdieu
afirma que o agente é socialmente construído de reestruturação em reestruturação de seu habitus, ou seja, novas experiências são integradas ao habitus inicial. (Bourdieu, 2003).
Ao utilizarem o conceito de habitus em suas análises sobre o sistema escolar,
Bourdieu e Passeron (1982) afirmam que a função da escola, ao divulgar o arbitrário cultural, é
inculcar um habitus que seja mantido mesmo após o fim do trabalho escolar. Ou, em outras
palavras, a organização da escola forma e conforma a todos aqueles que passam por ela,
especialmente no caso de professores, que, como alunos, vivenciaram uma série de experiências
tão formativas quanto o próprio processo de formação em cursos específicos para esse fim.
Neste sentido, é possível concluir que a escola, além de divulgar o arbitrário cultural e reforçar as desigualdades sociais mascarando seus mecanismos de seleção por meio da
ideologia do dom e da meritocracia (Bourdieu, 2001), também prepara seus futuros professores,
fato apontado por Bourdieu e Passeron (1982), ao considerarem os professores como antigos bons
alunos que assumem as regras da instituição escolar, pré-disposição que decorre do próprio processo
de formação e experiência escolar.
Outros autores também alertam para o fato de que a formação docente ocorre
antes do processo de escolarização profissional formal (Cf. Marcelo Garcia, 1999), mas, segundo
Gimeno Sacristán (1999) o conceito de habitus permite compreender a prática educativa como
cultura compartilhada num processo de diálogo entre o presente e o passado.
A relação entre habitus e cultura compartilhada por meio de processos de
institucionalização apresentada por Gimeno Sacristán (1999) permite uma aproximação com o
conceito de cultura escolar apresentado por Julia (2001): “um conjunto de normas que definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. Contudo, a análise
de tais normas e práticas deve considerar os professores que “são chamados a obedecer a essas
ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação” e
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também a análise e identificação dos “modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior
de nossas sociedades”. (p. 10-11).
Viñao Frago (1998)1 define a cultura escolar de forma muito próxima da definição
dada por Julia. Segundo ele, cultura escolar pode ser definida como:
Conjunto de idéias, princípios, critérios, normas e práticas
sedimentadas ao longo do tempo nas instituições educativas: modos
de pensar e de atuar que proporcionam a seus componentes
estratégias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas, como fora
delas – no resto do recinto escolar e o mundo acadêmico – e integrarse na vida cotidiana das mesmas. Estes modos de fazer e de pensar
– mentalidades, atitudes, rituais, mitos, discursos, ações -,
amplamente compartilhados, assumidos sem mas, não postos em
questão e interiorizados, servem a uns e a outros para desempenhar
suas tarefas diárias, entender o mundo acadêmico-educativo e fazer
frente tanto às mudanças ou reformas com às exigências de outros
membros da instituição, de outros grupos e, em especial, dos
reformadores, gestores e inspetores. (Viñao Frago, 1998, p. 5).
Assim, a cultura escolar é entendida como perspectiva de análise que engloba a
forma pela qual a escola historicamente se organizou de modo a criar regras ou normas, incorporando
modos de agir dentro e fora do espaço escolar. Tais regras podem ser encaradas como a própria
rotina da escola, ou seja, a forma como a escola se tornou escola, tal como a conhecemos hoje,
que é o resultado de condicionantes externos, de reformas educativas e da cultura acadêmica e
profissional dos agentes que trabalham e vivem no interior da escola, incorporada na forma de
habitus.
2. A CULTURA COMPARTILHADA DA ESCOLA GRADUADA COMO
CONSTITUINTE DO HABITUS DOCENTE.
Como foi afirmado acima, a escola possui mecanismos que formam professores
por meio da institucionalização da cultura compartilhada, que admite práticas diferençadas, ainda
que nos limites de um mesmo habitus social e historicamente construído.
A escola que observei para a análise que realizei em minha dissertação de mestrado
apresentou duas marcas fortes na cultura da escola constituintes do habitus docente, quais sejam:
a manutenção da lógica da organização de grupos pretensamente homogêneos e o registro da
avaliação, construído de forma burocratizada e dissociado do processo de ensino e aprendizagem,
com função classificatória. Vale destacar que tais características foram centrais para a organização
da escola graduada, conforme indica Souza (1998), mas permanecem no interior da escola, mesmo
com a adoção da organização escolar por meio de ciclos, como mostra a análise dos dados a
seguir.
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2.1. A organização da escola.
De um modo em geral, a escola pesquisada demonstrou interesse em re-organizar
a escola tendo em vista a implantação dos ciclos de aprendizagem2. As turmas, ao final de 2001,
foram mantidas as mesmas durante o ano de 2002, como sugeriu a proposta, de forma que não
foram feitos re-agrupamentos dos alunos conforme o desempenho acadêmico. Na medida do
possível, as professoras acompanharam as turmas ao longo do ciclo e avaliaram tal prática de
forma positiva, pois, segundo uma das professoras observadas, houve uma melhor “integração
entre professor e aluno, uma continuação de trabalho”. No entanto, considera também que teve
“um lado negativo, pois os alunos ficaram muito íntimos e fica o maior bate-papo o tempo todo na
sala”. Entretanto, o fato de tal medida possibilitar um melhor conhecimento dos alunos,
principalmente de suas dificuldades, foi considerado pelas professoras como o grande avanço,
pois tal conhecimento, segundo elas, facilita o planejamento das aulas.
Isto foi percebido na forma como as professoras organizavam suas aulas. O
planejamento era feito, na medida do possível, em conjunto, e o que orientava a escolha do conteúdo
a ser trabalhado, bem como das atividades a serem desenvolvidas em sala, era o desenvolvimento
da maioria dos alunos, e não uma lista rígida de conteúdos, o que revela uma tentativa em incorporar
a idéia de continuidade preconizada pela proposta.
Outro fato bastante revelador é a constante preocupação das professoras, e da
escola em geral, com alunos que demonstravam maiores dificuldades os quais, no regime seriado,
seriam reprovados. A equipe pedagógico-administrativa da escola reorganizou o horário das aulas
de Educação Física de modo que foi possível destinar uma professora para o atendimento do
contra-turno, função não prevista pelos documentos veiculados pela Secretaria Municipal de
Educação. Assim, os alunos avaliados pelas professoras regentes como sendo aqueles com maiores
dificuldades freqüentavam a escola em horário contrário, em média 4 horas semanais, distribuídas
por 2 dias durante a semana.
Além desse atendimento, havia o auxílio da professora co-regente, uma função
criada pela proposta e que deveria auxiliar a professora regente, pelo menos um dia durante a
semana, no que fosse necessário. Inicialmente, a professora co-regente ficava junto com a regente
em sala de aula, auxiliando os alunos com maiores dificuldades. Como, segundo as professoras, o
resultado de tal trabalho não estava sendo satisfatório, pois muitos alunos ainda não estavam
alfabetizados, a atuação da co-regente foi re-organizada: além de acompanhar a professora em
sala de aula, ela passou a trabalhar com esses alunos um dia durante a semana em aulas de
reforço, no mesmo período de aula, com atividades próprias do início da alfabetização:
reconhecimento de letras, escrita do nome, etc.
Apesar das professoras demonstrarem uma grande preocupação com alunos com
maiores dificuldades, as estratégias adotadas para o enfrentamento deste problema indicam que
um dos elementos da lógica da escola seriada, a homogeneidade na organização de turmas, ainda
estava sendo utilizada como padrão de organização. Isto é, em que pese o fato das professoras
demonstrarem uma tentativa em incorporar a idéia de continuidade presente na proposta de ciclos
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organizando o ensino em função da maioria dos seus alunos, para aqueles que não conseguiam
acompanhar e que, portanto, não se encaixavam nesta “maioria” foram previstas uma série de
alternativas de recuperação paralela. No entanto, tais alternativas ocorriam fora da sala de aula por
outras professoras, de modo que a prática da professora regente continuava inalterada. Esse fato
foi constatado pelas próprias professoras, pois ao serem indagadas sobre as mudanças que a
proposta de ciclos estava operando em seu cotidiano e em suas aulas, afirmaram que “mudou
pouca coisa, eu já trabalhava assim, antes do ciclo, então não mudou muito... O que mudou é
que a gente agora acompanha os alunos durante o ciclo”.
A grande dificuldade observada foi, então, o trabalho com a heterogeneidade
reforçada pela não reprovação dos alunos, pois as estratégias encontradas para o trabalho com
alunos com maiores dificuldades foram estratégias já conhecidas pela escola, mantendo o padrão
de organização baseado na constituição de grupos pretensamente homogêneos para o trabalho de
reforço escolar, fora da sala de aula, com outras professoras.
Tendo em vista que esta dificuldade também foi constatada por outras pesquisas
(Ferreira, 2001; Oliveira, 2000; Oliveira 2003, por exemplo), é possível considerá-la como constituinte
do sistema de disposições incorporado pelo professorado ao longo do seu processo de socialização
profissional, durável e, muitas vezes, por eles não explicitados, estando, contudo, na origem de
suas práticas, ou seja, constituinte de uma faceta do habitus, tal como define Bourdieu.
Não é somente a regularidade ou a permanência destas práticas, entretanto, que
nos levam a considerá-las como constituinte do habitus, mas é a incorporação de disposições e
esquemas de pensamento que engendram determinadas práticas, ou seja, é a compreensão de
que tais práticas são produtos de um modus operandi, de uma mesma lógica. Desta forma, o
padrão de organização escolar da escola graduada baseado na organização de grupos
pretensamente homogêneos é uma marca forte da cultura da escola e presente no habitus docente,
tendo em vista que o habitus é social e historicamente construído.
2.2. ALTERAÇÕES NO PROCESSO AVALIATIVO.
A proposta de Ciclos de Aprendizagem parece ter incentivado práticas já existentes
na escola, como foi o caso da avaliação mais processual. Assim, as professoras afirmaram, o que
também foi observado, que não faziam provas bimestrais, mas consideravam todas as atividades
que os alunos faziam em aula, de forma a avaliar o processo de aprendizagem e não, somente,
seu produto. A grande alteração foi no registro desta avaliação: ao invés da nota, as professoras
deveriam elaborar um parecer descritivo de seus alunos. No entanto, a análise da forma como era
feito permite demonstrar que a dissociação entre o registro da avaliação e a processo de ensinoaprendizagem permanece na cultura da escola.
Foi constatado que as professoras atribuíam conceitos para seus alunos e os alunos
conceituados da mesma forma, recebiam o mesmo parecer descritivo. Por exemplo, para os alunos
que a professora B conceituou como “regular”, que segundo ela, escrevem, mas precisam de
muita reescrita, ela assim escreveu em seus pareceres:
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O aluno expõe com clareza e objetividade suas idéias, relatos diários, histórias
ouvidas e necessidades, oralmente. Reconhece todas as letras do alfabeto e lê com auxílio da
professora palavras em textos simples e faz tentativas de escrita. (Parecer descritivo de aluno da
professora B).
De um modo geral, pude observar que os alunos conceituados por ela como “regular” conseguiam ler, porém, mais lentamente que os demais e precisavam de ajuda para a
interpretação de textos lidos. Além disso, na escrita de palavras faziam mais trocas ortográficas. O
texto a seguir é representativo desse grupo de alunos3:
Figura 1. Exemplo de atividade de aluno considerado como “regular” pela professora B.
Os alunos considerados pela professora como “fraco” são aqueles ainda não
alfabetizados, que apenas reconhecem letras, mas não conseguem ler e quando tentam escrever,
utilizam letras sem qualquer relação com seu fonema. Portanto, são alunos que ainda não
compreenderam o nosso sistema de escrita, como mostra o exemplo da figura 24:
Figura 2. Exemplo de atividade de aluno considerado como “fraco” pela professora B.
Porém, no parecer desse aluno constou a seguinte descrição:
A aluna articula corretamente as palavras. Reconhece as idéias
contidas em alguns símbolos usuais. Utiliza-se do desenho para
representar e registrar suas idéias compreendendo o desenho como
uma das formas de representação gráfica, bem como as letras do
alfabeto nas tentativas de escrita, compreendendo o princípio
alfabético da língua escrita. (Parecer descritivo de aluno da professora
B).
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Além de conter um equívoco sobre o princípio alfabético de escrita, o parecer é
muito parecido com os dos alunos que já conseguem escrever algumas coisas, o que no caso
destes alunos, não foi constatado na resolução das atividades durante as observações em sala.
Desta forma, o parecer descritivo vem sendo utilizado de forma muito burocratizada, pois mesmo
sendo um instrumento de uma proposta de avaliação mais qualitativa e não tradicional - que tem
a função de registrar o processo de aprendizagem do aluno e não apenas o resultado dessa
aprendizagem - a forma como o parecer é encarado na escola, ou seja, “chato de fazer”, “tem que
escrever muito”, “é desnecessário”, assim como a forma como ele é feito, revelam que ele não
cumpre sua função. Dessa forma, é tão vago, indeterminado e volátil como era a nota, pois não
descreve o que realmente o aluno aprendeu ou não, e nem tampouco, encaminha para possíveis
formas de superação das dificuldades dos alunos. Na escola observada, ao contrário, tal prática
apenas manteve uma classificação construída por mecanismos de avaliação informal na qual,
muitas vezes, as professoras confundiram as normas de excelência com normas de conduta, fato
já denunciado por Perrenoud (1996).
Sendo assim, o registro da avaliação dissociado do processo de ensino e
aprendizagem pode ser também considerado como marca presente na cultura da escola
expressando uma faceta do habitus docente, considerando o habitus como um produto da história
e, também, como uma atualização da história, pois, nas palavras de Bourdieu (2004b, p. 82):
(...) basta observar que toda a acção histórica põe em presença
dois estados da história (ou do social): a história no seu estado
objectivado, quer dizer, a história que se acumulou ao longo do tempo
nas coisas, máquinas, edifícios, monumentos, livros, teorias, costumes, direito, etc., e a história no seu estado incorporado, que se
tornou habitus. (grifos do autor).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mudanças aparentes não alteram o sistema de disposições que, ao longo do tempo,
vem configurando a cultura da escola e o habitus docente, tendo em vista que a sua incorporação
ocorre de forma tácita, ao longo de toda vida escolar, constituindo assim, uma faceta da dimensão
cultural do processo de formação de professores.
Desta forma, é possível compreender que, mesmo com a implantação da proposta
de Ciclos de Aprendizagem, algumas práticas foram mantidas na organização escolar e a outras
foram agregadas novas estratégias, tendo em vista que o habitus é um sistema de disposições
fortemente internalizado e que orienta ações e pensamento. Vale destacar, no entanto, que as
práticas não são reações mecânicas dos agentes, mas resultado da relação entre o habitus construído durante a trajetória de vida dos agentes - e uma situação conjuntural. Assim, a escola
e seus professores não ficaram imunes à proposta de Ciclos de Aprendizagem, pois foi possível
perceber algumas tentativas de incorporação da idéia de continuidade presente na proposta,
sobretudo no esforço realizado pela escola para que as professoras acompanhassem seus alunos
no decorrer do ciclo e na forma como as professoras organizavam suas aulas em função do
aprendizado da maioria da turma.
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Em contrapartida, foi possível detectar a manutenção de algumas práticas como a
organização do trabalho pedagógico baseado em grupos homogêneos nas diversas estratégias de
recuperação da aprendizagem e também a manutenção do registro da avaliação dissociado do
processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, mesmo que a escola tenha adotado estratégias
distintas de épocas anteriores, como é o caso da uma preocupação constante com o não aprendizado
do aluno e do registro da avaliação por meio do parecer descritivo, a lógica da organização das
atividades de recuperação, bem como a forma como o parecer foi realizado pelas professoras,
demonstra que há um conjunto de esquemas que sustentam seu pensamento e orientam sua
ação, fortemente instalado no interior da escola e incorporado pelos professores ao longo de sua
trajetória escolar, o que pode ser encarado como facetas do habitus docente constitutivo da profissão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educação. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes, pp. 3964.
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São Paulo: Olho d’água, pp. 39-72.
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das trocas simbólicas. 5ª. ed. São Paulo: Perspectiva, pp. 203-229.
______. 2004b. O poder simbólico. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
FERREIRA, V. M. R. 2001. Escola em movimento: a reelaboração da prática pedagógica na
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mestrado, programa de estudos pós-graduados em Educação: História, Política, Sociedade, PUCSP.
GIMENO SACRISTÁN, J. 1999. Poderes instáveis em educação. Porto Aegre: Artes médicas.
JULIA, D. 2001. A cultura escolar como objeto histórico. Revista brasileira de história da educação,
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MARCELO GARCIA. C. 1999. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto:
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OLIVEIRA, N. C. M. 2000. A política educacional no cotidiano escolar: um estudo meso – analítico
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SOUZA, R. F. 1998. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado
de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Unesp.
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VIÑAO FRAGO, A. 1998. L’e espace et temps escolaires comme objet d’histoire. Insstitut Nacional
de Recherche pédagogique Histoire de l’educacion, nº 78, pp. 89-108. Tradução livre de Yvelise
Freitas de Souza Arco-Verde.
NOTA
1
A publicação em 1998 do texto original é em francês. Foi utilizada aqui uma tradução livre feita por Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde,
então doutoranda do PEPG em Educação: História, Política, Sociedade. A página refere-se a essa tradução.
A proposta de Ciclos de Aprendizagem foi implantada em Curitiba em 1999 com a organização de dois ciclos para as séries iniciais: Ciclo
I, para crianças de 6, 7 e 8 anos, quando houvesse vagas disponíveis para os alunos com 6 anos; Ciclo II, para alunos com 9 e 10 anos.
Embora sem previsão nos documentos oficiais, há a possibilidade de retenção entre os dois ciclos, sendo que tal decisão deve ser
tomada conjuntamente entre os profissionais da escola e de instâncias superiores a ela.
3
O aluno quis escrever: A professora é muito legal, ela é sorridente.
4
Após ter escrito, aluna leu “seu texto” da seguinte forma: Ela é magra, bonita e alta.
2
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CARACTERÍSTICAS E HABITUS DOCENTE EM
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO
MUSTO, Fernanda Maria Fornaziéri; MUZZETI, Luci Regina (FCLAr UNESP)
As características dos docentes que se dedicam à Educação Profissional de Nível
Técnico não têm sido trabalhadas em muitas publicações, como também não o tem sido o habitus docente presente nos profissionais que atuam nessa área. Tal levantamento se faz necessário
em virtude da crescente utilização da educação profissional de nível técnico pelos estudantes,
movidos pela necessidade de rápido ingresso no mercado de trabalho e pelo menor investimento
financeiro despendido na busca dessa formação. Além disso, notamos que os estudantes que
escolhem seguir seus estudos no nível técnico apresentam algumas características comuns, que
serão objeto de estudo posterior.
Os números do Censo Escolar de 2004, do Ministério da Educação, mostram que
3047 estabelecimentos de ensino declararam ministrar educação profissional de nível técnico em
2004, sendo que foram declaradas 676 mil matrículas nessa modalidade, o que evidenciou o
aumento de 12,6% em relação ao número de matriculados em 2003, que foi de 590 mil. Apenas a
região sudeste concentra 64,25% de todas as matrículas efetivadas no país no ano passado, o que
evidencia a necessidade do levantamento ora proposto, dado o universo dessa população que vem
sendo formada cotidianamente.
Baseamo-nos na perspectiva de habitus e de capital cultural de Pierre Bourdieu,
que entendemos explicar algumas características do docente e do trabalho docente presentes
nessas instituições de ensino. Iniciamos por definir o habitus como “um sistema de disposições
duráveis e duradouras, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de
representações que podem ser objetivamente reguladas e regulares” (Bourdieu, 1987) sem com
isso terem obediência a regras e sem supor a visão consciente dos fins. Portanto, os docentes
carregam suas estruturas reguladoras para o trabalho em sala de aula, e estimulam os alunos
também com base nessas mesmas estruturas. Essa matriz de percepções de que se trata o
habitus, funciona selecionando as percepções, preocupações e ações docentes, tornando possível
a transferência analógica de esquemas para resolução de problemas e correção de resultados,
sendo por isso definidoras das operações que, em última análise, diferenciarão os alunos uma vez
que eles terminem seus estudos em educação profissional e estejam aptos para a entrada no
mercado de trabalho.
Outro importante conceito que utilizaremos refere-se ao capital cultural, um sistema
de valores implícitos que é passado aos filhos de forma mais indireta que direta, e que está
diretamente conectado com as experiências daquele grupo ou fração de classe a qual a família
pertence, e que, bem observados, definem as atitudes frente à instituição escolar. Muito mais do
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que apenas os pais, mas todos os valores que permeiam o grupo familiar, como o nível cultural dos
ascendentes de um e outro ramo da família, contribuem para que esse certo “ethos” seja a herança
recebida. Esse ponto está ligado à lentidão do processo de aculturação, que por vezes demora
gerações para ter modificações mais presentes, e que demonstraria inclusive o potencial futuro
em uma certa família. Essa diferença cultural é apontada por Bourdieu(1998) como ainda mais
definidora do que a diferença econômica, embora esta última ofereça vantagens para que um
determinado grupo de ações possa ser consolidado. O êxito nos estudos é diretamente ligado ao
capital cultural recebido da família, e desejamos neste trabalho investigar qual é o papel desse
capital cultural também nos docentes, e como ele pode alterar a percepção que aqueles têm da
instituição educacional.
Outro ponto de destaque está na facilidade lingüística, na facilidade de acesso aos
instrumentos culturais, o que será ponto de destaque mais adiante, além do nível cultural dos
antepassados e a residência, que explicam também as variações de êxito escolar dos indivíduos.
Entendemos que o mesmo se passa com os docentes, e a forma como lidam com a educação se
mostrará para os alunos. Refletirá ainda o tipo de escola que freqüentaram, sendo uma distinção
clara no Brasil entre a instituição pública e privada no ensino fundamental e médio, a primeira
muito menos capacitadora do que a segunda nesses níveis de ensino, e o contrário se dando no
nível universitário. Então partimos também desse background escolar dos docentes para analisarmos
o conjunto de valores que trazem para dentro de sala de aula. As características demográficas do
grupo familiar, ou seja, o tamanho da família também está ligado aos valores cultivados por essa
família, e facilitará ou dificultará o acesso que as crianças terão aos instrumentos culturais e ao
investimento em educação que essa família fará a cada das crianças.
O nível de instrução nos ascendentes de primeira, e até de segunda geração, é um
indicador plausível mas não único. O conteúdo da herança cultural desses ascendentes também
terá papel importante no que as famílias mais ou menos cultas transmitem a seus filhos, e nas vias
de transmissão, que se refletirão nas informações sobre o mundo e sobre o cursus escolar, na
facilidade verbal, que permitirá acesso e entendimento de estruturas mais ou menos complexas, e
pela cultura livre adquirida nas experiências extra-escolares.
Os pais podem ser de grande ajuda nas experiências escolares, mas não apenas a
ajuda direta deve ser considerada. A vantagem maior, destaca Bourdieu, está na herança dos
“saberes, do savoir-faire, dos gostos e bom-gosto, cuja rentabilidade escolar é tanto maior quanto
mais freqüentemente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao dom”(p.45). E ao dom são
creditados os sucessos escolares de seus itinerários, sem a consideração da facilidade que esse
indivíduo já possa trazer devido à sua identidade cultural. A escola, buscando a igualdade
pedagógica, mantém as desigualdades trazidas pelos alunos, justificando o êxito ou fracasso
exclusivamente aos dons. Essa questão se acentua no caso dessa modalidade de ensino, pois os
alunos trazem não apenas as características do grupo familiar, mas todo o passado escolar do
ensino fundamental e médio, que já embute uma carga de traumas e sensações que não poderá
ser desprezada caso queiramos uma educação bem efetivada.
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Dimensão cultural na formação de professores
Ainda temos a possibilidade de observar, a partir das expectativas dos docentes,
que futuro planejam e estimulam os alunos a terem, sabendo que estamos trabalhando com um
nível de ensino que normalmente possibilita a pessoa a atingir na esfera profissional apenas níveis
técnicos operacionais nas empresas. O fato de os docentes admitirem esse como o nível máximo
a que os alunos chegarão, ou a terem essa expectativa em relação à vida profissional futura deles,
contribuirá para a manutenção do nível social dessas pessoas formadas. Bourdieu nos alerta:
“(...) em toda a sociedade onde se proclamam ideais democráticos,
ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos
privilégios.” (Bourdieu, 1998, p.53)
Em relação às leituras temos uma situação bastante peculiar, pois estas enriquecem
o vocabulário, mas também a forma de entendimento do mundo. Além do universo de palavras,
toda a sintaxe que permite a elucidação de estruturas complexas fará diferença na vida de docentes
e alunos, e permeará a relação entre eles facilitando ou dificultando o entendimento e o bom
relacionamento entre eles. Se é verdade que um docente com alto grau educacional e cultural
pode contribuir para acentuar as diferenças, principalmente para o tipo de público em questão,
aqueles que também não tiveram grandes oportunidades culturais e lingüísticas em seu meio
familiar e escolar também contribuirão para a manutenção do nível social ao qual os alunos
pertencem, e ajudarão a perpetuar diferenças significativas de classes.
“Ao atribuir aos indivíduos esperanças de vida escolar estritamente
dimensionadas pela sua posição na hierarquia social, e operando
uma seleção que – sob as aparências da eqüidade formal – sanciona
e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar
as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima. Conferindo
uma sanção que se pretende neutra, e que é altamente reconhecida
como tal, a aptidões socialmente condicionadas que trata como
desigualdades de “dons” ou de mérito, ela transforma as
desigualdades de fato em desigualdades de direito, as diferenças
econômicas e sociais em “ distinção de qualidade” , e legitima a
transmissão da herança cultural.(...) Além de permitir à elite se
justificar ser o que é, a “ideologia do dom” , chave do sistema escolar e do sistema social, contribui para encerrar os membros das
classes desfavorecidas no destino que a sociedade lhes assinala.”
(Bourdieu, 1998, p. 59)
O capital cultural tal como entendido por Bourdieu apresenta três estados:
·
O estado incorporado – referente ao trabalho realizado e ao tempo investido
pelo sujeito para obter esse capital cultural. Essas disposições duráveis pertencem ao indivíduo e
não podem ser passadas por procuração;
·
O estado objetivado – referente aos bens culturais aos quais o indivíduo tem
acesso, como livros, quadros, dicionários, enciclopédias. Dessa forma os objetos culturais são
objeto de uma apropriação material, que pressupõe a existência do capital econômico, o que
delimita a sua ocorrência;
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Dimensão cultural na formação de professores
·
O estado institucionalizado – referente aos produtos desse capital cultural
materializado em certificados, diplomas, que “provam” materialmente o pertencimento de tal capital.
Os diferentes estados do capital cultural atuam diferenciando os indivíduos em
diferentes situações. Percebemos que o estado incorporado é menos percebido nos momentos de
entrada em instituições escolares, enquanto as empresas observam além do institucionalizado o
que de fato está incorporado.
Sabemos também que nos dias atuais de rápida modificação nas situações
tecnológicas que influenciam o trabalho nas diversas áreas, não basta apenas a formação inicial
pela qual esse professor passou, “devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e
integrada, respondendo às necessidades de formação sentidas pelo próprio e às do sistema
educativo, resultantes das mudanças sociais e/ou do próprio sistema de ensino”. (Rodrigues &
Esteves, apud Conseil de L’Europe, 1987). Caso contrário, os alunos sofrerão com o distanciamento
entre o ensinado e o que encontrarão nas empresas ou o que deve ser feito nas atividades de
consultoria. Além disso, Rodrigues & Esteves nos direcionam sobre o professor:
“O professor é visto como um especialista no desenvolvimento social do aluno, devendo estar aberto ao mundo exterior à escola e
constituir-se como mediador entre ela e o mundo.” (1993, p.41)
Isso posto, observamos as atitudes dos docentes em relação às atividades de
educação continuada que utilizam para atualização.
Neste trabalho buscamos identificar as características dos grupos sociais aos quais
os treze docentes pesquisados do SENAC de Jaboticabal pertencem, e analisar como essas
características poderiam influenciar no trabalho que exercem com seus alunos dentro do ambiente
educacional. Todos são professores das turmas noturnas das Habilitações Profissionais de Nível
Técnico de Segurança do Trabalho, Contabilidade e Gestão Empresarial.
Os docentes em questão receberam questionários com perguntas sobre suas
famílias, seu relacionamento passado com a escola, o tipo de instituição em que eles foram formados,
o nível educacional de seus pais e irmãos, além de características culturais que seriam de forte
influência. Identificamos, além disso, as práticas culturais cotidianas desses professores.
Encontramos no universo pesquisado algumas condições que são muito próximas
entre os docentes. Iniciamos pelo fato de todos trabalharem em uma cidade do interior do estado
de São Paulo, com pouco mais de 75.000 habitantes, e terem nascido e vivido ou nessa cidade ou
nas cidadezinhas próximas, tendo se mudado poucas vezes e sempre nas cidades vizinhas e com
menos de 100.000 habitantes. Esse dado nos demonstra a pouca familiaridade que os docentes
têm com a convivência com grupos muito diferentes, presentes nas grandes cidades e metrópoles.
Tal dado poderia ser insignificante, mas resulta num grupo de exemplos que se delimita a uma
região geográfica específica, sabendo eles de outras experiências culturais apenas através da
leitura ou outras formas de pesquisa, o que é bastante diferente da oportunidade da experiência de
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Dimensão cultural na formação de professores
ter vivido em um outro local com características culturais e sociais mais privilegiadas.
Um segundo ponto levantado se refere à escolaridade deles. Quase todos passaram
pelos ensinos fundamental e médio em escolas públicas, e fizeram a faculdade em instituição
privada. Portanto, o cursus escolar não diferiu demasiadamente daquele que os próprios alunos
aos quais ensinam passaram. Entendemos que, se por um lado isso não ajuda na expansão dos
horizontes dos alunos, por outro lado não constrói barreiras que teriam a possibilidade de dificultar
o entendimento entre eles, pois os professores e alunos têm capitais culturais próximos que facilitam
à comunicação e interação.
Todos, à exceção de uma docente, têm uma outra ocupação diferente da de docente,
como, por exemplo, a de administrador e de engenheiro de produção. Tal fator é extremamente
relevante, pois os docentes de educação profissional de nível técnico têm uma particularidade
necessária a esse tipo de ensino: há a necessidade de estarem bem atualizados em relação ao
mercado de trabalho para o qual preparam, e dessa forma eles têm as informações necessárias
para bem preparar os alunos. Trazem assim exemplos reais da vida prática, casos vividos dentro
das empresas e aproximam as expectativas dos alunos ao que eles realmente encontrarão nas
empresas das imediações. Por outro lado, essa característica também apresenta a limitação de os
docentes não se dedicarem além de 20 horas semanais à docência, devido à outra ocupação,
geralmente diurna. Esse fato pode ser relevante no que tange à forma de ensinar, ao tempo para
reciclagem de métodos de ensino, e na própria preparação de suas aulas.
Os docentes pesquisados têm entre 25 e 50 anos, sendo que a maioria não teve a
oportunidade de utilizar o computador na sua passagem pelos níveis de educação formal, entretanto,
utilizaram todos eles os jornais, revistas e livros nas suas pesquisas escolares. Fazemos a observação
que o computador e a Internet são adventos recentes considerando décadas passadas. Além
disso, à exceção de dois docentes, não falam nenhum outro idioma, fator que entendemos, na
atualidade, limitador da aprendizagem pela quantidade de informações relevantes que podem ser
retiradas da Internet todos os dias.
Perguntamos aos docentes também com quais fatores julgavam que mais
aprendiam, e além dos professores e da escola, citados por todos, respostas mais freqüentes
foram: lendo, com a natureza e com os pais. Nenhum docente citou parentes como fonte de
aprendizagem, ou televisão.
Todos tiveram a oportunidade de efetivar práticas culturais legítimas, como, por
exemplo, idas, pelo menos algumas vezes, a museus, a concertos e a shows musicais. Esse fator
é importantíssimo de ser observado devido ao espaço geográfico no qual os docentes vivem. De
fato, o número de peças de teatro no interior está longe de ser adequado. Mais que isso, o número
de museus é muito baixo e raramente existem exposições temporárias, geralmente mantendo o
acervo permanente, o que não estimula visitas constantes. Ainda assim, checamos o interesse
dos professores pela aprendizagem gerada por essas oportunidades.
Na questão referente ao nível educacional dos pais dos docentes, à exceção de
uma docente, os demais têm pais com apenas ensino fundamental, realizado em instituições
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públicas. O que nessas famílias fez a diferença para que os profissionais se interessassem pela
docência e pela aprendizagem constante é ainda fator a ser estudado. Afinal, todos lêem revistas,
livros, participam de palestras nas empresas em que trabalham, vão a congressos sempre que
têm essa oportunidade.
Outro ponto a ser considerado em relação aos docentes diz respeito ao tipo de
metodologia que são orientados a utilizar nas instituições educacionais. A pedagogia centrada na
aprendizagem com autonomia é a utilizada nas escolas de educação profissional de nível técnico,
além de ser a orientada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Alunos
devem ser preparados para desenvolverem competências, e essas orientações estão presentes
em todos os programas de desenvolvimento docente preparados por essas instituições.
Além disso, a Organização Internacional do Trabalho também entra neste cenário
estimulando o trabalho com competências no ambiente educacional, afirmando que a competência
expressaria a capacidade real do sujeito para atingir um objetivo ou um resultado num dado contexto,
e assim defendendo que os próprios futuros trabalhadores devem se encarregar de sua proteção
no mercado de trabalho. Ramos (2001), entretanto, também se posiciona em relação à conseqüência
dessa visão que incute nos indivíduos o sentimento de responsabilidade pela eventual exclusão
que resulta de seu fracasso, mesmo sendo o problema do desemprego um problema social concreto, determinado pelas mudanças econômicas e políticas que têm ocorrido a partir da segunda
metade deste século.
Assim, também perguntamos aos docentes quais eram as cinco características de
uma boa aula, de um bom professor, de um bom aluno, a partir de uma possibilidade de 20 a 28
palavras, e a diversidade de respostas não nos permite chegar a outras conclusões, mas nos
permite chegar a esta: docentes estão preocupados com dilemas atuais da educação, como é o
caso das palavras e expressões “criatividade”, “dinamismo”, “boa comunicação”, “leitura constante”,
“pesquisa constante”, “estímulo à aprendizagem com autonomia”, “trabalho em equipe”, “estratégias
variadas”. Palavras e expressões mais próximas à educação tradicional não receberam muitas
respostas, tais como: “controle sobre a classe”, “avaliação com rigor” ou “tirar boas notas”.
O capital cultural, o habitus e as crenças educacionais dos docentes são princípios
geradores de estratégias objetivas, sendo por isso tão importante sua identificação, pois podem
estar na origem da mudança ou da resignação, da revolta ou do conformismo, das expectativas
sobre os alunos e na geração de comportamentos por parte destes que têm o potencial de interferir
na vida profissional do indivíduo e da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
BRASIL, “Lei nº 9394, de 20.12.96, Estabelece as Diretrizes e Bases da educação Nacional”. In:
Diário Oficial da União, Ano CXXXIV, nº 248, 23.12.96, p. 27833-27841,1996.
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Dimensão cultural na formação de professores
BRASIL, Ministério da Educação. Cursos técnicos no censo escolar de 2004. Brasília: MEC,
2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec. Acesso em: 29 jun. 2005
RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências – autonomia ou adaptação? São Paulo:
Cortez, 2001
RODRIGUES, A. e ESTEVES, M. A análise de necessidades na formação de professores. Porto:
Ed. Porto, 1993.
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Dimensão cultural na formação de professores
EDUCAÇÃO ESCOLAR / CULTURA /
VALORES: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR
SILVA, Sonia Aparecida Ignacio (Universidade Católica de Santos)
Introdução
O presente trabalho consiste numa reflexão sobre alguns indicadores da relação
Educação/Cultura/Valores com o processo de formação do educador. Apresenta resultados parciais
de investigação que desenvolvo, atualmente, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
(Mestrado) da Universidade Católica de Santos.
Desde minhas pesquisas anteriores, venho progressivamente tomando consciência
de que investigar a relação Educação Escolar / Cultura / Valores é sempre um imperativo.
Desenvolver essa reflexão no contexto das discussões sobre a formação do educador, também o
será.
A sociedade da informação e da comunicação, a mundialização e a globalização
dos processos de vida, o multiculturalismo – em todas as suas vertentes –, põem em xeque as
antigas funções da instituição escolar e a obrigam a re-configurar sua identidade e tarefas
fundamentais. Espera-se, hoje, que a Educação Escolar transmita saberes e fazeres evolutivos,
adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente,
compete à Escola organizar referências “formativas” para que os homens e mulheres “qualifiquem”
as informações recebidas, selecionando-as e integrando-as às suas ações.
Deve-se reconhecer que este empenho, embora extremamente necessário, e válido,
não é simples nem fácil de ser concretizado, especialmente na atualidade. Isso indica, portanto, a
necessidade de se refletir sobre as questões daí decorrentes.
Por razões análogas, a Cultura também merece ser revisitada. Nunca antes se
falou tanto acerca da Cultura, como atualmente. Conceitos hoje tão em voga – como
“multiculturalismo”, ou “pluralidade cultural”, por exemplo – supõem uma concepção de Cultura,
ou concepções diferenciadas de Cultura, que nem sempre estão suficientemente clarificadas.
De que Cultura se fala hoje? Como se dá sua transmissão? Onde se forjam estas
concepções de Cultura que hoje permeiam o cotidiano social e escolar? Até que ponto a Escola de
hoje pode ser responsável, também, pela formação cultural das crianças e jovens que a freqüentam,
como já o foi outrora (SILVA, 2003)? Como se compreende, hoje, a Cultura Escolar, e quais são as
relações entre ela e a formação do cidadão, ou com o desenvolvimento da sensibilidade humana?
Talvez se possa arriscar a seguinte afirmação: hoje, quando mais se fala em Cultura,
menos se vive “culturalmente”; isso, tanto na sociedade em geral, como na escola em particular...
Enfim, estas são algumas das inquietações que venho enfrentando no decorrer de
meu percurso como pesquisadora. Mas, todas elas estão sempre relacionadas com a dimensão
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Dimensão cultural na formação de professores
axiológica do trabalho educativo (SILVA, 2000). Considero que ao se pensar, discutir, intencionalizar
e organizar, seja a Educação Escolar como processo, ou a formação pedagógica e cultural dos
professores que nela atuam, deve-se, obrigatoriamente, operar uma reflexão sobre os valores.
Sendo assim, há algumas questões recorrentes que não se pode deixar de lado; por
exemplo: quais são os valores propostos pela Escola, hoje? Como essa transmissão axiológica
está se processando na Escola, na Família e na Sociedade mais ampla? Quais são as orientações
pedagógicas mais em evidência nas escolas, atualmente, e como se trabalha com os valores
segundo cada uma delas?
Considero que o enfrentamento das tarefas obrigatórias de revigoramento da Escola
- e de revisão de sua identidade e funções - conduz necessariamente à retomada dos Valores na
Educação, da especificidade da Cultura Escolar, da discussão sobre a formação ética do educador,
bem como acerca do desenvolvimento das dimensões estética e afetiva que deverão também
estar presentes no fazer pedagógico. Esse é o meu atual objeto de investigação, dando continuidade,
assim, aos questionamentos decorrentes de pesquisas anteriores.
Quanto à formação de professores, tarefa complexa à qual venho me dedicando há
mais de três décadas, penso que ela implica, necessariamente, na discussão de pressupostos e
intenções dessa formação, na consideração de concepções epistemológicas inerentes a esse
processo – concepções estas que serão diferenciadas, quando se enfatiza, por exemplo, a formação
para a docência, ou quando a ênfase recai sobre a formação do educador que poderá também
atuar além dos limites da instituição escolar.
Evitando entrar na discussão das posições específicas da área ou de suas eventuais
divergências, devo esclarecer que considero a formação do educador enquanto processo sóciopolítico e epistêmico, que necessariamente se forja no confronto com as dimensões educacional e
cultural, considerando que os Valores perpassam e estão presentes (implícita ou explicitamente)
nos dois âmbitos do processo aqui indicados.
No entanto, convém ainda explicitar que concordo com Severino (2002, p. 141142), quando ele – ao enfrentar a polêmica acerca da identidade do pedagogo – afirma que o
denominador comum entre pedagogos, especialistas e professores é que todos são “profissionais
da educação” cujo lastro comum, em termos de formação e identidade, é a competência e a
qualificação para trabalhar, de modo intencional, sobre a “educabilidade” dos sujeitos. Nessa
perspectiva, a atuação desses profissionais tanto poderá se dar nos espaços internos, como externos
à escola, e a relação pedagógico-educacional deverá ir além da docência, se esta for entendida
como pura intervenção didático-curricular em situação de ensino formal.
Em vista do exposto, estarei me reportando, aqui, ao processo de formação do
educador, a partir de uma reflexão sobre a escola de hoje, a cultura e os valores.
Educação Escolar e Formação do Educador
Por que a Escola hoje, no Brasil, em especial a Escola Pública (nos níveis Fundamental e Médio), veio progressivamente deixando de ser um espaço significativo de produção do
conhecimento e de difusão da cultura?
Eis uma questão que, de algum modo, incomoda aos especialistas - e mesmo a
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Dimensão cultural na formação de professores
“não-especialistas” - em educação, nos últimos tempos; e que também está na base de reflexões
e das proposições teóricas e práticas que, a partir das três últimas décadas, têm servido de
referência e orientação para os que militam no magistério em nosso país.
Especialmente no processo de formação de professores tal questionamento vem
sendo, de algum modo, considerado. A preocupação com processos e conteúdos; a discussão
sobre a significação social e política da ação educativa; a ênfase no caráter histórico da educação
-, só a título de exemplificação - são algumas formas de abordagem e de reflexão sobre a educação
que, em meu entender, têm como fundamento e base o seguinte dado de realidade: no passado,
a educação escolar pública foi capaz de viabilizar uma efetiva relação entre os processos pedagógico
e cultural, atendendo a intenções bem definidas e historicamente determinadas. Isso foi o que
pude registrar a partir de pesquisa feita sobre a Escola Pública Paulista, de 1930 a 1950 (SILVA,
2003).
Por certo, os tempos eram outros. Hoje, olhando o passado, é possível entender
um pouco melhor as transições, os avanços e os recuos da sociedade brasileira, e o papel que a
educação escolar desempenhou nessas diferentes etapas históricas. É evidente que a crise não é
exclusiva deste nosso tempo. Ao contrário, ela vem se re-criando no decurso da história brasileira
e mundial. Nas últimas décadas, porém, ela se manifestou agravada pela não solução dos problemas
estruturais de nossa sociedade; pelo subdesenvolvimento econômico crescente; pela falência das
instituições político-administrativas; pela ausência da ética na política e nas relações sociais em
geral; pela incapacidade de se estabelecer quais são as necessidades prioritárias que devem ser
enfrentadas através de projetos, que venham a ser viabilizados pelo conjunto da sociedade - Estado
e Sociedade Civil.
Sendo assim, ainda estamos vivendo um tempo de crises e de necessidades
fundamentais não resolvidas. Só que, tudo isso, convivendo com um outro tempo: o dos avanços
tecnológicos e predomínio da “mídia”. Nesse “novo tempo”, a “mídia”, sobretudo a televisão,
colocam-se como os maiores “formadores de opinião”. Mas não só: são também os efetivos
promotores e difusores de valores, conhecimentos, comportamentos, sentimentos e visões de
mundo; são, atualmente, os maiores e mais diretos responsáveis pela “formação cultural” da
grande maioria da população brasileira; e, o que é mais problemático, de nossas crianças e jovens.
Enfim, tais meios de comunicação e avançadas tecnologias - o computador e outros
aparelhos eletrônicos, a que boa parte da população começa ter acesso, quase que obrigatoriamente
- acabam por invadir um território que antes era da competência da escola. E o que é mais sério:
impondo o reinado do conhecimento tácito, não explicitado, porque as pessoas vão se tornando
cada vez menos relacionais, fechando-se cada vez mais nos limites do contexto que abrange o seu
eu e a máquina; acostumando-se progressivamente a trilhar uma “via de mão única”, em que o
outro é “desligável” a qualquer momento; não se incomodando com as instigações e inquietações
constantes, características dos seres humanos, e das instituições sociais - como a Escola - que
deles devem se ocupar.
Com isso, o questionamento, a crítica, o próprio conhecimento, enfim, vão deixando
de ter sentido e função. Os tempos individuais e sociais vão se diluindo num mesmo e único
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Dimensão cultural na formação de professores
tempo da indiferenciação e da impessoalidade em que tudo importa muito pouco; principalmente,
deixam de importar o humano, as relações sociais, as prioridades coletivas. Enfim, instaura-se o
reino do não-valor.
Nesse contexto, qual o significado de conceitos e processos como os referentes à
educação e à cultura? Como poderá a escola atual - principalmente a escola pública - enfrentar
esse estado de coisas? O que fazer para detectar e dar respostas aos problemas aí engendrados?
E, nessa perspectiva, como fica a formação do professor que vai atuar na Educação
Escolar? Em que medida sua formação cultural poderá auxiliá-lo nesse empreendimento da
Educação Escolar?
Parece-me que esse profissional, para enfrentar a crise de identidade da Escola e a
necessária revisão dos objetivos da Educação Escolar, deve ser obrigatoriamente crítico e reflexivo.
Aliás, os estudos sobre a formação de professores, nas últimas décadas, têm indicado essa
necessidade (FRANCO, 2003; PIMENTA e GHEDIN, 2002; PIMENTA, 1999, ao lado de outras
referências nacionais e internacionais igualmente expressivas). Reflexões, especialmente na área
de Filosofia da Educação (SAVIANI, 1982, 1983; SEVERINO, 1991, 2002, dentre outros), também
vêm definindo esse pressuposto há tempo considerável.
Dessa forma, numa escola em crise, não há mais lugar para o professor técnicoreprodutivista. Ao formar esse profissional, portanto, será necessário focalizar e oferecer condições
para o desenvolvimento de seu potencial crítico e transformador, de modo que ele se capacite ao
exercício cotidiano da reflexão, a partir dos problemas concretos que se presentificam na realidade
escolar, na busca de encaminhamento e resolução dos mesmos. Para tanto, como afirma Pimenta
(1999, p. 25), é preciso “reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social da educação”.
Ou, ainda, conforme Severino (2002, p. 142), essa formação (do professor/educador) “deveria ser
uma autêntica Bildung, formação humana em sua integralidade”, superando, portanto, a formação
do educador como mera habilitação técnica, aquisição e domínio de informações e habilidades
didáticas. Isso, tendo em vista a complexidade da função sócio-cultural do professor/educador,
que envolve, obrigatoriamente, valores intelectuais, éticos, estéticos e afetivos, no exercício do
trabalho educativo.
Portanto, a formação do professor, deverá ser entendida nessa perspectiva de
formação humana integral (Bildung), o que indica a necessidade de análise da dimensão cultural
desse processo formativo.
Cultura e Formação do Educador: a contribuição teórico-conceitual e metodológica
de Raymond Williams
Para o enfrentamento da complexidade e amplidão do assunto tratado – e em função
dos limites impostos a este trabalho – optei por discutir, aqui, a dimensão cultural da formação do
educador a partir das posições de Raymond Williams (1921-1988) sobre a Cultura, expressas em
três de suas principais obras traduzidas para o nosso idioma (WILLIAMS, 1969, 1979, 1989).
Devo ressaltar que o pensamento desse autor vem subsidiando, há tempos, meus
estudos e pesquisas na área da educação. Penso, portanto, que suas considerações acerca da
cultura poderão auxiliar reflexões sobre a formação do educador, em suas várias dimensões. Para
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Dimensão cultural na formação de professores
isso, é preciso conhecer, pelo menos um pouco, os movimentos de formação de seu pensamento
e de suas concepções.
Crítico literário inglês, proveniente de família operária, Williams chegou à direção
do Departamento de Inglês de Cambridge (onde começou como estudante, em 1939), tendo sua
produção fundamental fortemente marcada por sua “situação de classe”. Provavelmente, suas
vivências e experiências familiares o tenham levado a acatar a análise e a argumentação política e
econômica marxistas. As investigações que fez sobre as questões literárias e da cultura conduziramno, porém, à crítica do determinismo mecanicista, à não aceitação de que os argumentos culturais
e literários sejam tomados como mera extensão dessa aplicação política e econômica, ou uma
forma de filiação a ela.
A partir de meados da década de 1950, Raymond Williams reconheceu em
formações como a Nova Esquerda, alguma afinidade com sua produção cultural e literária. Seu
contato com esses novos posicionamentos revelou-lhe: “o próprio marxismo como um fato histórico,
com posições altamente variáveis e até mesmo alternativas” (WILLIAMS, 1979, p. 9).
Ao estudar a história do marxismo Williams chegou a críticas e considerações
importantes sobre os principais conceitos da teoria cultural marxista, apresentando, por fim, seu
interesse em desenvolver uma posição baseada em investigações por ele feitas, e que difere, em
vários pontos-chave, do que se conhece mais geralmente como teoria marxista: “É uma posição
que se pode descrever brevemente como materialismo cultural: uma teoria das especificidades da
produção cultural e literária material, dentro do materialismo histórico” (WILLIAMS, 1979, p. 12).
No capítulo sobre “Marxismo e Cultura”, do livro Cultura e Sociedade, Williams
(1969, p. 276-293) retomou as proposições teóricas de Marx e Engel quanto à cultura, procurando
evidenciar que Marx esboçou, mas não desenvolveu por completo, uma teoria da cultura. Afirmou,
além disso, que nos próprios escritos de Marx e de Engels há o reconhecimento da complexidade
e historicidade das questões culturais, o que indica que o econômico não é o único elemento
determinante da história.
Com base nesses supostos Raymond Williams enuncia uma Teoria Marxista da
Cultura:
que admitirá diversidade e complexidade, levará em conta a continuidade dentro
da mudança, aceitará o acaso e certas autonomias limitadas; mas, com essas
ressalvas, considerará os fatos da estrutura econômica e as relações sociais
deles decorrentes como um fio condutor que entretece uma cultura e,
acompanhando-o, é que podemos compreendê-la (WILLIAMS, 1969, pp. 279280).
É Importante ressaltar a crítica de Williams ao uso inadequado do termo cultura,
por parte de alguns marxistas. Esse termo indica, via de regra, os produtos intelectuais e de
imaginação de uma sociedade e isso corresponde a um modo incorreto de usar o termo
“superestrutura”. Segundo sua afirmação:
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... os marxistas deveriam logicamente empregar o termo “cultura” no sentido de
um processo integral da vida, ou de um processo geral de caráter social, já que dão ênfase
à interdependência de todos os aspectos da realidade social e definida importância à dinâmica da
mudança social (WILLIAMS, 1969, p. 291 / Grifo nosso).
Pode-se considerar, no entanto, que Williams não questionou a validade das teorias
econômicas e políticas de Marx e Engels, mas sim o determinismo economicista e seu impacto na
maneira de se encarar a cultura. Portanto, além de ter contestado a relação de determinação
mecânica “estrutura – superestrutura”, e a conseqüente concepção de cultura como mero reflexo
das condições econômicas, Raymond Williams também refutou concepções tradicionais de cultura:
enquanto “estado ou hábito mentais”, ou “corpo de atividades intelectuais e morais”.
Na crítica a essas posições, forja-se a sua concepção própria, e extremamente
atual, de que cultura significa, também, “todo um modo de vida”. Ou, melhor dizendo: para Raymond
Williams (1969, p.290), só é possível compreender “as culturas”, levando-se em conta o modo de
viver globalmente considerado.
Segundo sua afirmação, para realizar uma análise cultural séria é indispensável
que se tenha plena consciência do próprio conceito: uma consciência que, antes de tudo, deve ser
histórica. O que, no entanto, conforme o próprio autor reconhece, não é algo fácil de ser operado.
A esse respeito, o autor faz uma importante observação:
... quando percebemos de súbito que os conceitos mais básicos –
os conceitos, como se diz, dos quais partimos – não são conceitos,
mas problemas, e não problemas analíticos, mas movimentos
históricos ainda não definidos... resta-nos, apenas, se o pudermos,
recuperar a substância de que suas formas foram separadas (WILLIAMS, 1979, p. 17/ Grifo nosso).
Concordo com Williams: a cultura consiste numa problemática a ser investigada.
Corresponde a um conjunto de situações, de ações, que se dão historicamente; num tempo/
espaço definido a partir de um conjunto de circunstâncias. Os fatos da estrutura econômica e as
relações sociais daí decorrentes compõem um fio condutor que entretece a cultura, compreendida,
então, como a própria complexidade do modo global de vida individual/social, e que passa,
necessariamente, pela apreensão de estruturas de sentimentos, valores, pensamentos, usos e
costumes, práticas sociais, etc.
Os estudos e reflexões de Raymond Williams, sobre a cultura, têm sido referência
teórico-conceitual de fundamental importância em minhas pesquisas. Sua compreensão das
questões culturais como problemas a serem investigados, como movimentos a serem
acompanhados e reconhecidos, tem papel e valor decisivos na objetivação da relação Educação
Escolar/Cultura, e podem constituir-se, também, como referencial para se pensar as questões
referentes à dimensão cultural da formação do educador.
É importante registrar a contribuição dessa experiência metodológica que, sem
dúvida, é exemplar. Diz o próprio autor que precisou recriar essa experiência lentamente, em si
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mesmo e na literatura, “a fim de recuperar o presente e o futuro através de uma compreensão
diferente de um passado que nos deu forma e nos fascina” (WILLIAMS, 1989, p. 409). Esse
movimento de aproximar passado/presente/futuro, de historicizar o objeto de investigação, tal como
Williams propõe, deve ser reconhecido como fértil contribuição para os estudos na área da educação.
No entanto, o que tem me fascinado, além de sua contribuição em termos de
conteúdo e método, é também o fato de Raymond Williams não tomar “conceitos” como “categorias
prontas”, mas sim como “problemas de investigação” da realidade, como “movimentos históricos”
ainda não definidos, com os quais se deve trabalhar. Conforme ele mesmo indica, “resta-nos
apenas, se o pudermos, recuperar a substância de que suas formas foram separadas” (WILLIAMS, 1979, p. 17).
Embora não seja fácil enfrentar essa complexidade, minha proposta – a partir das
contribuições de Raymond Williams – é trabalhar a cultura escolar como um “campo de forças”
em que as contradições se exprimem. Ou seja, captar e trabalhar a dimensão cultural da educação
escolar, e da formação do educador, implica em que se busque a compreensão dos modos de vida
individuais/social dos sujeitos envolvidos, a investigação de suas estruturas de sentimentos, valores,
pensamentos, usos e costumes, práticas sociais, etc. Para tanto, é importante recuperar vínculos,
aproximações e afastamentos, determinações múltiplas, decorrências diversas, entre os vários
componentes desse campo de forças cultural, privilegiando-se a análise das contradições que se
evidenciarão, muito provavelmente, durante todo o processo. Esse é o caminho que tenho seguido,
em minhas pesquisas e reflexões sobre a relação entre educação e cultura, e por onde pretendo
continuar na investigação em curso.
Considerações finais: Os Valores na Formação do Educador
Ao falar dos valores, refiro-me a significações que funcionam como referências para
nossas reflexões e ações. Os valores não são um fim em si mesmos, mas fazem a mediação entre
a situação atual e outras que se pretende alcançar. Por isso, os valores aparecem no esforço
humano da valoração, podendo ser caracterizados como “o próprio esforço do homem em
transformar o que é naquilo que deve ser” (SAVIANI, 1980, p. 41). Este empenho conceitual,
ainda que muito breve, é necessário para que se possa situar a discussão acerca dos valores e
valorações, no processo de formação do educador.
Sempre considerei que o conhecimento é histórico, tanto quanto os valores e as
valorações, bem como o próprio processo educativo/cultural no qual conhecimento, ética, valores
transformam-se em praxis. Nessa mesma perspectiva inclui-se, pelo que entendo, a formação do
educador.
Uma vez que a educação é “mediação universal da existência humana” (SEVERINO,
2002, p. 83), o processo de formação do educador apresenta-se concretamente como um dos
espaços em que as mulheres e os homens envolvidos podem construir o conhecimento significativo
e necessário ao seu tempo e ao seu contexto, simultaneamente à sua própria construção como
sujeitos históricos. E fazem isso, a partir dos princípios e valores – éticos, intelectuais, estéticos,
vitais e afetivos, úteis ou econômicos - fundamentais à sua sociedade e ao seu tempo histórico,
avaliando, valorando, atribuindo significado a tudo aquilo que está ao seu redor.
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Enquanto processo sistematizado numa sociedade historicamente determinada, e
com contornos culturais específicos, a formação do educador deve ser encarada como praxis
fecundada pela significação simbólica, mas cuja finalidade tem como alvo os três planos da existência
da própria educação. Ou seja, se “a educação é prática simultaneamente técnica, ética e política,
atravessada por uma intencionalidade teórica e fecundada por uma significação simbólica, conceitual
e valorativa” (SEVERINO, 2002, p. 84), a formação do educador também deverá contemplar
estas perspectivas, no âmbito da cultura vivida pelos sujeitos envolvidos.
Sendo assim, o contexto da formação do educador é obrigatoriamente um “espaço
de valorações”, em que os valores estão presentes em todo o processo, embora nem sempre se
tenha consciência plena desta presença ou de suas interferências. Todas as decisões tomadas
nos processos de formação e auto-formação do educador, as escolhas feitas, as significações, as
atribuições, os comportamentos ensejados, as atitudes assumidas, implicam procedimentos
valorativos nem sempre claramente compreendidos e explicitados.
Por isso, é conveniente admitir e reconhecer as inegáveis bases axiológicas da
formação do educador. Penso que o maior desafio será a concretização dessa dimensão axiológica
não só em nossos empenhos de reflexão, mas também nas ações cotidianas. Daí as provocações
e instigações presentes neste trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia como ciência da educação. Campinas/SP: Papirus,
2003.
PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. SP: Cortez, 1999.
PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de
um conceito. SP: Cortez, 2002.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 2. ed. SP: Cortez:
Autores Associados, 1982.
SEVERINO, Antonio Joaquim. A pesquisa em educação: a abordagem crítico-dialética e suas
implicações na formação do educador. CONTRAPONTOS - Revista de Educação da Universidade
do Vale do Itajaí. Ano I – n. 1, Jan./jun. 2001, pp. 11-22.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água, 2002.
SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Valores em educação: o problema da compreensão e da
operacionalização dos valores na prática educativa. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Ouvir e contar a História: memórias da Escola Pública Paulista
(1930 – 1950). Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2003.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade. SP: Companhia Editora Nacional, 1969. Tradução –
dentre outros – e apresentação da edição brasileira por Anísio Teixeira / (3ª edição inglesa: 1960).
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. R.J.: Zahar, 1979 (1ª edição inglesa em 1971).
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura, SP: Cia. da Letras, 1989.
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Dimensão cultural na formação de professores
FATORES QUE CONDICIONAM
PROFESSORES DE SUCESSO
MOISSA, Selma Cristina Ávila; MORETTI,Lucia Helena Tiosso (UNOESTE)
INTRODUÇÃO
O presente estudo procurou investigar o que determina o desempenho do professor com sucesso na prática da sala de aula; seus pressupostos teóricos, seus saberes sobre o
desenvolvimento das crianças na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendências
metodológicas, sua própria formação, a consciência que tem sobre si e sua atividade profissional.
Em seus estudos, Cunha (1994, p.24) aponta que estudar o que e, especialmente,
porque ocorre em sala de aula “é tarefa primordial daqueles que se encontram comprometidos
com uma prática pedagógica competente”. Localizou, no ambiente escolar, professores que se
destacaram em sala de aula, que obtiveram sucesso no processo de ensino e aprendizagem,observar
este professor em seu trabalho, na sala de aula, analisar os planejamentos e produções do professor; questionar o professor sobre sua formação, sobre sua experiência profissional, para uma
análise sobre o como e o porquê da eficiência de sua prática.
Estudar o trabalho desenvolvido por estes professores competentes levaria à
compreensão sobre as características de um bom professor. A descoberta destes docentes
conduziria à valorização dos mesmos e à divulgação de que é possível um trabalho de qualidade,
pois, como afirma Pimenta (2002, p.7), “valorizar o trabalho docente significa dotar os professores
de perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos / sociais / culturais
/ organizacionais nos quais se dá sua atividade docente” .
No mundo contemporâneo, a aceleração do desenvolvimento requer a cada instante,
mais e mais empenho, criatividade, reflexão, novas formas de ser e conviver nas atividades
profissionais, principalmente na educação. Diante de tantas mudanças e desafios, percebe-se que
todo o processo educativo é um grande
Neste novo milênio, conforme Kuenzer (1999, p.171), a maior lição a ser desenvolvida
será a necessidade de rever a função e o papel do professor, pois são outros os saberes que o
professor precisa constituir: saberes ligados à prática, ao conteúdo, à organização e gestão do
ensino e da aprendizagem.
As dificuldades para ensinar são muitas, mas estas não são admitidas. Se estas
condições fossem assumidas, “estaríamos mais abertos para o novo, para aprender. Mas ao pensar
que sabemos muito, limitamos nosso foco, repetimos fórmulas, avançamos devagar” (MORAN,
1999).
O professor precisa aceitar mudanças profundas na concepção e desempenho da
sua profissão, pois muitos são os indicadores do rebaixamento da qualidade do ensino. Neste
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sentido, assinalamos a colocação de Esteve (1995, p. 98) que ressalta a necessidade de se “evitar
o desajustamento e a desmoralização do professorado, bem como o crescente mal-estar docente,
pois um ensino de qualidade torna-se cada vez mais imprescindível”.
De acordo com Esteve (apud Nóvoa et al, 1995, p.100), o aumento de exigências
em relação ao trabalho do professor é um processo histórico, que aumenta sua responsabilidade,
pois atualmente, o professor declara que o seu exercício profissional ultrapassa os limites do
domínio cognitivo, pois é preciso conhecer o conteúdo ministrado, ser um facilitador do processo
de aprendizagem, entre outras tantas qualidades requeridas para a prática docente.
Com base nestas afirmações, procurou-se investigar,neste estudo, os fatores que
condicionam o êxito de professores, seu olhar sobre o objeto de ensino, acerca do aluno e em
relação à sua prática. Examinou-se o que determina o desempenho com sucesso no exercício da
sala de aula, do professor: seus pressupostos teóricos, seus saberes sobre o desenvolvimento das
crianças na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendências metodológicas e a sua própria
formação.
Segundo Rios (2002, p.12), a partir da variável desempenho do professor, busca-se
absorver e reorganizar o fazer pedagógico, analisando certezas pedagógicas, idéias pré-concebidas,
delineamentos de currículo, o que acontece na prática pedagógica e porque assim acontece,
sobretudo o grau de consciência do professor, pois, “sem o consentimento dos professores, as
mudanças não se realizam”.
Mediante a análise da experiência dos docentes que “deram certo”, averiguamos a
possibilidade de compreender, no âmbito da práxis educacional, o trabalho de qualidade, eficiente
e analisá-lo frente à reforma das políticas da educação básica, apresentada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, de 1996, a fim de relacioná-lo com as formas contemporâneas de saber
fazer, saber conviver, saber ser e saber relacionar-se com os recursos naturais, produzindo e
distribuindo bens, serviços, informações e conhecimentos.
A princípio, analisamos como é concebido o sucesso e como esse triunfo delineia a
competência do professor, que atinge os objetivos educacionais (não tecnicista, aos quais não
estamos acostumados a empreendê-los, enquanto seguimos passivos em nosso treinamento,
nosso comodismo). Educador este que, segundo Moysés (1994, p.15), julgando-se compromissado
com seus alunos, reconhece-os e emprega, de maneira apropriada, o método adequado para o
desenvolvimento da aprendizagem, sobretudo permitindo-lhes que se tornem cidadãos habilidosos
e competentes.
O conceito de competência demanda cuidado, pois esta abordagem é encarada
sem muita clareza epistemológica por ensejar múltiplas interpretações. Em face das novas
demandas do mundo do trabalho, o conceito de competência tem assumido novos significados.
Para Kuenzer (1999, p.171), estas demandas, a partir da substituição progressiva
dos processos rígidos têm deslocado o conceito de formação profissional dos modos de fazer para
a articulação entre conhecimentos, atitudes e comportamentos, com ênfase nas habilidades
cognitivas, comunicativas e criativas. Ou, para usar as expressões correntes, trata-se agora, não
apenas de aprender conhecimentos e modos operacionais, mas de “saber, saber fazer, saber ser e
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saber conviver”, agregando saberes cognitivos, psicomotores e sócioafetivos.
A essência de aptidão, desse modo, extrapola a formação básica do profissional e
aproxima-se do conceito de saber tácito, conhecer que não se ensina e não é passível de explicação;
trata-se de conhecimentos provenientes da prática laboral adquirida ao longo de diferentes
oportunidades; tais saberes não estão sistematizados e não identificam suas possíveis relações
com o conhecimento teórico.
A fundamentação teórica do trabalho está assentada na literatura sobre a configuração
da educação hoje; políticas de formação; a formação do professor; a profissão professor; tendências
educacionais; concepção sobre avaliação; concepção sobre interdisciplinaridade; concepção sobre
ensino e aprendizagem. Em cada momento histórico, identificam-se diferentes situações políticas
e sociais, que interferem no mundo do trabalho, delineando tendências educacionais. Procuramos,
então conceber o momento educacional que vivenciamos, para identificarmos qual sucesso desejado
em educação, atualmente, bem como compreender as políticas de formação dos atuais
“professores”. Para esta análise, em nossa pesquisa, foram de grande importância as contribuições
literárias de Franco, Freire, Kuenzer, Moran, Nóvoa, Pimenta, Morin.
Os estudos de Contreras, Cunha, Freire, Franco, Meirieu, Morais, Moran, Moysés,
Nóvoa, Rios, Sheppard, Zabala subsidiaram as investigações sobre o professor em sua prática de
sala de aula, o qual desenvolve uma forma particular de trabalhar, ligada à sua formação básica e
continuada, à sua identidade pessoal e profissional, à sua consciência sobre sua profissão.
Os aspectos específicos da sala de aula e do trabalho docente, tendências
educacionais, concepção sobre avaliação, interdisciplinaridade e ensino e aprendizagem, foram
estudados de acordo com as referências de Contreras, Hoffmann, Freire, Franco, Meirieu, Moran,
Moysés, Moreira, Perrenoud, Pimenta, Zabala.
No dia-a-dia da sala de aula, na vivência do professor e do aluno, na dialética do
ensino e da aprendizagem, perguntamos: “O que acontece na sala de aula?” A esta pergunta
correspondem mais indagações do que respostas. Assim, o professor comprometido está em
constante reflexão e pesquisa, buscando as melhores formas de atingir os melhores resultados e
respostas. Portanto, o desafio do professor comprometido é estar em constante pesquisa, em
permanente busca da compreensão do que está ocorrendo. Isso significa investigar o porquê dos
erros que os alunos cometem, investigar porque determinado conteúdo parece tão fácil ou tão
difícil. Além disso, há a necessidade de constante aperfeiçoamento por parte do professor para
que possa ter cada vez mais melhores condições de compreender o que está ocorrendo (FRANCO,
1999).
A reflexão sobre a prática e a leitura crítica sobre o cotidiano escolar desvela espaços
de tensão a serem trabalhados. Porém, é necessário que a reflexão, ao tempo em que contribua
para a superação de limites e construção de possibilidades, esteja fundamentada em sólidas
bases teóricas e epistemológicas.
Dessa forma, estará sendo concebida a autonomia intelectual do professor,
necessária para o redimensionamento da sua prática, para a luta e a resistência em defesa da
qualidade e do respeito a seu exercício profissional.
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Ser professor, hoje, requer uma forma de ser, de viver, de fazer, sendo o processo
de comunicação o que efetiva a relação ensinar-aprender:
O professor enfrenta também, na sociedade contemporânea, os desafios dos avanços
tecnológicos que configuram, segundo Rios (2002, p.11), “a sociedade virtual e os meios de
informação e comunicação”. Esta forma de sociedade aumenta ainda mais o desafio do professor
em efetivar a democratização do ensino.
Este profissional, no mundo atual, precisará desenvolver novas habilidades, para, a
partir da sua realidade contextual (escola, aluno, recursos físicos e financeiros, formação), selecionar
conteúdos, organizar situações de aprendizagem em que as interações entre aluno e conhecimento
se estabeleçam de modo a desenvolver as capacidades de leitura e interpretação do texto e da
realidade, comunicação, análise, síntese, crítica, criação, trabalho em equipe. Dessa forma, poderá
promover situações em que o aluno poderá passar do senso comum ao comportamento científico.
Entre as qualidades deste profissional deverá estar presente a capacidade de transpor
os conhecimentos a serem ensinados, promover situações educativas, apreciar a maneira de
como se afere a aprendizagem em cada etapa de desenvolvimento humano, as formas de organizar
o processo de aprendizagem e os procedimentos metodológicos próprios a cada conteúdo. Isso
exige do professor em uma ação-formação a aquisição aguda da consciência da realidade e uma
sólida fundamentação teórica para poder direcionar a realidade e instrumentalizar seus alunos
para o exercício da cidadania.
Em meio a esta teia complexa e enigmática de acontecimentos, a educação busca
sua vez e lugar, procurando redescobrir o papel social da escola e do professor no fazer pedagógico
do dia-a-dia escolar.
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido segundo uma metodologia de pesquisa de campo.
Compuseram a amostra, duas professoras do Ensino Fundamental, do 1º e 2º
ciclos regentes de classe da 3ª série, e uma professora de Literatura, do Pré II à 4ª série, de duas
escolas municipais. A pesquisa foi realizada na zona urbana do município de Castro, Estado do
Paraná, que possui 13 escolas. Destas, duas escolas foram sorteadas, aleatoriamente, para a
seleção dos professores considerados de sucesso. As duas Instituições escolares localizam-se em
diferentes bairros: Na primeira, o corpo docente consta de cinqüenta e quatro professoras, uma
diretora, uma diretora- auxiliar, três supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 550
alunos.
Na segunda escola, o quadro docente consiste de trinta e oito professoras, uma
diretora, duas supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 450 alunos.
Ambas escolas localizam-se na periferia do município e são também orientadas e
supervisionadas pela Secretaria Municipal de Educação.
Quanto aos procedimentos de coleta de dados, a escolha das escolas nas quais
foram aplicados os questionários obedeceu ao critério sorteio aleatório, de uma lista numerada de
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1 a 13, que continha o nome das 13 escolas urbanas do município de Castro. Na presença da
coordenação pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do município, retiramos dois papéis
que continham os números das respectivas escolas.
Para iniciar o estudo, realizamos um encontro com as Direções das escolas
sorteadas, solicitando autorização para a realização da pesquisa, com objetivo também de explicar
como esta seria desenvolvida nestas instituições. Neste encontro, foi-lhes entregue uma carta,
explicando os procedimentos da realização do estudo na escola: realização de uma reunião e
entrevista semi – estruturada com a diretora, com a equipe pedagógica e com os professores para
apresentação da carta de autorização e explicações sobre a pesquisa; esclarecimentos a respeito
da aplicação de questionários, entrevistas formais e informais, observações da rotina da escola e
da sala de aula, bem como verificação dos planejamentos das professoras futuramente indicadas.
Houve aceitação por parte das diretoras, das equipes pedagógicas e dos professores
sobre a realização do estudo, pois compreenderam a importância do trabalho para a valorização
dos bons docentes, através da divulgação de suas práticas e a contribuição para a melhoria no
processo ensino aprendizagem, delineando um perfil profissional de sucesso.
Nestas escolas, foi realizada a indicação anônima, pelas diretoras, supervisoras,
orientadoras e professoras, através de um questionário, sobre quem consideravam o melhor professor e por quê. A análise quantitativa dos questionários permitiu a determinação das três
professoras que participariam da pesquisa.
Quanto aos questionários, dos 102 distribuídos, foram devolvidos 55, que sugeriam
a indicação das professoras de sucesso, efetuamos a análise dos mesmos, sendo três as professoras
mais votadas, duas delas, na mesma escola. Os profissionais da escola que responderam ao
questionário e o devolveram, justificaram sua escolha por determinada professora, atribuindo-lhe
diversas características/qualidades, que em vários questionários se repetiram.
Estas três professoras foram entrevistadas quanto à aceitação em participar da
pesquisa. As mesmas sentiram-se inseguras, tendo medo de não corresponderem à qualificação
de bom profissional. Após aceitarem participar do trabalho, as docentes responderam a um
questionário contendo itens gerais e específicos sobre a sua formação geral e formas de atuação.
Foi observada uma aula destas professoras mediante critérios pré-estabelecidos,
entre os quais: relação professor/escola, professor/alunos e alunos/alunos; momentos e instrumentos
de avaliação, análise do planejamento, metodologia utilizada, seqüência didática dos conteúdos,
materiais didáticos. Tais apreciações foram, posteriormente, registradas. Os dados foram analisados
quantitativa e qualitativamente segundo a literatura que norteou a presente pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na primeira escola foram entregues 60 questionários, dos quais 27 foram
respondidos, enquanto que na segunda, dos 42 questionários distribuídos, foram confirmados 28.
Cerca de 88,67% das professoras têm, em nível de Ensino Médio, o Magistério
completo; aproximadamente 7,57% têm formação em Educação Geral e 1,88% diplomou-se em
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Colégio Agrícola e Logos II. No que se refere ao Curso de Graduação, 26,41% cursaram Normal
Superior; 30,18% completaram o Curso de Pedagogia; Geografia, História, Letras, Educação Física,
Administração e Matemática somam um percentual de 30,18%dos graduados. Dos profissionais
diplomados, 28,26% freqüentaram a Pós-Graduação, que representa 23,64% do total de professoras
votantes.
As professoras, ao escolherem as colegas consideradas de sucesso, apresentaram
características, que segundo conceitos pessoais, definiram as qualidades do profissional que
desempenhou seu trabalho com competência. A criatividade das professoras indicadas foi apontada
por 25,45% das colegas; 18,18% arrolaram a responsabilidade em relação ao seu trabalho e a
atenção preocupação e carinho com as crianças como a segunda característica principal; a
dedicação ao ensino e a preocupação com o aperfeiçoamento e a atualização foi registrada entre
14,54%, pelos colegas; fatores como amar o trabalho, ser dinâmica e perseverante, ajudando a
todos, foram indicados por 9,09%; a inteligência, disciplina e a organização foram fatores assinalados
por 7,27%; a calma, o esforço na profissão, o gosto pela mesma são indicados numa proporção de
5,46%; em 3,63% são indicadas as características do desempenho na trajetória pessoal e
profissional, serem talentosas e assíduas, a demonstração de entusiasmo nas aulas, os comentários
feitos por elas referentes à sua profissão, de estarem sempre correndo atrás de seus sonhos, da
superação das dificuldades, em relação ao modo que age diante dos alunos com respeito, da
preocupação com o progresso dos alunos, de ser uma pessoa meiga, de ser lutadora e paciente,
apresentando-se como um exemplo para todos.
As demais características, cerca de 1,82%, indicaram a capacidade de transmitir
os conteúdos e sua dedicação à educação, o carisma, o comprometimento com a educação, o
desenvolvimento de um ótimo trabalho, a eficiência, a adaptação de sua própria evolução à sua
profissão, o fazer bem feito à profissão, o contágio a todos ao seu redor para que também dêem o
melhor de si, a humildade, o dom de repartir que ilumina o ambiente que freqüenta, a paciência, os
vários anos de profissão, a preparação dos alunos transmitindo valores para toda a vida, ser
trabalhadora.
Em relação às questões sobre a formação das professoras e o seu percurso
profissional, apresentamos em síntese:Professora 1 - concluiu o Magistério em 1985,e em 1988,
iniciou o curso de graduação em Administração de Empresas, concluído em 1991. Começou a
lecionar na Escola Municipal em 1986, onde continua atualmente. Sempre gostou de trabalhar
com 1as e 2as séries, pois são mais entusiasmados com as aulas e tudo para eles é novidade.
Como seu trabalho sempre teve boa aceitação na escola, foi convidada a assumir uma turma com
alunos que apresentavam dificuldades na aprendizagem e comportamento. Encarou o desafio
como incentivo para procurar outras maneiras de trabalhar, pois acredita que quando se tem boa
vontade, sempre é possível conseguir progressos.
Decidiu fazer o Magistério porque sua mãe queria, porque era uma boa
profissão para a filha, que lhe garantiria algum status. Hoje, diz que gosta da profissão e se envolve
muito com os assuntos da escola.
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Professora 2: Concluiu o Curso do Magistério em 1983. Fez sua Graduação
em Licenciatura em História entre 1989 e 1991. Logo que concluiu o Magistério, começou a
lecionar na escola onde trabalha até hoje, e já deu aula para turmas de 2a, 3a e 4a séries. Diz que
sempre se sentiu satisfeita com o resultado de seu trabalho e que foi reconhecida por suas qualidades
profissionais, pois sempre a elogiaram e pediram sua opinião sobre atividades em sala de aula.
Logo foi convidada a trabalhar com Literatura e Artes por mostrar-se criativa e empenhada em
todas as atividades que realizava. Fez o Magistério, por indicação da família, mas hoje adora o
que faz; sente-se segura em relação ao domínio dos conteúdos e que a experiência de 18 anos de
trabalho lhe dá pistas para entender os alunos e decidir quais as melhores ações dentro da sala de
aula. Fazer pós-graduação está em seus planos como meio de aprofundar seus conhecimentos e
melhorar a prática pedagógica.Professora 3: Formou-se no Magistério em 1991 e no período entre
2001 e 2003 fez o Curso Normal Superior com Mídias Interativas, da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, porque sempre quis ser professora e adora sua profissão.
Trabalhou em várias escolas na cidade de Castro (PR), mas teve dificuldades
em adaptar-se a algumas, por não ver seu trabalho valorizado, por falta de apoio pedagógico e por
alguns colegas de trabalho interferirem em sua vida pessoal. Sempre participa de Cursos de
Aperfeiçoamento e diz que de todos aproveita muitas sugestões, os cursos promovem a reflexão
diante das situações de sala de aula e sente-se mais capaz para interferir na aprendizagem.
Consegue ver o aluno em sua globalidade (social, afetiva e psicologicamente). A professora se diz
apaixonada pelos alunos, que eles lhe inspiram, transmitem vida, alegria, energia. Atualmente
ministra as disciplinas de Literatura e Artes, lecionando para turmas de Educação Infantil a 4ª
série, trabalho do qual se orgulha, por ter a oportunidade de transformar seus alunos. Segundo ela,
não houve nenhum apoio por parte da escola, nem financeiro, nem incentivo, nem cooperação no
desenrolar das atividades, mas foi até o fim, movida pelo interesse dos alunos. Sentiu, assim, a
importância de se participar de eventos como este, mostrando que é possível se trabalhar bem,
com alegria e atingir altos níveis de aproveitamento por parte dos alunos, apesar das dificuldades
contextuais.
Quanto às observações em sala de aula, a aula foi preparada pelas professoras
1 e 2 que escolheram o tema a ser estudado. O planejamento não estava elaborado de forma a
destacar títulos, fases (tema, objetivos, desenvolvimento, materiais, verificação, etc), porém foi
descrito em tópicos direcionando o encaminhamento das atividades didáticas, revelando o controle,
conteúdos, contexto, objetivos, categoriais, processos, apresentação, audiência e registros como
elementos estruturais de um planejamento de aula, que se fizeram claros de identificar no decorrer
da aula.
A aula foi iniciada com o estudo da geometria (figuras planas), com os alunos
organizados em duplas. No primeiro momento da aula, como estímulo, as professoras entregaram
um jogo de formas geométricas para a livre exploração pelos alunos, que foram motivados a
compor “quadros” artísticos com as peças. Foram questionados e encorajados sobre a beleza de
sua criação, o que pensaram ao criar. Num segundo momento, as professoras apresentaram um
“quadro” em forma de mosaico, criado pôr elas, com o jogo de formas geométricas, que ficou
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exposto à frente da sala de aula, com o objetivo de desafiar os alunos a tentarem reproduzi-lo. Ao
justificarem como conseguiram recriar o “quadro” das professoras, os alunos comparavam as
formas geométricas usadas, sua cor e tamanho e a posição em que eram organizados. Foi o
momento usado pelas professoras para perceberem o conhecimento que as crianças tinham sobre
conteúdo.
No terceiro momento da aula, as professoras começaram a elaborar a percepção
sobre as formas geométricas, contando-as, selecionando-as, classificando-as, organizando-as por
cor, forma e tamanho, de acordo com as suas orientações. Durante toda a atividade, as diretrizes
das professoras eram advindas de problematizações, colocando os alunos em situações ótimos,
para todos, uma mesma atividade, desenvolvida de acordo com a particularidade de cada aluno.
Em seguida, a contagem das peças foi relacionada com a multiplicação. O quarto momento da
aula foi dedicado ao registro das atividades realizadas, através de uma produção de texto coletiva.
A professora 3 ministrou aula de Literatura para a 2ª, 3ª e 4ª séries. Em seus
planejamentos especificou seus objetivos em relação ao tema escolhido, de quais materiais
precisaria, de como incentivaria os alunos e como encaminharia o desenvolvimento da aula e da
avaliação. Sua primeira aula foi com a 2ª série, cujo conteúdo era a continuação ao Projeto Diferentes
Leituras, elaborado pela professora, com a perspectiva de que a leitura se realiza de diferentes
maneiras e possibilitam leitores do mundo. Os alunos foram posicionados em círculo. Enquanto
cantavam uma música, passavam uma bola; quando a música acabava, o aluno que estava com
a bola pegava um papel com uma palavra escrita ou um objeto que se encontravam dentro de uma
caixa surpresa. Ao retirar uma palavra ou um objeto, o aluno deveria falar sobre o significado do
mesmo para ele. A brincadeira seguiu até que a bola tivesse parado com todos os alunos. Em
seguida, a professora apresentou um cartaz com uma música que abordava em sua letra todos os
temas sorteados pelos alunos. Neste momento, começou uma reflexão sobre a música fazendo
com que os alunos estabelecessem relação com o que já haviam falado sobre sua palavra ou
objetos sorteados.
Na 3ª série, continuidade do Projeto Identidade do Leitor, valorizava a individualidade
de cada leitor que estava sendo formado na escola. Os alunos ficaram organizados em círculo e
a professora utilizou, nesta aula, figuras escolhidas por ela, que se referiam a pessoas para abordar
o tema diferenças pessoais e diferentes formas de leitura. Cada aluno retirava uma figura da caixa
e a descrevia, atribuindo-lhe qualidades. Assim as diferenças eram ressaltadas e valorizadas. Foi
apresentado um cartaz com a música “Pra aprender a ler”, que as crianças leram e depois cantaram.
Com a 4ª série, trabalhou-se diferentes estilos de moradias (casas, apartamentos,
barracos, palafitas, iglus, castelos, tendas), que remetiam à observação do local em torno destes
domicílios, bem como levava à reflexão sobre o porquê das características de cada local e residência,
atividade esta pertencente ao Projeto “Lendo os Ambientes”, que procurava levar aos alunos novas
maneiras de “ler” o mundo. Esta aula foi iniciada com a música “Menino cantador”, escolhida pela
professora, para que as crianças pudessem cantá-la e dançá-la. A partir dessa atividade os alunos
comentaram sobre a liberdade de expressão, a possibilidade de cada um dançar e cantar como
deseja, desde que respeite o espaço dos colegas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, os professores de sucesso caracterizaram-se como pessoas
responsáveis, criativas, que gostam de sua profissão, que estão em constante aperfeiçoamento,
formal ou informalmente, participando de diversos cursos, sempre lendo, buscando novos
conhecimentos, dialogando com seus colegas de trabalho, compartilhando seus medos, suas
idéias, sendo receptivos a sugestões. Mostraram que são pessoas “vivas”, desejosas, atentas,
comunicativas.
Na atuação em sala de aula, essas professoras mediaram o processo de ensino e
aprendizagem através dos materiais didáticos, das estratégias de suas aulas, do relacionamento
com os alunos, de sua própria motivação para educar, de suas crenças, de seu profissionalismo,
de seu compromisso com a educação, de seu papel cidadão.
A qualidade dos materiais didáticos, o lúdico, as brincadeiras e jogos foram recursos
decisivos na motivação, bem como o encaminhamento das professoras em relação ao uso e
desenvolvimento as desses materiais e brincadeiras. Dessa forma de motivação, consolidou-se a
aprendizagem significativa, estabelecendo-se um elo de ligação entre os alunos e as professoras,
provocando um clima favorável à aprendizagem.
No decorrer da jornada laboral das escolas é preciso cuidar da formação psicológica,
cognitiva, afetiva, social, didática e metodológica do professor; necessário é, construir um ambiente
de trabalho acolhedor, pois é onde o profissional “vive” por um determinado período de tempo, e
que se viva bem; e, principalmente, o professor deve “sentir-se” professor, abraçar a profissão e
desempenhá-la da melhor maneira possível.
O estudo caracterizou o professor como “figura integral” (homem, cidadão,
profissional), inserido e agindo num espaço/tempo particular, parte da história, válida e relevante.
A praticidade apresentada pelas professoras em seus métodos, na organização de esquemas
práticos de ação, relacionados com os objetivos da aula, articulando suas idéias e práticas, revelaram
uma ação-reflexão-ação, de forma criativa e intuitiva, sem marcas científicas, revelaram um
crescimento profissional no ambiente de trabalho, buscado para suprir a deficiência da formação
inicial. As professoras sabem da importância da constante atualização, relacionada à
responsabilidade que têm em veicular os conhecimentos entre os alunos, de forma crítica e reflexiva.
Revelou-se o posicionamento das professoras em relação à sua profissão, à sua
responsabilidade como modelo para o aluno, configurando a consciência do professor em relação
ao seu trabalho em sala de aula. A consciência sobre o próprio desempenho profissional leva ao
reconhecimento da necessidade da interação das escolas de Ensino Fundamental com as
instituições de formação básica do professor, de forma a clarificar as necessidades daquela, que
podem ser superadas por estas, na formação do futuro professor.
O referencial educacional e profissional que temos hoje é negativo em muitos
aspectos: histórico, social, econômico, afetivo, educativo, ético. Tão necessária é a construção de
um referencial positivo. Com este trabalho, percebemos que é possível uma educação de qualidade,
mesmo diante das dificuldades físicas, financeiras, sociais, políticas, de formação básica no seio
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da escola. Evidenciou-se que é através do próprio professor – da educação – que a educação
pode mudar, buscando-se uma formação crítica e integral dos educandos, nas formas de conceber
o conhecimento e utilizá-lo, contribuindo para a formação de pessoas éticas, responsáveis.
Ser professor é uma arte, pois requer um agir com responsabilidade, criatividade,
buscando o conhecimento, ousando, amando. Certamente, que estas professoras de sucesso não
estão totalmente descansadas sobre a efetividade do seu trabalho, mas, certamente, estão
repousadas sobre a certeza de viverem um trabalho digno, consciente, incorporado ao seu viver –
uma qualidade de ser e viver (com seus alunos).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MORAN, José Manuel. Educar o educador. Disponível em: <http: www. eca.usp.Br/prof/moran –
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MOYSÉS, Lucia Maria. O desafio de saber ensinar. Campinas: Papirus, 1994.
PIMENTA, Selma Garrido (org.); CAMPOS, Edson Nascimento; et.al. Saberes pedagógicos e
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RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência de melhor qualidade. São
Paulo: Cortez, 2002.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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GEOGRAFIA E LITERATURA: MEIOS DE CONSTRUIR
E MODELAR SIMBOLICAMENTE O MUNDO
Maria Dalva de Souza Dezan; Fadel David Antonio Filho (UNESP/IGCE/RC-SP)
I - GEOGRAFIA E LITERATURA: DO LÚDICO AO DISCURSO IDEOLÓGICO.
A Geografia, como ciência que estuda e interpreta a espacialidade, busca através
do método científico formas para “ler”, conhecer e manipular a realidade do espaço seja em relação
à paisagem natural ou a criada pelo homem.
A existência de inúmeros meios, embasados nas diversas “correntes” do
pensamento geográfico, objetivando entender e interpretar a realidade espacializada, imediata ou
mediata, oferece ao geógrafo ou ao professor de Geografia, um rico cabedal de possibilidades para
tais fins.
A Literatura, em especial a “regionalista”, vem surgindo cada vez mais, como
uma possibilidade instigante e promissora, como um meio a ser utilizado pelo geógrafo ou pelo
professor de Geografia, no sentido de melhor entender e interpretar a realidade estudada.
Entendendo que não há neutralidade de opiniões, o literato ou o escritor, na
medida em que faz parte de um grupo social, certamente sofre influência deste no tocante a forma
de ver e sentir o mundo. Com isso, a produção de um escritor ou literato traz sempre embutida
valores, idéias, concepções, conceitos, etc., o que consubstancia a chamada “visão de mundo”
(do escritor que também é do seu grupo social, na maior parte das vezes).
Relatos calcados na realidade vivida ou em fatos ficcionais criados pelo autor,
têm sempre embasamento na própria experiência e visão do mundo do mesmo (que em última
instância também é do seu grupo social). Há, entretanto, casos em que o autor sofre uma espécie
de “cooptação orgânica” e assume integralmente uma “visão de mundo” de outra classe social.
Assim, na Literatura quando ocorre uma composição do entorno, caracterizando
o cenário (seja ele rural, urbano, natural, etc.) e sendo o enredo do texto ficcional ou não, naturalmente
ocorre a impregnação de componentes da ideologia do autor, escritor ou literato. Não há neutralidade
possível. As personagens vão expressar sentimentos, idéias, inspirações, juízo de valores,
conceituações, etc., embutidos na visão do mundo perpassada. É preciso sempre entender que a
“visão do mundo” é uma dimensão política que impulsiona à prática social e, como tal, representa
uma força histórica real, concreta. Neste sentido, “visão do mundo”, de acordo com GOLDMANN
(1979, p.19).
(...) é precisamente esse conjunto de aspirações, de sentimentos e
de idéias que reúne os membros de um grupo (mais frequentemente,
de uma classe social) e os opõem aos outros grupos.
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Isso significa que a “visão de mundo” está inserida no que comumente
chamamos de ideologia. Dentro desta premissa, o espaço deixa de ser entendido apenas como
objeto, como se faz na perspectiva naturalista ou, por outro lado, como uma produção material da
sociedade, numa visão coisificada, mas passa a ser entendido como parte inerente do processo
social.
Com isso, compreendemos que o conjunto dos discursos que expressam uma
determinada “visão do mundo”, emana concepções, idéias e valores que uma dada sociedade ou
grupo social, num determinado momento, concebe acerca do seu meio e tece relações com ele,
caracterizando o que denominamos de “pensamento geográfico”.
Nestes termos, de acordo com Moraes (apud Antonio Filho, 1995), o chamado
“pensamento geográfico” tem uma abrangência tal que unifica os mais variados discursos, com
fundamentação não somente nas diversas “concepções” historicamente ligadas à Geografia, mas
também, nas reflexões originadas de outros saberes, cujo sentido tenha relação com os conteúdos
dos temas produzidos pela consciência do espaço. Isso implica, inclusive, numa abertura ao
conhecimento tradicional-popular, porque faz parte também do acervo histórico produzido
socialmente no contexto da formação cultural de uma sociedade ou de um grupo social. Estão
assim, presentes em contextos discursivos, os mais diversificados, além dos estritamente ligados
à Geografia, abrangendo desde a pesquisa científica ao texto jornalístico, passando pela Literatura,
a ensaísta, o pensamento político, etc.
Quanto à Literatura, nos apoiamos em SEVCENKO (1983, p.233), ao afirmar que:
(...) não é uma ferramenta com que se engendrem idéias ou fantasias somente para a instrução ou deleite do público. É um ritual
complexo que, se devidamente conduzido, tem o poder de construir
e modelar simbolicamente o mundo, como os demiurgos da lenda
grega o faziam.
Neste sentido, o fato da Geografia buscar nos textos literatos fontes de
interpretação e “leitura” sobre determinado espaço social ou natural, significa também, entre outras
coisas, numa “maneira simples e sugestiva” de estudo, proporcionando o lúdico ao que seria ou
poderia ser, um texto técnico e muitas vezes desinteressante para o leitor leigo. É um geógrafo,
talvez pioneiro no Brasil em abordar o tema, SEGISMUNDO (1949, p.329) que escreve:
É nos livros dos romancistas, que melhor poderemos conhecer certas
particularidades da flora e da fauna, e as características de determinados grupos étnicos.
II – A LITERATURA COMO FONTE DE APRENDIZAGEM GEOGRÁFICA
Existem bons livros e textos literários (aí incluídos, entrevistas, artigos, relatos
de viagens, etc.) que podem ser utilizados pelo professor (em especial o de Geografia), no sentido
de embasar ou subsidiar idéias e conceitos geográficos. Obras como Os Sertões, de Euclides da
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Cunha, Grandes Sertões Veredas, de João Guimarães Rosa, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo,
O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, São Bernardo, de
Graciliano Ramos, Mad Maria, de Márcio de Souza, para citar alguns, são exemplos de bons livros
que podem perfeitamente serem usados na aprendizagem da Geografia.
Entretanto, entendemos que o professor deve ter alguns parâmetros para, com
segurança, adentrar neste tipo de ensino, sem cometer o equivoco de expor idéias sem o devido
crivo critico.
Em primeiro lugar, deve o professor entender que nem em ciência nem em
literatura ficcional existe posicionamento de neutralidade. No caso do trabalho científico, nos valemos
de CAPRA (1986, p.81-82) que escreve:
Os modelos que os cientistas observam na natureza estão intimamente relacionados
com os modelos de sua mente com seus conceitos, pensamentos, valores (...). Embora muitas de
suas detalhadas pesquisas não dependam explicitamente do seu sistema de valores, o paradigma
maior dentro do qual essas pesquisas são levadas a efeito nunca está isento de valores.
Essas observações são igualmente válidas para os textos literários. Como explica
SICHES (1968, p.666), no contexto da Sociologia da Linguagem que: Toda linguagem leva implícita
uma interpretação do mundo e de certo modo contém juízos éticos que exercem sua influência
sobre a vida social.
Entende-se , desta forma, que o texto literário como forma de linguagem, busca
sempre interpretar o mundo (mesmo no sentido simbólico, ficcional e subjetivo) e apresenta,
explicitado ou não, valores e idéias de grupos sociais, em geral dominantes em sua ideologia.
Em segundo lugar, o professor deve entender que o texto literário, mesmo quando
retratam cenários ou temas pretéritos, trazem embutida a visão do mundo do grupo ou da classe
social ao qual o autor pertence. Sobre o assunto, SEVCENKO (op. cit. P. 20), escreve que:
Afinal, todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, uma
vez que os seus temas, motivos, valores, normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela
sociedade e seu tempo – é destes que eles falam.
Isso tudo significa que ao trabalhar um texto literário, o professor deve ter
sempre em mente que o autor estudado, expressa em sua linguagem, em geral a ideologia do
grupo social dominante e que ele (o autor) é um elemento representativo. Se condicionarmos essa
afirmativa é porque há exceções. O chamado “intelectual orgânico” Gramsciano, representa um
exemplo de autor que adota, perfeitamente, a visão do mundo de outra classe social.
Com todas essas condicionantes expostas acima, o professor tem a possibilidade
de trabalhar um texto de maneira mais rica, na medida em que, com o prévio estudo sobre o autor
e seu tempo, pode estabelecer as influências sofrida em suas obras e consequentemente em seu
discurso.
A leitura geográfica das fontes literárias, mesmo ficcional, nos fornece inúmeros
exemplos, nos quais a idéia da espacialidade e a interação deste parâmetro com os fenômenos
sociais, econômicos e culturais, conseguem realizar uma síntese perfeita.
Na leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, por exemplo, encontraremos
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majestosas narrativas de cunho geográfico, em particular nos dois primeiros livros (A Terra e O
Homem). A descrição “cinematográfica” dos cenários e dos fenômenos físicos que assolam os
sertões nordestinos, de clima semi-árido, até a formação do homem sertanejo, apresenta uma
elaboração didática impar. Perpassa a Geografia ao longo do texto, favorecendo uma leitura rica
tanto ao docente como ao aluno.
O livro Cidades Mortas, de Monteiro Lobato é outro exemplo, no qual o professor pode explorar. Unindo os aspectos geográficos e históricos, somos contemplados com a
descrição fidedigna do Vale Histórico das Cidades Mortas da Região da Serra da Bocaína e outros
“causos”. Esse livro possibilita ao aluno, mesmo das séries iniciais do ciclo II do ensino fundamental, uma visão bastante interessante daquele subespaço “deprimido” e de sua rica herança histórica.
Dependendo do interesse do professor e do estímulo dado ao aluno, as obras
literárias podem servir igualmente para moldar os propalados estudos em conjunto. Neste caso,
várias disciplinas escolares e evidentemente vários docentes, proporcionariam ao aluno uma visão
mais abrangente de determinado tema.
CONCLUSÕES FINAIS – REFLEXÕES SOBRE O TEMA
A Literatura como fonte de informações geográficas, começa a ser valorizada
pelos docentes como um meio eficaz de aprendizagem. Evidentemente, está implicitado que uma
pesquisa e o conhecimento prévio de conteúdos e autores, ajudam a definir os mais interessantes
textos/livros, considerando o público alvo e os objetivos da proposta pedagógica.
Com tudo isso podemos, entender que o texto literário está dentro das
concepções do chamado “pensamento geográfico”, isto é, um discurso produzido pela consciência
de espacialidade.
Para o professor, o texto literário tem a vantagem de unir o lúdico e a informação
embasada em conceitos técnicos. Muitas vezes, o entendimento de um fenômeno é muito melhor
“digerido” através de um texto literário do que de um texto científico. Isto é um fato.
Há, entretanto, a necessidade do professor entender que todo discurso literário
ou técnico/cientifico, traz embutido, valores e juízos que devem ser trabalhados, sempre em razão
do processo histórico e do espaço geográfico no qual foi concebido.
Desta maneira, acreditamos que a literatura regionalista é a que mais se ajusta,
nas pretensões pedagógicas, de utilizar o discurso literário como fonte de informações geográficas.
A proximidade com determinada realidade é circunscrita a um determinado espaço, a literatura
regional apresenta características próprias e traduz com mais propriedade, uma experiência
vivenciada por grupos sociais com os quais podemos nos identificar.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo, Círculo do Livro, 1986.
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GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura.2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
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GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Circulo do Livro, 1981.
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SEVCENZO, Nicolau. Literatura como Missão (Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira
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SICHES, L. Recásens. Tratado de Sociologia. Porto Alegre. Globo, 1968 (vol. 02)
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INFÂNCIA E MODERNIDADE: IMPLICAÇÕES
PARA A FORMAÇÀO DE EDUCADORES
SILVA, Anilde Tombolato Tavares da (UEL); PAGNI, Pedro Ângelo (UNESP/Marília)
A questão fundamental deste trabalho tem como preocupação traçar um paralelo
entre infância e contemporaneidade, pela via do pensamento filosófico. Buscamos desta forma,
entender como as noções de infância que se constituíram historicamente na busca de investimentos
das potencialidades para a superação da fase da infância e na idéia de que a contemporaneidade
possibilita um déficit de experiências que impedem este caminho, influenciaram na concepção de
infância da sociedade contemporânea e na dos professores que atuam com Educação Infantil.
Estabelecendo uma ruptura com as representações acerca da infância produzida
pelos professores de Educação Infantil, dentro de um movimento circular e dialético, propomos
partir destas representações para voltar novamente a elas. Algumas destas representações surgiram
de questionamentos reflexivos sobre a infância na disciplina Infância e Cultura no curso de
Especialização em Trabalho Pedagógico em Educação Infantil da Universidade Estadual de
Londrina, ministrada no primeiro semestre de 2005, com aproximadamente 40 alunos que atuam
profissionalmente com crianças da Educação Infantil, Séries Iniciais ou em ONGs. As questões
buscavam estabelecer quais os pontos positivos e negativos da infância na contemporaneidade e
as diferenças estabelecidas entre a infância destes professores e a das crianças com que trabalham.
São questionamentos que nos trouxeram relatos como: [...] quando eu era criança
tudo era mais tranqüilo que agora, as crianças de hoje são muito influenciados pela mídia e não
aproveitam a sua infância...; [...] a criança ainda não sabe o que é bom ou ruim, a família e a
escola precisam orientá-los...; [...]a família já não tem mais tempo para ficar junto de seus filhos,
nem sabe o que acontece com eles durante o dia...;[..] é preciso conhecer bem como se dá o
desenvolvimento da criança para prepará-la para o futuro...;[...]as brincadeiras, as fantasias e os
brinquedos já não os mesmos...; [...] tudo vem tão pronto,a única preocupação é com lucro, hoje
já não há mais espaço para a criatividade... Pensamentos que trazem junto, a idéia da criança
como um ser diferente do adulto, de idades profundamente diferentes e a serem respeitadas
nestas diferenças. Uma idéia que entre outras, tanto influenciaram o pensamento pedagógico no
Brasil e que nos interessa desvendar pelo caminho da reflexão filosófica, no interior do processo
histórico em que se desenvolveu.
Na construção do quadro teórico que nos subsidie no caminho das transformações
das noções de infância e o pensar sua relação com a modernidade, seguimos os passos da
história da narrativa que se foi construindo sobre as noções de infância e a própria construção do
sujeito, que embora se evidencie somente no pensamento moderno, estão presente desde Platão,
atravessando a pedagogia cristã de Sto Agostinho, chegando até nós pelos meios cartesianos,
onde a infância se apresenta como um mal necessário ou uma condição próxima, ao estado
animalesco e primitivo, que deve ser domada, vigiada, corrigida e controlada, pois a “criança é de
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todos os animais o mais intratável”, como nos diz Platão na República ou ainda como Sto Agostinho,
nas Confissões “o testemunho vergonhoso do pecado que nos marca.”
Neste caminho, atravessamos o renascimento com Montaigne até o romantismo
de Rousseau, onde a narrativa histórica nos mostra que as crianças não devem ser depósitos de
ensinamentos, normas e conteúdos, mas a via da educação deve preparar as almas das crianças
para que nelas possa crescer e se desenvolver a inteligência de cada um, dentro do respeito ao
ritmo e interesse particular.
Nosso caminhar segue até a infância na modernidade, na formação da criança no
mundo adultizado e por desafios postos pela racionalidade humana. A reflexão filosófica
contemporânea abre neste ponto, um campo de análise, quando busca elaborar uma experiência
com a in-fância, com a crítica sobre a modernidade e o empobrecimento da experiência preconizada
por Walter Benjamin e de seus seguidores como Jean-Marie Gagnebin, Giorgio Agambem e de JF Lyotard; assim como Theodor W. Adorno, entre outros para uma análise da relação existente
entre as transformações técnicas da sociedade e suas modificações da percepção estética. Autores
que nos dão subsídios para uma discussão crítica sobre as conseqüências do capitalismo na vida
do homem contemporâneo.
Refletindo sobre as falas dos professores, podemos perceber a idéia, ainda está
muito presente na prática educativa dos professores envolvidos com a formação da criança, onde
esta se apresenta como um construto cultural, uma imagem gratificante que os adultos necessitam
para sustentar suas próprias identidades. E neste processo, a cultura midiática como a TV, Internet,
jogos eletrônicos, entre outros meios de comunicação são acusados de não permitir espaço para
a experiência da infância como se fosse um movimento de silenciar a própria infância e interferir a
passagem para a fase adulta.
Theodor Adorno (1985), dentro desta linha de pensamento, detecta a subsunção da
produção da cultura a uma dinâmica de produção eminentemente capitalista, através da formulação
do conceito de indústria cultural. Este conceito, muitas vezes tão mal compreendido em seu
cerne, denuncia a preponderância da lógica da mercadoria (indústria) e a conseqüente subordinação
à lógica cultural, configurando assim, uma produção capitalista de bens simbólicos.
Volta sua preocupação à mídia, mais precisamente à televisão, onde ressalta sua
função formativa ou deformativa em relação à consciência das pessoas. Enquanto na sua função
formativa, a televisão permite “pensar problematicamente conceitos”, possibilitando adquirir um
juízo independente e autônomo a seu respeito, sua função deformativa ressalta seu poder ideológico.
Compreende a mídia como ideologia, como “tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência
e um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem procura impor às
pessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos.” (ADORNO, 2003,p.
80).
O caráter ideológico formal da televisão, segundo Adorno (2003), desenvolve um
vício televisivo:
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Dimensão cultural na formação de professores
“[...] a televisão, como também outros veículos de comunicação de
massa, converte-se pela sua simples existência no único conteúdo
da consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de sua
oferta daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto
e sua prioridade. (p. 80)
As concepções de infância presentes na sociedade capitalista, principalmente quando
nos referimos à dos grandes centros urbanos, passa a idéia de consumo desenfreado, e
consequentemente da falta de espaço para o desenvolvimento da verdadeira “experiência”, como
à proclamada por Benjamin, pelo acúmulo de situações passadas superficialmente ou mesmo
pela contribuição à semiformação proclamada por Adorno. É neste processo que a cultura midiática
como a TV, o acesso à internet entre outros meios de comunicação de massa é acusada de não
permitir espaço para a experiência da infância. Como se fosse uma doença crônica contemporânea,
que traz um acúmulo de informações, mas sem permitir que se efetivem como experiências, mas
apenas vivências superficiais, impedindo o desenvolvimento da criatividade, da aprendizagem, do
mundo criado pelo adulto; como se houvesse um movimento para silenciar a própria experiência
da infância em prol do desenvolvimento do capital.
Esta percepção, presente entre nós professores, por muito tempo, enlaçada pela
idéia de educação que se apresentou aparentemente suficiente e conclusiva, onde o espaço da
infância deveria ser uma fase a ser abandonada, a ser superada, nos fez buscar compreender
melhor o espaço da infância em nossa tradição educacional.
J-F Lyotard (1992: 420), o faz pela referência às figuras do manceps - aquele que
toma algo em suas mãos, o que se apropria ou possui algo ou alguém e do mancipium - o que não
pertence a si mesmo, mas a um outro; ou seja, a criança é percebida nos termos de um mancipium,
que precisa ser levado pela mão e assim, a infância é associada à imaturidade, ao despreparo, a
um momento que deve ser preparado para a emancipação, ser dono de si mesmo, a superação,
chegar à vida adulta. E nos discursos pedagógicos, a nossa prática foi se traduzindo como uma
prática “centrada na criança”, da relação do manceps sobre o mancipium, onde este escolhe
guiar-se pelo outro, buscando caminhos para a superação e abandono da fase da infância.
Este constructo contribuiu na formação pedagógica da maioria dos professores de
Educação Infantil e de Séries Iniciais, sendo preparados para que neste processo, todas as crianças
fossem vistas como iguais, e se não fossem, deveriam trabalhar para que se tornassem iguais.
Poderiam ter variações nas idades, no desenvolvimento, no domínio das habilidades, mas que, no
fundo deveriam participar do grande projeto da espécie humana; como já enunciado por Kant
(1996), todas seriam essencialmente capazes de atingir o ápice das possibilidades previstas: “o
pleno desenvolvimento das potencialidades humanas”( pg 19).
Nesta forma de pensar a educação, seu objetivo passou a ser, o de “estimular as
potencialidades da criança”; como se as crianças estivessem lá à espera de serem desabrochadas
e o sucesso dependesse das medidas bem conduzidas, dosadas e direcionadas para promover
este desabrochamento. No entanto, as desigualdades impostas pela própria realidade mostraram
que isto era insuficiente, pois havia uma estranha distribuição destas “potencialidades” que era tão
simétrico às distribuições das posições de vantagem dentro da sociedade.
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Um novo conjunto de idéias que a própria realidade se incumbiu de impor, buscou
novos rumos e se colocou como um desafio para a educação das crianças. Não se trata mais só
da busca de investimentos nas potencialidades para a superação da fase da infância, mas também
de entender o déficit de “experiências” que impedem este caminho e que provém da carência de
ordem econômica, social, cultural e da influência das novas tecnologias e principalmente da
impossibilidade de nossas crianças contar sua própria história, que de certa forma, foi instaurando
uma idéia de “interdição da infância” com o empobrecimento da experiência.
Para entender este “déficit” de experiências, recorremos a Walter Benjamim (2002)
que tece suas críticas à negação da infância como a própria negação da experiência. A sua crítica
permeia a modernidade e o risco que ela traz junto, que reside na ausência de espaço para a
experiência e de se perder a capacidade de narrar, de contar a sua própria história.
No seu texto Experiência e Pobreza, Benjamin (1986) afirma que a “cotação da
experiência” está em baixa, assim como o prenúncio do esfacelamento da narrativa como resultado
do desenvolvimento tecnológico. Um fim consagrado, segundo ele, pela Primeira Guerra: “Já não
se podia constatar, naquela época, que as pessoas voltavam mudas do campo de batalha? Não
voltavam enriquecidas, senão mais pobres em experiência comunicável.” (pg.195). Na crítica
deste autor, se a humanidade já não consegue expressar pelas palavras, nem compartilhar histórias
é porque está presente a sujeição do indivíduo às forças impessoais e todo poderosas da técnica,
da rapidez tão radical que traz consigo uma transformação que o homem já não consegue mais
narrar às mudanças. E que numa análise apocalíptica traz sua sentença: “Uma miséria totalmente
nova se abateu sobre o homem com este desenvolvimento monstruoso da técnica.”(pg.195)
É esta experiência, inscrita na temporalidade, comum a várias gerações que Benjamin denuncia não existir mais na modernidade. E ao se referir à infância, diz que a experiência
se tornou uma máscara “inexpressiva, impenetrável, sempre igual” (p. 21) a do adulto. Máscara
que aparece encobrindo uma submissão fatalista e de consenso entre os adultos em frases muito
presente entre nossos professores e porque não dizer entre os adultos nos dias atuais como: as
coisas são assim mesmo, sempre foi assim e assim será. A experiência passa a ser uma simulação
de uma vida não vivida, de sonhos não realizados, nem sequer tentados, a arma do próprio adulto
que combate a própria infância; ou seja, a experiência daquilo que poderia ser diferente. Para
Benjamin, é possível desvelar esta máscara, acreditando que cada uma de nossas experiências
deve possuir efetivamente conteúdo; um conteúdo que nós mesmos conferimos a partir de nosso
espírito.
Para Giorgio Agambem (2005), um dos maiores estudiosos de Benjamim, “Todo
discurso sobre experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que
ainda nos seja dado a fazer. Pois, assim como foi privado da sua biografia o homem contemporâneo
foi expropriado de sua experiência.”(pg 21) Talvez, buscando denunciar, como o próprio Benjamim
que se o homem perde a capacidade de falar, de contar a sua história, também não tem infância
já que no humano, a infância é a condição da sua história, é o próprio sentido e ambiente da
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experiência.
Para este autor, a infância deixa de estar associada à criança, ao ser humano imaturo,
inferior, frágil e passa a ser condição de rupturas, experiências e transformação de qualquer ser
humano independente da idade. Diz ainda Agambem (2005: pg.65)
Por isso a história não pode ser o progresso contínuo da humanidade falante ao
longo do tempo linear, mas é, na sua essência, intervalo, descontinuidade, epoché. Aquilo que
tem na infância a sua pátria originária, rumo à infância e através da infância, deve manter-se em
viagem.
Através destas palavras damos uma conclusão temporária, já que não se pode
marcar um fim para este percurso sobre a infância, retornando as concepções percebidas entre os
professores citados no início do texto e que se apresentam ainda marcadas pela condição do
infante – aquele que não tem voz, mas que serve para acolher os sonhos não realizados dos
adultos. O desafio para os professores que atuam com a Educação Infantil é superar as concepções
ainda arraigadas na nossa prática e que a idéia de infância deixe de ser a que se refere a um
momento limitado, uma etapa cronológica e passe a ser uma condição da existência humana,
onde cada vez seja sempre a primeira, para perceber que não há ser humano inteiramente adulto.
O grande desafio é se permitir, adultos e crianças a viver a infância como novidade, experiência da
descontinuidade. O universo da infância não é “nem domínio do pecado nem jardim do paraíso, a
infância habita muito mais, como seu limite interior e fundante, nossa linguagem e nossa razão
humanas.”(GAGNEBIN, 1996, pg.99). A interdição da infância, o empobrecimento da experiência
e sua relação com o conceito resultante sobre infância na contemporaneidade; seja pela influência
da mídia ou não estão relacionados ao próprio conceito de homem como sujeito da história e da
cultura. Portanto, não se trata mais só da limitada capacidade de narrar, mas daquilo que os
adultos já não querem mais ouvir, pois a criança dentro de seu campo de percepção vê aquilo que
o adulto já não vê mais.
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Horizonte/MG: Editora UFMG, 2005.
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Dimensão cultural na formação de professores
NOTAS SOBRE O PROBLEMA DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
GELAMO, Rodrigo Pelloso; LIMA, Márcia Machado de (UNESP- MARÍLIA)
Lugares comuns. Idéias consagradas. Problemáticas crônicas, talvez insolúveis.
Discussões recorrentes. Poderíamos aplicar tudo isto ao tema “formação dos educadores”. Esta
questão permanece na ordem do dia segundo o olhar acadêmico à questão. A recorrência fornece
indicadores que tal tema pertence ao rol daquilo que deve ser tratado de forma mais detida.
É só abrir os jornais ou acompanhar o noticiário da TV1, além das próprias publicações
do meio educacional. Com muita freqüência, num volume que salta aos olhos, fatos entre si
diversos, ligados à educação são informados e analisados por experts e por outras pessoas que se
declaram defensores do direito e da cidadania e preocupados com a formação dos educadores.
A mídia, neste caso, nos fornece um dos índices: o poder de mobilização que esta
questão possui. Educação é notícia! Mais do que isto. A educação se constituiu em uma
problemática que afeta os dias que correm e é tratada como um problema crônico.
Certa urgência em apresentar respostas ao problema da formação de professores é
um dado flagrante também indicado em mídias especializadas assumido como parte da crise do
ensino. Traço que marca esta produção é a necessidade apresentada pelas pesquisas na área em
estabelecer questões, projetos, políticas, enfim, respostas para aquilo que convencionou-se chamar
de “crise do ensino”2.
No centro da discussão está o professor. Há uma pluralidade de discursos que
cercam esta figura, dada a instância na qual circula, muito próxima do espaço de relações na teia
das quais o conhecimento é produzido, principalmente quando se trata da produção no interior da
escola, no/do espaço da docência. Discursos acerca do professor e da formação de professores
acontecem em sentidos que formam um campo diversificado, no qual convivem planos distintos.
Percebemos discussões por vezes insólitas. Outras vezes, ordenadas, controladas e
esperançosamente propositivas. E em alguns momentos, discussões acontecem a partir do lugar
do não-compreensível3 - como tudo o que nos dá o que pensar.
Formação de professores não é um tema simples. Isto nos levou a tentar organizar
este texto como um registro do problema que apenas começa a se colocar para nós. A partir daqui
não entendemos mais o problema como sinônimo de questões ou de perguntas, mas problema
como aquilo que ataca o pensamento4. O caráter ontológico da questão impõe que continuemos a
nos perguntar acerca de como a formação de professores se constitui como problema. Mas em
um sentido diferente daquele da busca por respostas já estabelecidas que poderiam ser adaptadas
para as circunstâncias requeridas para as questões levantadas. Nesse sentido, é necessário manter
formação dos professores como um problema: tenso. O que pretendemos é justamente romper
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Dimensão cultural na formação de professores
com a análise que tem o paradigma da universalidade e da cientificidade que trilha caminhos
insólitos na busca de uma padronização do ensino.
Então, o que temos encontrado no plano instituído da discussão no campo
educacional acerca da formação de professores? Há posições que circulam e, de alguma maneira,
disputam. Algumas se tornaram majoritárias5.
Há os técnicos, para os quais a “crise do ensino” reflete a falta generalizada de
capacitação por parte dos educadores quanto ao manuseio dos instrumentos pedagógicos que
otimizariam o tempo e a produção na busca de respostas e resultados.6 O saber técnico científico
constituiria-se, então, no aval à valoração como boa à acumulação de conhecimentos bem
classificados, constituindo a “bagagem” profissional. A consolidação de tal “bagagem” garantiria,
portanto, a quem a detém, todas as condições técnicas de responder às situações adversas que o
campo profissional colocaria ao professor cotidianamente. Tal capacitação implica ainda as idéias,
em última instância, de universalidade, objetividade e aquisição definitiva na relação com o
conhecimento.
Para os críticos, por sua vez, caberia aos educadores a tarefa de viabilizar
concretamente os projetos, os processos e as políticas que têm como fim assegurar que a escola
cumpra seu papel social e sua missão: ensinar e ensinar bem. Seguramente, deste modo, estaria
promovendo a concretização das expectativas acerca da sociedade justa, cidadã, o objetivo, este
sim, legítimo.
Tanto na perspectiva dos técnicos quanto na dos críticos, é recorrente a produção
acadêmica sobre formação de professores. A pretensão maior é de que o terreno possa ser remexido,
a terra possa ser revolvida, que a discussão possa ser retomada. Pretendem ensinar para uma
finalidade, para um objeto fim. Para isso criam métodos para alcançar este objetivo.
O problema da finalidade da educação aparece em ambos os casos. Ambos têm
como paradigma o ideal de Educação como meio para se alcançar a perfeição. Tanto em um caso
quanto noutro, o ensinar é sempre um caminho universal e necessário. Este ponto os une no
mesmo paradigma de racionalidade.
A formação de educadores entendida a partir da cultura e ao nível da prática impõe
um caminho universal e necessário. A necessidade determina os padrões de comportamento e de
moralidade aos educadores, restringindo seu fazer educacional a uma reprodução de práticas e de
métodos entendidos como os melhores meios de transmissão de conhecimento.
No âmbito da filosofia moral, o costume é o formador do senso e da consciência do
sujeito instituindo um compromisso moral dele para com determinadas atitudes em relação ao
Bem, e não outras, as quais fazem parte de suas crenças e que o impelem no caminho considerado
acertado. Esta é uma discussão que afeta diretamente o educador em todas as suas instâncias profissional, familiar, política, ou seja, em todos os contextos em que está inserido cotidianamente.
Isto especialmente porque o universo da produção do conhecimento que o envolve, mesmo sendo
múltiplo, nele está implicado um movimento ideológico7, de fechamento, que impõe parâmetros
para a validação, independente da forma e do grau de sua consciência, de seu senso moral,
quanto ao que está implicado. Recorrendo à unidade representacional: a moral.
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Esta dimensão sub-reptícia envolve mais que a dimensão formal da formação,
demarca fronteiras dentre as quais a sua discussão acontece. Se isso nos bastasse, ainda estaríamos
crendo em uma Verdade moral. Sentimentos, condutas, ações formam um tecido intrincado a
partir da produção de subjetividade nas instâncias das quais participam. Acredita-se que a
participação social, entendida como a formação, apesar e porque se trata de trajetória vivida,
forma-os como a quaisquer outros agentes, segundo o ethos – o costume. É importante justificar
que ao dizer ethos estamos nos referindo aqui ao conjunto de costumes tradicionais de uma
sociedade, que devem ser coletivizados, assumidos por todos e considerados valores e obrigações
para a conduta de todos. Em outras palavras, cada um apreende o ethos visto como costume, que
por ser anterior ao aparecimento do agente e por formar o que distingue a sociedade na qual vive,
deve ser incorporado em bloco pelo senso moral de cada indivíduo e defendidos com consciência
crítica8.
Esta reflexão sobre o conceito de costume acaba dando visibilidade para um ponto
comum, qual seja, a busca da Verdade que permeia o campo educacional. Parte dessa tarefa
cabe à instituição escolar e está colocada para os educadores, podendo ser constatada nos
documentos de planejamento de ensino e projetos político-pedagógicos. Tanto para os grupos de
educadores críticos como para os grupos de educadores técnicos –guardadas as devidas diferenças
de posicionamento -, a formação do sujeito ético, de caráter, consciente, que não se submete aos
acasos da vontade e aos desejos de um outro, mas obedece apenas à sua consciência com
autonomia e à sua vontade racional porque reconhece o Bem e as Virtudes são objetivos a serem
alcançados. Voltamos a dizer, estamos entretecidos nestes lugares, na trama do campo no qual
estas relações se dão e nos envolvem.
Esta concepção, como um marco da modernidade, mostra que o Homem tenta
escapar à sua condição de parte integrante da Natureza, construindo racionalmente ascendência
e descendência fora dela, tornando-a um reino independente da cultura. A preocupação a partir
deste marco é definir em que momento e quais são as maneiras pelas quais se faz o mundo
cultural – instituído como genuinamente humano – surgir. Esta perspectiva, clássica, indica o
surgimento da lei, humana, que não pode ser transgredida, não ao menos a um preço menor que
a ruína da comunidade e do indivíduo. Esta lei funciona como um imperativo social que organiza
a vida, determinando a constituição do costume e dos meios de transmissão.
A lei do dever ser é a afirmação da separação do humano de seu aspecto natural, a
afirmação de que é capaz de criar uma ordem de existência simbólica, ou seja, de significações a
serem atribuídas à realidade e que mediarão a relação do Homem com o mundo. Dito de outra
forma, o homem cria a formulação de representações da realidade.
Este é o paradigma clássico de cultura, que tem como orientação primordial que o
espírito humano e a sociedade humana, por serem singulares na natureza, devem encontrar sua
auto-compreensão, sua inteligibilidade, prioritariamente na antítese a um universo biológico sem
espírito e sem sociedade. A definição clássica de Homem é dada, portanto, em oposição ao
animal; a da cultura por oposição à Natureza; aquela da racionalidade humana organizada em
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Dimensão cultural na formação de professores
oposição aos mecanismos considerados instintivos naturais. Este pensamento mantém-se
encerrando o Homem em uma concepção insular, dicotômica.
A tarefa, portanto, é colocada no sentido da dominação, da sujeição, da conquista,
da afirmação construída9 da superioridade do sapiens. Tal proposição faz com que o Homem
subjulgue seu semelhante na luta pelo poder, pela posição legítima e valorizada no grupo, herdada,
como característica inerente à prática.
Os séculos de educação institucionalizada10 construíram a tendência clássica que
espera do homem que esteja pronto quando adentra aos portões escolares. A este homem pronto,
já formado em sua essência, a escola transmitiria o conhecimento também clássico, parte do
patrimônio cultural universal, próprio do humano. Essa concepção tornou-se, ao longo do processo
histórico de constituição da educação, crença arraigada, naturalizada sobre a qual é perda de
tempo pensar. Tal crença permeia o discurso não só dos grupos de educadores tradicionais que
defendem o cultivo do espírito como fundamento da educação, mas também é possível perceber
esta marca no discurso dos grupos de educadores que, constituindo-se em um certo senso
caracterizador, tem como fundamento da educação a formação do cidadão.
O que fizemos até aqui. Tratamos em um primeiro momento o que concerne ao
modo como vem sendo tratada a formação de professores como aspecto fortemente relacionado
ao problema da crise na escola - questão ao nosso ver, definidora da pesquisa acadêmica e da
ação da escola.
Em um segundo momento, problematizamos o uso de conceitos no discurso
educacional. Talvez seja importante acrescentar ao dito anteriormente que as produções
especializadas do campo educacional, fazem circular diferentes acepcias de formação: capacitação,
reciclagem, treinamento, profissionalização docente. Muito do que circula, contudo, não mostra a
preocupação com o lugar de onde se está falando, qual o conceito de formação que está sendo
utilizado. Fazendo com que o conceito se torne esvaziado.
Em um terceiro momento as relações destes elementos inerentes à prática educadora
com a constituição e validação de costume que imprime uma certa crença arraigada quanto ao
homem pronto no universo da prática educacional, seja quando o objetivo é a formação do cidadão,
seja quando é o cultivo do espírito, que tem como característica fundamental a dualidade entre o
Homem e suas relações, sejam elas quais forem.
Estes são os aspectos com os quais nos encontramos quando pensamos a formação
de professores. Tentaremos trabalhar a partir de uma posição diferente daquela referida comumente
à constituição de sujeitos educadores como um princípio universalmente aceito11. Quando focado
nas relações e no próprio movimento do processo no campo de produção, buscando a proximidade
com os agentes, o olhar se dá conta de inúmeros nuances, pontos de visão, posicionamentos,
sentidos comuns, fluxos insistentes e descontínuos que, mesmo parte do que nos constitui, lugar
onde nos movimentamos, não se dão em aparência. Servem também como motivadores e
produzindo a reprodução das práticas educacionais cristalizadas em modelos de ensino e de
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pensamento.
Dado o grau da contribuição da instituição escolar para a legitimação e naturalização
das relações que instituem a dominação, é na mesma medida importante, talvez crucial, manter o
questionamento acerca da formação do educador como problema.
Acreditamos ser pertinente criticar a base conceitual que move a sociedade para
crer nestes mitos de estratificação por ela criados e tradicional e sub-repticiamente herdados.
Acreditamos que uma intenção profícua seja problematizar o mito que propõe uma Verdade para
o Bem e para o Mal na ação social, seja dos grupos conservadores (uma face da moeda) seja dos
grupos ditos de esquerda (outra face da moeda). Isto se mostra pertinente, visto que, estamos
problematizando o método de análise que tem em seu fundamento verdades pré-estabelecidas,
verdades transcendentais, que serviriam como um a priori que determinaria o conhecimento- ou o
que é legítimo conhecer -, ou seja, para analisar e posicionar-se segundo parâmetros de ordem ou
controle marcados pelas idéias sociais dominantes.
O professor é figura fundamental nesta discussão, que permeia todo o movimento
de sua formação. Isto porque agencia para si a relação mais próxima de singularidades que tem o
poder de ou perpetuar o costume, governando o outro em sua relação com o aluno, ou na mesma
medida e pelo mesmo motivo, aproveitando as brechas, tornar-se elemento fundamental para a
colocação do costume em xeque.
Olhar além do aparente. Talvez esta intenção, a insistência neste ponto possa
problematizar o fechamento da discussão sobre formação de professores. Entrar na lógica do
sentido e não da formalidade ao qual os discursos majoritários são desenvolvidos e funcionam
para produzir o conceito tradicional de sistema educacional como único caminho de formação.
Lógica fluida e imanente, encarregada de dar sustentação à transmissão da cultura legítima como
herança. Para isso, temos que colocar o problema na ordem do acontecimento. Não nos restringindo
à ordem do dever ser reificado na estrutura de uma teleologia educacional. Entrar na espessura da
realidade.
Neste sentido, acreditamos que o paradigma tradicional da racionalidade que funda
o modo dominante de pensar formação de professores, legitimou um modo de entender que o que
é digno de ser pesquisado são as questões historicamente colocadas. Ao lado disso, e fortemente,
os métodos de pesquisa para o entendimento destas questões também devem ser os da Ciência,
Filosofia, História etc, já consagrados e que sua utilização esteja na moda como meio de
entendimento da realidade. Neste caso, a formação de professores.
Este mecanismo determina, em contrapartida, que coisas que poderiam desencadear
outras também muito produtivas de se dizer, fazer e pesquisar não sejam ditas, feitas e pesquisadas
e com que temas não menos dignos de interesse não afetem à maioria das pessoas, somente
podendo ser tratados de modo que fique bem claro que fazem parte de um escalão de coisas
menos valorizado, por estar fora das “verdadeiras preocupações contemporâneas”. No entanto,
estes discursos menos poderosos circulam ao lado dos outros.
O modo como vem sendo tratada esta questão/problema, de qualquer forma, aponta
para a necessidade do trato cuidadoso. A partir da produção dos especialistas, técnicos ou críticos,
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não se tem chegado a soluções práticas de cunho definitivo. Apesar de todo o movimento do
campo educacional, permanece a “crise do ensino” como um quadro cristalizado. Formação de
professores é, sem dúvida, um dos temas mais debatidos - e este ponto nos salta aos olhos. A
recorrência continua, mas a redundância não faz avançar. Talvez possamos agregar a este quadro
outro elemento: a ausência do espanto12. Tornou-se lugar comum, por exemplo, ouvir com
tranqüilidade que a escola pública é de péssima qualidade e isto ser tomado como verdadeiro,
legítimo e natural.
Concordamos que o debate deva ser feito. Mas talvez uma pergunta deva ser feita
aqui: como? Parece-nos que as questões são repetidas e repetidas e repetidas ... É como se se
acreditasse em uma definição dominante das coisas boas de se dizer e de temas que mereçam
ser alvo de interesse, enquanto outros não o são. Talvez estejamos apenas sendo recorrentes em
pseudo-problemas13. Os problemas não são produzidos. Não são inventados.
Estamos todos enterrados nestes lugares comuns. Tais relações estão entranhadas
em nós professores e, muitas vezes, pesquisadores, entretecidos que estamos na trama do próprio
campo, na realidade educacional.
A pesquisa educacional tem produzido em grande volume a discussão sobre a
formação dos professores. O tratamento dado ao conceito o coloca à beira do desgaste pelo uso
excessivo e vulgarizado. Muitas vezes passa a fazer parte de discursos prontos, em cujos textos a
tensão produtiva se perdeu, dando lugar à reiteração. Exatamente por esse motivo, para nós,
ainda se faz necessário mantê-lo como problema. No entanto, estamos tentando constituir um
plano em um sentido que não o enrijeça, o cristalize e o torne, de novo, parte de mais um texto
pronto. Que, assim, permita a insistência: como manter a formação de professores um problema?
Não queremos simplesmente tecer questões e, quem sabe, nos surpreender com
respostas, mantendo-nos apenas na recorrência sobre temas e métodos. Queremos problematizar
as relações referentes a uma instância fundamental, micropolítica, lugar no qual se produz o
problema da “formação de educadores”. Fazer uma ontologia do presente ao modo nietzscheano14.
Isso é o que chamamos de insistência.
Entendemos que o tema não se submete, assim, a uma objetivação de uma
compreensão por um sujeito do conhecimento, ou mesmo a um estudo analítico da verdade a seu
respeito. Mas numa busca de estilo nietzschiana de uma genealogia da produção de formadores.
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Dimensão cultural na formação de professores
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1996. 79p.
GALLO, S. D. Educação, ideologia e a construção do sujeito. In: www.educacaoonline.pro.br/
educacao_ideologia.asp?f_id_artigo=183. acessado em: 10/11/2004.
KOHAN, W.O. Infância: entre a educação e a filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 283p.
LARROSA, J; SKLIAR,C. Babilônios somos. A modo de apresentação. In: __________(org).
Habitantes de Babel; políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica. 2001.p.7-30.
LARROSA, J. La Experiencia y sus lenguajes. Conferência proferida no Seminário “La Formación
Docente entre el siglo XIX el siglo XXI”. acessado em: 1710/2004.
LINS, D. et al. Cultura e subjetividade: saberes nômades. Campinas: Papirus. 1997. p. 115.
NIETZSCHE, F. Obras Incompletas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 416p. (Col. Pensadores).
VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 191p.
NOTA
1
Em novembro de 2004 o Fantástico (revista dominical da TV Globo) mostrou uma reportagem feita a partir de dados apresentados pelo
INEP quanto às habilidades de leitura dos alunos ao final da quarta série, indicando o baixo índice da capacidade na leitura, compreensão
e interpretação de texto escritos. Não obstante, o olhar da mídia procurou ressaltar o que era de seu para que o tema virasse notícia.
Desse modo, indicaram que o problema da educação poderia estar na escola e, principalmente, na formação dos educadores responsáveis
diretos pelo processo.
2
Esta crise nos move na busca incessante de encontrar a resposta ao problema da crise do ensino. “Esse preconceito é social (pois a
sociedade, e a linguagem que dela transmite as palavras de ordem, “dão” -nos problemas totalmente feitos, como que saídos de “cartões
administrativos da cidade”, e nos obrigam a “resolvê-los”, deixando-nos uma delgada margem de liberdade). Mais ainda, o preconceito é
quase infantil e escolar, pois o professor é quem “dá” os problemas, cabendo aos alunos a tarefa de descobrir-lhes a solução. Desse
modo, somos mantidos numa espécie de escravidão.” (Deleuze, 1999. p.09)
3
Acerca da produtividade do lugar do não-compreensível, dizem Larrosa & Skliar (2001). A nossa questão não é a nostalgia nem a
esperança, mas a perplexidade. E é o Presente o que nos é dado como incompreensível e, ao mesmo tempo, como aquilo que nos dá o
que pensar. Por isso, ao nosso tempo, [...] um tom épico, de luta e de entusiasmo, no qual caberia a conquista do que seremos e,
entretanto, não conseguimos ser; nem tampouco um tom clássico, de ordem e estabilidade, no qual caberia o repouso satisfeito do que
somos. O nosso não é o lamento nem a serenidade, mas o desconcerto. Por isso o nosso é, melhor dizendo um tom caótico no qual o
incompreensível do que somos se nos mostra disperso e confuso, desordenado, desafinado, em um murmúrio desconcertado e
desconcertante, feito de dissonâncias, de fragmentos, de descontinuidades, de silêncios, de casualidades, de ruídos.” (p.08).
4
Essa atitude está fundamentada na proposta deleuziana que afirma que “A verdadeira liberdade está em um poder de decisão, de
constituição dos próprios problemas: esse poder, “semidivino”, implica tanto no esvaziamento de falsos problemas quanto no surgimento
criador de verdadeiros” (Deleuze,1999, p.09).
5
Para Foucault, “ (...) o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar que
o honra mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, que ele lhe advém”. E pergunta “ o que há, enfim, de tão perigoso
no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” para, então, enunciar a sua
hipótese: “suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por
certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua
pesada e temível materialidade” (Foucault,1996,p.7-9)
6
“Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente infinito, que só pode crescer; algo universal
e objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está aí, fora de nós, como algo do qual podemos nos apropriar e utilizar; e algo que tem
a ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático, com a fabricação de instrumentos.” (LARROSA, 2002,
p.140). Além disso, tal sentido da capacitação, segundo o autor, dirige-se à busca por um saber eficaz que produza resultados imediatos.
Larrosa se refere aos: “(...) los que se situán en el campo educativo desde la legitimidad de la ciência, los que usan esse vocabulário de la
eficácia, la evaluación, la calidad, los objetivos, los didactas, los psicopedagogos, los tecnólogos, los que construyen su legitimidad a partir
de su cualidad de expertos, los que saben, los que se situán en posiciones de poder a través de posiciones de saber (...).” (Larrosa,
mimeo).
7
Gallo (2004) afirma que “A função ideológica da escola não é, porém, necessariamente inerente a ela; percebemos que na história social
da dominação do homem sobre o homem, a escola tem servido de suporte, como um dos aparelhos ideológicos (...)”.
8
Em O Existencialismo é um Humanismo, Sartre explica que existem três modos instâncias que afastam o homem de sua consciência
livre. Uma delas é a moral. A crença na existência da moral determina o processo de escolha do homem. A crença na existência da
moralidade cria no homem a má consciência, nas palavras de Sartre, a má-fé. Gallo (2004), trazendo a proposta sartreana à discussão
afirma que “É nesse momento que ganha a cena o fenômeno da má-fé. O indivíduo lança-se ao teatro, à representação de papeis na busca
de sua identidade, de seu reconhecimento e de sua apresentação ao mundo como um isso e não como um nada. A má-fé é a forma de
preencher o vazio de ser da subjetividade. Como será minha ação na sociedade, como agirei sob o olhar inquiridor do outro?” Nesse
sentido, “(...) a função da ideologia da escola não é apenas e tão somente a de mascarar ou mesmo justificar a realidade social da
dominação. Muito mais do que isso, a função ideológica da escola é a de fornecer um referencial externo para o desenvolvimento das
estruturas subjetivas de cada indivíduo, cooptando-o para o reino da máquina de produção social.” (Gallo, 2004)
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Kohan (2003) comentando Foucault afirma que “O poder é algo diferente da dominação embora existam entre eles algumas semelhanças
(igual ao poder, a dominação é algo que se exerce, e também não existe em singular: na sociedade capitalista não há uma dominação
global, mas múltiplas dominações), a uma diferença profunda em termos de liberdade. A dominação se exerce num Estado onde as
relações de poder estão fixas, assimétricas, e onde não há mais do que um limitadíssima liberdade. O poder se exerce para determinar a
conduta de outro, mas nunca de forma exaustiva ou coercitiva.” (p.89).
10
O historiador Philippe Aries (1981) afirma que a escola se institucionaliza a partir do século XV, até então era entendida apenas como um
asilo para crianças pobres e abandonadas. Segundo Kohan (2003), é nessa escola que “(...)os indivíduos não fazem qualquer coisa, em
qualquer momento, em qualquer lugar. Os espaços são cuidadosamente delimitados, o tempo é marcado por um cronograma preciso,
regular e regulado, os aprendizados são organizados em etapas, de forma tal a exercitar em cada período um tipo de habilidade específica.
Um conjunto de formas reguladas de comunicação (lições, questionários, ordens, exortações, sinais codificados de obediência) e um
conjunto de práticas de poder (clausuramento, vigilância, recompensas e punição, hierarquia piramidal, exame) conformam o campo do
que é possível perceber, dizer, julgar pensar e fazer na instituição escolar” (p.79).
11
Veiga-Neto (2004) “Noções como o “eu pensante” de Descartes, a “mônada” de Leibniz, o “sujeito do conhecimento” de Kant foram
fundamentais para que se firmasse a idéia de que o sujeito é uma entidade já dada, uma propriedade da condição humana e, por isso,
desde sempre aí, presente no mundo.A própria noção moderna que o sujeito é a matéria-prima a ser trabalhada pela Educação - seja para
levá-lo de um estado selvagem para o estado civilizado (como pensou Rousseau), seja para levá-lo da menoridade para a maioridade
(como pensaram Kant Hegel e Marx) - partiu do entendimento de que o sujeito é uma entidade natural e, assim, pré-existente ao mundo
social, político, cultural e econômico.” (p.132)
12
Por isso nos manteremos no lugar do não-compreensível. Isto porque ‘[...] O que se quer, ao compreender, é converter[...] o estranho
em familiar [...]. Aquilo que ele compreende o faz melhor: mais culto, mais sensível, mais inteligente, mais rico, mais cheio, maior, mais
alto, mais maduro. Talvez por isso, ele compreende tudo a partir de sua riqueza, a partir de sua plenitude, a partir de sua grandeza, a partir
de sua altura, a partir de sua maturidade. Por isso, o sujeito da compreensão é o tradutor etnocêntrico: não o que nega a diferença, mas
aquele que se apropria da diferença traduzindo-a à sua própria linguagem. (LARROSA & SKLIAR, 2001, p. 19)
13
“Devemos inventar um problema no sentido de não buscar simplesmente um problema que já foi anteriormente colocado à moda dos
pseudo-problemas, que não correspondem ao movimento de produção de realidade. O movimento de produção instala problemas na
realidade, e o conceito é a resolução dos problemas. Os pseudo-problemas são formulados de maneira tal que o ato de postulá-los já é
uma tentativa de formulação-problema relacionada a uma resposta já elaborada e sabida. Em outras palavras, os pseudo-problemas são
postulados de tal forma a adequar os significados a significantes universais, a respostas já conhecidas” (Gelamo, 2003. p.11-12)
14
Numa passagem interessante de Veiga-Neto (2004), a proposta está formulada do seguinte modo “A ontologia do presente é uma
ontologia crítica de nós mesmos; ela desloca a questão (kantiana) [quem somos nós? uma variante da pergunta que é isso?] para uma
outra questão, também já presente em Kant, porém enfatizada por Nietzsche e que pode ser formulada da seguinte maneira: “que se passa
com nós mesmos?”. Essa nova pergunta põe em relevo o sentido e o valor das coisas que acontecem conosco no nosso presente, não
mais perguntando sobre as condições necessárias para determinar a verdade das coisas (...)” (p.46).
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O CLIMA CULTURAL CONTEMPORÂNEO
TENSIONANDO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES
COM PRETENSÕES EMANCIPATÓRIAS
Andreia Cristina Peixoto Ferreira; PPGE/UNIMEP - UFG/CAC
O foco dessa investigação está na análise das dimensões objetivas e subjetivas da
formação de professores na contemporaneidade. Aqui, o caminho investigativo é dialeticamente
perseguido, construído e tensionado à luz dos estudos de autores da 1ª geração da Teoria Crítica
da Sociedade da Escola de Frankfurt1. Dentre eles, privilegiamos o estudo das contribuições
pertinentes às questões educacionais da obra de T. W. Adorno. A perspectiva é construir uma
crítica imanente ancorada no instrumental crítico da indústria cultural, da Teoria da Semiformação,
e, em especial das contribuições da Dialética Negativa, para penetrar no campo da objetividade e
da subjetividade que compõem as experiências pedagógicas de formação de professores com
pretensões emancipatórias na universidade brasileira.
O objeto de estudo constitui-se na crítica imanente às experiências de cursos de
formação de professores de Educação Física desenvolvidos em universidades da região Centrooeste do país que são regulamentados por projetos pedagógicos que se proclamam emancipatórios.
Na composição de tons e cores dessa crítica imanente, o objeto se ilustra ao trazermos a tona à
experiência singular de construção e realização do projeto político pedagógico da Faculdade de
Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).
A intenção é adentrar no clima cultural contemporâneo que permeia a experiência
pedagógica de elaboração e realização, na universidade, do projeto político-pedagógico
emancipatório de formação de professores, investigando como essa experiência se coloca frente à
tendência de semiformação e deformação generalizada engendrada pela mercantilização dos
produtos simbólicos, da ciência, do conhecimento e das instituições educacionais; Investigando
ainda, quais seriam as possibilidades de ser experenciada uma práxis pedagógica negativa
comprometida com a sua autocrítica e que se contraponha a racionalidades absolutizadas,
autoritárias, positivizadoras que perfazem a barbárie na educação e na sociedade.
Prosseguindo a exposição dessa forma, podem aparecer espelhadas as pretensões
dos indivíduos que se incubem de fazer ciência na universidade de darem conta de apresentar o
objeto de estudo de uma vez por todas, ora reduzindo-o a um amontoado de fatos, ora descrevendoo subjetivistamente. Para não desembocar no engodo das explicações apriorísticas, reducionistas
e absolutizadas, o percurso investigativo necessita do incômodo de expressar o objeto de estudo
sem cair nas armadilhas da definição conceitual apressada que a tudo quer capturar e amoldar.
Expressar o algo que perpassa e constitui histórica e materialmente o objeto, eis o
percurso para fugir da captura dominadora que nos leva a configuração de objetos apriorístico
fundados em pré-conceitos e sistemas totalizantes. Nos meandros da Dialética Negativa Adorno
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situa que esse algo nos põe em contato com a lembrança da sensação, da percepção, do somático,
do corpóreo, que perfaz a objetividade. Entendendo assim, não deixamos de reconhecer que a
objetividade do conhecimento requer por sua vez subjetividade, pensamento. Mas, também
reconhecemos que a subjetividade não é explicável por si mesma: “O objeto só pode ser pensado
através do sujeito, mas sempre permanece frente a este como um outro; e, no entanto, por sua
própria natureza e antes de tudo, é também objeto. Nem mesmo como idéia o sujeito pode ser
pensado sem o objeto, enquanto que este existe sem aquele.” (Adorno, 1998: p.184) Para o
autor, nessa materialista Dialética Negativa que “recusa o princípio da identidade e a onipotência
de um conceito superior”, a mediação do objeto significa que só em sua compenetração com a
subjetividade é possível o conhecimento, já, a mediação do sujeito significa que, sem componente
objetiva, não haveria literalmente nada. Isto é, a subjetividade, o pensamento, necessita alimentarse organicamente de sua interpenetração nas camadas do objeto. E é nesse tenso percurso que
se compõe o primado do objeto.
Aqui a tarefa a que ficamos incumbidas é a de reunir conceitos em torno da
experiência pedagógica de formação de professores com pretensões emancipatórias para estimulála a falar sobre sua constituição objetiva e subjetiva; pensando, elaborando, refletindo, expondo
sobre a imanência de sua inserção histórica e material, seus objetivos, realizações, pretensos
avanços, frustrações, tabus, estereótipos, preconceitos, etc. Isso porque, como explicam Pucci,
Zuin e Oliveira no Livro “Adorno: o poder educativo do pensamento crítico”:2
(...) a verdade, mesmo residindo no objeto, não está à mão; o objeto
necessita do sujeito racional para liberar a verdade que está nele
contida. O objeto não é um dado, uma forma pobre e cega; ele é
muito mais do que pura “facticidade”. O primado do objeto é algo
que deve ser construído criticamente e, mediatizado que é, não acaba
com a dialética entre sujeito e objeto. Absolutizar o dado é coisificálo. E isso é falsa objetividade. E a consciência pode também ser
constituinte de uma coisificação porque se encontra coisificada em
uma sociedade já constituída. É por isso que as formas subjetivas
de reação surgidas na apreciação dos componentes qualitativos do
objeto necessitam ser corrigidas em confronto com este. E o
instrumento fundamental para tal correção é a auto-reflexão crítica.
(1999: p.91-92)
A crítica por dentro do objeto precisa ser percorrida pelo caminho da reflexão filosófica
e da construção de uma constelação conceitual que possa traduzir em palavras sua constituição
objetiva e subjetiva. Fazer falar e decifrar a formação de professores significa não deixá-la intacta,
nem ao/à professor/a. Para Adorno “A constelação ilumina o que o objeto tem de específico e que
para o procedimento classificatório se apresenta como indiferente ou como um peso.” (1998,
p.164). A constelação se refere à composição histórica de conceitos ao redor do objeto; colocandose como chaves que abrem portas e que permitem adentrar nos meandros sedimentados do
objeto. Assim, acessando seus enigmas, alcançando suas fissuras, pegando no que imerge do
diverso, da singularidade, da especificidade e da diferença. Repugnando assim, a prepotente
pretensão de assimilar, de integrar e de classificar tudo ao todo. As constelações não se prendem
em aceitar o que o objeto tem de comum, de similar, de universal, de compatível com os sistemas
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classificatórios da ciência calcada na racionalidade identificatória e instrumental. A crítica imanente
fundada na constelação, na experiência da reflexão filosófica, na auto-reflexão crítica é uma forma
de práxis, de intervenção cultural, que contrariando a objetividade do pensamento científico
hegemônico, não precisa de menos, mas sim de mais sujeito.
No trajeto dessa práxis negativa, se há sensibilidade no sujeito para a objetividade,
pode-se encontrar o sofrimento físico, corpóreo do ato de conhecimento: “(...) os conhecimentos
não caem do céu. Ao contrário, o conhecimento se dá numa rede onde se entrelaçam prejuízos,
intuições, inervações, auto-correções, antecipações e exageros, em, poucas palavras, experiência,
que é densa, fundada, mas de modo algum transparente em todos seus pontos” ( Adorno, 1992,
p.69). Para o autor é essa inquietude imanente ao percurso de conhecimento que lhe dá alguma
esperança de mudança: “O momento corpóreo transmite o conhecimento de que o sofrimento não
precisa existir, de que deve ser transformado” (Ibid, 1998, p.204).
A sofrida, mas até mesmo por isso esperançosa, experiência de se pensar a formação
de professores na contemporaneidade, é feita no interior do clima cultural inerente aos processos
de desregulamentação e/ou informalidade promovidos pela pilhagem do que correntemente se
tem denominado como neoliberalismo. Parece razoável pensar que esse tal neoliberalismo não
possa ser reconhecido simplesmente como um liberalismo com nova roupagem, mas sim como
uma forma mais acabada e sofisticada de dominação e controle social, pautada no recrudescimento
do mercado, que vem acarretando o aumento da miserabilidade e da barbárie social.
Para a Teoria Crítica, o liberalismo da sociedade capitalista do séc. XIX
operacionalizado na livre concorrência, oportunizou, mesmo que de forma capenga e elitista, uma
dada condição para a liberdade do sujeito no campo da formação cultural por meio do empresariado
livre, da ciência e da arte. Isso porque havia uma centelha de esperança quanto à possibilidade
dessa liberdade ser partilhada por todos. Com os monopólios industriais do séc. XX, que minam a
livre concorrência e impulsionam o fascismo, esta centelha quanto à liberdade do sujeito foi ainda
mais pulverizada. Em determinados contextos de crise - como aqueles impulsionados pelos Estados
totalitários de cara fascista, stalinista ou com outra maquiagem - o desenvolvimento do capitalismo
parecia perder o fôlego e chegar em tempos finais. Mas, esses sinais se mostraram falsos, na
medida em que o capitalismo, como um verme, sempre aprendeu e reaprendeu a se alimentar da
podridão – em momentos de falta de oxigênio ele se nutre de bactérias, vírus, bombas: ‘a miséria
faz parte do capitalismo, como a sombra da luz’ -, e com energia renovada ele “volta” new, ou
melhor neo, com mecanismos retro-alimentadores cada vez mais sofisticados pelos avanços
científico-tecnológicos aliados à forte parceria da indústria cultural global3.
Assim, o neoliberalismo com seu processo de desregulamentação, foi gestado no
interior da própria sociedade administrada, regulada pelo monopólio e pelo Estado intervencionista.
Como ressalta Türcke (2003) os monopólios modificam e especificam as leis do mercado, mas
não as suspendem na sua eficácia. Pelo contrário, somente na era dos grandes grupos
multinacionais o mercado adentrou os centros nervosos das sociedades, antes ainda poupados
pela livre concorrência: serviços infra-estruturais elementares, prestados pelo Estado, tais como a
educação e o atendimento médico, telecomunicações, correios, o tráfego ferroviário, rodoviário e
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aéreo. Assim, no final dos anos 70 e durante os 80 e 90, com os grandes avanços tecnológicos –
“revoluções microeletrônicas”, com as instituições públicas estatais elevadas ao status de vilã da
sociedade, configura-se o processo de desregulamentação em escala mundial: a privatização das
estatais, a flexibilização de contratos trabalhistas estáveis, a redução dos serviços sociais, a
substituição de segmentos profissionais por programas “inteligentes” de software, a queda de uma
parcela considerável da classe média para os empregos temporários, e mesmo o deslocamento
forçado das pessoas, até então atuantes, para o desemprego prolongado, o tráfico de drogas e a
criminalidade. Para esse autor,
Desregulamentação significa tão somente: regressão de restrições
estatais ao comércio (...) como aquelas que impedem a transformação
de serviços públicos não-rentáveis em empresas rentáveis. À luz da
desregulamentação nenhuma instituição, nenhuma empresa,
nenhum grupo tem um direito à existência se não estiver em
condições de sustentar-se com seus próprios meios – razão pela
qual desde então nenhuma escola, nenhuma empresa, nenhum
grupo está ao abrigo de auditores que lhe apresentam planilhas com
cálculos do que poderia economizar em termos de pessoal e material. Isso não transforma imediatamente todas as instituições em
empresas: mas a empresa é apresentada a todos como critério de
aferição. (Türcke, 2003, p.4)
Os processos inerentes à desregulamentação e a indústria cultural vêm se alastrando
pela Educação superior brasileira, pela universidade, pela formação de professores. Esse lastro
estimula o espetáculo dos processos de privatização, de mercantilização dos produtos simbólicos,
do conhecimento, da ciência, da arte. A Reforma Universitária e as diretrizes curriculares para
formação de professores em curso, parecem bastante aderidas à esteira produtiva desse clima
cultural contemporâneo que danifica as experiências formativas.
Essa esteira produtiva na formação de professores vem se configurando na
proliferação e no aligeiramento em escala industrial: dos cursos de formação de professores, da
venda de pacotes de formação continuada, na incorporação de modismos pedagógicos, etc; Essa
configuração não ajuda a tensionar e elaborar, e até mesmo reforçam/ritualizam, os tabus,
preconceitos e estereótipos que permeiam os processos educativos. Os cursos de licenciatura em
Educação Física vêm se colocando como um grande filão desse rendoso processo produtivo.
Na região centro-oeste do país, constituída pelo Distrito Federal e pelos estados de
Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até a década de 60 existia apenas um curso oferecido
pela Escola Superior de Educação Física de Goiás (ESEFEGO, instituição pública Estadual
localizada em Goiânia; Com o atual processo de estadualização, tornou-se UEG). Nos anos 70
foram criados quatro cursos, dentre eles três em universidades federais (UFMS, UNB, UFMT) e
um na Universidade Católica de Brasília (UCB). Já no final dos anos 80 e início dos 90 são
iniciados mais quatro cursos, dentre esses os três cursos (turmas) de licenciatura em Educação
Física da UFG (Goiânia/1989; Catalão/1990 e Jataí/1994). Após a aprovação da LDB, em 1996,
“coincidentemente”, foram iniciados ainda no final dos anos 90 mais seis cursos, entre esses,
somente um em universidade pública estadual num campus da UEG na cidade de Quirinópolis/
Go. Mas, somente nos primeiros cinco anos do século XXI foram criados 27 cursos de graduação
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em Educação Física, com a maioria absoluta, cerca de 90%, em Instituições de Ensino Superior
estritamente particulares.
Assim, atualmente existem 42 cursos de graduação em Educação Física, 92%
deles são de licenciatura. Entre esses, delimitamos a experiência de elaboração, sistematização,
proposição e realização do projeto político-pedagógico da Faculdade de Educação Física da UFG,
como expressão particular e ilustrativa de nosso objeto de estudo. Ao penetrarmos nas camadas
sedimentadas desse objeto, adentramos na objetividade e na subjetividade expressa em
documentos, textos, artigos e/ou outras produções escritas e publicizadas pelos indivíduos que
integram a FEF/UFG, acerca da experiência dessa instituição com o projeto político pedagógico
emancipatório na formação de professores.
No bojo dessa produção objetivada, há um documento intitulado ‘Projeto político
pedagógico do curso de licenciatura em Educação Física’, elaborado e publicizado entre os anos
de 2003 e 2005 por uma comissão de professores/as da FEF, que se apresenta como uma síntese
analítica, avaliativa e propositiva da experiência de realização do projeto político pedagógico de
formação de professores de Educação Física na UFG. Esse documento expressa os objetivos
educacionais, as pretensões, os argumentos, os fundamentos teórico-metodológicos, enfim, a
racionalidade, e outras dimensões da subjetividade, que se sobressaem na sua experiência de
elaboração e proposição. Em suas ‘Considerações Iniciais’ destaca-se que “O curso de licenciatura
em Educação Física da UFG, criado em 01 de setembro de 1988 (...), teve, como finalidade,
implementar uma proposta progressista na formação de professores com inserção qualitativa na
escola e nas demais práticas educativas, pedagógicas e sociais.” (UFG/FEF- Comissão de
Reforma Curricular, 2004, p.01).
Destarte, a delimitação das experiências pedagógicas na elaboração e realização
do projeto político pedagógico da FEF/UFG, como particular constituinte de nossa investigação se
deu pelo contato com uma composição histórica, material e culturalmente constituída, que se
expressa em aspectos que estão relacionados com a constelação que vem sendo construída em
torno do objeto de estudo em questão:
- No referido documento do ‘Projeto político-pedagógico’ argumenta-se e publicizase que os cursos de Educação Física da FEF implantados nos Campi da UFG em Goiânia,
Catalão e Jataí, vêm sendo regulamentados por projeto curricular que aponta para uma perspectiva
de transformação social com dimensões inovadoras e emancipatórias:
Essa proposta curricular, desde o seu início, vem apontando para
vários compromissos históricos, dentre os quais, o seu papel decisivo
de integrar-se nas transformações da escola, da educação física e
Educação, com novos redimensionamentos curriculares acerca da
corporalidade no interior das práticas educacionais e nas práticas
sociais. Para atingir tais objetivos, o projeto curricular apresentou
algumas inovações consideradas, inclusive hoje, como ações de
vanguarda na formação de professores de Educação Física (...) Estas
e outras mudanças, sem sombra de dúvidas, provocaram profundas
reflexões em vários congressos na área de educação física com
repercussões importantes quanto às inovações desenvolvidas na
FEF/UFG em Goiás e em todo o país (...) Tal projeto certamente
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deverá estar estruturado para que possa garantir a realização de
políticas emancipatórias e os pressupostos éticos na construção do
vir-a-ser humano autônomo, criativo e solidário (ibidem, p.01-07)
- Os cursos da FEF/UFG foram criados no contexto das décadas de 80 e 90, quando
um determinado campo da Educação Física brasileira se relaciona com referenciais críticos e em
especial com as proposições do Movimento Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
representado pela ANFOPE:
Tendo como pressupostos um modelo crítico de currículo, o modelo
em discussão não se identifica com os reprodutivistas, nem com as
práticas curriculares mecanicistas, e, muito menos com este modelo
de pedagogia de resultados em andamento. (...) defende-se um outro
sentido, inclusive, entendendo que a proposta de uma base comum
nacional para a formação de educadores de todas as áreas pode
responder adequadamente ao princípio da identidade própria e,
certamente, receberá o respaldo dos educadores, porque já está
presente no movimento (ANFOPE, 1992, 1994, 1996, 1998, 2000)
de educadores do Brasil, como: a) sólida formação teórica e
interdisciplinar sobre o fenômeno e seus desdobramentos sóciohistóricos; b) unidade teoria/prática, tanto na produção do
conhecimento quanto na organização do saber e a intervenção na
prática social, ou seja, tomar o trabalho como princípio educativo na
escola; c) gestão democrática da escola, tratando dos conhecimentos
provenientes das experiências democráticas e relacionais inerentes
à gestão, aos conflitos e como espaço vivencial no processo de
formação curricular dos alunos; d) compromisso social e político do
profissional da educação, com ênfase às lutas políticas dos
educadores e movimentos sociais; e) trabalho coletivo e
interdisciplinar entre alunos e professores, como eixo da formação
docente; f) formação inicial articulada com a formação continuada
como diálogo permanente entre a formação inicial, o mundo do
trabalho e a educação continuada. (ibidem, p.12)
Esses cursos encontram-se localizados na capital e no interior de Goiás,
expressando na sua constituição e na sua relação interna e externa, a tensão entre centro e periferia
da sociedade contemporânea;
Cursos com alunos egressos atuando como professores em escolas públicas
e particulares;
-
Desenvolvo experiência individual no curso do Campus de Catalão, enquanto
professora-pesquisadora atuando como docente desde agosto de 1996;
O Curso de licenciatura em Educação Física da FEF localizado no Campus
de Catalão esteve relacionado ao objeto de estudo da experiência de pesquisa construída no
processo de investigação, produção e sistematização do conhecimento científico no Mestrado em
Educação da UFU, desenvolvido entre os anos de 1998 e 20001
Nessa investigação identificou-se que a perspectiva propositiva emancipatória nas
experiências formativas dos cursos de licenciatura em Educação Física é tensionada por um
clima cultural que favorece aos extremismos, a insensibilidade, a exploração de pessoas, e que
tendencialmente estam imersas em situações de reprodução de preconceitos, estereótipos,
obscurantismos, discriminações, formalismos, violências e tecnocracia.2.
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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
Dimensão cultural na formação de professores
A conjuntura da formação na Educação Física brasileira historicamente vem
favorecendo a constituição dessa área como um braço virtuoso da Indústria cultural e da
Semiformação. Atualmente essa conjuntura vem se constituindo pelos ditames do Conselho Federal de Educação Física, pela lógica da Universidade-empresa-econômica, pela Reforma
Universitária do governo federal, pela constituição das “novas” Diretrizes Curriculares para as
graduações e pelas reformas acadêmicas e curriculares internas às Universidades brasileiras.
Essa conjuntura compõe uma tendência mercadológica que danifica as experiências formativas
de professores com pretensões emancipatórias na Educação Física. Essa danificação se dá pela
desvalorização da docência e pelos ecos do esporte espetáculo, do Fitness, do culto ao corpo
“belo” e saudável, dos modismos, idolatrias, prescrições de treinamento e de técnicas corporais de
sofrimento, provenientes de ícones da Indústria cultural. Ao pesquisarem sobre a “Educação do
corpo nos ‘textos pedagógicos’ de Adorno”, Bassani e Vaz (2003) constatam que para o autor
frankfurtiano “não lhe restam dúvidas quanto ao potencial destrutivo, de regressão e de produção
da crueldade, internalizado nas tendências sociais contemporâneas, cuja imagem aparece nas
relações patogênicas com o corpo, orquestradas, em grande parte, pelo esporte”.(p.20)
Assim, a elaboração de uma crítica imanente à dimensão objetiva e subjetiva inerente
à pretensão e a realidade dos objetivos educacionais emancipatórios em experiências de formação
de professores de Educação Física perpassa pelo estudo da racionalidade e da formação cultural
que permeiam o processo de mercadorização dos produtos simbólicos, bem como a conseqüente
dificuldade de reflexão e discernimento, conjuntamente, com a grande aversão à teoria e a produção
de conhecimento inerente a Semiformação cultural. Constata-se que a tradição crítica na Educação
Física não vem privilegiando essa perspectiva de análise e investigação informada nas contribuições
dos estudos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt à Educação.
Temos entendido que esse trajeto de elaboração de uma crítica imanente à formação
de professores passa especialmente pelos caminhos das contribuições da Dialética Negativa a
educação. Pucci (2001) ao sistematizar “contribuições da Teoria Crítica para a formação de
professores” evidencia que o pensamento adorniano pode ser compreendido como a práxis negativa
da educação, pois possibilita o acompanhamento crítico das formas históricas educacionais em
especial sua configuração contemporânea. Dando-nos condições de indagar sobre as possibilidades
de sua realização nos dias de hoje, transformando-se em uma práxis crítica, instigando o sujeito
pensante a intervir no processo histórico da realização das configurações educacionais, pois
possibilita examinar por dentro seus fracassos, suas causas, as possibilidades presentes e
estabelecer eixos que norteiem a construção de ensaios pedagógicos e formativos bem como
instrumentos críticos para acompanhar essas tentativas. (Pucci, 2001)
A reflexão filosófica de Adorno se choca com as teorias que procuram construir um
sistema fechado do processo educacional, um corpo acabado de verdades. O pensamento adorniano
nos dá possibilidade de levantar uma série de eixos teóricos, coordenados entre si, na tentativa de
se projetar uma configuração objetiva da educação. Esses eixos apresentam as diversas facetas
do objeto em análise, se compõem, se contrapõem nenhum é mais importante que o outro e
permitem a companhia de outros eixos que, por ventura, o processo de interpretação viera descobrir
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Dimensão cultural na formação de professores
em seu processo de aproximação do objeto. Portanto, essa maneira de se pensar e fazer educação
é aberta, fragmentária, processual.
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Dimensão cultural na formação de professores
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS / FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA – Comissão
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2004/2005.
VAZ, Alexandre Fernandez. Dos fenômenos sociais e suas ambiguidades: comentários de Theodor
W. Adorno sobre o esporte. - palestra apresentada no XI CONBRACE -Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte, 1999, Florianópolis-SC.XI, Anais v.3.
TÜRCKE, Christoph. “Informal” segundo Adorno. (Mimeo), 2003
ZUIN, António Álvaro Soares Indústria Cultural e Educação: O novo canto da sereia. Campinas,
SP: Autores Associados, 1999
NOTA
1
Na referida pesquisa, tive como objetivo geral: apreender como vinha se materializando a organização do trabalho pedagógico na
apropriação, produção e distribuição do conhecimento no curso de Licenciatura em Educação Física do CAC/UFG, e estabelecer os
nexos com as possibilidades de construção de um projeto político-pedagógico que viabilizasse a integração ensino-pesquisa-extensão
pautada na transformação social. In: Ferreira, Andreia Cristina Peixoto. Currículo do Curso de Licenciatura em Educação Física do CAC/
UFG: o processo de trabalho pedagógico frente às possibilidades de integração ensino-pesquisa-extensão. Uberlândia-UFU, Dissertação
de Mestrado, 2000.
2
Essa constatação insere-se na sistematização da investigação desenvolvida na Dissertação de Mestrado defendida na UFU em 2000.
1
Ao mencionarmos Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt estamos nos referindo ao pensamento de um grupo de intelectuais
marxistas não ortodoxos, alemães que, a partir dos anos 20, desenvolveram pesquisas e intervenções teóricas sobre problemas filosóficos,
sociais, culturais, estéticos gerados pelo capitalismo tardio. Esses pensadores constituem a chamada “Escola de Frankfurt”, também por
se estabelecerem enquanto grupo de pesquisadores nesta cidade alemã, criando o Instituto de Pesquisa Sociais e o órgão de divulgação
de suas produções, a Revista de Pesquisa Social.
2
Neste livro os autores evidenciam que Adorno compõe e propõe a Dialética Negativa como um método para se pensar e agir sobre a
consciência reificada contemporânea:
3
Foi na Dialética do Esclarecimento ou do Iluminismo que Adorno e Horkheimer empregaram pela primeira vez o conceito de Indústria
Cultural. Em linhas gerais, para os autores, a Indústria Cultural é um sistema totalizante que ao aspirar à integração vertical dos seus
consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo dos indivíduos, mas acaba por determinar o próprio consumo. Ao reproduzir
tecnicamente os bens culturais, a mesma se interessa pelos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, reduzindo a
humanidade, em seu conjunto e individualmente, às condições que representam seus interesses de consumo, lucro e alienação. Tornandose forte aliada da ideologia capitalista, contribuindo eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com
a natureza, caracterizando um processo de seminformação cultural nos termos utilizados por Adorno. Conforme Adorno (1971), as
produções do espírito concebidas sob a égide da banalização da cultura “não são mais também mercadorias, mas o são integralmente” (p
288). Para os autores frankfurtianos, a Indústria cultural exerce papel de fundamental importância no processo de domesticação da
natureza crítica e rebelde da cultura, através da sua reprodução técnica e da indiferenciação dos seus produtos, que neutraliza a capacidade
de reflexão do sujeito: “ o espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio (...); toda ligação lógica que pressuponha
um esforço intelectual é escrupulosamente evitada” (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 128)
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Dimensão cultural na formação de professores
O QUE É FORMAÇAO PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: PRIMEIRAS NOTAS
Márcia Machado de Lima (Unesp/Marília)
No âmbito de um trabalho sobre formação de professores, tema amplamente
abordado nos tempos que correm, o que nos mobiliza é tentar saber qual o conceito de formação
que está pautando as pesquisas e as práticas de formação de professores. Quais demandas
aparecem? Quais os cruzamentos possíveis? Estamos focando nossa atenção em dois espaços:
primeiro, dos cursos de licenciatura a partir do se propõe nos planos de ensino da disciplina
Didática - nossa amostra: os cursos da região de Marília; segundo, do espaço da produção em
andamento dos Grupos de Pesquisa financiados pelo CNPq, na área formação de professores.
Estamos considerando também os projetos de Bolsa Produtividade.
Nos parece produtivo inserir a problemática formação de professores nas relações
culturais, especificamente no que tange a educação e a escola. Pensamos ser um bom caminho
escolher olhar este espaço do ponto de vista daquele que agencia as relações mais próximas no
processo de produção do conhecimento na escola: o professor. E no caso do problema que nos
ataca aqui, o professor dos cursos de formação inicial.
Também são questões produtivas porque falamos do lugar deste professor formador
de professores em cursos de licenciatura, a partir da disciplina de Didática. Dos nossos encontros
com os alunos de graduação e seus questionamentos, resistências e expectativas -assustadoramente
cristalizadas- em torno do saber-fazer pedagógico, pôde tornar-se mais forte pensar a formação e,
especificamente, a formação de professores. Pensar a formação de professores é, para nós, colocar
em xeque este conceito, tensioná-lo; é para nós nos colocarmos em xeque, porque estamos no
processo.
Temos como intenção proceder a um inventário que permita dar corpo aos sentidos
que estão presentes na produção: o que está movendo a experiência educativa nestes espaços
mencionados? Qual o plano que o conceito formação está ocupando? Mais do que isto: como a
formação de professores é afetada - em última instância poderíamos pensar: como o professor é
afetado neste plano? Seguem algumas notas ainda iniciais.
Como dar conta da tarefa de formação de professores no mundo contemporâneo,
exigente quanto à qualificação e extremamente carente de vida? Não há uma resposta única a
esta questão.Podemos enunciar uma hipótese: há uma maneira dominante de pensar o professor
e a formação de professores, pautada em uma relação consumista com o conhecimento e com a
experiência pedagógica.
Pensamos que tem se constituído uma relação de consumo da produção de
conhecimento didático-pedagógico que marca a formação de professores, que não coloca os
docentes como interlocutores. Tal relação consumista estende-se ao proposto pelas teorias
educacionais, documentos de subsídios fornecidos pelas políticas públicas. O professor, fora da
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Dimensão cultural na formação de professores
produção, permanece em uma conduta que referenda o consumo sem a busca do fundamento.
Como compreender tal traço? Problematizar a maneira dominante, checar esse registro parece
ser gesto importante: checar seu fundamentos teóricos, sua história, suas marcas na
contemporaneidade.
Walter Benjamin, preocupado com os efeitos das técnicas de reprodução da obra
de arte, nos indica um movimento que pode nos auxiliar a pensar nosso problema, quando fala do
declínio da noção de aura:
...na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de
arte é a sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, sua
significação vai além do terreno da arte. [...]Multiplicando as cópias,
elas transformaram o evento produzido apenas uma vez num
fenômeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer-se
à visão e à audição, em quaisquer circunstâncias, conferem-lhe
atualidade permanente. Esses dois processos conduzem a um abuso
considerável da realidade transmitida - a um abalo da tradição, que
se constitui na contrapartida da crise por que passa a humanidade e
a sua renovação atual. Estão em estreita correlação com os
movimentos de massa hoje produzido. (Benjamim,1980,p.8)
Walter Benjamin quer pensar um sintoma e o tempo no qual o acesso aos bens
culturais em maior escala está se tornando mais visível, também tornando mais visíveis os seus
efeitos. Nos sugere que, quando o fenômeno das técnicas de reprodução encontra-se com o tipo
de sociedade de massa do século XX, encontra todas as condições de acolhimento de seus
produtos, tanto materiais como simbólicos.Tais condições implicavam ao âmbito das relações de
troca, mas também na constituição de um novo modo de percepção do mundo pelos agentes.
Benjamin sugere que este processo institui a necessidade da mediação de um outro, como pauta
das práticas, modos de pensamento e estilos de vida.
Três conjuntos de notas que vem compondo nossa reflexão. Em primeiro lugar,
trataremos de explicitar o que estamos chamando “consumo”, sintoma intransferível de nossa
época.
O filósofo espanhol Jorge Larrosa nos fornece alguns motes para entender esta
relação consumista com o conhecimento, que poderíamos relacionar com o traço que marca a
formação do professor
Tudo que sucede no mundo não é imediatamente acessível. [...]
Nossa própria vida está cheia de acontecimentos, mas ao mesmo
tempo quase nada nos passa, os acontecimentos da atualidade,
convertidos em notícias fragmentadas e aceleradamente obsoletas
não nos afetam no fundo de nós mesmos. Vemos o mundo passar
diante de nossos olhos e permanecemos exteriores, alheios,
impassíveis. :[...] Temos o conhecimento, mas como algo exterior a
nós, como uma utilidade ou uma mercadoria. Consumimos arte,
mas a arte que consumimos nos atravessa sem deixar nenhuma
marca em nós. Estamos informados, mas nada nos co-move no
íntimo. (LARROSA, 2002,p.136)
O professor se envolve como um espectador da cena educacional urgente e
contemporânea. Estabelece uma relação de apropriação integral e passiva do pensamento do
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Dimensão cultural na formação de professores
outro, sem o acontecimento do encontro, do diálogo ou do colocar-se em ação junto a esse
pensamento. Se se apresenta algo novo que seja reconhecido como condição de resposta às
questões, é recebido como Verdade.
Maria de Lourdes Tura. Afirma que a homogeneidade cultural presente na tessitura
da escola,
[...]se impõe sobre os outros discursos, estabelecendo como universal um tipo de
moral e de ética, uma forma de estética, uma concepção de justiça e direitos e um regime de
verdade. Estamos diante de [...]uma política da significação, que faz com que os/as próprios /as
professores/as passem a modular seu discurso pelo que é consensual e dominante e os/as
estudantes desenvolvam um “ventriloquismo discursivo”, que faz com que, inconscientemente,
exerçam um controle sobre o que pensam, fazem e desejam, tendendo a repetir falas e ações de
seus mestres. (TURA,2004,p.5-6)
Neste sentido, o professor tem limitadas as chances de posicionar-se como agente,
de verificar os sentidos, os fluxos dos processos que estão entretecidos na vida e na vida no
espaço escolar1. Além disso, há cobrança em que detenha um saber que lhe forneça um modelo
teórico, fechado e coerente, e que o identifique. Isto para combater a alienação e a prática
desqualificada. No entanto, tal cobrança pela competência docente se instala nas relações que se
estabelecem culturalmente na modernidade: o critério de aceitação é que o sujeito possa se
identificar sem problemas e como possuidor de todas as saídas. Nos parece a reafirmação da
relação de consumo.
... cuando una gramática o un esquema de pensamiento están ya
constituidos, cualquer cosa que se produzca en su interior da una
sensación de “ya dicho”, de “ya pensado”, una sensación de que
pisamos terreno conocido, de que podemos seguir hablando o
pensando en su interior sin dificultades, sin sobresaltos, sin sorpresas.
Por eso una gramática constituida nos permite decir “ lo que todo el
mundo dice”, aunque creamos que decimos cosas “novedosas”, y
un esquema de pensamiento constituido es el que nos hace “pensar
lo que todo el mundo piensa” aunque tengamos la impresión de que
somos nosotros mismos los que pensamos. Desde esa perspectiva,
tanto los positivistas como los críticos encarnan ya lo que Foucault
llamó “el orden del discurso”, ese orden que determina lo que se
puede decir y lo que se puede pensar, los límites de nuestra lengua
y de nuestro pensamiento.(LARROSA,s/d,p.2)
Lançamos outra hipótese: competência é incorporar a fala autorizada daquele que
alcança a consagração pela vida científica e isto se torna a medida do que é formação e formação
para o professor. Este é traço da formação de professores no Brasil.
Num segundo conjunto de notas, formação de professores se alia à idéia de
“capacitação técnico-científica”, até o limite do saber fazer eficaz, produção de resultados/respostas
aos problemas imediatos. Neste caso, constitui-se como boa a acumulação de conhecimentos
bem classificados, constituindo a “bagagem” profissional.Capacitação implica as idéias de
universalidade, objetividade e aquisição na relação com o conhecimento. Tomamos as palavras de
Larrosa: Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente
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Dimensão cultural na formação de professores
infinito, que só pode crescer; algo universal e objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está
aí, fora de nós, como algo do qual podemos nos apropriar e utilizar( 2002,p.140).
Além disso, tal sentido da capacitação, segundo o autor, dirige-se aos:
[...] los que se situán en el campo educativo desde la legitimidad de
la ciência, los que usan esse vocabulário de la eficácia, la evaluación,
la calidad, los objetivos, los didactas, los psicopedagogos, los
tecnólogos, los que construyen su legitimidad a partir de su cualidad
de expertos, los que saben, los que se situán en posiciones de poder
a través de posiciones de saber...(LARROSA, s.d.,p.1)
Theodor Adorno nos oferece contribuição poderosa para entender o sentido da relação
de consumo e o que ela legitima. Afirma que as categorias para pensar o mundo, segundo o modo
como a subjetividade moderna foi constituída, se dão a priori, em relação aos fenômenos. Somente
a partir dessas categorias o sujeito cria imagens de pensamento e enunciados. Este modo de
proceder criou universalidade e sistemas -diríamos simbólicos. Totalidade social, que cria realidade,
por meio de uma vinculação em sistemas - que envolvem os sujeitos e os enclausuram. As relações
acontecem, presas no sistema que indicam os juízos.
Não se pode desconhecer função ideológica dessa tese. Quanto
mais os homens individuais são reduzidos a funções da totalidade
social por sua vinculação com o sistema, tanto mais o espírito,
consoladoramente, eleva o homem, como princípio, a um ser dotado
do atributo da criatividade e da dominação absoluta.
(Adorno,1995,p.185)
Adorno pensa os processos que afastam os agentes da possibilidade de,
racionalmente, compreenderem as relações de assujeitamento e dominação as quais os envolvem
e que os formam em sua subjetividade. Aquele que não passou pela aquisição desse corpus
representacional,desse algo já existente, ainda não estaria pronto, apto.As relações implicadas
neste processo estabelecem o modo como estes agentes interferem no mundo social e são
formados, em um movimento de mão dupla. Adorno vê tais relações no fortalecimento da barbárie
e na possibilidade de resistência a ela, portanto, nas linhas que amarram os sujeitos às marcas de
seu tempo e às possibilidades de um pensamento crítico.
Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma de troca,
então a racionalidade desta constitui os homens; o que estes são
para si mesmos, o que pretendem ser, é secundário. Eles são
deformados de antemão por aquele mecanismo que é transfigurado
filosoficamente em transcendental[...] é a forma reflexa da coisificação
dos homens, consumada objetivamente nas relações
sociais.(Adorno,1985,p.186)
Podemos enunciar uma outra hipótese de trabalho: entendemos que há um processo
no qual cada agente constitui um rol de disposições que pauta seus juízos, seus gostos, suas
práticas e, em última instância, seus estilos de vida, seus modos de pensar e pensar a si mesmo
e a suas possibilidades, que atua diretamente na instância subjetiva do sujeito. De que forma a
formação de professores é afetada neste contexto?
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Dimensão cultural na formação de professores
Pierre Bourdieu nos ajuda a entender estas disposições. Trata sobre os esquemas
que serviriam para classificar os graus de legitimidade naturalmente outorgada a certos agentes,
nas relações dentro do campo e na relação com os outros campos. Esquemas não formais, fluidos,
que se instalam como princípios geradores do funcionamento dos agentes no âmbito da prática.
Na verdade isto resulta na própria atribuição de valor àquele que produz a cultura e à posição que
ocupa. Pautando-nos em Pierre Bourdieu, quando falamos em classificação estamos falando
também em distinção, em hierarquização: de bens culturais, de agentes e posições. Quando se
fala em classificação, estamos falando de esquemas de classificação que pertencem ao rol de
sistemas simbólicos de percepção, de pensamento e de práticas.(Bourdieu,1992,p.108)
Isto permite pensar que não é uma imposição ou uma relação de sujeição aceita,
conscientemente. Segundo Bourdieu, a incorporação pelo agente, desta estrutura - que de forma
alguma é estática - se dá em função da sua trajetória, vivida em determinadas circunstâncias.
Diríamos, marcada pelos encontros. Isto conformaria, inconscientemente, uma matriz de percepções
e modos de apreciação, ou seja, certas disposições que implicariam no modo de atuação do
agente na realidade social.
Estamos, portanto, no âmbito dos modos de percepção quando falamos em
disposições, cuja matriz é designada por Bourdieu como habitus. Segundo Bourdieu
A palavra disposição parece particularmente apropriada para exprimir
o que recobre o conceito de habitus (definido como sistema de
disposições): com efeito, ele exprime, em primeiro lugar, o resultado
de uma ação organizadora, apresentando então um sentido próximo
ao de palavras tais como estrutura; designa, por outro lado, uma
maneira de ser, um estado habitual (em particular do corpo) e, em
particular, uma predisposição, uma tendência, uma propensão ou
uma inclinação.(Bourdieu, 1983, p.61)
Neste sentido, retomando a discussão, pensar a atuação e o contexto sociais dos
produtores e não-produtores de cultura, consumidores ou não, torna-se importante. A posição dos
indivíduos em relação aos produtos simbólicos conformam um espaço de posições e tomadas de
posição que marcam as relações entre os agentes e os grupos de agentes. O que conforma estas
escolhas? As instâncias de conservação e consagração cultural, em relação às instâncias de
legitimação e reprodução, dentro do espaço dos sistemas simbólicos. Dentre eles os espaços da
experiência educadora.
É no processo da formação das disposições internas aos agentes, ou seja, do habitus ( matriz das percepções e juízos), que o modo de agir no mundo por parte de cada um indicaria
as crenças que movem as escolhas, sua filiação, sua origem ( um pouco da estrutura social a qual
viveu).
O habitus estaria, então, sendo inconscientemente estruturado, servindo como elo
entre as práticas
( as posições), a subjetividade dos indivíduos (os esquemas estruturados)
e as próprias situações vividas por cada agente. Ao mesmo tempo, o habitus, sendo também
estruturante, movente, devido exatamente à influência das situações, e da fluidez da lógica que
move as práticas porque estas não são controláveis, muitas vezes promovem encontros que fazem
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Dimensão cultural na formação de professores
o agente perceber o mundo fora do lugar.
Depois das considerações que tecemos até aqui, é possível levando em
consideração, primeiro, a educação como sistema simbólico; segundo, este modo de produção
cultural como abrigo do locus de legitimação e reprodução que é a escola, recolocar a questão
inicial: como se dá a formação de professores? Pensamos que seja possível e produtivo colocar
este problema dentro de um jogo intrincado de relações de poder, de hierarquizações, de distinções,
de imposição de um arbitrário cultural.
Lembrando que o habitus se constitui em relação com as situações, o acontecimento,
o encontro - que trazem aquilo nos escapa, podem se constituir em uma das situações que
aguardam o agente ( mesmo aquele que é alvo preferencial das “profecias sociais”). Encontramos,
assim, uma ferramenta conceitual que permite pensar a formação de professores.
Mais uma hipótese: a formação de professores permite a convivência de planos
diferentes, mais ou menos complexos, mais ou menos críticos, mais ou menos massificados.
Mesmo se considerando a inculcação de esquemas de percepção e critérios de classificação
destes esquemas, permite ainda a experiência educativa dentro e fora da escola que, dependendo
dos seus encontros, aos agentes pensar com autonomia. Ou, se pudéssemos pensar junto com
Adorno, refletir acerca da reflexão que faz do mundo, portanto, de si mesmo, mante-la tensa.
Outro conjunto de notas também se compõe. Se nos voltarmos para o que marcou
a história da educação no Brasil, também poderemos perceber a predominância do discurso que
vimos apontando. Analisar nossa história da educação pode fornecer elementos para
compreendermos em que plano funciona o conceito de formação de professores que se fez
predominante e legitimado.
O período da ditadura militar no Brasil, iniciado um pouco antes do Maio de 68,
tanto nas posições das políticas educacionais quanto nas posições dos educadores de esquerda
tiveram contundente entrada diríamos, em termos da abertura dos cursos de formação de
professores que estão em atuação hoje. Pensamos que o movimento nestas duas instâncias
possam nos fornecer dados para indicar regularidades,como regras, no campo de produção dos
agentes. Insistimos nos desdobramentos daqueles acontecimentos na atualidade.
Afirmamos, porém, que este modo de pensar formação é uma possibilidade de
resposta à demanda que se apresenta a partir do campo educacional. Precisamos convidar outros
ao diálogo, ao diálogo acerca de nossas referências, daqueles traços que fazem parte de nossa
tradição.
Lançamos outra hipótese: a procura metódica e rigorosa por uma teoria genuinamente
dialética que pudesse referenciar a prática pedagógica dos educadores de esquerda em busca da
articulação com o movimento de transformação da sociedade, escrupulosamente pautada em
reflexões e análises sérias sobre o fenômeno educativo, ensejou a ênfase na elaboração de esquemas
classificatórios, que funcionariam como categorias necessárias.
Evidentemente que alguns temas tratados por essas reflexões encontraram
discordâncias. No entanto, nos chama a atenção que a problematização tenha sido inexpressiva.
Um exemplo é a quase falta de espaço para o questionamento da formulação da categoria “crítico-
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reprodutivistas”,aplicada largamente naquele período, tendo sido aceito o ponto de vista majoritário
como condição para outras pesquisas sobre o fenômeno educativo. Consideramos que as posições
ocupadas pelos educadores de esquerda conseguiram tornar legítimo, verdadeiro e universal seu
ponto de vista a respeito do fenômeno educacional e lançar suas reflexões no cenário nacional
como referência, ou mais propriamente, como ponto de partida para as discussões seguintes.
Pensamos que ao mesmo tempo que se lutava contra o autoritarismo, a esquerda
esclarecida e crítica se colocava na posição de quem com consciência via as nuances desse
regime político no movimento das salas de aula. Como via com consciência, não percebendo por
parte dos professores a consciência filosófica necessária para que se juntassem a eles nesta luta,
manifestava-se com firmeza extremada no sentido de garantir a formação de educadores que
cumprissem o papel que a escola deveria criticamente exercer: ensinar e ensinar bem. “Ensinar
bem” significava garantir que os conteúdos do conhecimento universal fossem aprendidos por
parte dos alunos das camadas populares que, assim, teriam acesso a instrumental que os colocaria
com chances na luta contra as condições de opressão social.
No entanto, as lutas pela hegemonia do discurso através do silenciamento – que
encontra efeitos nas salas de cursos de licenciatura em pleno século XXI – de algumas falas sobre
educação, colocavam estes educadores como donatários da verdade acerca dos rumos que a
educação deveria tomar para se resolver em processo democrático.
Outra hipótese de trabalho: o processo brasileiro ensejou as condições da formação
dos formadores de professores resultou na idéia de formação crítica como algo especializado,
portanto, como capacitação para o pensamento crítico, segundo pressupostos racionais e universais,
para sair da alienação.
Se deslocarmos nossa atenção daquele momento da história da educação brasileira
e nos voltarmos para o tempo presente, encontraremos a formação de professores ainda em foco,
isto tanto a partir do ordenamento legal, documentos oficiais, quanto na produção acadêmica no
campo educacional. Vemos uma relação entre estes dois momentos.Tanto lá quanto aqui é possível
notar a necessidade de fornecer ao professor todo o referencial para sustentar sua prática, de
forma a não permitir que sua atuação fique destituída de fundamentos científicos, racionais e
universais, elementos que imprimem valor à prática.
Não colocamos em questão que a função da escola seja criar condições para a
aprendizagem, para a sistematização de conhecimentos por parte do aluno; que o saber que pauta
sua atuação é específico e veiculado somente lá. No entanto, questionamos como acontece a
formação daqueles que têm como tarefa viabilizar este processo: quais as referências, a partir de
qual matriz.
A discussão sobre formação e formação de educadores se encontra na tensão
entre capacitação técnico-científica e formação para a reflexão crítica. No entanto, como nos diz
Tura, acerca da escola Tudo isso se instituiu numa cultura específica, que se organizou em
práticas e hábitos de natureza burocrática e conservadora. (TURA,2004,p.5)
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Dimensão cultural na formação de professores
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4, n. 7 ,1984.p. 9-14
TURA, M. de L. R. A cultura escolar e a construção das identidades. http://www.ines.org.br/ paginas/
revista/debate2.htm. acessado em 23/11/2004
NOTA
1
Dissemos “dificulta” e não dissemos “ inviabiliza”. Afirmamos que há um fluxo que
se faz acontecer, de discursos e de práticas que convivem. Há professores que dão sentido à
experiência educativa, esteticamente. Não trataremos destes professores nesta pesquisa, mas é
importante frisar que acompanhar a produção da prática de um grupo de professores de escola
pública de ensino fundamental que trabalha neste sentido também nos forneceu índices para nos
provocar à formulação do problema que apresentamos aqui.
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Dimensão cultural na formação de professores
PROFESSOR, ALUNO: CADA QUAL EM SEU LUGAR
PENNA, Marieta Gouvêa de Oliveira (PUC/SP )
INTRODUÇÃO
A escola, instituição responsável pela transmissão de parcela da cultura, é marcada
pela mesma, e em função de sua especificidade, produz modos próprios de agir e pensar
relacionados ao que historicamente se espera e se vê concretizado em seu interior. Nesse sentido,
a vivência da docência se constitui pela adesão a um conjunto de práticas, códigos, valores a ela
relacionados. Apreender a cultura docente e o que é constitutivo desses profissionais, buscando
compreender o professor inserido em relações sociais e profissionais se torna fundamental para a
investigação do que o professor faz ao exercer a docência bem como do que o exercício da
docência faz com ele. Viñao-Frago (1996), ao tratar da cultura escolar, compreende a mesma
constituída a partir de determinantes externos, ao mesmo tempo em que apresenta relativa
autonomia, expandindo suas marcas para além da escola. Ao apontar a existência de sub- culturas
em seu interior, ressalta a relevância de se aprofundar a compreensão da cultura docente, levandose em consideração aspectos que dizem respeito à formação, seleção, carreira, considerados em
relação ao processo de socialização na profissão. Para o autor, a cultura escolar constitui um
conjunto de idéias, pautas e práticas que conformam o pensamento e as ações dos atores envolvidos
no fazer escolar, dando sentido ao mesmo.
Uma perspectiva de investigação que busque compreender a escola como portadora
de cultura que lhe é própria relaciona-se à investigação dos professores como portadores de um
habitus 1 específico ao exercício dessa função, por eles incorporado, que por sua vez diz respeito
à análise das relações estabelecidas pelos professores na escola e para além dela.
Entendendo habitus como algo interiorizado pelo sujeito e que o predispõe a agir de
determinadas maneiras, a configuração de um habitus docente pode ser apreendido ao analisarse as práticas docentes, ou seja, os sinais presentes na cultura docente que se revelam em
tradições, transparecendo em modos de ser, agir e pensar próprios ao exercício dessa função.
Para Gimeno Sacristán (1999), prática docente é cultura objetivada, na forma de um legado imposto
aos sujeitos, expressando-se como sabedoria compartilhada, papéis a serem desempenhados e
estilos docentes. Dessa forma, as práticas expressam os caminhos consolidados da cultura, fazendo
com que os professores participem das ações de outros professores, na forma de pautas
compartilhadas em relação a condutas, crenças, formas de compreensão, emoções, valores.
A conduta do professor é produto da forma escolar (Vincent, Lahire e Thin, 2001),
que pressupõe certos espaços e certas atividades, ou seja, coordenadas organizativas que
demandam papéis a serem desempenhados. De acordo com Gimeno Sacristán (1998), o professor, em sua atividade de transmissão cultural, ao guiar situações complexas, em atividades muitas
vezes imprevisíveis, submete-se às demandas que lhe são colocadas, que por sua vez pressupõem
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Dimensão cultural na formação de professores
a adoção de determinado referencial de conduta, nos quais encontra modelos de atuação. Para o
autor isso ocorre devido à existência de esquemas de comportamento profissional que estruturam
a prática docente, que se reproduzem e dão continuidade a modelos pedagógicos estabelecidos
na prática, ao mesmo tempo que possuem condicionantes institucionais.
O UNIVERSO DA PESQUISA
As análises formuladas para esta comunicação sobre cultura docente e constituição
de habitus referem-se a dados coletados em pesquisa realizada para elaboração de dissertação de
mestrado (Penna, 2003). A construção do objeto de pesquisa da dissertação, qual seja, o exercício
docente por pessoas que como seus alunos, encontravam-se na condição de detentos, partiu de
questionamentos em torno dos limites e possibilidades do desenvolvimento da educação escolar
no interior de um estabelecimento prisional. A coleta de dados sobre o exercício docente ocorreu
por meio de entrevistas semi estruturadas com os monitores-presos que atuavam na penitenciária
investigada. Os monitores-presos, sujeitos da pesquisa, eram contratados pela Fundação Manoel
Pedro Pimentel (FUNAP), para ministrarem aulas em estabelecimentos prisionais do Estado de
São Paulo, tanto em salas de alfabetização, correspondentes aos primeiros anos do Ensino Fundamental, quanto na educação supletiva. A FUNAP é responsável pelo Ensino Fundamental nas
prisões em São Paulo. O quadro de monitores é composto por monitores concursados, monitorespresos, professores advindos de parcerias com as redes estadual e municipal, entre outros (São
Paulo/ FUNAP, 2001).
Tratava-se de um grupo de monitores, no entanto composto por pessoas singulares,
com trajetórias de vida distintas. Em seus depoimentos, algumas regularidades estavam presentes,
relacionadas, entre outras coisas, à apreensão da cultura docente por parte dos mesmos.
A ESCOLA NA PRISÃO
A prática educativa, ao se desenvolver em determinado contexto, expressa relações
socialmente estabelecidas, sendo por ele determinada. Ao se desenvolver no ambiente prisional, a
escola se vê submetida a suas regras e procedimentos, além de refletir o que nela se espera ver
concretizado nessas circunstâncias. A escola na prisão encontra-se submetida à lógica carcerária,
conforme atestam diferentes pesquisas, dentre as quais destacamos Portugues (2001), Santos
(2002), Penna (2003). No entanto, o espaço escolar na prisão assume características próprias à
instituição escolar e sua cultura, com espaços, tempos e regularidades característicos dessa
instituição, obviamente marcados pelo fato da mesma estar inserida na instituição prisional, o que
marca as atividades nela desenvolvidas (Santos, 2002; Penna, 2003).
Dessa forma, a escola na prisão apresenta-se como local diferençado, com discursos
e regularidades próprios, além de constituir-se claramente como um valor. As conversas entabuladas
com os monitores- presos no espaço escolar giravam sempre em torno de assuntos educacionais,
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como a violência nas escolas, a não reprovação, ou mesmo sobre algum tema em que estivessem
trabalhando com seus alunos. Em diferentes estudos (Leme, 2002; Santos, 2002; Penna, 2003),
a procura da escola no interior da prisão diz respeito à solução de problemas concretos pelos
detentos, relacionados ao fazer escolar, como por exemplo aprender a ler ou mesmo diplomar-se;
ou a situações relacionadas ao ambiente prisional, como passar o tempo, circular pelos diferentes
pavilhões ou conseguir um parecer de conduta favorável por parte da equipe técnica; o que não
difere das razões pelas quais se envia o filho à escola, ou seja, para aprender a ler, ocupar o tempo,
fazer amigos, ou mesmo ser alguém na vida.
CULTURA DOCENTE E CONSTITUIÇÃO DO HABITUS
Nas entrevistas realizadas com os monitores- presos, a escola na prisão, em função
de características específicas ao fazer escolar, que, ao trabalhar com elementos da cultura
considerados relevantes em determinado contexto histórico- social, implica a adoção de regras e o
bom comportamento, representava um outro lugar, em que as atitudes deveriam ser outras, ou
seja, alunos e professores deveriam saber se portar de forma diferençada na escola. Ao serem
incentivados a falar sobre sua prática, sobre prazeres e dificuldades obtidos no desempenho dessa
função no interior da prisão, sobre suas crenças na função social da escola e do professor, os
monitores explicitaram aspectos da cultura docente, ou seja, da apropriação realizada por eles de
algo constitutivo da função de professor, que por sua vez organizava suas percepções sobre a
importância do desempenho da função e sobretudo suas percepções sobre seus alunos,
caracterizando-se como padrões que acabavam por influenciar sua conduta. Some-se a isso o fato
de alunos e professores, na situação em questão, serem provenientes da mesma população de
presos, exigindo da parte dos monitores um grande esforço para se demarcarem como agente
docente frente a seus alunos e toda a população carcerária. Para a análise da apreensão da
cultura docente incorporada pelos monitores, três aspectos foram destacados: o esforço pela
demarcação da diferença; o desempenho da docência como missão; professor e alunos: espaços
em oposição.
O ESFORÇO DA DEMARCAÇÃO DA DIFERENÇA
Neste estudo, os monitores faziam parte da mesma população carcerária que seus
alunos, partindo de uma condição de igualdade. Portanto, o esforço de demarcação da diferença
entre alunos e professores, presente na escola para além da prisão, no contexto específico em que
a pesquisa se desenvolveu apresentou-se de forma marcada na fala dos monitores:
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“Dentro da sala de aula é cada um numa posição...” (Daniel)
“Na escola você fala, e não é o preso que fala, é o professor! Muda
muito. O próprio preso percebe que muda. Quando ele entra na
escola, muda. É outro lugar. O próprio preso tem que perceber isso
sozinho.” (João Carlos)
Para os monitores, marcar a posição de professores demonstrava-se crucial para
poderem assumir essa função na prisão. O professor deve saber mais que seus alunos, condição
para os mesmos poderem estar na posição de ensinar. Para os monitores, os alunos, pelo fato de
partirem de uma condição de igualdade, testavam constantemente suas capacidades, que deveriam
estar aptos a comprovar:
“É difícil. Eles querem saber até onde você estudou. No meu caso,
já sabiam da minha escolaridade, porque eu estudei pra ser
advogado, e eu ajudava os outros por ter feito direito. Mas eles falam:
‘Um calça bege como eu, o que ele sabe mais do que eu? Como ele
pode ser meu professor?’ O preso desafia e você tem que mostrar!
O mais difícil é que ele te vê como igual e você tem que mostrar que
pode contribuir. Precisa se sobressair frente o aluno, mostrar que
tem um pouco a mais.” (Adriano)
“Às vezes o aluno faz pergunta, não pra obter resposta, mas pra
testar o professor. Tem que ter jogo de cintura, pra estar preparado
pra essas coisas.” (João Carlos)
De qualquer forma, as funções estavam previamente marcadas, e o professor deve
ocupar o seu lugar. De acordo com os monitores, os alunos percebiam se o professor estava ou
não preparado para lecionar, e não estavam lá para serem enganados. No entanto, além de saber
mais que seus alunos, o professor deve saber de coisas que sejam relevantes. Ao necessitar saber
de coisas relevantes, torna-se fundamental ao professor que este manifeste-se de modo relacionado
muito mais a valores educacionais implícitos ao fazer escolar, que à transmissão de conhecimento
propriamente dito. De acordo com Rockwell e Mercado (1986), as práticas que ocorrem na escola
comunicam orientações e prioridades que definem o trabalho docente. Para a autora, o fazer
escolar encontra-se muito mais vinculado à disciplina que à produção intelectual, apresentando
um fundo constante que acaba por constituir modos de agir e falar característicos da docência.
A função de professor é exercida por meio da adesão a um conjunto de valores, que
tem como pano de fundo a crença na escola e no que ela representa socialmente, pressupondo a
assunção de um determinado modo de agir, relacionado ao seu desempenho, e que diz respeito
ao que é ser professor, como esse profissional deve se portar e sobre a função social da escola
que lhes cabe viabilizar na sala de aula. O exercício docente supõe evidenciar ações que, para os
monitores apresentavam-se como fundamentais para o desempenho dessa função:
“A responsabilidade de professor é maior que a do aluno.” (Daniel)
“Pra ser bom professor tem que ter compromisso, se não tiver
compromisso, seriedade, respeito, não desenvolve nenhuma função,
nenhuma profissão, muito menos uma tão importante como essa.
Professor é uma função muito importante, tem que ter consciência
do seu trabalho.” (Adriano)
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“Aprendi a necessidade de se manter a postura. (...) Essa forma,
essa postura faz diferença pra ser professor, aí eles se adaptam
bem.” (Marcelo)
Manifestar condutas desse tipo tornava-se importante para os monitores imporem
respeito a seus alunos, e para que fossem reconhecidos como professor. Segundo os monitores, a
existência de respeito é imprescindível na relação do professor com seus alunos. Conforme dito
anteriormente, para serem respeitados, necessitavam saber mais que seus alunos, além da
necessidade de se portarem de forma destacada. Dessa forma, configurava-se em um respeito
calcado no saber, mas também nas atitudes. Saber de coisas relevantes e saber se portar de
forma adequada acabava por representar que o professor deveria ser diferente, ou seja, deveria ser
portador de algo nobre, o que acaba por se encaixar muito adequadamente na idéia do exercício
docente como missão, presente na cultura escolar.
DESEMPENHO DA DOCÊNCIA COMO MISSÃO
O trabalho do professor traz implícito a idéia de convencimento, seja em função do
saber mesmo que transmite, que deve ser aceito como legítimo pelos alunos, seja em função dos
modos de ser e estar na escola, que implicam o bom comportamento. Além disso, o saber transmitido
pelo professor não é elaborado por ele. Dessa forma, a atividade do professor traz implícita a idéia
de convencimento, bem como o estabelecimento de influência sobre os alunos, o que transparecia
na fala dos monitores:
“Bato colocado, pra aprender que estudo faz parte da guerra...”
(Marcelo)
“Só escolhe a escola se a gente influenciar...” (Marcelo)
Ao ter implícito à sua função a formação de seus alunos para o convívio social, o
docente se vê como modelo de conduta para os mesmos, fato que repercute em sua maneira de
portar-se na sala de aula:
“Mantenho certa rigidez na sala, e isso ajuda, impõe respeito e ensina
a importância de ser educado, de pedir licença. Essas coisas também
são pra ser aprendidas na escola. (...) Procuro passar boas
mensagens e ensinar mais que só o conteúdo.” (Marcelo)
“Você tem que mostrar progressão, tem que ter cuidado com a
imagem que passa...” (Marcelo)
Servir de modelo implica dar o melhor de si, trazendo em seu bojo a idéia do exercício
da docência como doação:
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“O professor se sacrifica pelo objetivo de dar aulas, não é só eu que
importa, importa os outros também.” (Adriano)
Ao estabelecer-se na relação com o outro, implica relação de “auxílio”, que assume
um caráter assistencialista, permeado pela idéia da docência como missão:
“Eu gosto de auxiliar os outros, gosto de ajudar. Sei que o que faço
é precário, que não sou profissional, mas gosto de transmitir coisas
boas... Quando por algum motivo não tem aula, não gosto, fica um
vazio... Aqui posso fazer coisas pelo outros...” (Marcelo)
“Escola não é só pra passar matéria, é também pra ajudar.” (João
Carlos)
Ao implicar a idéia de valor bem como de auxílio, o exercício docente traz em seu
bojo a necessidade de modificação dos alunos, para estarem aptos a receberem aquilo que lhes foi
designado. Para tanto, a relação entre o professor e os alunos necessita ser regulamentada. Não é
qualquer relação que permite uma influência positiva sobre os alunos. Transpareceu nos depoimentos
dos monitores que os relacionamentos travados na escola necessitavam ser estabelecidos sob a
autoridade do professor, pautados numa “imposição da adequação”:
“Trago coisas da vida, mensagens de otimismo. O mundo é bom...,
mostro que é preciso ser pessoa destacada...” (Marcelo)
“Costumo dar exemplos de vida e da experiência pros alunos, falar
da importância dos estudos.” (Marcelo)
“Sempre falo a palavra amar, por favor, obrigada, aproveito para usar
essas palavras.” (Marcelo)
Dessa forma, algumas regras eram estabelecidas, para que se mantivesse um bom
convívio, uma vez que as relações deveriam ser travadas dentro de determinados padrões de
comportamento:
“Quanto aos alunos, a gente procura estabelecer algumas regras,
pra manter o respeito, mas não tudo a ferro e fogo. Tem que ter
algum espaço pra brincadeira sadia. (...) Respeito misturado com
certa liberdade ficou bom.” (Fábio)
“Se os alunos dão muito trabalho, não brigo com eles. Se é entre
eles, procuro resolver, mantenho a organização.” (Marcelo)
Para Bourdieu e Passeron (1982), toda ação pedagógica exerce violência simbólica
ao impor significações arbitrárias reconhecidas como legítimas, ou seja, um arbitrário cultural.
Para se instaurar, a ação pedagógica supõe a autoridade pedagógica, cuja origem é institucional.
Assim, a autoridade do professor se refere à instituição que o legitima e ao que essa instituição se
propõe realizar, ou seja, a ação pedagógica institucionalizada. Dessa forma, a legitimidade de sua
ação é dada pela instituição que concede sua autoridade e a possibilidade de transmitir o que
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transmite. Portanto, a autoridade pedagógica independe do agente ou da relação que o mesmo
estabelece com seu aluno. A ação pedagógica escolar ocorre em espaço determinado socialmente,
e o professor se apercebe das condições materiais e simbólicas de sua efetivação, inscritas na
posição que deve ocupar, e que por sua vez nele se inscrevem na forma de habitus. Ocupar a
posição de autoridade pedagógica é condição para a efetivação da relação de comunicação
pedagógica escolar. O professor herda determinado habitus relacionado ao exercício dessa função,
que se expressa em sua ação cotidiana e do qual o exercício da autoridade pedagógica é um forte
componente, uma vez que a instituição concede ao professor “o direito e o poder de desviar em
proveito de sua pessoa a autoridade da instituição” (p. 136).
PROFESSOR E ALUNO: ESPAÇOS EM OPOSIÇÃO
Para poderem servir como modelo de comportamento a seus alunos, os professores
devem possuir uma imagem, de si mesmos, de acordo com os aspectos apontados anteriormente,
para que importa as condições às quais seu exercício docente está condicionado. Na prisão, a
idéia da contribuição da educação escolar e da ação docente na recuperação de criminosos estava
presente na imagem que os monitores faziam de si mesmos e de seu trabalho:
“Você está cooperando com outras pessoas ignorantes a melhorarem,
alguém que ia prejudicar alguém ao sair daqui e que pode melhorar.”
(Daniel)
“Depois, estou ajudando. Aí já são dois que estão fora da
criminalidade, eu, e mais um....” (Adriano)
O professor necessita valorizar a atividade por ele desenvolvida, incorporando o
discurso da escola como possibilidade de resolução de problemas sociais, presente nas expectativas
nela depositadas pela sociedade, e que se apresentava nos depoimentos dos monitores:
“Elas podem sair melhor ou pior. A escola ajuda a ser melhor, e isso
tem que ser pensado.” (João Carlos)
“Precisa ajudar essas pessoas a crescer, quando ela estiver livre, vai
ter mais oportunidade, vai se isentar da criminalidade.” (Adriano)
Assim, não é qualquer pessoa que pode estar na posição de ensinar. Além de saber
mais que seus alunos, ela deve ser diferente dos mesmos. Isso acaba por configurar a posição de
alunos e professores em posições diferentes, muitas vezes antagônicos, dispondo os professores
em posição de estabelecer julgamentos morais sobre seus alunos. Ao serem interrogados sobre os
motivos que levavam os alunos a procurar a escola na prisão, os monitores percebiam que o
trabalho dentro da prisão, como na rua, competia com a escola. Dessa forma, a escola se configurava
como segunda alternativa para os detentos. Apontavam também a escola como válvula de es-
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cape, como uma das únicas alternativas apresentadas aos detentos para ocupar o tempo, sair dos
pavilhões, poder entrar em contato com outros presos. No entanto, ao tecerem considerações
sobre seus alunos, colocavam-se claramente em outro lugar, apesar de saberem das dificuldades
por eles enfrentadas e sofrerem as mesmas dores e constrangimentos que seus colegas de infortúnio.
Por serem seus professores, sentiam-se à vontade para tecerem julgamentos morais sobre os
demais detentos, fato que transpareceu em seus depoimentos:
“Eles já vêm forçados. Tenho que contornar a situação. Faz por
bronca, despeito, nervoso, quer descontar ali. Tem que conseguir
contornar. Ninguém gosta de estudar no presídio. Maioria não gosta,
75% vem forçado por benefícios, achar ocupação, não porque goste
de verdade.” (Marcelo)
“Na prisão a maioria não quer aprender, vai pra escola por obrigação,
por que a escola ajuda na progressão da pena. Vai pra fazer os
negócios no caminho da escola. A maioria não quer saber de nada.”
(João Carlos)
Esses mesmos professores que apontavam, em seus alunos, motivos pouco nobres
para sua freqüência à escola, têm muita clareza de que o desempenho da função de professor na
prisão representa privilégios, e que a procura dos mesmos por uma vaga para trabalharem na
escola relacionava-se a motivos concretos e não tão nobres como a missão de professor a eles
designada fazia supor, como o salário recebido, a possibilidade de um parecer de conduta favorável
da parte da equipe técnica, ou mesmo ocupar a mente ou circular pelos diferentes espaços prisionais,
da mesma forma que seus alunos. No entanto, esses elementos não impediam os mesmos de se
posicionarem em oposição a seus alunos: professor é professor, aluno é aluno, e cada qual deve
ocupar seu lugar.
Para Bourdieu (2001), os esquemas práticos de classificação acionados pelo professor ao elaborar juízos sobre seus alunos, que organizam sua percepção e apreciação bem
como sua prática, revelam os princípios que organizam o sistema de ensino, que por sua vez
tendem a reproduzir a ordem social e a estrutura das relações entre os grupos nela inscrita, que
implicam relações de força e sentido. O professor possui esquemas de pensamento adquiridos
pela prática, e que contribuem para a reprodução das estruturas sociais das quais é produto.
Dessa forma, as categorias que os professores utilizam quotidianamente revelam princípios
organizativos do sistema de ensino, do qual o professor é produto, cuja lógica é produzida no
sistema escolar, revelando no entanto determinações sociais. As categorias do juízo professoral
tendem a incidir sobre a pessoas e suas qualidades, e não sobre suas aptidões técnicas, consagrando
a ordem social e as divisões de classe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O professor, ao socializar-se para e no exercício docente, encontra-se imerso na
cultura escolar, do que decorre a apropriação pelo mesmo de determinado habitus, que por sua
vez é constituído por intermédio dessa mesma prática. A análise da forma como o professor
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compreende a função por ele desempenhada, ou seja, das representações que possui da escola,
do exercício da docência e mesmo de seus alunos pode contribuir para a compreensão do habitus
docente, que por sua vez é constituído de disposições e percepções que direcionam a ação.
Assim, a percepção que o professor possui da atividade por ele desempenhada revela modos de
ser e agir próprios àqueles que desempenham essa função, que configuram e são configurados
por facetas do habitus docente.
Ao investigar a atividade de professor em uma instituição prisional, exercida por
pessoas que como seus alunos, encontravam-se na condição de detentos, alguns aspectos da
cultura docente puderam ser explicitados. Os monitores-presos não exerciam a docência antes de
sua detenção. Ao assumirem a posição de professor na cadeia, aprendiam os traquejos do
desempenho dessa função com seus colegas, além de se valerem de modelos percebidos em
antigos professores, quando de sua passagem pela escola. O que a pesquisa evidenciou é que ao
assumirem sua função como professores, os monitores assumiam determinadas formas de ser e
agir relacionadas à cultura docente e aos modos de ser e estar na escola, relacionados ao lugar
ocupado pelo professor, que é muito diferente daquele ocupado por seus alunos. É da lógica da
instituição escolar a ocupação de posições distintas por professores e alunos, pautada da autoridade
pedagógica, bem como o estabelecimento de julgamentos sobre os alunos, sendo a lógica escolar
produto da estrutura social.
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NOTA
1
O conceito de habitus está sendo compreendido tal qual formulado por Pierre Bourdieu (1983), ou seja, como um sistema de disposições
duráveis que gera e organiza as práticas e as representações, sem que contudo estas apareçam como obediência às regras. Os agentes
sociais interiorizam normas e princípios que asseguram a adequação de suas ações à realidade social, o que faz com que o habitus tenda
à assegurar a reprodução das relações sociais que o engendram.
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Dimensão cultural na formação de professores
PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR E SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL:
SATISFAÇÃO E/OU DESCONTENTAMENTO?
Fabio Junio Valentim (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos (DEFMH/UFSCar)
1. INTRODUÇÃO
Uma das preocupações que se pode, com alguma segurança, julgar como inerente
a qualquer profissional (dentre esses, o professor de educação física atuante na esfera escolar),
refere-se a como esse ator social vem se sentindo em relação ao desenrolar das rotinas de sua
própria área de atuação, ou seja, como vem se dando, ao longo de sua trajetória de trabalhos, sua
satisfação em termos profissionais.
É uma questão que se torna mais clarividente, ao se considerar, concordando com
NÓVOA (1995), PIERON (1996) e ROSA (2003), que inúmeras são as vicissitudes presentes no
decorrer do cotidiano de trabalho de um docente; desta feita, pode ser que se suceda uma confluência
entre aquelas com as motivações iniciais (e ainda, entre aquelas com a dinâmica de renovações
desses primeiros impulsos) do mesmo pela profissão; pode ser, por outro lado, que ocorra o oposto,
ou seja, uma separação, talvez definitiva, entre o que se pretendia (ou ainda, o que se vem
pretendendo) fazer e o que realmente se conseguiu com a profissão ao longo de determinado
tempo - o que tende a influenciá-lo, de forma bastante peculiar, no que tange à sua própria atuação
profissional.
Nesse contexto, nutre-se, de acordo com BETTI (1997) e BORGES
(1998), a necessidade de considerar-se que o bem estar do professor pode vir a influenciar significativamente sua ação cotidiana perante
seus alunos. Destaca LIBÂNEO (1994, p. 56):
“Á eficácia do trabalho docente depende da filosofia de vida do professor, de suas
convicções políticas, do seu preparo profissional, do salário que recebe, da sua personalidade, das
características da sua vida familiar, da sua satisfação profissional em trabalhar com crianças etc.
Tudo isto, entretanto, não é uma questão de traços individuais do professor, pois o que acontece
com ele tem a ver com as relações sociais que acontecem na sociedade.”
Assim, torna-se crucial despender atenções àquele: a reflexão sobre as histórias,
as frustrações, as alegrias e dificuldades que o docente enfrentara durante o transcorrer de sua
carreira são, indubitavelmente, impregnadas de significados atribuídos, os quais certamente
apresentam uma estreita relação com o que o professor produz em seu cotidiano de trabalho.
Foi partindo desta temática que, dentro de um esforço de compreensão, discuti e
analisei dados referentes ao particular caso de uma professora de Educação Física escolar (a qual
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Dimensão cultural na formação de professores
atua hoje numa unidade escolar de Ensino Fundamental da rede municipal de ensino da cidade de
São Carlos – SP) ao longo de seus anos como profissional. Com o trabalho busquei compreender
como vem se construindo, nesse caso específico, a satisfação e/ou o descontentamento da
professora em relação à sua própria profissão. A pesquisa teve como objeto a própria trajetória de
vida da docente, uma vez que, de acordo com BETTI (1997), BORGES (1998), BUENO (2004),
HOLLY (1995) e MAHABIR (1993), as maneiras de se perceber uma profissão não se encontram
desvinculadas de toda a história pessoal que o indivíduo vivenciara.
2. HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORES
Segundo BUENO (2004), o argumento que mais vem sendo utilizado pelos
pesquisadores quanto ao crescente usufruto de análises sobre histórias ou trajetórias de vida de
professores refere-se ao fato de que, por esse método, pode-se buscar (com um adequado rigor)
descrições acerca da subjetividade do professor, preocupação hoje considerada indispensável
para determinados tipos de análises educacionais.
Para MAHABIR (1993), a análise do passado de um professor pode vir a contribuir
com uma melhor compreensão de suas atitudes e sua situação geral no presente; pode-se encontrar
(através desse tipo de análise) indícios fortes do quê, em seu passado, influencia hoje suas
concepções sobre a área, assim como sua própria forma de atuação; ora, pode-se refletir também
sobre o futuro desse profissional, desde que não se lhe faça de maneira estanque e/ou generalista.
A subjetividade referente à figura docente, a qual se encontra intrínseca às
preocupações acima, torna-se ainda mais clarividente e digna de investigação, ao se considerarem
as preocupações de BORGES (1998), GRECO (1999) e NÓVOA (1995), quanto a quem realmente
vem a ser o docente, no que tange não apenas a análise de seu “eu profissional” (termo esse,
citado como fruto da dicotomia do conceito de docente estabelecido pelo processo de tentativa de
racionalização do ensino de décadas anteriores à atual, sendo seu componente oposto “eu pessoal”),
mas partindo da compreensão de que o professor deve ser vislumbrado como alguém em que
ambas as categorias (pessoal e profissional) são, na verdade, componentes de um mesmo ser.
Para esses autores, tais categorias não podem ser separadas, sob pena de se restringir a
compreensão das concepções e atitudes do professor a meros equívocos.
O estudo das histórias de vida de professores, sob o olhar de GOODSON (1995),
tem sua importância ligada ao fato de que permite buscar uma maior compreensão do trabalho
docente, a partir do próprio contexto da vida profissional desse sujeito, fato que aponta para uma
minimização de qualquer pretensão por parte de investigações que apenas expõem a esfera mais
problemática do cotidiano prático do mesmo. Sobre essa problemática, para argumentar suas
considerações, o autor em questão utiliza a seguinte citação de Pegg, etnólogo:
“Comecei a reflectir que, para mim, as pessoas que cantavam as
canções eram mais importantes que as próprias canções. A canção
é apenas uma pequena parte da vida do cantor e a vida foi sempre
algo de fascinante. Não poderia compreender as canções sem saber alguma coisa sobre a vida do cantor (grifo nosso), o que não
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parecia aplicar-se ao caso da maioria dos etnólogos. Sentem-se
felizes por encontrar material que se adapte a um critério
preconcebido e ficam por aí. Eu necessitava de saber o que as
pessoas pensavam acerca das canções, que papel
desempenhavam na sua vida, e na vida da comunidade.”
(GOODSON, 1995, p. 66).
Também sobre a relevância do método, vale destacar o que aponta Ferraroti, citado
por BUENO (2004), o qual corroborando colocações de Goodson afirma que a utilização dos
métodos biográficos pode ser uma alternativa interessante para a busca da mediação entre ações
e estrutura, entre a história social e a individual.
3. METODOLOGIA
3.1. Histórias de Vida de Professores e Educação Física
Em Educação Física, ainda hoje, não há um grande número de pesquisas, quaisquer
que sejam os seus enfoques, que envolvam mais diretamente a figura docente, consideração essa
que se pode compreender, principalmente se forem levadas em conta épocas (diretamente referentes
à área) anteriores aos dias atuais, às quais DAOLIO (1998), se atenta para afirmar que se trataram
de instantes marcados por produções cujos enfoques eram meramente referendados por
contribuições advindas dos planos biológico, fisiológico, técnico-tático e desportivo. Para BRASIL
(2000) e MELO (2002) a época em questão, no que tange ao âmbito da educação física, era
impregnada de valores que destacavam apenas a relevância da melhoria de aptidão física dos
indivíduos, em prol de interesses diversos. Tal contexto, era praticamente o único que representava
uma influência direta e significativa para as produções acadêmicas da Educação Física naquele
momento. Foi somente a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, que houve
uma intensificação quanto à produção de trabalhos criados a partir de outros referenciais (dentre
eles a antropologia, filosofia sociologia, etc.), os quais passaram a considerar, no campo
investigatório, a Educação Física enquanto fenômeno da esfera sócio-cultural. Tal momento, para
a história da área, representa, ainda hoje, um grande marco, uma vez que passou a motivar a
construção de novos paradigmas para a mesma.
Houve, enfim, uma aproximação entre as concepções próprias da pesquisa qualitativa
(que, em outros âmbitos, também pertencentes à educação, já se vinha fazendo presente), com a
realidade conjuntural e cotidiana da Educação Física.
Entendendo que, a partir das histórias de vida, podemos descrever muito das formas
pelas quais o professor se constituiu no que hoje é, compreendo como altamente significativa a
sua utilização com professores de Educação Física, principalmente pelo fato de, no processo de
construção e consecução da pesquisa, podermos observar, através de uma maneira completamente
diferente da habitual, a sua forma particular de enxergar a área em que atua. CAMPOS (1997) e
GRECO (1999) confirmam tal lógica ao considerarem que, para uma melhor compreensão da
Educação Física, tendo-se em vista sua história, a utilização dos relatos de vida de seus professores
torna-se incomensuravelmente importante, pois aquilo que já fora vivenciado por esses atores
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Dimensão cultural na formação de professores
sociais é passível de ser explicitado em sua profissionalização.
Em suma, a utilização dos relatos de vida, em Educação Física, como atestam os
trabalhos de BETTI (1997), CAMPOS (1997), CARDOSO (2003) e GRECO (1999), vem
aumentando nos últimos anos, mesmo sendo esse tipo de pesquisa recente no contexto da área.
As contribuições e a relevância desse processo para o amplo contexto da Educação Física
corroboram aquelas que foram descritas anteriormente, as quais expus quando discorri sobre o
método em si.
3.2. Perspectiva Metodológica e Técnicas para a Coleta de Dados
Selecionei a abordagem qualitativa de pesquisa para a busca do objetivo proposto,
pois pude compreender que esta se relaciona intimamente com o mesmo, uma vez que, em se
tratando de um fenômeno educacional, o qual se encontra impregnado de valores atribuídos e de
caracteres subjetivos, tal tipo de abordagem surgira historicamente justamente quando se percebia
a necessidade de abarcar-se tais complexidades (BUENO, 2004) e, a partir destas últimas, vem
se desenvolvendo.
Para coletar os dados para a pesquisa, buscando aquelas técnicas que de fato
pudessem ser relevantes para a consecução do trabalho, utilizei a entrevista de cunho semiestruturado (NEGRINE, 1999). As perguntas elaboradas, igualmente segundo classificação expressa
em NEGRINE (1999), são de caráter aberto, isto é, significam que a pessoa entrevistada pode
responder àquilo que lhe for perguntado conforme lhe convenha.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A partir do relato da professora, pude destacar diversas questões que, segundo ela
mesma, tiveram grande relevância na formação de seus gostos em relação à Educação Física.
A primeira delas se refere ao quão importantes foram, em sua vida, as brincadeiras
e jogos da infância. Segundo ela, havia, naqueles tempos, uma grande gama de atividades/
brincadeiras, cujo caráter era relacionado a jogos e esportes. Para a professora, estas experiências
foram fundamentais para o desenvolvimento de seu gosto pela Educação Física. Talvez tenha ela
escolhido, como profissão a seguir, aquilo que considerava como sendo de seu próprio apreço e
conhecimento, e não algo que lhe era parcial ou totalmente desconhecido. Um dos trechos de sua
fala ajuda-nos a esclarecer esta questão:
“(...) eu falava pro meu pai que eu tinha que ir pra uma escola que...
que fosse... que aprendia esporte, como é que era ser técnico, como
é que era jogar, que nem a gente, nem lembro se a gente tinha
televisão (eu ia assistir na vizinha), e eu já gostava disso desde
quando eu tinha sete, oito anos”.
Um grande destaque é dado pela professora também às atividades escolares nas
quais jogos da mesma estirpe dos anteriores eram enfocados. Considerava boas as aulas de
educação física (nem mesmo as eventuais parcas condições estruturais atrapalhavam seu bom
andamento e aproveitamento) o que pode ser compreendido como mais um reforço, no que tange
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à configuração de seus sentimentos referentes à área.
Outro ponto bastante salientado pela docente refere-se à importância da atuação
dos professores de sua época quanto à configuração de seus gostos. Tal questão destaca-se da
fala da entrevistada em vários momentos: primeiramente, quando nos remete a seus tempos de
criança, onde elogia uma de suas professoras:
“(...) mas a professora 1 foi, assim, meu espelho..., pra eu gostar de
esporte acho que tudo a ver com a professora 1.”;
mais tardiamente, quando já cursava a faculdade, volta a dar destaque à figura
docente:
“(...) tinha uns professores lá, meu, que dava desespero de ver a
aula do cara, sabe? Eu sabia tudo de atletismo, eu era campeã de
oitocentos metros rasos, na época, de jogos abertos... eu... ele...
ele... a primeira nota que ele me deu eu fiquei tão frustrada, ele
mandou as meninas levantarem e dar uma nota de olhar na cara
das meninas. E... eu não era alta e ele era velho, ele queria acho
que uma pessoa alta... e eu lembro que o professor 3, na época, foi
uma pessoa muito influente, que tava ajudando ele no atletismo e,
quando ele viu minha nota, o professor 3, ele não se conformou que
ele me deu cinco! E... era um cara que não tava nem aí, que não
dava nada... não vou nem citar o nome do cara que não vale nem a
pena, mas eu mostrei pra ele que não precisava ser alta pra ter a
nota dez, porque no outro bimestre eu tirei dez. Então assim... foi
assim... no outro bimestre eu tirei dez, então foi assim... pra mostrar
pra ele mesmo que não era assim a coisa”.
Por seus relatos acerca dessa questão, a professora nos elucida mesmo que gostar
de uma ou outra disciplina, na faculdade, dependia em muito de sua impressão do professor, de
seus trabalhos, sua postura, etc. Quando perguntei a professora se, de início ou mais tardiamente,
conseguiu ela encontrar, no curso de graduação em Educação Física, aquilo que buscara ou que
somente aquilo que vislumbrara como sendo de maior relevância para a carreira, respondeu-me:
“Naquela época... sim e não, porque... tinha uns professores lá,
meu, que dava desespero de ver a aula do cara, sabe? (...)
Sobre o curso de Educação Física, principalmente pela questão da figura dos
docentes, a professora destaca que apesar de ter havido alguns aspectos positivos no curso, em
outros, este ficava muito aquém de suas expectativas.
“(...) eu gostava de sociologia, detestava filosofia, acho que foi muito,
assim, do professor que a gente tinha, se o cara era muito a fim ou
se o cara não era, sabe? (...)”.
No que tange ao que lhe agradava no curso (refiro-me, aqui, mais especificamente
às disciplinas), a professora fez uma clara menção àquelas cujo caráter prático era marcante
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(mesmo que não excluísse de todo o gosto por algumas das disciplinas ‘mais teóricas’):
“Eu gostava dessa parte de... a gente tinha uma aula que chamava
Dança Folclórica, Dança de Região, eu nem lembro como é que
era, a parte de ginástica rítmica eu gostava muito e tudo o que era
prático. Adorava tudo o que era prático: adorava vôlei, adorava quando
a gente tinha aula de educação especial (parte prática), amava
quando a gente tinha aula de atletismo... eu só não gostava muito
de natação, porque eu era frustrada, porque eu não sabia nadar, eu
tive que aprender, mas... mas também não deixei de fazer, mas,
assim, eu gostava de sociologia, detestava filosofia, acho que foi
muito,assim, do professor que a gente tinha, se o cara era muito a
fim ou se o cara não era, sabe? Mas, assim, a parte que eu... gostava
de prática mesmo, prática era tudo o que eu gostava”.
Sobre seu início de carreira docente a professora, com entusiasmo, salientou que
este ocorrera de maneira muito tranqüila e que fora um período, para ela, muito bom.
Ela nos diz também que briga pelo seu espaço no ambiente escolar, mas que as
vezes é necessário deixar passar algumas coisas; procura manter uma certa relação de equilíbrio
em relação aos vínculos que desenvolve com os outros profissionais ao seu redor: se, por um lado,
procura demarcar seu espaço, sua própria região dentro da escola, por outro, para a manutenção
de um relacionamento satisfatório, deixa de lado algumas das inevitáveis querelas de importância
menor. A problemática do relacionamento com outros profissionais do recinto escolar é pela
professora citado como a maior dificuldade encontrada na profissão. termos de carreira. Não
conseguiria, certamente, atingir tal objetivo se não houvesse dado vez e voz a docente; do mesmo
modo, foi também por este motivo que procurei respaldar a discussão com algumas das referências
que julguei essenciais para tal.
Sobre os inevitáveis obstáculos da profissão docente, a entrevistada destacou que
os concebe como desafios a serem superados, os quais, em algumas ocasiões, devem ser encarados
somente por ela mesma e, em outras, em conjunto com outros professores e que isso é algo que
deve ser deles cobrado em alguma medida. Tudo isto dentro da perspectiva de criar-se as
necessárias condições para o trabalho docente.
Pelo seu bom relacionamento com os alunos, o qual a professora julga ser dado
pela existência de várias semelhanças entre aqueles e esta, e muito por considerar que fizera a
escolha certa, a professora considera-se profissionalmente realizada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi destacando aspectos estreitamente relacionados às experiências de vida de
uma professora de Educação Física que, neste trabalho, procurei dar destaque ao processo de
configuração de seus gostos, sua satisfação e/ou seu descontentamento referente a sua escolha
em termos de carreira. Não conseguiria, certamente, atingir tal objetivo se não houvesse dado vez
e voz a docente; do mesmo modo, foi também por este motivo que procurei respaldar a discussão
com algumas das referências que julguei essenciais para tal.
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Dimensão cultural na formação de professores
Diante dos aspectos que foram pela professora elucidados, procurei destacar, quando
da discussão e análise de tais fatos, sua história de vida como um todo, como um processo
complexo e dinâmico, levando em conta que os eventuais acontecimentos desta trajetória não se
deram a partir de uma relação unilateral (uma causa e um efeito). Cada fato, ou conjunto de fatos,
mostrou-se intimamente relacionado com a intrincada gama de acontecimentos de toda a sua
vida, não somente enquanto professora de Educação Física, mas também enquanto a criança
que brincou e que assistiu à determinadas aulas com determinados professores, enquanto a aluna
de graduação que questionou, que estudou, que ouviu e etc, enfim enquanto a pessoa que não
cortou laços com sua história de vida somente porque se licenciou em determinado momento da
vida.
Para a reconstrução dessa história, busquei ouvir (dar vez e voz) a professora, que
teve assim a oportunidade de relembrar fatos importantes de sua trajetória de vida, os quais, como
pude notar a partir da análise dos dados coletados, puderam contribuir para a configuração de
seus gostos acerca do trabalho com Educação Física.
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professoras. In: BUENO, Belmira O; CATANI, Denice B; ______. A vida e o ofício dos professores:
formação contínua, autobiografia e pesquisa em colaboração. São Paulo: Escrituras Editora, 2003.
p. 31-45.
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Dimensão cultural na formação de professores
PROFISSÃO DOCENTE: OPÇÃO CONSCIENTE
OU “CAUSALIDADE DO PROVÁVEL”?
BIANCHINI, Noemí (Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara/UNESP)
INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado nessa comunicação constitui parte de Dissertação de
Mestrado concluída no Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Fclar/UNESP em
2005. O estudo teve como objetivo principal compreender as ausências de conhecimentos manifestos na formação de professoras que atuavam na educação infantil e nas séries iniciais do
ensino fundamental e que no momento da pesquisa cursavam o ensino superior. Com os resultados
não se pretendeu responsabilizá-las pelo fracasso da escola, mas tentar entender de que modo
elas são frutos desta sociedade que exclui e que não dá conta de formar a todos com igualdade de
possibilidades de continuidade de estudos e de opção consciente pela profissão. Para os limites
dessa comunicação optei por apresentar o perfil-sócio-econômico-cultural das professoras e de
suas famílias para que se possa compreender a opção pela profissão como a única possível nas
condições materiais e objetivas em que elas viviam em seus municípios no momento de decidirem
pelo curso magistério. Assim, ser professora não foi uma opção consciente da importância e do
sentido social do trabalho docente que elas desenvolveriam depois de concluírem o curso magistério.
A pesquisa teve como campo empírico o Curso Normal Superior Fora de Sede
oferecido por uma instituição superior de ensino do interior do estado de São Paulo.
A visão oficial ocorreu por meio dos documentos definidores da política educacional
da Secretaria de Estado de São Paulo e das políticas Nacionais de Educação e o Projeto Político
Pedagógico do Curso Normal Superior. Os portifólios e auto-avaliações constituíram documentos
gerados pelos alunos.
Na metodologia de pesquisa considerou-se o alerta de Bourdieu (2001, p.299) sobre
os resultados de pesquisas que se baseiam em dados revelados por entrevistados e não por meio
de observação direta. Para o autor as pessoas tendem a se aproximar, pelo menos por meio do
discurso, da prática reconhecida como legítima, ou seja, práticas que se aproximam da cultura
dominante. Sendo assim, utilizei três instrumentos para coleta de dados. Foram primeiramente
enviados 609 questionários estruturados para as 17 salas dos 11 municípios selecionados para a
coleta de dados. Com a análise dos dados revelados com a tabulação dos 410 questionários
respondidos e devolvidos foi possível traçar o perfil sócio-econômico-cultural e profissional das
professoras-alunas do Curso Normal Superior e familiares.
Os outros instrumentos de pesquisa, quais sejam, as entrevistas e a análise de 160
cadernos, contribuíram com o objetivo de buscar respostas às questões iniciais do estudo e, mais
ainda, dialogar com os resultados obtidos com a análise dos dados dos questionários, ou seja,
com o perfil sócio-econômico-cultural das professoras-alunas do Curso Normal Superior e
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Dimensão cultural na formação de professores
complementá-los.
As entrevistas foram realizadas com 12 professoras-alunas de cidades de portes
diferenciados. Esses dados permitiram a construção de quadros e nas citações foram identificados
pelas letras e números: P1, P2, P3, P4, M1, M2, M3, M4, G1, G2, G3, G4.
Tendo como referencial teórico a Sociologia de Pierre Bourdieu optei por trabalhar
com o conceito de capital cultural em seu estado incorporado pelo fato deste ser um dos princípios
da construção teórica proposta por Bourdieu que, ao relacionar a contribuição das estruturas das
frações de classe com a reprodução da sociedade de classes via educação, desafia-nos a entender
de que maneira os sistemas social e escolar podem contribuir ou não com a reprodução, com a
homogeneização, com a massificação, com a alienação dos indivíduos numa sociedade.
Perfil sócio-econômico-cultural das professoras e de suas famílias e a escolha da
profissão docente
Para Bourdieu (1998a, p.73) os benefícios específicos que as crianças das diferentes
frações de classes podem obter no mercado escolar estão relacionados à distribuição do capital
cultural dominante entre as frações de classe e não por efeito ou conseqüência das “aptidões”
naturais ou “dom” para os estudos como pretendem fazer crer as políticas neoliberais com o
conceito de meritocracia. Segundo Nogueira e Nogueira na perspectiva bourdieusiana
“a escola dissimuladamente valoriza e exige dos alunos determinadas
qualidades que são desigualmente distribuídas entre as classes
sociais, notadamente, o capital cultural e uma certa naturalidade no
trato com a cultura e o saber que apenas aqueles que foram desde
a infância socializados na cultura legítima podem
ter”.(NOGUEIRAM.A., NOGUEIRA C.M.M. 2004, p.94)
Assim, levando-se em conta que o sucesso escolar depende do capital cultural
dominante transmitido aos indivíduos por suas famílias e do capital cultural dominante incorporado
pelos indivíduos que freqüentam a escola, penso que nos dados analisados encontram-se resultados
que permitem que se inicie a compreensão do perfil sócio-econômico-cultural das professorasalunas do Curso Normal Superior e seus familiares, pois revelaram a percepção que as professorasalunas tinham da fração de classe à qual pertenciam quando conviviam com suas famílias e à qual
pertenciam no momento da pesquisa.
Os dados obtidos com as questões permitiram verificar que, quando viviam com
seus pais, 74% delas consideravam pertencer às frações de classes média baixa e baixa; no
momento da pesquisa, quase a totalidade das entrevistadas, ou seja, 92% delas consideram fazer
parte das frações de classes média baixa e baixa.
Esse resultado pode ser observado também na Tabela 20 da publicação da UNESCO
(2004, p.67) sobre o Perfil dos Professores Brasileiros, onde 5000 professores entrevistados
responderam à pergunta “Atualmente, com qual classe social o(a) sr.(a) se identifica?” verificase que 80,5% dos professores com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos responderam
que pertencem à classe social média baixa e baixa e 75,9% dos professores com renda familiar
mensal de 2 até 5 salários mínimos também consideram-se da classe social média baixa e baixa.
Nos dois estudos menos de 1% se autoclassificou como pertencente à classe alta.
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A Tabela 1 permite que se façam importantes considerações sobre a escolaridade
dos pais, dos irmãos e das professoras-alunas do CNS
Tabela 1Instituição e âmbito de formação dos familiares das professoras-alunas
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Até que nível estudou?Em que instituição de ensino?
Ao se observar o âmbito do Ensino Fundamental, percebe-se que aproximadamente
50% dos pais tiveram acesso à escola pública, enquanto 97% das professoras-alunas e 66% de
seus irmãos concluíram o ensino fundamental na escola pública, ou seja, houve um aumento
considerável do acesso ao ensino público fundamental nas últimas décadas.
Quando observamos os números do Ensino Médio a distância se acentua. Apenas
10% dos pais tiveram acesso, enquanto que 99% delas e 53% dos irmãos o fizeram. A instituição
responsável pela formação básica das duas gerações continuou sendo a pública.
Vinte e seis por cento dos irmãos das professoras-alunas possuíam o ensino superior, mas é importante observar que a instituição pública, que no ensino fundamental e médio foi o
locus de formação para as professoras-alunas e seus irmãos não foi capaz de prepará-los para o
acesso ao ensino superior nessas mesmas instituições e foi o ensino privado quem os recebeu
para a graduação.
Para Bourdieu (1998b, p.223) o sistema de ensino amplamente aberto a todos e, no
entanto, estritamente reservado a alguns, reúne as aparências da “democratização” com a realidade
da reprodução. Para o autor (1998b, p.222) o sistema educacional democrático adia o balanço
final, a hora da verdade, em que o tempo passado na instituição escolar será considerado por eles
como um tempo morto, um tempo perdido. A análise dos dados da Tabela 1 confirma a hipótese
de Bourdieu sobre os efeitos da escola pública sobre os indivíduos das camadas populares, ou
seja, a democratização do ensino que tem garantido aos indivíduos das camadas populares o
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acesso às instituições públicas de ensino não os têm preparado para cursar a universidade pública
onde, certamente teriam acesso a um ensino de qualidade, provavelmente capaz de alterar suas
condições objetivas e materiais de existência.
A análise dos dados dos questionários apontou que, segundo as professoras-alunas,
39% de seus pais e 41% de suas mães sempre estudaram na cidade em que moravam e na
Tabela 2, apesar do baixo número de respostas, observa-se que 6% das mães por não possuírem
capital econômico (condições financeiras) não continuaram
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Sabe por que não o fez?
seus estudos e uma média de 5,5% atribuem à falta de oportunidades a continuação
dos estudos e a profissionalização.
Bourdieu (1998c, p.89) refere-se à “causalidade do provável” para dizer que a
propensão dos indivíduos abandonarem os estudos é tanto mais forte quanto mais fracas forem,
para a classe de origem, as chances objetivas de acesso aos níveis mais elevados do sistema de
ensino. Para o autor “os efeitos da causalidade do provável são observadas para além das práticas
e até nas representações objetivas do futuro e na expressão declarada das esperanças”. Observase que os estudantes são tão mais modestos em suas ambições escolares e tanto mais limitados
em seus projetos de carreira quanto mais fracas forem as oportunidades escolares oferecidas às
categorias de que fazem parte. As condições objetivas de escolarização dos pais e mães dessas
professoras-alunas confirmam o que já era previsível, ou seja, residiam em municípios de pequeno
porte ou sítios, tinham acesso às classes multisseriadas no sítio, ao âmbito onde eram oferecidas
vagas (ensino fundamental público oferecido em consonância com a obrigatoriedade da Lei 5692/
71) e a uma formação relativa apenas às possibilidades oferecidas no município onde residiam,
uma vez que não possuíam capital econômico, capital simbólico e nem capital cultural incorporado
que lhes possibilitasse a busca por outras estratégias educativas que os orientasse na modificação
ou superação de suas condições materiais de existência e de suas condições objetivas de formação
em família e na escolarização.
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A Tabela 3 traz dados sobre a formação básica e superior das professoras-alunas.
Tabela 3Proporção de professoras-alunas, segundo escolaridade e instituição freqüentada.
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Até que nível estudou? Em que instituição de ensino?
Ao se observar o âmbito do Ensino Fundamental, percebe-se que 98 % das
professoras-alunas concluíram o ensino fundamental na escola pública, ou seja, houve um aumento
considerável do acesso ao ensino público fundamental, nas últimas décadas, em relação à realidade
apontada pela análise dos dados de acesso de seus pais à escola na Tabela 1. Quando observamos
os números do Ensino Médio, como já vimos anteriormente, a distância se acentua. Apenas 10%
dos pais tiveram acesso, enquanto que 99% delas o fizeram. A instituição responsável pela formação
básica das duas gerações continuou sendo a pública. Contudo, o curso escolhido era o único
oferecido no município que poderia proporcionar a elas a chance de trabalho imediato e,
consequentemente a divisão das despesas da família. Segundo Nogueira e Nogueira (2004) Bourdieu
considera que os indivíduos das classes populares seriam sujeitos, por suas condições materiais
de existência, a uma vida marcada pelas “pressões materiais e pelas urgências temporais” e
diante disso estudariam “apenas o suficiente para se manter”, principalmente porque suas famílias
não suportariam os custos da espera e do adiamento do acesso ao mercado de trabalho.
Em relação ao Ensino Superior, apenas 53% das professoras-alunas consideraram
estar cursando atualmente. Este número deveria ser de 100%, uma vez que todas as 410
professoras-alunas que responderam ao questionário eram alunas do Curso Normal Superior,
portanto todas estavam cursando uma graduação. Certamente, este dado aparece alterado ou
diminuído porque muitas delas não estavam suficientemente esclarecidas sobre o âmbito de ensino
em que está inserido o Programa Especial de Formação de Professores do qual elas faziam parte.
Esta confusão pode ser fruto também das discussões que ainda pairam sobre as exigências da Lei
9394/96 e sobre a interpretação que as secretarias dos municípios têm feito sobre a certificação
que elas receberiam ao final do curso.
Outro fato interessante de se observar, ainda na Tabela 3 é que quando responderam
sobre o âmbito do ensino médio, apenas 26% das professoras-alunas afirmaram ter concluído o
curso magistério. Esse fato pode estar relacionado aos vários modelos de formação oferecidos em
consonância com a Lei 5692/71 onde, em uma das modalidades oferecidas, as alunas poderiam
iniciar o ensino médio e, depois de dois anos, optarem pelo curso magistério o que, como já foi
observado anteriormente, aconteceu por ser essa a única possibilidade de formação e trabalho
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imediato nos municípios onde residiam. Outra possibilidade seria o fato de elas não relacionarem
o curso magistério ao âmbito do ensino médio.
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Você fez magistério? Sim ou não?
Quando a pergunta foi mais direta: você fez o magistério? 80% das entrevistadas
afirmaram tê-lo concluído conforme dados apresentados na Tabela 4.
Contudo, aproximadamente a metade das professoras-alunas, ou seja, 44% delas
afirmaram que gostariam de ter feito outro curso. (Tabela 5)
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Você gostaria de ter feito outro curso? Sim ou não?
Outra maneira de questionar com o mesmo objetivo final, isto é, o de compreender
se a profissão docente foi escolhida conscientemente, confirma os dados da Tabela 5, pois, quando
a pergunta foi: ser professora foi opção? A resposta (Tabela 6) confirma que apenas 50% das
professoras foram capazes de responder sem exitar, que sim. As outras 43 % deixam a pergunta
sem resposta, enquanto 7% declararam que não.
Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Ser professora foi opção?
A impossibilidade de acesso à outra formação profissional está relacionada ao capital econômico, pois 25% das professoras-alunas disseram que não tinham condições financeiras
para custear a formação desejada conforme análise dos dados na Tabela 7.
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Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004
Pergunta: Caso sim, por que não o fez?
De qualquer maneira, mesmo não sendo a profissão desejada, dentre as que elas
tinham acesso, escolheram a profissão docente. Dados revelados por Marin (2003) também apontam
diferentes motivos de opção pela profissão e a falta de percepção de professoras do ensino fundamental para a importância social da função docente.
Um olhar mais apurado permite apontar que 57% das professoras-alunas não
responderam à questão e, somente a análise cuidadosa dos textos transcritos das entrevistas com
as professoras-alunas selecionadas possibilitou uma melhor compreensão em relação à formação
inicial e à opção pela profissão docente. Foram construídos três quadros com trechos selecionados
das doze entrevistas feitas com as professoras-alunas para que se pudesse melhor visualizar as
reflexões feitas por elas sobre as condições de acesso à formação primária e secundária. Assim,
os Quadros: 1, 2 e 3 anexos ao final desse texto, trazem os Mapas relativos ao capital cultural
escolar, ou seja, dados relativos à formação inicial. Como formação inicial foram compreendidas a
formação primária com os estudos realizados no âmbito da educação infantil e das quatro séries
iniciais do ensino fundamental e como formação secundária foram considerados os estudos
realizados no âmbito do ensino médio pelas professoras-alunas entrevistadas.
Após a observação dos dados que compõem os Quadros 1, 2 e 3 construiu-se a
tabela abaixo com o objetivo de quantificar percentualmente os dados para melhor visualização
dos resultados.
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Com a análise cuidadosa das reflexões feitas confirma-se que quase todas elas, ou
seja, 9 dentre 12 das professoras-alunas não escolheram, conscientemente, a profissão docente.
Em artigo publicado por Marin (2003, p.59) encontram-se dados que se aproximam
aos revelados nesta pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de Bourdieu não ter realizado estudos sobre a profissão docente, em seu
texto Futuro de Classe e Causalidade do Provável (1998c, p.91), podemos encontrar subsídios
para compreender esta situação, uma vez que o autor considera que “para além dos sonhos e das
revoltas, cada um tenda a viver ‘de acordo com sua condição’[...] e tornar-se inconscientemente
cúmplice dos processos que tendem a realizar o provável”.
Retomando os dados analisados, pode-se afirmar que eles nos permitem apontar
apenas o provável diante da realidade vivida, pois essas professoras-alunas são frutos de famílias
de camadas populares, seus pais não tiveram acesso aos estudos, metade delas nunca saiu de
suas cidades, o ensino ao qual tiveram acesso foi apenas o magistério...então, foi o que fizeram.
Para Bourdieu (1998d, p.47) as famílias têm aspirações estritamente relacionadas às suas condições
objetivas de existência. É importante observar também que para Bourdieu essas escolhas se dão
de forma prática (não plenamente consciente), pois as experiências de êxito ou fracasso escolar
são incorporadas histórica e socialmente pelos grupos das diferentes camadas sociais.
Não se pode negar que houve alteração nas condições objetivas de acesso ao
ensino público das professoras-alunas em relação aos seus pais, isso se deve certamente à
democratização do ensino. No entanto, quando elas tiveram acesso ao ensino médio esse já era
um âmbito de ensino que estava perdendo seu caráter de raridade; assim os investimentos em
tempo e esforço foram menos rentáveis do que certamente elas supunham que seriam e a opção
pela profissão docente assumida como a única possibilidade de formação não garantiram a essas
professoras o exercício do trabalho docente com toda a importância social que ele representa para
um sociedade de classes com profundas diferenças de condições objetivas e matérias de existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, P.Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA,M.A. e CATANI, A.(orgs). Pierre
Bourdieu. Escritos da Educação.Petrópolis: Vozes, 1998a. p.71-79
BOURDIEU, P, CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior In: NOGUEIRA,M.A. e CATANI, A.(orgs).
In: Pierre Bourdieu. Escritos da Educação.Petrópolis: Vozes, 1998b. p.215-227.
BOURDIEU, P. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA,M.A. e CATANI,
A.(orgs). Pierre Bourdieu. Escritos da Educação. Petrópolis: Vozes,
1998c. p.81-126.
______. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA,M.A.
e CATANI, A.(orgs). Pierre Bourdieu. Escritos da Educação Petrópolis: Vozes, 1998d. p.39-69.
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Dimensão cultural na formação de professores
BOURDIEU, P. Compreender. In: BOURDIEU, P.(org.), A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes,
2003. p.693-732.
MARIN.A J.Formação de professores: novas identidades,consciência e subjetividade. In:
TIBALDI,E.F.A. CHAVES,S.M. (org). Concepções e práticas em formação de professores, diferente
olhares. Rio de Janeiro: DP&A, 2003
NOGUEIRA.M.A, NOGUEIRA,C.M.M.. Bourdieu & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.152p – (Pensadores & educação, v.4)
UNESCO, O perfil dos professores brasileiros: o que fazem , o que pensam, o que almejam.
Pesquisa Nacional, Unesco, São Paulo: Moderna.2004-09-04
ANEXOS
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RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA: AS CONTRIBUIÇÕES
NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SOB A
PERSPECTIVA DOS PROFESSORES
CESÁRIO, Marilene (UEL/LaPEF- UFSCar); GAIA, Silvia (CEFET/Pr-UFSCar);
REALI, Aline M. M. ; TANCREDI, Regina (UFSCar)
INTRODUÇÃO
A relação estabelecida entre a escola e a família inicia-se juntamente com o
processo de escolarização dos filhos. A partir daí, estabelecem-se padrões e normas que influenciarão
significativamente a trajetória do mundo escolar. Ao se pensar nessa relação é necessário reconhecer
o papel relevante que os pais exercem juntamente com a escola, na condição de parceiros e coresponsáveis para os sucessos e (in)sucessos ao longo da vida escolar. Essas conexões são
importantes porque fornecem aos alunos oportunidades de interação entre o meio escolar e o
comunitário, fortalecendo o processo ensino-aprendizagem como um todo.
A pesquisa em questão se insere no bojo das discussões que valorizam e reconhecem
a importância da participação das famílias na escola. Nesta direção, o trabalho busca responder
a seguinte questão: qual a contribuição dos pais/ das famílias no processo de escolarização dos
alunos sob a perspectiva de professores(as) e de membros da equipe pedagógica de ensino médio?
Ao buscar identificar e analisar as contribuições dos pais/das famílias para os
processos de escolarização dos alunos sob a perspectiva dos(as) professores(as), pretendeu-se
elucidar como professores e membros da equipe pedagógica de uma escola pública de Ensino
Médio, mais especificamente o Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – Unidade de
Ponta Grossa1 (CEFET/PR-PG), percebem a atual contribuição e participação da família no processo
de escolarização dos alunos, bem como quais os caminhos que apontam na busca de avanços
significativos nesse contexto. Assim, a pesquisa com abordagem qualitativa, em nível exploratóriodescritivo (SELLTIZ et al,1967), foi realizada e contemplou 09 dos 32 professores do Ensino Médio
do CEFET/PR-PG, de diversas disciplinas e 03 membros da equipe de direção, a constar a
Coordenadora do Ensino Médio, Gerente de Ensino e Psicóloga, totalizando 12 sujeitos envolvidos
na pesquisa.
Os dados da amostra foram coletados por intermédio de entrevista semi-estruturada
e a análise dos mesmos, feita a partir da Análise Temática (Minayo, 1996), mostrou a importância
da reflexão sobre a atual interação família-escola e sobre as ações em busca da construção de
uma ação conjunta mais sólida.
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Dimensão cultural na formação de professores
1. A ESCOLA E A FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA
Com o processo de globalização, a escola encontrou-se num momento de
transição que exigiu dela muito mais do que se esperava há vinte, trinta, quarenta anos atrás. Com
a mudança social vivenciada nas últimas décadas, a escola, voltada antigamente às informações,
encontrou um concorrente mais poderoso e capaz: a tecnologia. O aluno já não mais precisava ir
para a escola para “saber”. Ele obtinha informações assistindo à televisão ou acessando a internet.
Então, a escola entrou num processo de ajuste: ela passa a situar-se no nível do conhecimento,
destacando a sua vocação formativa com uma opção nítida pelo conhecimento, em contraposição
ao caráter instável de repasse de meras informações (GAIA, 2003 ).
Nesse novo caminho, o objetivo central do processo ensino-aprendizagem é ter
acesso a informações com diversos propósitos, ou seja, a aprendizagem ocorre quando há
transferência para outras circunstâncias. Na verdade, o principal objetivo da escola passa a ser o
de ajudar o aluno a transferir o quê aprendeu no ambiente escolar para conhecimentos a serem
utilizados nos ambientes de seu dia-a-dia: casa, comunidade, trabalho. Daí as recomendações
que regem hoje o sistema escolar brasileiro através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9394 de 1996, confirmadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais2.
A família enquanto sistema aberto em interação com outros sistemas (escola, bairro,
comunidade profissional, etc.) representa o contexto no qual o indivíduo, aluno está inserido. Mas
nem sempre os membros da família têm consciência do papel que exercem na vida escolar dos
seus. A família tem e precisa desenvolver sua função de formadora. Seus membros precisam
saber a que família pertence, como seus pais pensam, quais são os sonhos e ideais cultivados,
qual a importância do conhecimento na família. A família inicia o desenvolvimento educacional e
social do indivíduo e é a escola que deve dar a esse indivíduo o respaldo para continuar tal
desenvolvimento. Assim, pode-se dizer que um ambiente chave para o aprendizado é a família.
Segundo Parolin (2004), quando uma família matricula uma criança na escola
está, em verdade, contratando um trabalho que objetiva organizar uma série de aprendizagens
para favorecer e fomentar o desenvolvimento global da criança e instrumentalizá-la para atuar na
sociedade como um cidadão. Por isso, tanto a escola quanto a família devem comungar dos
mesmos conceitos de homem, cidadão, mundo, educação, como devem ter objetivos compatíveis.
Ou seja, a filosofia e a metodologia da escola têm que ser compatíveis com o código moral da
família (ibid, 2004). Quando esses aspectos são resguardados, inicia-se uma parceria entre
escola e família e ao mesmo tempo, um processo ensino-aprendizagem que respalda o ambiente
comunitário. O contrato de compromisso educacional entre uma escola e uma família que esteja
pautado no conhecimento da complexidade e da profundidade do processo de aprendizagem
resultará num aprendiz consciente da necessidade de construir conhecimentos. Isso será mais
fácil numa família tranqüila com o espaço de aprendizagem de seu filho e consciente de que este
espaço deve ser compartilhado, numa escola mais competente, sabendo que pode contar com
seus parceiros. Assim, teremos uma criança com vontade de aprender e compartilhar este saber
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Dimensão cultural na formação de professores
com seus parceiros e pode-se concluir que todos saem ganhando.
A prática do envolvimento familiar tanto em casa quanto na escola tem sido
visto como fator de grande influência no desenvolvimento dos alunos. Mas conforme as crianças
vão crescendo e tornando-se adolescentes o envolvimento familiar, apesar de continuar importante,
diminui consideravelmente. Pesquisas sugerem que as escolas podem reverter o declínio da
relação escola-família desenvolvendo programas de parceria (Dornbusch & Ritter, 1988; Plank &
Jordan, 1997 apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999).
Os pesquisadores Sanders, Epstein e Connors-Tadros (1999) apresentam
o desenvolvimento histórico e cronológico do estudo sobre a importância do envolvimento da
família no processo de escolarização, principalmente, de adolescentes do Ensino Médio. Pode-se
encontrar nos estudos teóricos essa preocupação datada em 1969, no qual Duncan, por exemplo,
desenvolveu uma pesquisa com um grupo de controle que estabelecia contato entre o conselheiro
do aluno com seus pais, durante o ensino médio. Concluiu-se que os alunos do grupo de controle
obtiveram notas e freqüência maiores do que os demais alunos e índice de desistência bem
menor.
Dorbusch e Ritter (1988) estudaram os efeitos do envolvimento familiar nas atividades
em escolas de ensino médio e concluíram que as notas dos adolescentes que tinham o
acompanhamento dos pais foram, invariavelmente, maiores das notas dos adolescentes cujos
pais não costumavam participar de suas vidas escolares. Além disso, os pesquisadores destacaram
que o nível de participação das famílias de alunos que representam grupos minoritários, alunos
que tinham padrasto ou madrasta, ou aqueles que viviam somente com a mãe ou só com o pai era
os mais baixos entre todos os estudados. Já os pesquisadores Plank e Jordan (1997) descobriram
que a comunicação e conversas entre alunos do ensino médio, pais e professores sobre assuntos
escolares e acadêmicos aumentaram as chances de continuação dos estudos, com
encaminhamento para universidades e “colleges”.
Apesar da importância ter sido destacada ao longo dos anos através das
pesquisas científicas, os pais/a família dos adolescentes continuam não participando do processo
ensino-aprendizagem. Um estudo desenvolvido pelo “Search Institute”, nos Estados Unidos,
mostrou que poucos adolescentes possuem pais que mantêm um interesse real no processo de
escolarização (George, 1995, Apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999). A razão desse não
comprometimento dos pais/das famílias com o processo ensino-aprendizagem engloba desde as
características familiares quanto a estrutura organizacional das escolas. Há argumentos que
justificam essa falha devido ao número de professores que o aluno passa a ter no ensino médio, ou
ao enorme número de alunos que o professor é responsável, ou ainda devido às relações entre
professor-aluno e professor-família. Estudos de ciências sociais mostram, ainda, que o “status”
sócio-econômico da família, (Clabrese,1990;Winters,1993), a desconfiança (Lightfoot,1978), ou a
baixa escolaridade dos pais (Lareau, 1989) também são motivos que afetam o envolvimento maior
ou menor das famílias com a escola. Lucas, Henze e Donato (1990) também descobriram que as
escolas têm um papel central na determinação do nível de envolvimento dos pais no processo
ensino-aprendizagem de seus filhos. Existem indícios de que professores ou membros da
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comunidade escolar em nível de ensino médio não costumam comunicar-se com as famílias de
seus alunos como também não encorajam o envolvimento real das famílias de todos os seus
alunos (Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999).
2. COMO PROFESSORES E MEMBROS DA EQUIPE DE DIREÇÃO3 DO CEFET/
PR-PG ENTENDEM A RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA
Nas linhas abaixo, encontram-se os resultados e análises da pesquisa, a
respeito das contribuições dos pais/das famílias para os processos de escolarização dos alunos,
sob a perspectiva dos(as) professores(as) de uma escola pública de Ensino Médio, mais
especificamente o CEFET/PR. Esses dados mostram como os professores percebem a atual
contribuição e participação da família no processo de escolarização dos alunos, e os caminhos
que apontam na busca de avanços significativos nessa relação.
2.1 INTERAÇÃO DA FAMÍLIA NO CEFET-PR/PG
O meio mais utilizado pela escola para informar os pais sobre o que acontece no
contexto escolar, na maioria das vezes, ocorre por meio de convocação por escrito e são enviadas
pelos próprios alunos aos pais. Na opinião dos entrevistados, essa forma utilizada acaba tornando
o processo ineficiente uma vez que nem sempre o filho faz esse intercâmbio (50%). Outra forma
citada foi a reunião de recepção dos calouros, porém como nesses tipos de reuniões são abordados
muitos assuntos, os entrevistados consideram que os pais têm dificuldade em assimilar tantas
informações e que isso acaba dificultando o entendimento dos pais sobre o seu papel neste processo
(25%), e aqueles que informaram que os contatos são feitos por telefone não apontaram nenhum
comentário sobre a eficiência ou não desse procedimento (25 %).
Nesse ponto, pode-se inferir uma falha no processo de interação do CEFET-PR/PG
com as famílias de seus alunos. Isso porque a comunicação entre família e escola tem um papel
crítico no estabelecimento de uma relação frutífera como também é um fator determinante em
qualquer implementação de práticas de parceria envolvendo escola e família. Quando 75% dos
membros da comunidade escolar classificam os meios de comunicação como ineficientes (por
escrito através dos alunos ou nas reuniões, com muitas informações e pouco contato específico),
fica evidente que a instituição não está fornecendo informações suficientes para estabelecer contato
da família com a instituição. A literatura aponta que “muitas escolas de ensino médio começam a
desenvolver seus programas de parceria com enfoque exclusivo nos meios de comunicação
sobre os programas da escola, progresso e necessidades dos alunos4 (SANDERS,1998 Apud
SANDERS; EPSTEIN; CONNORS-TADROS,1999).
Gotts (1983 apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999) registrou que famílias
de alunos de Ensino Médio aprovaram, especialmente, dois tipos de meios de informação que
receberam: um informativo recebido regularmente contendo detalhes sobre os programas da escola,
as atividades extra-curriculares e eventos; e notificações informando sobre casos em que seus
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filhos adolescentes estivessem tendo dificuldade de aprendizagem e/ou comportamento. Ao serem
notificados de falta de disciplina, esses mesmos pais participantes desse estudo, mostraram interesse em receber informação sobre meios apropriados de resolver tais questões.
Pode-se inferir então que o processo de comunicação entre escola e família deve ir
além de notificações sobre mau desempenho ou comportamento, as famílias querem que a escola
ajude-os a comunicar-se melhor com seus filhos adolescentes, instruindo-os, por exemplo, sobre
a forma de interagir em diversos momentos, entre eles, durante a execução da tarefa; nas tomadas
de decisões sobre cursos extras, futuro educacional, planos profissionais, entre outros.
Dentre todos os entrevistados 100% das respostas afirmam que é importante
a participação dos pais no processo de escolarização. Deste total 66% consideram pouca a
participação dos pais na escola, 33% consideram boa e 33% importante. É interessante perceber
que a equipe de direção não responde se a participação dos pais é pouca ou boa, simplesmente
importante. Esse fato chamou a atenção das pesquisadoras, pois, parece que o posicionamento
da equipe de direção é o de se ausentar de qualquer tipo de julgamento, uma vez que faz parte da
equipe administrativa e qualquer julgamento iria refletir em seu trabalho e papel junto a essa
instituição.
Aqueles que consideram que o nível de participação dos pais na escola é pouca,
justificam a partir de argumentos como: a característica da escola; não há uma cultura escolar de
chamamento da família; característica do CEFET que “gera” autonomia do filho; e falta de abertura
que a escola proporciona. Apontaram ainda, que geralmente os pais são chamados na instituição
devido a notas baixas, indisciplina e outros problemas.
Por outro lado, também se observa que os professores não se sentem partícipes,
como sujeitos que podem atuar em mudanças frente a essa “cultura escolar” no sentido de promover
relações mais “abertas” entre pais e escola. A fala de um dos professores demonstra isto: Eu
acredito que seja (pausa) a própria direção da escola mesmo que não dê essa abertura né, ela se
coloque num outro tipo de posição (...).
Nas falas dos entrevistados fica nítida a visão de que a cultura escolar é feita
independente da figura do professor, sendo muitas vezes algo externo e distante dele ou até mesmo
imposto a ele. Finann e Levin, (2000 apud PACHECO, 2003), o termo cultura escolar pode assim
ser definido:
para descrever o que é único em cada escola; trata-se de uma cultura
em nível local. Uma cultura escolar qualquer revela o porquê de
uma escola parecer diferente de uma outra escola, por que é que
soa, cheira, vê e sente de uma maneira única. As culturas escolares,
em concreto, são moldadas pelas experiências únicas que são
partilhadas pelos participantes, experiências essas que são
influenciadas pela classe, raça, vizinhança, bem como pela história
escolar e respectiva liderança. Contrariamente à cultura educacional,
a cultura escolar está em constante mudança (p.128).
Quando o termo cultura escolar é utilizado para descrever e apresentar o que é
único em cada escola, retratando uma cultura local e que essas culturas são construídas pelas
experiências de todos os envolvidos, entende-se que os professores ao fazerem parte dessa cultura
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Dimensão cultural na formação de professores
podem também modificá-la. Além dos professores que demonstram insatisfação com o processo
de comunicação entre a instituição e as famílias, existem aqueles que acreditam que, o nível de
participação dos pais na escola é boa.
2.2 INTERAÇÃO “IDEAL” ENTRE ESCOLA-FAMÍLIA
Entendendo que a relação escola-família configura uma concepção de escola,
como também uma concepção de sociedade, pode-se analisar que as respostas dadas pelos
professores e equipe pedagógica quanto ao que eles considerariam uma interação ideal entre
ambos, sinalizam que precisam ser feitas mudanças nessas relações.
Um aspecto que pôde ser constatado foi a valorização atribuída pelos professores
ao papel da família no processo de escolarização. O exemplo mais citado como forma de melhorar/
modificar a relação mantida pela instituição com as família/pais na visão dos professores foi a
criação da Associação de Pais e Mestres – APM. Porém é necessário ter claro que a presença de
uma associação não significa uma relação de parceiros na busca de superação e divisão das
responsabilidades do processo de escolarização. Trazer os pais para dentro da escola significa
redesenhar o mapa social dos papéis que tanto a escola como as famílias/pais têm desempenhado
no cenário de nossa sociedade, caso contrário continuaremos com os mesmos diálogos entre
surdos (Silva, 1996).
Tanto as atividades de voluntariado, com a de se aprender em casa e tomar decisões,
depende inicialmente do processo de comunicação e aceitação da interação da escola e da família.
No Brasil, há registros sobre as Associações de Pais e Mestres (APM) que se caracterizam como
uma atividade que permite tal relação. Numa APM, cujos objetivos vão além da participação em
festas juninas ou eventos promocionais, pais e professores fecham um círculo de cooperação que
culmina facilitando a execução de programas de parceria (Epstein, 1999). As reuniões com os
pais e membros da escola também podem tornar-se momentos de parceria, mas devem ultrapassar
as metas de entrega de boletins. As reuniões devem ter uma pauta que contemple espaço para
discussão de questões maiores como currículo e plano de ensino; questões objetivas relacionadas
com o dia-a-dia dos alunos dentro da escola; questões subjetivas ligadas às expectativas da família
e do aluno em relação à escola, assim como da escola em relação à família e ao aluno; e questões
que estejam em voga no momento que os encontros acontecem.
2.3 INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DOS FILHOS
A maioria dos entrevistados aponta a cultura familiar como um dos motivos mais
significativos que conduz de maneira positiva todo o processo de escolarização dos filhos.
Entendendo como cultura familiar um conjunto de hábitos e atitudes dos envolvidos gerando
comportamentos responsáveis dos filhos perante a escolarização, compreende-se a influência do
contexto familiar no contexto escolar. Observa-se que essa cultura familiar, segundo os entrevistado,
vai influenciar no processo de escolarização no que se refere: ao incentivo e/ou cobrança quanto
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ao ensino e suas responsabilidades; incentivando hábitos de leitura, acompanhando o desempenho
do filho; cobrando atitudes e princípios no que se refere aos valores humanos e ainda estabelecendo
hábitos diários de estudos e presença em aulas (com punição e/ou negociação de prazeres).
De acordo com as respostas dadas, o contexto familiar aparece como uma das
características das famílias que participam da escola, pois, o ponto significativo é o acompanhamento
permanente do filho, na escola e em casa, ao evidenciar a importância dos estudos para a formação
humana e estabelecer hábitos e horários de estudos aos filhos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONCLUSÕES PROVISÓRIAS
Os resultados da pesquisa demostraram que ainda se está longe de construir uma
relação de pareceria, com elos legítimos que envolvam a escola e a família como uma comunidade
preocupada com o processo de escolarização dos alunos. Porém, alguns indícios de mudanças
começam a serem percebidos, mesmo de forma tênue, na construção de uma escola parceira da
família e de uma família parceira da escola.
As escolas podem e devem encorajar este interesse preocupando-se em promover
programas atrativos com o objetivo de buscar a definição de uma parceria com a família. Quando
a escola promove programas de parceria, incluindo práticas de diversas naturezas de envolvimento,
ela capacita os membros das famílias a interagirem melhor entre si e com a comunidade como um
todo, inclusive a comunidade escolar. Quando há uma interação familiar constituída, mas fácil se
torna estabelecer inter-relações com os demais sistemas. Entretanto, para que a escola consiga
desenvolver tais programas, ela precisa determinar meios de comunicação compreendidos e aceitos
por todas as famílias, independente dos aspectos culturais e sociais que as diferenciem, e por
todos os envolvidos.
Para se construir tal relação, outras problemáticas relacionadas ao contexto social
e econômico devem ser enfocadas e a educação deve ser priorizada e valorizada como fator
importante na construção da sociedade que se encontra em constante transformação. Desta
forma, questionam-se os novos papéis da escola, das família e do Estado na construção de um
sistema educativo que valorize diversos ambientes de aprendizagem, especialmente o comunitário,
no qual professores, pais, alunos, administradores e equipe de direção têm uma função fundamental de interação e comunicação.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GAIA, Silvia. A formação dos professores de inglês: um olhar sob o processo na região dos
Campos Gerais. Ponta Grossa,2003. 133f.
HOW people learn: brain, mind, experience, and school. Washington, National Academy, c2003.
361p.
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Dimensão cultural na formação de professores
MINAYO, Maria Cecília de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4ª. Ed.
HUCITEC-ABRASCO. São Paulo, 1996.
PACHECO, José Augusto. Políticas curriculares: referenciais para análise. Porto Alegre: Artmed,
2003.
PAROLIN, Isabel Cristina Hierro. A família e a escola: uma interação fundamental. Disponível em
: http:// www. Aprenderonline.com.br . Acesso em 25 jul 2004.
SANDERS, Mavis G.; EPSTEIN, Joyce; CONNORS-TADROS, Lori. Family partnerchips with
high schools: the parents’ perspective. Los Angeles: CRESPAR, 1999. Report n.32.
SILVA, Pedro. Pais-professores: uma relação em que uns são mais iguais do que outros? Educação,
Sociedade e Cultura. No. 06, 1996,179-190.
VIEIRA, Ricardo. Professores e pais: diálogos de surdos e relações de poder na comunicação.
Educação, Sociedade e Cultura. No. 06, 1996, p172,-178.
NOTAS
1
O CEFET/PR é uma instituição de educação tecnológica, autarquia federal de regime especial que oferece a 94 anos, na cidade de
Curitiba, cursos de ensino médio, educação profissional de nível básico, técnico e tecnológico, cursos de graduação e pós-graduação,
com objetivos de desenvolvimento da pesquisa e extensão. A partir de 1986, no governo do presidente José Sarney, o CEFET/PR lançou
o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico que permitiu a interiorização da instituição. O programa procurou atingir todos os
quadrantes do Estado do Paraná, criando Unidades de serviço em Cornélio Procópio (norte do estado), Campo Mourão (noroeste),
Medianeira ( região oeste), Ponta Grossa (centro do Paraná) e Pato Branco (Sudoeste do estado).
2
No intuito de exemplificar tais determinações, apresenta-se a seguir as finalidades do curso de ensino médio: a consolidação e o
aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos em nível superior; a
preparação básica para o trabalho e a cidadania, para o educando continuar aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade às novas condições de ocupação no mercado de trabalho ou realização de aperfeiçoamentos posteriores; o aprimoramento
do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática.
3
O grupo de entrevistados totalizou doze sujeitos, sendo sete (07) sujeitos do sexo feminino e cinco(05) do sexo masculino. Quanto à
faixa etária, encontram-se entre idades de 31 a 50 anos, a grande maioria, onze (11) deles trabalham na instituição num período que varia
de 06 até 10 anos, e apenas um (01) tem menos de cinco anos de serviço. Quanto ao tempo de formação cinco (05) sujeitos formaramse na década de 90, outros cinco (05) na década de 80, e dois (02) deles na década de 70.
4
“Many high schools begin developing their programs of partnership by focusing exclusively on communications about school programs
and students’ needs and progress”. Traduzido pelas autoras.
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ROMANCES NO ENSINO DE HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA HUMANÍSTICA NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes
1
Nesta comunicação nos propomos a fazer uma avaliação do trabalho de leitura de
romances realizado com alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia. Esta foi uma prática de
ensino adotada por dois anos em uma faculdade particular da cidade de São Paulo, Universidade
Ibirapuera, na disciplina de História da Educação. 2 O móvel de nossa iniciativa era proporcionar
aos alunos experiências de leitura de textos clássicos da literatura brasileira. Acreditamos,
veementemente, que é preciso enfrentar a questão da ausência deste tipo de leitura na escola
básica e, por outro lado, parece-nos fundamental fazer com que os alunos percebam que a prática
educativa é uma prática cultural e, nesta medida, eles são responsáveis pela difusão da tradição
cultural do meio em que estão inseridos e, da produção intelectual mais ampla. Autores consagrados
já nos mostraram que a criação cultural é um processo de acumulação, de influências e
apropriações.
A inserção deste tipo de literatura nas aulas de História da Educação não deve ser
entendida como um desvio de conteúdo, mesmo que justificado como sendo por uma boa causa.
Entendemos que a literatura, quando trata dos temas associados ao universo escolar, é uma fonte
e um objeto de análise historiográfica. Tem a sua razão de ser, pois traz para o campo da história
da educação informações sobre os sentimentos, representações, pontos de vista peculiares,
específicos, não encontrados em outras fontes históricas. Assim, procuramos sempre associar o
empenho na formação cultural dos alunos ao trabalho de interpretação da literatura como documento
das práticas escolares.
Há um outro sentido neste trabalho. Sentido complexo e, por vezes, polêmico, que
diz respeito aos objetivos da disciplina de história da educação. Afinal para que serve a história, e,
no nosso caso, a história da educação? Adotamos uma perspectiva investigativa e metódica,
quando se trata de fazer a crítica documental, mas não nos furtamos à tarefa de efetuar algumas
reflexões sobre o presente e de tomar a história como elemento fundamental para a construção do
futuro. Cito dois autores que, pesquisando em campos diferentes da historiografia, tecem
considerações semelhantes.
Jacques Le Goff, no verbete Memória, do livro Memória e História, diz:
“A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o
passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva
sirva para libertação e não para a servidão.” 3
António Nóvoa, no texto “Inovação e História da Educação”, afirma:
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Dimensão cultural na formação de professores
“A História da Educação não é importante apenas porque nos fornece a “memória
dos percursos educacionais” (que nalguns casos se pode revestir de uma certa exemplaridade)
mas sobretudo porque nos permite compreender que não há nenhum determinismo na evolução
dos sistema educativos, das idéias pedagógicas ou das práticas escolares: tudo é produto de
uma construção social.
Mais adiante, acrescenta:
“....É esta percepção de que as instituições escolares contemporâneas são
fruto de opções política e sociais – e de que as coisas poderiam ter passado de maneira
bem diversa... que nos liberta para imaginarmos aqui e agora uma escola diferente e/ou
escola nenhuma. A história da educação surge assim como um espaço prévio ao
desenvolvimento de um pensamento utópico.” 4
Assim, consideramos que o espaço da disciplina de História da Educação possibilita
a crítica documental e a desconstrução da memória oficial ou de relatos motivados por interesses
políticos e pedagógicos ligados às disputas no campo educacional. 5 É espaço a ser preenchido
por outras memórias, ou contra-memórias, outras vozes silenciadas, mas atuantes no fazer histórico.
Que importância tem o relato miúdo de um romance autobiográfico, a visão subjetiva de um
6
memorialista sobre a sua infância ou a escola figurada de escritores e escritoras? Configuram,
sem sombra de dúvida, relativizações e problematizações de imagens preconcebidas, de visões
sacramentadas. Induz a investigação 7. Amplia a compreensão do passado e do presente. Produz
uma consciência histórica consistente, que, será acionada, de forma subjetiva, imprevista, intuitiva,
na vida cotidiana de cada aluno, no seu percurso profissional.
Antes de entrarmos diretamente no relato de nossa experiência pedagógica,
consideramos relevante tecer, ainda, algumas reflexões sobre o que entendemos por humanismo,
concepção que fundamenta nossa opção pelo texto literário como elemento estratégico no ensino
de história da educação. Partimos da concepção grega de educação que atribuía à poesia a
função de educar os cidadãos. Como sabemos a formação clássica grega era essencialmente
estética, artística e literária. A poesia, então, consistiria no edifício da cultura geral, importante
para a formação do “homem por inteiro”, conferiria “humanidade ao homem”. Nas palavras de
Marrou, o homem formado pela cultura geral, clássica, entendida como aquela que permanece
válida além de seu tempo, “é capaz de exercer atividades de qualquer espécie; é igualmente ,
capaz de fazer progredir a ciência, de tornar-se um líder político, um guerreiro, um explorador, um
herói: ele é como uma dádiva dos deuses, entre os homens...”
Ainda deixando-nos levar por Marrou, “cultura geral, mas também cultura comum;
justamente por conduzir a tudo, ela convém a todos e constitui, destarte, um poderoso fator de
unidade entre os homens....O Verbo é o instrumento impar de toda cultura, de toda civilização,
por ser o mais seguro meio de contato e intercâmbio entre os homens: ele rompe o círculo
encantado da solidão em que, por sua competência, o especialista tende, inevitavelmente, a
encerrar-se.” Não se trata de um impulso homogeneizador do pensamento. Pelo contrário, pensase em formar indivíduos capazes de criação cultural, de conhecimento de si e do outro. O humanismo
clássico contempla a perspectiva social, porque impede que o conhecimento e a criação encerre-
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Dimensão cultural na formação de professores
se em si mesma. 8
Durante um semestre promovemos a leitura de romances, crônicas, contos e
autobiografias que tratavam de assuntos escolares. Os texto lidos foram: Machado de Assis, Conto
de Escola, Raul Pompéia, O Ateneu; Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de
Milícias, Ina Von Binzer, Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Graciliano Ramos,
São Bernardo e Infância; Cecília Meireles, Crônicas de Educação; Carlos Drummond de Andrade.
Um escritor nasce e morre, José Lins do Rego, Doidinho; José Mauro de Vasconcelos. Meu pé de
laranja lima; Fanny Abramovich, Que raio de professora sou eu.; Dora Lice, O calvário de uma
professora e uma incursão um pouco ousada ao romance rapsódia Macunaíma, de Mário de
Andrade. Como pode-se depreender dessa relação de textos, os períodos históricos são variados,
tanto quanto os temas e abordagens analíticas.
Os alunos foram orientados para fazerem uma leitura atenta, que propiciasse um
convívio com o tempo histórico narrado no texto e levantassem qualquer tipo de questão educacional
ou propriamente pedagógica. Em seguida pediu-se um estudo sobre o período histórico tematizado,
a biografia do autor e informações sobre o contexto de produção e recepção do texto. Procurou-se
ressaltar as diferenças, quando existiam, entre o tempo da narração e o tempo da narrativa e os
distanciamentos produzidos pela construção literária do foco narrativo. Ressaltou-se também, a
importância de distinguir os posicionamentos do autor e do narrador. O tema principal, que deveria
ser abordado no trabalho, dizia respeito à constituição da profissão docente. Para subsidiar esta
abordagem foram fornecidos textos e aulas expositivas sobre a história da educação brasileira. No
trabalho, os alunos deveriam associar a história da educação, a história do Brasil e os conteúdos
inseridos nos textos literários. Sugeriu-se aos alunos que elaborassem uma reflexão sobre o
processo de leitura dos textos e de confecção do trabalho. Por fim, deveriam tecer outras
considerações ou retirar questões e assuntos relacionados ao campo educacional.
As dificuldades mais freqüentes, apontadas pelos alunos e identificadas por
nós, localizaram-se no levantamento de dados históricos que fossem realmente
iluminadores, pertinentes, para a explicação e entendimento das mensagens dos textos.
Os alunos têm uma tendência em reduzir a história da educação à história das
idéias pedagógicas e, mesmo estas, são sintetizadas em dois conceitos, “escola tradicional e
escola nova” , os quais para eles são realidades concretas. Como sabemos há uma narrativa da
história da educação construída pelos ideólogos das Escolas Novas, que reelabora o passado
como sendo homogêneo e absoluto, uma continuidade de procedimentos denominados “escola
tradicional”. Quando se pede para que eles comparem métodos e práticas pedagógicas retiradas
de fontes históricas relativas a tempos variados, os alunos têm uma grande dificuldade em perceber
que o movimento da “escola nova” propunha métodos que apareciam em momentos da história da
educação que são caracterizados como sendo representativos da “escola tradicional “. Talvez essa
ausência de imaginação histórica esteja associada à forma como são dados os textos de teorias
do ensino e de didática, os quais abstraem a dimensão temporal quando tratam de metodologia e
práticas pedagógicas.
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Outro obstáculo de ordem formativa e de práticas de currículo, diz respeito ao
próprio ensino de história da educação, fundamentalmente apoiado no relato da legislação e das
ações estatais em relação ao ensino. Não há problematizações a respeito das fontes e os alunos
tomam os discursos oficiais sobre educação como sendo a própria prática educacional. Há um
outro problema em relação ao que se entende por história do Brasil. Muita vez, o dado histórico
importante para a compreensão do texto é um dado de história cultural, de mentalidade ou de
relações sociais específicas. A História do Brasil, de viés político e econômico, baseada em relatos
da administração pública, não trazem para o texto as informações realmente pertinentes aos assuntos
tratados. Os alunos deveriam fazer um esforço para pesquisarem obras de revisão historiográfica,
com objetos e fontes específicas. Em síntese, os trabalhos dos alunos pareciam uma somatória
de resumos, desarticulados. É claro que houve muita intuição e, dependendo do investimento
objetivo do grupo em interpretar os textos, alguns trabalhos demonstraram originalidade e abordagens
corretas e estimulantes.
Relacionemos alguns exemplos: O grupo que analisou as cartas de Ina Von Binzer,
estiveram atentos ao gênero literário e localizaram o foco narrativo como sendo eurocêntrico. Além
disso, fizeram do texto um pretexto para buscar informações sobre os processos educativos em
que os negros estavam envolvido no Império. Da leitura de Ina Von Binzer resultou um trabalho
sobre a história da escravidão e da educação do negro no Brasil.
A leitura do livro Infância de Graciliano Ramos despertou nos grupos um interesse
sobre a vida mental das crianças, as percepções e a representação da tristeza no mundo infantil.
Disso resultou um maior interesse para os estudos de psicologia educacional e história da infância.
Com relação à história da profissão e da professora, os romances de Graciliano
Ramos, São Bernardo e Dora Lice, O calvário de uma professora, promoveram uma maior
compreensão dos momentos históricos específicos, das condições de vida e de trabalho das
professoras em escola isolada e dos conflitos entre as representações veiculadas pelos órgão de
administração escolar, das instâncias políticas e das pessoas comuns, concernentes à educação
feminina e à figura da professora.
O livro O Ateneu, de Raul Pompéia, recebeu o maior número de trabalhos, porque
é muito conhecido e de fácil acesso, por ser leitura obrigatória no ensino fundamental e médio. No
entanto, é um livro que exige maior agudeza de percepção e de interpretação. O romance de Raul
Pompéia é autobiográfico e alegórico ao mesmo tempo. Separar os dados de realidade entre as
metáforas, entender o ponto de vista do narrador, associar esta construção narrativa aos elementos
biográficos de autor e compreender o texto como fonte para a história dos institutos educacionais
particulares no Império; todas essas tarefas são desafios intelectuais com os quais os alunos não
estão acostumados a conviver e a enfrentar. Um dos grupos encontrou um artigo sobre o pensamento
pedagógico do Barão de Macaúbas, Cesar Abílio Borges, proprietário e diretor do Colégio Abílio,
modelo histórico para o Ateneu. O pedagogo Cesar Abílio dizia-se moderno e propunha um modo
diferente de alfabetização. No romance, no entanto, o personagem do diretor Aristarco é um educador
tradicionalista, por um lado. pois orientava o ensino para a retórica e, por outro lado, incentivava a
difusão dos conhecimentos das ciências da natureza, novidades da época. As alunas perceberam,
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Dimensão cultural na formação de professores
então, a complexidade da pesquisa em história da educação e as especificidades das fontes
literárias para o estudo das práticas escolares.
Esta modalidade de aprendizagem histórica e de formação de professores foi
objeto de reflexão dos alunos. Faremos um breve levantamento das formas como eles
compreenderam o trabalho com obras literárias.
1.
O trabalho foi importante porque houve a retomada dos livros lidos no ensino
médio, efetuando-se uma análise mais detalhada e reflexiva.
2.
O trabalho trouxe uma visão mais ampla da história da educação, para
além dos manuais de história da educação. Os alunos modificaram o seu olhar sobre o passado,
compreendendo que estas fontes tratavam do cotidiano da escola e das práticas educativas.
Concluindo o trabalho sobre o livro de Dora Lice, O calvário de uma professora, o grupo diz: “O
intuito desse trabalho, como já dissemos, é mais que apresentar o que uma autora relata em seu
livro, é demonstrar que a história da educação não se faz somente com o que a constituição, os
registros de leis e reformas dizem. Os textos oficiais são escritos por dirigentes que não sabiam
como funcionava as salas de aula que diziam coordenar. Para contarmos a história da educação
temos que ouvir quem dela efetivamente participou. Quantas Hermengardas, nossos pais e
avós conheceram? Perdemos o hábito de sentar e ouvir o que nossos velhos têm a nos contar do
tempo em que não tinham o hábito de registrar por escrito suas aventuras. Ë deles que tiramos
o essencial de nossa história.” 9
3.
Percebeu-se um despertar para as questões de constituição e preservação
de arquivos escolares. Alguns alunos se deram conta de que seria importante registrar, por meio
de diários, a sua experiência como professores: “É interessante lembrar que se começarmos a
fazer um diário agora, as história que achamos insignificantes, podem ser lembradas e interpretada
daqui a algumas décadas.”. 10
4.
Os livros escolhidos proporcionaram uma nova visão de autores consagrados,
como no caso de Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis.
5.
A leitura do livro de Fanny Abramovich despertou nos alunos a “noção de
que só iriam conhecer o seu trabalho e se conhecerem melhor através da auto-avaliação e da
análise do próprio comportamento e didática de ensino.” 11
6.
De maneira intuitiva, consideraram que a formação do professor altera-se
substantivamente quando se adquire conhecimento histórico.
7.
A experiência de confecção do trabalho demonstrou a importância da
atividade intelectual para a formação dos professores e a consciência das exigências de pesquisa
e de análise que são impostas por ele.
Com estas atividades fornecemos aos alunos uma experiência de leitura e de
interpretação de textos. Nosso objetivo foi possibilitar o acesso a obras relevantes para a história
da educação brasileira. Embora houvesse um trabalho de análise de texto sob a perspectiva
historiográfica, porque essa é a nossa disciplina, esperava-se, isto sim, diversificar os gêneros de
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Dimensão cultural na formação de professores
discurso e formar uma base de conhecimentos por meio dos quais os alunos pudessem desenvolver
outras leituras. Os textos clássicos de literatura universal e brasileira constituem um repertório
cultural que propicia aos leitores reflexões sobre questões da realidade histórica e temas universais
e atemporais. Qualquer tipo de interpretação, seja de textos escritos quanto de imagens, depende
da quantidade e qualidade de informações prévias que o intérprete possui. Quanto maior o repertório
de referências culturais, melhor o indivíduo se situa social e intelectualmente e pode aproveitar
suas leituras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES HISTÓRICAS:
TRABALHOS CITADOS:
1. Trabalho apresentado pelas alunas Catia Bragança Alves, Elaine Aparecida G. da
Cruz, Patrícia Aranha Reis, Simone Araujo Oliveira. A História da Educação infantil no Brasil – a
realidade da vida de uma professora. ( trabalho de conclusão da disciplina História da Educação
II) São Paulo: Universidade Ibirapuera Ibirapuera, 2004.
2. Trabalho apresentado pelas alunas Andreia Mascarenhas, Danubia Gonçalves
Cabral, Fabiana Moreira Franco da Silva, Heidy Pereira da Conceição, Janaína Matos. Uma análise
do livro: O calvário de uma professora. (trabalho de conclusão da disciplina História da Educação
II) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.
3. Trabalho apresentado pelas alunas Andréa Soares, Eliene Oliveira, Fabiana
Tavares, Renata Prudente, Roselene santos. Análise do livro “Que raio de Professora sou eu”.
(trabalho de conclusão da disciplina História da Educação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera,
2004.
OBRAS LITERÁRIAS ANALISADAS:
ABRAMOVICh, Fanny. Que raio de professora sou eu.. São Paulo: Scipione, 1995.
ALMEIDA Manuel Antonio de. Memórias de um Sargento de Milícias, São Paulo: Moderna, 1996.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Um escritor nasce e morre, In.______. Confissões de Minas.
s/l: Americ, 1944.
ANDRADE, Mario. Macunaíma, São Paulo: Martins, 1979.
BINZER, Ina Von. Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1994.
DORA LICE, O calvário de uma professora . São Paulo: Irmãos Ferrz, 1928
MACHADO DE ASSIS. Conto de Escola. In. _______. Várias histórias.São Paulo: Rio de Janeiro:
W.M. Jackson, 1957.
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Dimensão cultural na formação de professores
MEIRELES, Cecília Crônicas de Educação. (vol. 4) Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
POMPÉIA Raul O Ateneu. São Paulo: FTD, 1992.
RAMOS Graciliano,. São Bernardo . Rio de Janeiro: Record, 1992.
RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1981.
REGO, José Lins do. Doidinho; Rio deJaneiro: José Olympio, 2001.
VASCONCELOS, José Mauro de. Meu Pé de Laranja Lima. São Paulo: Melhoramentos, 1968.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CATANI, Denice Bárbara. Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino da
Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (l902-l9l8). Bragança Paulista:
EDUSF, 2003.
CATANI, Denice, Barbara; BUENO, Belmira Oliveira de; SOUSA, Cynthia Pereira de e SOUZA,
Maria Cecília Cortez Christiano de. História, Memória e Autobiografia na Pesquisa Educacional e
na Formação. In. ________. (orgs). Dcência, Memória e Gênero: estudos sobre formação. São
Paulo: Escrituras, 1997.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: SP: Editora da UNICAMP, 1994, p.477
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. São Paulo: EPU, 1990, pp. 348349
NÓVOA, António. Inovação e História da Educação. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica,
(6), 1992. p. 211
POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Associação
de Pesquisa e Documentação Histórica, vol. 2 , n. 3, 1989.
NOTAS
1
Professora de Metodologia do Ensino de História da Faculdade de Educação da Universidade São Paulo.
A proposta de ensino foi desenvolvida com alunos do Curso de Pedagogia da Universidade Ibirapuera, durante os anos de 2003 e 2004,
nos períodos noturno e matutino.
3
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: SP: Editora da UNICAMP, 1994, p.477
4
NÓVOA, António. Inovação e História da Educação. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica, (6), 1992. p. 211
5
CATANI, Denice Bárbara. Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado
Público de São Paulo (l902-l9l8). Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
6
POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e Documentação
Histórica, vol. 2 , n. 3, 1989.
7
CATANI, Denice, Barbara; BUENO, Belmira Oliveira de; SOUSA, Cynthia Pereira de e SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano de.
História, Memória e Autobiografia na Pesquisa Educacional e na Formação. In. ________. (orgs). Dcência, Memória e Gênero: estudos
sobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997.
8
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. São Paulo: EPU, 1990, pp. 348-349
9
Trabalho apresentado pelas alunas Catia Bragança Alves, Elaine Aparecida G. da Cruz, Patrícia Aranha Reis, Simone Araujo Oliveira. A
História da Educação infantil no Brasil – a realidade da vida de uma professora. ( trabalho de conclusão da disciplina História da Educação
II) São Paulo: Universidade Ibirapuera Ibirapuera, 2004.
10
Trabalho apresentado pelas alunas Andreia Mascarenhas, Danubia Gonçalves Cabral, Fabiana Moreira Franco da Silva, Heidy Pereira
da Conceição, Janaína Matos. Uma análise do livro: O calvário de uma professora. (trabalho de conclusão da disciplina História da
Educação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.
11
Trabalho apresentado pelas alunas Andréa Soares, Eliene Oliveira, Fabiana Tavares, Renata Prudente, Roselene santos. Análise do livro
“Que raio de Professora sou eu”. (trabalho de conclusão da disciplina História da Educação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.
2
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RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS
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Dimensão cultural na formação de professores
ASPECTOS CULTURAIS NO ENSINO DA LÍNGUA
INGLESA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Raquel Teixeira de Andrade Souza (Centro Universitário Moura Lacerda)
INTRODUÇÃO
O impacto do processo da globalização no mundo contemporâneo vem influenciando
e causando grandes mudanças nas mais diversas áreas, tais como a política, a economia, a
cultura, a educação, a história, o direito, a diplomacia, a tecnologia, dentre outras. Especificamente
para o ensino da Língua Inglesa, a globalização apresenta aspectos culturais tanto positivos quanto
negativos. Este artigo discute esses aspectos culturais e, a partir de um relato de experiência,
apresenta formas de mitigar o efeito cultural negativo que a idéia de globalização pode causar em
alguns alunos da disciplina de Língua Inglesa.
A GLOBALIZAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA
Segundo Dowbor, Ianni e Resende (1999), a globalização tem sido vista, de modo
muito simplificado, como mera abertura de fronteiras e geração de um espaço mundial comum.
As dimensões mudaram, embora de forma desigual, ou seja, enquanto determinados aspectos se
globalizam outros se tornam mais locais, como o renascer de tradições regionais, a dinamização
das políticas municipais, a descentralização da educação e da saúde. A globalização ocorre também
de maneira desigual no tempo, visto que os movimentos financeiros, por exemplo, navegam nas
ondas da telefonia, via satélite, e o mercado financeiro passou a funcionar ao mesmo tempo, on
line, em todo o planeta. Desse modo, os vários aspectos da realidade política, social, econômica
ou cultural passam a obedecer a espaços e tempos diferenciados, gerando cada um seu ritmo, seu
tempo, seu espaço e novas contradições (DOWBOR, IANNI e RESENDE, 1999).
Considerando-se a crescente utilização do termo globalização para designar o
processo que possibilita a comunicação entre pessoas de diferentes países e culturas de modo
mais rápido, surgem dois elementos essenciais para esse relacionamento sem fronteiras: a Internet
e a Língua Inglesa. De acordo com Rutter e Vilar (2000), no futuro a história será ensinada com
uma clara linha divisória do mundo antes e depois da Internet, pois a Internet é um meio de
comunicação surpreendente, visto que torna mais ágil o contato entre pessoas e empresas,
dinamizando essas interações, tornando-se, indubitavelmente, o melhor meio de comunicação
em massa da história do mundo.
A Língua Inglesa, que desde a Revolução Industrial no século XIX despontava
como sendo uma das Línguas de maior penetração em diversos países, teve, após a Segunda
Guerra Mundial, uma maior difusão, que culminou com o advento da Internet, já que o idioma
utilizado por esse meio é predominantemente Inglês, tornando-se, dessa maneira, praticamente a
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Dimensão cultural na formação de professores
Língua mais utilizada por seus usuários. (RUTTER e VILAR, 2000)
Christison (1998) afirmou que a Internet tem modificado a vida de muitas pessoas
que, por exemplo, não tinham a oportunidade de freqüentar bibliotecas reais, mas poderiam ter
acesso a um computador conectado à Internet que possibilitava o contato com dados e informações
presentes na rede, ou até mesmo a pesquisa em uma biblioteca virtual. Esse processo de
transformação estaria apenas em seu início e tenderia a se acelerar tal era o fascínio que a Internet
exercia sobre os indivíduos, que cada vez mais exploravam e navegavam na rede, a fim de obterem
mais informações e de se comunicarem com pessoas de diferentes lugares do mundo a partir de
websites, e-mails e chats, utilizando principalmente o idioma Inglês.
Jacobs (2001) estudou a globalização do idioma Inglês e o impacto que essa
globalização causava nas pessoas que utilizavam esse idioma. De acordo com a autora, seria,
provavelmente, verdadeiro afirmar que o Inglês é uma Língua internacional global, pois o seu uso
atingiu proporções tais, que o número de falantes não-nativos ou que utilizavam o idioma Inglês
como uma segunda Língua era maior que o número de falantes nativos desse idioma.
Todavia, o processo de utilização da Língua Inglesa por indivíduos oriundos de
diversos países não é recente. De acordo com Crystal (1990), no reinado da Rainha Elizabeth I,
que se estendeu de 1558 até 1603, o número de falantes de Inglês no mundo era estimado em
torno de 5 a 7 milhões. No início do reinado da Rainha Elizabeth II, em 1952, esse número já
atingia cerca de 250 milhões de falantes nativos e aproximadamente 100 milhões de falantes nãonativos, muito além do crescimento vegetativo populacional. Estimativas realizadas no início da
década de 90 apontaram a existência de mais de 300 milhões de falantes nativos. O número de
falantes não-nativos, segundo estimativas consideradas conservadoras, era superior a 400 milhões
e em torno de 1 bilhão, segundo estimativas apontadas como radicais. Segundo Wikipedia (2005),
estimativas recentes sobre a quantidade de falantes dessa Língua indicaram cerca de 380 milhões
de falantes nativos e de 600 milhões de falantes não-nativos. Em termos de idioma materno, o
Inglês perderia apenas para as Línguas Chinesa, Espanhola e Hindi.
O fenômeno de globalização do idioma Inglês é considerado por muitos como uma
das conseqüências da hegemonia econômica, política e cultural de países, tais como os Estados
Unidos e a Inglaterra, que têm a Língua Inglesa como Língua materna. Bryson (1991) destacou
que, em muitos países, o idioma Inglês é visto como um símbolo do processo de colonialismo. Na
Índia, por exemplo, a constituição foi escrita em Inglês, e esse idioma foi adotado como segunda
Língua, mais por uma questão de necessidade e de imposição do que por uma questão de admiração
pelas virtudes lingüísticas de tal idioma.
Bryson (1991) também destacou que, muitas vezes, a utilização da Língua Inglesa
por pessoas e governos de todo o mundo decorre de necessidades que abrangem os contextos
dos negócios, da economia, das negociações políticas, da educação, da ciência, da tecnologia,
dentre outros. Existe, ainda, a influência cultural que pode ocorrer por meio de filmes, novelas,
seriados e programas de TV, livros, revistas e músicas que levam o idioma Inglês para um grande
número de países.
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121
Dimensão cultural na formação de professores
Tendo em vista esse panorama, no qual a Internet e a Língua Inglesa surgem como
instrumentos imprescindíveis para uma comunicação global, torna-se necessário um conhecimento
específico para utilizá-los de maneira eficiente e correta. Desse modo, os cursos de informática e
de Língua Inglesa passam a ser fundamentais para a formação e a atualização de quaisquer
profissionais.
Segundo Nuti (2000), na era da globalização, o mercado de trabalho e o universo
cibernético exigiriam a comunicação no idioma Inglês. Os headhunters, definidos por Cambridge
(1995) como sendo profissionais que tentariam persuadir um outro profissional a deixar seu emprego,
oferecendo-lhe outro emprego com um pagamento maior e uma posição mais elevada, reclamavam
da falta de profissionais com esse domínio lingüístico. Por esse motivo, torna-se necessário aprender
e dominar essa Língua, idioma materno de quase 400 milhões de pessoas em todo o mundo,
conforme mencionado anteriormente pela Wikipedia (2005). Campos, Pasquali & Patzsch (2002)
corroboram Nuti (2000), pois afirmaram que a Língua Inglesa seria um dos idiomas indispensáveis
para uma boa colocação profissional e destacaram o papel do referido idioma nos processos de
seleção para os mais diferentes tipos de profissões. Segundo eles, a lei de seleção natural do
mercado de trabalho deixava para trás os profissionais que só se expressavam em Português, e,
com a realização de pesquisas sobre a importância da Língua Inglesa nas diversas carreiras
profissionais, notou-se que, sem o conhecimento desse idioma, o candidato a um emprego
qualificado tinha poucas chances de sucesso.
O site Bumeran.com, um dos maiores serviços de recrutamento pela Internet,
demonstrou que metade dos empregos exigia que o candidato falasse o idioma Inglês; o Grupo
Catho, outra empresa especializada em colocação profissional, realizou um estudo apontando que
os anos de experiência pesavam menos que o idioma Inglês como fator de aumento salarial; e o
Ministério da Educação divulgou um trabalho verificando que um dos pontos em comum entre os
universitários mais bem-sucedidos nos exames do Provão era o bom domínio do idioma Inglês.
(CAMPOS, PASQUALI & PATZSCH, 2002)
Campos, Pasquali & Patzsch (2002) destacaram, ainda, o fenômeno da globalização
que colocou o idioma Inglês na relação de ferramentas básicas da maioria dos profissionais, pois,
no momento da admissão, as empresas costumavam aplicar testes orais e escritos para verificar
o conhecimento do candidato nessa área. De acordo com um levantamento realizado pelos autores,
existiam mais de três mil escolas de idiomas no país. Somente os vinte maiores grupos de ensino
reuniriam, aproximadamente, dois milhões de alunos, dos quais grande parte se matriculava para
obter fluência no idioma Inglês por necessidade profissional.
Além da importância da Língua Inglesa na área profissional, Nunan (2001)
caracterizou o respectivo idioma como uma linguagem da comunicação global, pois o idioma
Inglês criaria oportunidades para que as pessoas se comunicassem com outras pessoas oriundas
de diferentes partes do mundo, possibilitando, assim, o contato e a troca de informações entre
diferentes culturas. Assim como Nunan (2001), Lucas (1999) já havia destacado a função do
idioma Inglês no mundo ao afirmar que esse idioma tinha se tornado o verdadeiro meio de
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comunicação social para todos e em todos os lugares, e que cada vez mais seria utilizado entre
falantes não-nativos quando se comunicassem entre eles mesmos internacionalmente.
Em razão do grande número de escolas que oferecem cursos de Língua Inglesa,
cresce a competição entre essas escolas, tendendo a oferecer diferenciais para conquistar os
alunos. Esses diferenciais podem ser estabelecidos a partir dos tipos de instalação, recursos de
ensino que a escola possui, a partir do método de ensino de uma segunda Língua adotado pela
escola, dentre outros. Keys (2000) foi corroborado por Nunan (2001) quando associou a crescente
procura por cursos de Língua Inglesa ao fato de os alunos considerarem o idioma Inglês como
sendo uma tentativa de solucionar problemas de comunicação entre indivíduos de diferentes culturas,
ou seja, grande parte dos alunos considerava a Língua Inglesa como uma Língua universal.
Desse modo, essa necessidade de dominar a Língua Inglesa, destacada por vários
autores deveria, provavelmente, ser percebida de maneira clara pelos indivíduos que buscam uma
melhor posição profissional ou formação educacional por meio de cursos em Instituições de Ensino
Superior. Entretanto, durante os oito anos de experiência profissional como docente de Língua
Inglesa em cursos do Ensino Superior, verifiquei a existência de dois aspectos que poderiam
dificultar o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem desse respectivo idioma: a
resistência por parte de alguns alunos a aprender um idioma estrangeiro, que sintetizava todo o
processo de globalização, nas figuras de nações imperialistas como a Inglaterra e os EUA; e o
desestímulo de alguns alunos para aprender essa Língua, sobretudo pela impressão de pouca
eficácia que o ensino da Língua Inglesa nos ensinos fundamental e médio se apresenta ao aluno.
O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA E O RELATO DE EXPERIÊNCIA
Nos oito anos de experiência profissional como docente de Língua Inglesa em cursos
do Ensino Superior, essa resistência ao idioma “representativo da globalização” e a falta de motivação
eram observadas, muitas vezes, desde a primeira aula, quando eu tentava fazer um levantamento
junto aos alunos a respeito de sua experiência e de seu conhecimento relacionados a essa Língua
Estrangeira. Esta situação me reportou como suporte aos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Estrangeira – PCNs (BRASIL, 1998) que estabeleceram que a aprendizagem de uma
Língua Estrangeira pode ser entendida como uma oportunidade de aumentar a autopercepção do
aluno como ser humano e cidadão, devendo centrar-se no engajamento discursivo do indivíduo,
isto é, em sua capacidade de se engajar e engajar outros indivíduos no discurso de modo a poder
atuar no mundo social. Nesse sentido, a aprendizagem de uma Língua Estrangeira pode auxiliar a
participação e a inserção do indivíduo em seu meio social ao se expressar e comunicar por meio
dessa segunda Língua.
Os PCNs (BRASIL, 1998) apontaram algumas das circunstâncias difíceis em que
ocorriam o ensino e a aprendizagem da Língua Estrangeira: a falta de materiais adequados, classes
excessivamente numerosas, número reduzido de aulas por semana, tempo insuficiente dedicado
à disciplina no currículo e ausência de ações formativas contínuas junto ao corpo docente.
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Dimensão cultural na formação de professores
Todavia, essas dificuldades citadas pelos PCNs (Brasil, 1998) pareciam não ser as
únicas adversidades que os docentes de Língua Inglesa poderiam enfrentar durante suas aulas,
uma vez que essa atitude resistente e a falta de estímulo de alunos perante essa disciplina em
cursos do Ensino Superior representavam, possivelmente, mais dois aspectos que poderiam dificultar
o aprendizado desses alunos e, até mesmo, afetar o aprendizado de outros alunos das mesmas
turmas.
Após detectar tais dificuldades, eu percebi a necessidade de analisar essa resistência
buscando na história da Língua Inglesa, fatos históricos que pudessem explicar o porquê desse
idioma ocupar um papel tão importante no mundo contemporâneo. A partir de uma revisão
bibliográfica acerca da origem dessa Língua e sua evolução, encontrei elementos que poderiam
ajudar a esclarecer como a Língua se tornou indispensável para um melhor desempenho nas mais
variadas áreas profissionais. Realizei, então, uma tentativa de aproximar a Língua Inglesa dos
alunos por meio de uma caracterização da Língua Inglesa com a Língua Portuguesa. Pesquisando
profundamente a origem da Língua Inglesa e sua formação, verifiquei que em determinado período
histórico, essa Língua foi intensamente influenciada por várias Línguas Estrangeiras, dentre elas o
Latim.
De acordo com Crystal (1990), por volta do ano 500 A.C., as Ilhas Britânicas eram
habitadas por uma tribo da Europa Central chamada Brythons. Eles falavam um Língua Celta,
ancestral da atual Língua Galesa, mas que é muito diferente da Língua Inglesa. A palavra Bretanha
teve origem a partir do nome dessa tribo. Durante os novecentos anos seguintes, a Bretanha foi
conquistada por duas vezes – primeiramente, pelos romanos (43 D.C.) e, posteriormente, pelos
anglos e saxões (400 D.C.) que também haviam sofrido invasões romanas anteriormente.
Sob as leis romanas, os celtas aprenderam a falar Latim tão bem quanto sua própria
Língua. A ocupação romana durou quase quatrocentos anos, mas exceto por nomes de lugares,
pouco da Língua Latina continuou existindo no Old English (Inglês Antigo) – nome dado à Língua
falada pelos anglo-saxões anos mais tarde. Algumas das loan words (palavras emprestadas) do
Latim que fizeram parte do Old English foram trazidas também pelos próprios invasores anglosaxões que aprenderam essas palavras durante os anos de ocupação romana nos territórios
germânicos. A maioria das loan words do Latim que foram levadas para a Bretanha pelos anglosaxões está relacionada com comida, luta e comércio. (CRYSTAL, 1990)
Segundo Crystal (1990), uma segunda fase de loan words (palavras emprestadas)
do Latim chegou com os missionários de Roma que levaram o Cristianismo aos pagãos anglosaxões a partir de 597 D.C. por meio da Bíblia e das missas, ambas em Latim. Os missionários
introduziram o alfabeto romano e fundaram escolas onde a leitura e a escrita eram ensinadas tanto
em Latim quanto em Inglês. Os anglo-saxões, que também invadiram a Bretanha por volta de
(400 D.C.), eram bárbaros do norte dos territórios germânicos que falavam dialetos daquela região.
Eles desprezaram a Língua Celta e, portanto, aprenderam poucas palavras nesse idioma. A Língua
Alemã dos invasores anglo-saxões tornou-se o English (Inglês), ou seja, a Língua Inglesa conhecida
atualmente; a palavra English (Inglês) vem de Engle-isc, um termo originário da Língua falada
pelos anglos e saxões, representando uma tribo germânica denominada Angle.
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Crystal (1990) destacou, ainda, que em 787 D.C., os dinamarqueses (vindos dos
países que atualmente conhecemos como Escandinavos) ou vikings começaram um longo ataque
sobre a Bretanha. Os dinamarqueses, assim como os anglo-saxões, falavam uma Língua Germânica
chamada Old Norse. Com essa invasão, a educação e a política ficaram paralisadas durante a
guerra que terminou em 878 D.C.; contudo, novas invasões escandinavas continuaram acontecendo
até que, em 1014 D.C., Svein, Rei da Dinamarca, tornou-se rei da Bretanha. Como resultado
dessas invasões, um grande número de palavras começou a fazer parte do vocabulário da Língua
Inglesa influenciando de maneira marcante sua estrutura. Uma vez que os dinamarqueses e os
anglo-saxões falavam Línguas com a mesma origem, eles tinham palavras bem semelhantes para
determinadas coisas.
Após compilar informações históricas de vários autores, apresentei-as aos alunos e
discuti seus aspectos com as turmas, já nas primeiras aulas da disciplina de Língua Inglesa: a
origem do idioma Inglês, sua formação e sua evolução até os dias atuais, além do processo de
globalização e seu impacto sobre esse idioma. Durante a apresentação da história dessa Língua,
achei interessante associar os momentos históricos e, principalmente, os povos envolvidos nesse
processo com filmes produzidos a respeito desse assunto, além de citar músicos e cantores famosos
mundialmente que têm em seus trabalhos fortes influências daqueles povos.
No decorrer das apresentações e discussões foi possível demonstrar que a Língua
Inglesa sofreu e continua a sofrer influências de outras Línguas quando utiliza palavras estrangeiras
para expressar novas situações ou contextos. O mesmo ocorreu com a Língua Portuguesa que
também passou por esse processo e continua recebendo influência de outras Línguas,
principalmente da Língua Inglesa.
Incluí também nessas discussões o fato da Língua Inglesa ser uma das Línguas
mais faladas atualmente, lembrando, porém, que o Latim já ocupou o mesmo lugar de destaque
mundial. De acordo com Richards e Rodgers (2001), se o idioma Inglês é nos dias atuais a Língua
estrangeira mais estudada no mundo, há 500 anos era o Latim que se caracterizava como a
Língua dominante na educação, no comércio, na religião e no governo no mundo ocidental. No
século XVI, entretanto, o Francês, o Italiano e o Inglês ganharam importância como resultado das
mudanças políticas na Europa e, o Latim perdeu seu espaço como Língua de comunicação escrita
e falada.
Resgatando o aspecto das loan words (palavras emprestadas), destaquei que o
processo de empréstimos de termos em Inglês que a Língua Portuguesa vem sofrendo é muito
semelhante ao que aconteceu com a Língua Inglesa no passado, ou seja, que a utilização de
termos estrangeiros ocorre, provavelmente, com grande parte das Línguas, pois esse é um fenômeno
mundial. De acordo com Bryson (1991), a Língua Inglesa utiliza palavras que tiveram as mais
variadas origens, como por exemplo: shampoo, da Índia; ketchup, da China; potato, do Haiti; sofa,
da Arábia, dentre outras.
Utilizando as informações sobre a origem e formação da Língua Inglesa que recebeu
grande influência da Língua Latina, relacionei a Língua Portuguesa – notoriamente caracterizada
como uma Língua Neolatina – com a Língua Inglesa ao estabelecer essa familiaridade entre ambas,
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Dimensão cultural na formação de professores
aproveitando essa comparação para introduzir a alguns alunos e relembrar para outros,
provavelmente, o conceito de cognatos tão importante para o aprendizado de uma Língua. Segundo
Cambridge (1995), as palavras ou Línguas cognatas têm a mesma origem, ou estão relacionadas
e são, de alguma maneira, similares. De acordo com Oxford (1995), cognatos de uma palavra ou
de uma Língua têm a mesma fonte ou origem de uma outra. O termo cognato pode ser uma das
primeiras estratégias que um aprendiz de uma Língua Estrangeira pode lançar mão para
compreender esse idioma.
Demonstrei, ainda, que a Língua Inglesa é um idioma considerado fácil de ser
compreendido e utilizado e esse seria um dos motivos de sua grande disseminação mundial.
Bryson (1991) exemplificou a simplicidade das estruturas da Língua Inglesa comparando-a ao
Latim. Em Latim o verbo tem até 120 inflexões; em Inglês o verbo nunca tem mais do que cinco,
por exemplo: see, sees, saw, seeing, seen. Ao invés de utilizar várias formas verbais, a Língua
Inglesa utiliza poucas formas, usando-as, porém, de diferentes maneiras.
Fazendo uso das informações coletadas por meio da revisão bibliográfica a respeito
da Língua Inglesa, assim como sobre o processo de globalização, tentei diminuir a resistência por
parte de alguns alunos e estimular aqueles que acreditavam ser a Língua Inglesa um idioma difícil
de ser compreendido e falado. Forneci informações, curiosidades e exemplos interessantes sobre
os temas; apresentei e discuti conceitos, tais como globalização, desterritorialização, mundialização,
dentre outros; discorri acerca da importância do idioma Inglês para o mundo contemporâneo,
destacando a grande utilização dessa Língua nos meios acadêmicos (incluindo os cursos de
graduação) e nas publicações científicas; salientei o papel do idioma Inglês no comércio mundial,
assim como na comunicação e na difusão de informações.
Essa tentativa de aproximar e desmistificar a Língua Inglesa junto aos alunos que
eram resistentes ou se julgavam incapazes ou estavam desestimulados a aprender esse idioma
parece ter gerado um resultado positivo, pois após essas apresentações e discussões, consegui
dar início às aulas dessa disciplina, com boa participação por parte de todos os alunos que a
princípio parecem ter assimilado a função da Língua Inglesa na grade curricular de seus cursos.
Julgo que ocorreu uma maior aceitação em relação àqueles alunos que discordavam da inclusão
desse idioma em seus respectivos cursos.
Apesar do resultado positivo dessa nova abordagem em relação a Língua Inglesa
durante as primeiras aulas dessa disciplina nos cursos de Ensino Superior, uma outra questão
despertou meu interesse. Os alunos dos cursos de Licenciatura em Letras recebem uma formação
capaz de prepará-los para essa realidade que pode esperá-los nas aulas da disciplina de Língua
Inglesa nos cursos de Ensino Superior?
Essa dúvida surgiu porque ao recordar os anos de minha graduação no curso de
Licenciatura em Letras na década de 90, lembrei-me de ter tido aulas acerca da origem e formação
da Língua Inglesa durante as disciplinas de Língua Inglesa e Literatura Inglesa, entretanto, esse
assunto foi abordado de modo superficial e até mesmo insuficiente para que um docente pudesse
ministrar aulas sobre esse assunto com o mínimo de segurança.
Além da insuficiência de informações sobre a origem, formação e evolução da
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Língua Inglesa, algumas questões sociais, culturais, políticas e econômicas relacionadas aos
países que têm a Língua Inglesa como materna na atualidade, principalmente, os países
classificados como “desenvolvidos” ou de “primeiro mundo”, não foram tratadas por nenhuma
disciplina.
Esse fato pode indicar a necessidade de formação continuada por parte dos docentes
dessa disciplina, ou até mesmo, uma atualização e reformulação no conteúdo dos cursos de
Licenciatura em Letras a fim de preparar os futuros profissionais para uma prática docente mais
próxima da realidade – com seus mais variados desafios e dificuldades – presente nas salas de
aula e que considere, sobremaneira, a dimensão cultural referente à Língua Inglesa.
Keys (2000) afirmou que o idioma Inglês é um fenômeno lingüístico e social e que,
se um indivíduo não o tivesse como Língua materna, ele teria que aprendê-lo de qualquer modo.
Justamente por considerar o aprendizado da Língua Inglesa como essencial para a inserção do
indivíduo, o autor sugeriu, ainda, uma maior atenção por parte dos pesquisadores para o futuro
desse idioma e destacou o cuidado que os docentes deveriam ter ao ensiná-lo. Esse cuidado que
os docentes devem ter ao desenvolver atividades durante o ensino da Língua Inglesa também foi
destacado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira – PCNs (BRASIL,
1998) ao analisar a situação do ensino de Línguas Estrangeiras no país, já que existiam algumas
contradições entre as propostas educacionais para essa disciplina, elaboradas pelas Secretarias
Estaduais de Educação de quatro regiões brasileiras, e o que realmente acontecia durante as
aulas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência vivida no decorrer dos anos de docência da disciplina de Língua
Inglesa em cursos do Ensino Superior permitiu meu acesso a uma realidade que até então eu
desconhecia, mesmo tendo ministrado aulas de Língua Inglesa em escolas de idiomas
anteriormente. Essa realidade me estimulou a pesquisar sobre a dimensão cultural desse idioma
e sobre o processo de globalização a fim de compreender o porque da rejeição por parte de alguns
alunos em relação a essa Língua; possibilitou-me uma melhor percepção sobre o papel e a
importância dessa Língua para os estudantes do Ensino Superior; forneceu-me informações
relevantes, por meio de uma revisão bibliográfica, que foram utilizadas para convencer os alunos
que apresentavam resistência inicial a respeito desse idioma a aceitar, estudar, aprender e utilizar
essa Língua com fins profissionais, enfim, enriqueceu minha prática docente estimulando a pesquisa
sobre os diversos aspectos envolvidos nessa experiência e, sobretudo, possibilitando uma melhoria
no processo ensino-aprendizagem desse idioma, além de despertar meu interesse para pesquisar
mais profundamente algumas das circunstâncias ocorridas durante essa experiência.
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127
Dimensão cultural na formação de professores
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Dimensão cultural na formação de professores
LUDICIDADE: UMA METODOLOGIA - A FORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA COMO MEIO DE VALORIZAR
O PROFISSIONAL E A PRÁTICA NO TRABALHO COM
CRIANÇAS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS
FREYBERGER, Adriana (FEUSP e SEME);
MARTINS, Leda Sueli Arruda ; SUZUKI, Albertina (SEME)
INTRODUÇÃO
Esse trabalho aborda a temática da ludicidade como política pública voltada à
infância. O percurso e a experiência de um programa para a construção de uma política para a
implantação de brinquedotecas nos clubes municipais da cidade de São Paulo revela-se pelos
registros de portfólio e depoimentos dos participantes, ações diferenciadas mas que fazem parte
do processo de formação continuada e construção colaborativa adotadas como metodologia do
Programa.
A Secretaria Municipal de Esportes Lazer e Recreação (SEME) criou o Programa
Viva São Paulo, no qual o Programa Ludicidade se insere com o objetivo estimular as manifestações
do patrimônio lúdico-cultural, traduzindo valores, costumes, formas de pensamento de incentivo à
espontaneidade e criatividade próprias da criança, valorizando as experiências coletivas/cooperativas,
e reapropriando-se dos espaços públicos.
Esse programa é composto inicialmente pelos projetos: Brinquedotecas nos Centros
Esportivos, Encontros para formação de ludo-educadores, brinquedoteca Itinerante Ônibus
Brincalhão, Praças Ludo Esportivas
As ações desenvolvidas nesses projetos objetivam promover a qualidade para a
diversidade dos trabalhos e parcerias intersecretariais, como cultura, saúde e educação, dirigidas
à infância.
As transformações físicas e de estrutura urbanas sofridas pela cidade de São Paulo
ao longo do séc. XX influenciaram as brincadeiras vividas por nossas crianças, criando conceitos
diferenciados ao longo do tempo sobre o valor do brincar, da infância e da própria criança para a
sociedade
Conhecemos São Paulo ainda com ruas sem calçamento em pleno
centro da cidade, onde as crianças brincam de roda, amarelinha
ou jogam futebol. A cidade mudou muito de lá prá cá, mas ainda há
crianças cantando cantigas de roda, brincando de amarelinha ou
jogando futebol nas ruas de pouco movimento (Silva, Garcia e Ferrari,
1989 p. 34).
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Dimensão cultural na formação de professores
A infância na década de 40, em bairros como Pinheiros, Vila Mariana, Santa Cecília,
Alto da Lapa, Vila Madalena, Itaim-Bibi, e que hoje possuem toda infra-estrutura urbana em nada
se assemelha a infância atual. De acordo com os relatos dos entrevistados, até a década de 30 a
rua era o espaço privilegiado para passeios, festas religiosas e brincadeiras:
A cidade tinha também os campos de várzeas onde se jogava
futebol, e a rua era, por excelência, o local de brincadeiras das
crianças, esconde-esconde, acusado, pula-sela, jogo de bola na
mão, bolinhas de gude, futebol, varinha tangendo rodas, pipas,
brincadeiras de roda, bonecas...As crianças se organizavam em
turmas, trocinhas ou clubes de acordo com seu bairro, realizando
competições e desafios entre os diferentes grupos (1989: 60).
O desenvolvimento da cidade e sua transformação em megalópole, impõe-se sobre
esses espaços de brincar, por outro lado, a violência torna-se uma das principais preocupações
das famílias e da sociedade como um todo. A construção de espaços seguros para brincar tornase uma necessidade e a criança paulistana que passa a ter, no seu cotidiano, espaços delimitados
para a brincadeira como salões, parque em condomínios, ou na ausência de espaços externos, a
televisão, uma alternativa de lazer que confina a criança às suas casas.
Nessa perspectiva, os Clubes da Cidade são alternativas de espaços públicos formais,
seguros e adequados à infância. E a brinquedoteca o cerne de uma proposta que acredita no
desenvolvimento e pleno da criança como meio de formar adultos saudáveis, valorizando o brincar,
o uso do corpo, a atividade física e a socialização.
A participação de comunidade na formação e elaboração desses espaços garante
sua permanência mesmo quando gestores municipais e políticos insistem em aplicar o orçamento
em outros investimentos que não o espaço da brinquedoteca
Para o Programa Ludicidade, a primeira resposta aos desafios da implantação da
brinquedoteca é o investimento na formação dos parceiros locais. Essa formação inicial e continuada
torna-se a base de sustentação de todo o projeto e garante que ações como a assessoria para
organização dos espaços, construção do acervo de brinquedos, compra de brinquedos e jogos,
atuação com as crianças estejam de acordo com as premissas do grupo e das concepções de
infância e criança adotadas pelo Programa e pelos parceiros do local.
A experiência de cada brinquedoteca, e as impressões de seus protagonistas:
coordenadores, brinquedistas, crianças e familiares dão vida própria a cada um dos espaços,
preservando a cultura e a individualidade de cada um dos grupos formados. É importante ressaltar
que embora o processo de criação das brinquedotecas apresente alguns pontos em comum, seu
funcionamento e pessoal envolvido são muito diversos e vão desde a atuação de um grupo de
professores universitários até a ação solitária – quase heróica – de uma brinquedista com pouca
instrução formal. É por meio da formação continuada que o Programa garante sua sustentabilidade
e qualidade no atendimento às crianças nas brinquedoteca.
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OBJETIVOS
·
Criar uma política pública de lazer e recreação para infância.
·
·
Garantir o direito da criança brincar.
Contribuir e incentivar a formação de ludo-educadores.
·
Implantar brinquedotecas/espaços de brincar em todos os Centros Esportivos
Municipais e outros espaços públicos.
·
espaços abertos,
·
Incentivar a participação voluntária da população nas atividades lúdicas em
Incentivar a reapropriação do espaço público em especial pelas crianças
METODOLOGIA
Toda criança tem o direito de brincar, para isso foram criadas as seguintes ações:
Formar ludo-educadores (funcionários, voluntários e estagiários ) para atura nas brinquedotecas
dos Clubes da Cidade. Os Armários ônibus e as brinquedotecas itinerantes (Ônibus Brincalhão)
são recursos diferenciados que o Ludicidade utiliza-se para que independente das condições
ambientais o direito da criança brincar seja garantido por espaço e material de qualidade e educadores
capacitados. No Ludicidade a qualidade do atendimento e dos serviços prestados é tão importante
quanto o número de crianças atendidas.
Acreditamos ser de fundamental importância que o brincar / brincadeira seja uma
atividade livre e espontânea, portanto a criação de um espaço para o brincar dentro dos Centros
Esportivos/Clubes da Cidade, também deve estar contido nos princípios da vontade própria e da
liberdade. O Ludicidade utiliza-se de instrumentos para instigar as pessoas a quererem brincar,
tais como: levar à comunidade o ônibus Brincalhão – brinquedoteca itinerante para o
desenvolvimento de brincadeiras no espaço interno e externo despertando nelas o desejo de brincar
e dessa forma solicitarem a criação de um espaço lúdico. Assim, só atuamos após o Centro
Esportivo solicitar a implantação de uma brinquedoteca.
Após a solicitação para implantação de uma brinquedoteca, a equipe técnica realiza
uma visita para avaliar as condições do espaço e os recursos humanos e materiais existentes no
local. Feito isso é elaborado um relatório informando a melhor forma de se implantar a brinquedoteca,
pois ela pode ser fixa ou itinerante.
Ao concluir que o local está apto/possui condições adequadas é dado início à
capacitação/formação do grupo que irá gerenciar e atuar nesse espaço.
Essa etapa tem sido fundamental na construção das premissas do Programa. É por
meio da formação que temos conseguido manter e ampliar o número de brinquedotecas implantadas
garantindo sua existência mesmo após mudanças de gestores políticos.
As lideranças legitimamente construídas, a parceria de funcionários, voluntários e
estagiários possibilita que a comunidade se aproprie do espaço ao mesmo tempo que recebe da
equipe do Programa suporte técnico para atuar.
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A terceira etapa é apresentação de um projeto arquitetônico. É importante ressaltar
que o Ludicidade sempre leva em conta a opinião dos usuários (crianças e adultos) e ludoeducadores para efetuar suas escolhas sendo esse projeto resultado de várias conversas e visitas
ao local.
Periodicamente são realizados encontros para a discussão e formação de ludoeducadores. Esses encontros denominados de “Combinando a Brincadeira”, visam o intercâmbio
de notícias, troca de experiências, apresentação de trabalhos, sugestões de atividades, visitas aos
espaços e construção de parcerias. Todos os membros sejam eles voluntários, funcionários e ou
lideres locais são convidados a esses encontros, sendo o principal objetivo a participação e a
integração dos profissionais entre si e com a rede de serviços municipais / sociais (ONG), visando
a qualidade do atendimento às crianças usuárias das brinquedotecas.
Foi com essas intenções que o Ludicidade coordenou o I Encontro de Brinquedotecas
Municipais da Cidade de São Paulo: pelo direito da criança brincar, no período de 09 a 11 de abril
de 2003, envolvendo brinquedotecas das Secretarias de Esportes, Cultura, Educação, Saúde e
Assistência Social
Dentre os resultados do Encontro foram discutidas medidas para ampliação do
número de brinquedotecas, as formas de atendimento, a capacitação dos profissionais e a criação
de uma política pública com orçamento específico destinado à implantação e manutenção das
brinquedotecas.
Ao promover a criação de uma rede integrada de brinquedotecas que beneficiem o
atendimento à criança na cidade de São Paulo, e onde as Secretarias das diferentes áreas sejam
parceiras e colaboradoras entre si, a Secretaria de Esportes Lazer e Recreação incentiva o brincar
como uma das prioridades no atendimento à infância.
RESULTADOS
Atualmente o Ludicidade possui quatorze brinquedotecas fixas localizadas em
Centros Esportivos. Mensalmente são atendidas em nossas brinquedotecas 2000 mil crianças e
30 ludo-educadores entre funcionários da Secretaria, voluntários e estagiários recebem formação
continuada por meio de encontros / cursos / oficinas.
Os Centro Esportivos que já implantaram as brinquedotecas perceberam um
aumento significativo do número de crianças freqüentando seus espaços.
Verificar que as crianças voltaram aos Centros Esportivos/Clubes da cidade foi um
fator importante para a revitalização e a apropriação desses espaços pela população, pois por um
longo período eles estiveram quase que exclusivamente voltados para o público da terceira idade.
Esses resultados foram apurados através de entrevistas e questionários dirigidos
aos freqüentadores dos Centros Esportivos/Clubes da cidade.
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CONCLUSÃO
O programa Ludicidade buscou desde o momento da sua concepção implantar um
projeto de política pública para o lazer infantil na cidade de São Paulo. Sem perder de rumo essa
visão o Ludicidade implantou cuidadosamente cada uma das suas brinquedotecas, formou e
capacitou seus ludo-educadores.
Após dois anos de atividades o projeto teve a ousadia de organizar o I Encontro de
Brinquedotecas Municipais da Cidade de São Paulo (EnBriMSP), reunindo 250 pessoas das
secretarias de Esporte, Cultura, Saúde e Educação para a formação e troca de experiência.
Em breve pretendemos realizar o II EnBriMSP para formatarmos uma discussão
sobre um projeto de lei tramita na Câmara dos Vereadores sobre a implantação de brinquedotecas
nos diversos setores do serviço público, gerando uma política pública para as brinquedotecas
municipais.
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