UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Maria Eduarda Kolonko Vitorasso
CONHECIMENTOS PRÉVIOS: CONCEPÇÕES DE DOIS PROFESSORES
DE UMA ESCOLA PARTICULAR DA CIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo
2010
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
MARIA EDUARDA KOLONKO VITORASSO
CONHECIMENTOS PRÉVIOS: CONCEPÇÕES DE DOIS PROFESSORES DE
UMA ESCOLA PARTICULAR DA CIDADE DE SÃO PAULO
Monografia apresentada ao Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde, da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como parte dos
requisitos exigidos para a conclusão do Curso de
Ciências Biológicas, modalidade Licenciatura.
Orientador: Prof.ª Dra. Magda Medhat Pechliye
São Paulo
3
Dedico este trabalho à minha família,
por tudo o que são e o que significam para mim.
4
Quanto mais as pessoas acreditam em uma coisa,
quanto mais se dedicam a ela,
mais podem influenciar no seu acontecimento.
Dóv Éden
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, à minha orientadora, professora Magda Medhat Pechliye, e aos
professores que participaram desta pesquisa, contribuindo para a realização do trabalho.
Aos professores Rosana dos Santos Jordão, Magda Medhat Pechliye e Adriano
Monteiro de Castro, que nos guiaram e acompanharam durante todo o curso da licenciatura,
permitindo-nos chegar com sucesso ao fim.
Aos meus amigos e colegas de classe, que caminharam comigo durante esses anos,
compartilhando os momentos mais felizes e os mais difíceis deste longo percurso. Especialmente
aos meus amigos Bianca, Natalia, Danilo, Soraya e Raísa, que foram essenciais ao longo deste
trajeto. E, claro, às minhas amigas do bacharelado, Roberta, Danielle e Thais, que estiveram
sempre dispostas a ajudar nas horas mais turbulentas.
À minha família e meu namorado, pela confiança que sempre depositaram em
mim, me fazendo acreditar mais em mim mesma, e pela paciência com as horas de isolamento e
estudo.
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RESUMO
É sabido que os alunos já chegam à sala de aula munidos com uma série de ideias próprias acerca
do assunto que será aprendido. Levar em conta os conhecimentos prévios dos alunos representa
um dos aspectos mais importantes no processo de ensino-aprendizagem. Porém, muitas e dúvidas
e dificuldades podem surgir para os professores quando se trata desta questão. O presente
trabalho tem como objetivo analisar as concepções de dois professores – um de Ciências e um de
Biologia – a respeito do assunto. Para tanto, foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os
mesmos, as quais foram analisadas com base em referenciais de autores que abordam o tema. Os
resultados obtidos mostram que ambos os professores apresentam concepções sobre o assunto
que se aproximam às dos referenciais estudados, embora alguns equívocos tenham sido
detectados em suas falas. Estes resultados, no entanto, não levam a uma generalização das
conclusões, devido ao caráter qualitativo da pesquisa.
Palavras-chave: conhecimentos prévios, ensino aprendizagem, ideias dos aluno, concepções.
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ABSTRACT
It is a fact that students arrive to the classroom with several of his own ideas about the subject
that will be learned. Considering the previous knowledge of the students is one of the most
important aspects in the teaching-learning process. However, many doubts and difficulties may
arise for teachers when it comes to this issue. This paper aims to analyze the conceptions of two
teachers – one of Science and one of Biology – about the subject. For this, semistructured
interviews were done with them, which were analyzed based on references from authors who talk
about the issue. The results show that both teachers have conceptions on the subject that come to
the benchmarks studied, although some mistakes have been detected in their speech.These
results, however, does not lead to a generalization of the findings, due to qualitative research.
Key-words: previous knowledge, teaching-learning, student’s ideas.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................
08
2. OS CONHECIMENTOS PRÉVIOS............................................................................
10
2.1. A importância dos conhecimentos prévios................................................................ 13
2.2. Como e quando explorar os conhecimentos prévios dos alunos.............................
16
2.3. Os conhecimentos prévios equivocados e sua correção...........................................
18
2.3.1. Os conhecimentos prévios e a história da ciência.................................................. 19
2.3.2. A “correção” dos conhecimentos prévios equivocados......................................... 21
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................................
24
3.1. Coleta de dados............................................................................................................ 24
3.2. Análise dos dados........................................................................................................
27
4. RESULTADOS E ANÁLISE........................................................................................
29
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................
38
REFERÊNCIAS.................................................................................................................
40
ANEXO I............................................................................................................................
42
ANEXO II...........................................................................................................................
48
8
1. INTRODUÇÃO
A abordagem tradicional do processo de ensino-aprendizagem, característica da
grande maioria das escolas brasileiras, tem como base a transmissão do conhecimento, na qual o
professor é tido como detentor de toda a informação, e o aluno como uma “esponja” que tem o
dever de absorver e memorizar tudo o que lhes é dito, ou então uma “lousa em branco”, na qual o
professor pode ir escrevendo tudo aquilo que deve ser aprendido.
Contudo, nas duas últimas décadas, diversos estudos têm sido feitos a respeito dos
conhecimentos prévios das crianças, questionando vigorosamente a ideia de que os alunos nada
sabem antes de serem ensinados na escola. Hoje, diversos autores defendem não só a
inquestionável existência desses conhecimentos prévios, mas também sua grande importância no
processo de ensino-aprendizagem.
A aprendizagem é um processo de construção que nunca começa do zero, nem
mesmo nos momentos iniciais da escolaridade, ou seja, é um processo que envolve diversas
etapas, nas quais as ideias dos alunos vão sendo gradativamente ampliadas, reformuladas ou
substituídas. Este processo depende inteiramente das relações que os alunos são capazes de fazer
entre aquilo que já sabem e o novo conteúdo que está sendo ensinado.
Sendo assim, dentre diversos outros, os conhecimentos prévios são um dos
principais aspectos que devem ser levados em conta no processo educativo, tendo fundamental
importância tanto para os alunos quanto para os professores.
Contudo, por vários motivos, pode haver grandes equívocos e dúvidas por parte
dos professores em relação tanto à sua concepção de “conhecimentos prévios” quanto às formas
de explorá-los e utilizá-los no processo de ensino-aprendizagem (o que saber, quando explorar,
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como usar, quando fazer isso, etc.), e isso pode ser um “obstáculo” no processo de ensinoaprendizagem.
Tendo em vista a relevância do assunto e os possíveis problemas acima
apresentados, justifica-se a importância do presente trabalho, que tem como objetivo analisar as
concepções de dois professores de uma escola particular da cidade de São Paulo a respeito dos
conhecimentos prévios dos alunos.
O trabalho apresenta-se dividido em três partes principais: a primeira é um
referencial teórico com base em alguns autores escolhidos que abordam o assunto, e que servirá
como embasamento para a pesquisa e a análise dos dados obtidos na mesma; em seguida, são
descritos os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento do trabalho, desde a
coleta dos dados até a análise dos resultados; e por fim, são apresentados os resultados obtidos,
concomitantemente com sua análise, a qual é feita com base no já citado referencial teórico.
Também são feitas algumas considerações finais para a pesquisa e, em anexo, podem ser vistas a
transcrição das entrevistas realizadas e a carta de aprovação pela Comissão Interna de Ética em
Pesquisa.
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2.
OS CONHECIMENTOS PRÉVIOS
É provável que, como professores, se tivéssemos em nossas mãos a
lâmpada de Aladim, [...] um de nossos desejos seria que a mente de
nossos alunos estivesse em branco, como uma lousa limpa na qual
poderíamos ir escrevendo o que queremos que aprendam (MIRAS, 2006,
p. 57)
Contudo, a citação acima deixa claro que isto é apenas um sonho. Segundo Miras
(2006), a mente dos alunos está bastante longe de parecer uma lousa em branco, ou seja, os
alunos já chegam à sala de aula trazendo noções estruturadas ou não, com toda uma lógica e
desenvolvimento próprios, afirmação com a qual concordam diversos autores, como Campos e
Nigro (1999), Mizukami (1986), Carvalho (2004), Bastos (2005), Bizzo (2007) entre outros.
Segundo Bastos (2005) a ideia de que os alunos nada sabem antes de serem
ensinados na escola tem sido vigorosamente questionada e, de acordo com Bizzo (2007) foi nos
últimos vinte anos que começaram a surgir diversos estudos sobre as ideias das crianças.
Carvalho (2004) afirma que essa constatação de que os alunos não são tábulas rasas foi um dos
fatores que abalou consideravelmente a didática tradicional.
Miras (2006) assinala três elementos básicos que podem determinar o estado
inicial dos alunos, como uma “radiografia” feita no momento de iniciar o processo de ensinoaprendizagem: a primeira característica seria a pré-disposição diante da aprendizagem, decorrente
de sua auto-imagem, suas experiências anteriores, de capacidades como ajudar e ser ajudado,
assumir riscos, entre outros. A segunda são as capacidades, instrumentos, estratégias e
11
habilidades em geral (desde capacidades motoras e de relação interpessoal até instrumentos como
a linguagem, a capacidade de anotar, resumir, pesquisar etc.).
Por fim, o terceiro aspecto, considerado indispensável do ponto vista de diversos
autores – Campos e Nigro (1999), Bastos (2005), Zabala (2002) e outros – se refere aos
conhecimentos que os alunos já possuem sobre o conteúdo que se propõe aprender, o que a autora
chama de conhecimentos prévios, mas que também são conhecidos por outros termos, como
concepções alternativas (CAMPOS E NIGRO, 1999), ideias dos alunos, concepções errôneas
(missconceptios), ciência das crianças (BIZZO, 2007), entre outros. Vale ressaltar que, embora
bastante parecidas, cada definição pode guardar suas peculiaridades. Neste trabalho, será adotado
o termo “conhecimentos prévios”.
Autores que trabalham com a abordagem construtivista do processo de ensinoaprendizagem, como Miras (2006) afirmam que a construção dos conhecimentos não começa do
zero, nem mesmo nos momentos iniciais da escolaridade – o aluno constrói (ou reconstrói)
pessoalmente um significado, com base naquilo que já havia construído previamente. Mizukami
(1986), que embora não se refira diretamente ao construtivismo, apresenta ideias que condizem
com tal concepção, em uma abordagem que chama de “cognitivista”. Ao descrever esta
abordagem do processo de ensino-aprendizagem, a autora afirma que o conhecimento se baseia
na construção de estruturas que não existiam anteriormente no indivíduo, e que nunca há um
começo absoluto – o que é assimilado sempre o é a um esquema mental anterior.
Também para Bastos (2005) a aprendizagem requer inúmeras etapas, nas quais as
ideias iniciais são gradativamente complementadas, ampliadas, reformuladas ou substituídas.
De acordo com Miras (2006) o aprendizado de um novo conteúdo é resultado de
uma atividade mental construtiva, a qual não pode ser realizada no vácuo, partindo do nada.
Segundo a autora, a possibilidade de assimilar um novo conteúdo, de construir um novo
12
significado, passa necessariamente pela possibilidade de entrar em contato com o novo
conhecimento. Como assinala Coll (1990 apud Miras, 2006), quando o aluno faz esse primeiro
contato com o novo conteúdo, ele o faz munido com uma série de conceitos, concepções e
representações, adquiridos no decorrer de suas experiências anteriores, os quais serão
determinantes na seleção das informações, bem como na organização das mesmas e no tipo de
relações que serão feitas entre elas. Assim, conclui Miras (2006), é graças aos conhecimentos
prévios do aluno que este pode fazer uma leitura inicial do novo conteúdo, atribuindo-lhe um
primeiro nível de significado para então iniciar seu processo de aprendizagem.
A concepção construtivista compreende os conhecimentos prévios do ser humano
em geral (e principalmente dos alunos) em termos de esquemas de conhecimento. Estes esquemas
– também citados por Mizukami (1986) – não representam um conhecimento global da realidade,
mas sim de aspectos com os quais os alunos puderam ter contato ao longo de sua vida, incluindo
uma ampla variedade de tipos de conhecimento – desde informações sobre fatos, experiências
pessoais, normas, atitudes e valores, até conceitos, teorias e explicações relacionados a esta
realidade. De acordo com Miras (2006), a origem dos esquemas de conhecimentos pode ser
bastante variada: podem ser informações e conhecimentos adquiridos no meio familiar, em
grupos de amigos, em fontes como leitura, televisão, cinema, Internet e, logicamente, à medida
que o aluno avança em sua escolarização, provenientes do próprio meio escolar.
Zabala (2002) também fala em esquemas de conhecimentos, definindo-os como
estruturas simbólicas que construímos para codificar nossas experiências, processá-las e
armazená-las. Assim como Miras (2006), o autor afirma que estes esquemas que os alunos tem
não se caracterizam somente pela quantidade de conhecimentos que contém, mas também pelo
nível de organização interna e pelo grau de coerência das relações feitas entre esses
conhecimentos. Segundo o autor, o grau de aprendizagem está diretamente relacionado à
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quantidade e qualidade dos vínculos que podem ser formados entre os novos conteúdos e os
conhecimentos que a pessoa já possui.
2.1. A importância dos conhecimentos prévios
Em relação à importância dos conhecimentos prévios dos alunos, Miras (2006) e
Zabala (2002) destacam uma mesma frase de Ausubel, Novak e Hanesian (1983): “O fator mais
importante que influi na aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe. Isto deve ser averiguado e o
ensino deve depender desses dados” (MIRAS, 2006. p.66). Os dois autores concordam, dizendo
que o núcleo central da aprendizagem de um novo conteúdo está na capacidade de utilizar e
atualizar os conhecimentos prévios do estudante.
Campos e Nigro (1999) e Bizzo (2007) também são favoráveis a esta ideia.
Segundo os autores, antes de planejar qualquer intervenção didática, o professor deve se esforçar
para saber quais são as concepções alternativas de seus alunos, pois estas são o primeiro diálogo
da criança com o mundo natural.
Campos e Nigro (1999) destacam ainda que a exploração dos conhecimentos
prévios é importante tanto para os alunos quanto para o professor – afirmação esta que também é
feita por Miras (2006). Eles explicam que para o professor é de grande importância, pois,
conhecendo as concepções dos alunos, poderá elaborar estratégias didáticas mais eficazes. Já para
os alunos, pode servir para que eles percebam se mudaram ou não seus conhecimentos prévios, o
que aprenderam, e assim avaliar suas aprendizagens. Miras (2006) também defende esta ideia, e
afirma que a possibilidade de os alunos poderem retomar, em alguns momentos, suas respostas
iniciais para um certo assunto pode ser um meio de estes perceberem as mudanças que ocorreram
e sua evolução no caminho percorrido.
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Bastos (2005) também destaca a importância de o professor conhecer as ideias de
seus alunos, pois estas podem parecer um obstáculo para o processo de ensino-aprendizagem,
mas na realidade representam um importante ponto de partida para o mesmo, o que faz com que
esta averiguação seja fundamental para que se consiga um ensino mais eficaz.
Entretanto, Campos e Nigro (1999) afirmam que muitos professores consideram
pouco importante explorar os conhecimentos prévios dos alunos para determinados temas, tendo
em mente que, devido a grande quantidade de informações a que os alunos tem acesso –
televisão, jornais, Internet, livros etc. – todos já chegam com aproximadamente a mesma base
acerca de um dado assunto. De fato, afirmam os autores, isso parece ocorrer em alguns casos,
como por exemplo, quando o professor pergunta aos alunos “Qual o formato do planeta Terra?” e
todos respondem “redonda”. Porém, questionam Campos e Nigro (1999), será que a resposta
desses alunos sempre corresponde ao que eles pensam? Uma pesquisa feita por Nussbaum (1989
apud Campos e Nigro, 1999) mostra que nem sempre aquilo que o aluno pensa corresponde ao
que ele diz.
Campos e Nigro (1999) apontam um motivo que pode levar a esta incoerência
entre o que os alunos falam e aquilo que pensam: é o que chamam de “síndrome da resposta
certa”. Segundo os autores, o que muitas vezes acontece nas salas de aula é que quando o
professor faz uma pergunta, não o faz para saber o que realmente os alunos pensam sobre aquilo,
mas sim sabendo de antemão o que espera como resposta. Os alunos, por sua vez, procuram
responder aquilo que é esperado deles, utilizando-se de frases decoradas, livros didáticos e
anotações feitas no caderno, mas “esquecendo-se” de suas concepções próprias, e não revelando
aquilo que realmente pensam ou sabem. Para que isso seja evitado, Campos e Nigro (1999)
ressaltam que é importante que o professor deixe claro para os alunos que tal atividade não é uma
“avaliação” para a qual será dada qualquer nota para medir o desempenho dos alunos, mas sim
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para servir como uma fonte de informações para o professor, ideia esta com a qual Miras (2006)
concorda.
Um dos principais contextos que pode levar a este “problema” é o tipo de
formação dos professores. De acordo com Nóvoa (1995), a formação de professores vem se
desenvolvendo nos últimos anos de maneira a tornar o trabalho docente algo automático, onde
práticas que exijam autonomia e reflexão (como a exploração dos conhecimentos prévios) não
têm espaço.
Este tipo de formação de professores leva a um método de ensino tradicional, o
qual, segundo Mizukami (1986), baseia-se na transmissão de conhecimentos prontos aos alunos,
que são vistos como receptores passivos destas informações. Esta abordagem do processo de
ensino-aprendizagem se preocupa mais com a quantidade e variedade de informações e
conteúdos que devem ser memorizados pelos alunos. Assim, a exploração dos conhecimentos
prévios torna-se pouco importante nesta prática de ensino, uma vez que não é necessária para se
atingir os objetivos existentes no método tradicional (transmissão e memorização de
informações).
Sendo assim, um dos motivos que pode levar os professores a considerarem os
conhecimentos prévios pouco importantes é a barreira criada entre seu tipo de formação
profissional e necessidade deste tipo de prática docente. A própria “síndrome da resposta certa”,
citada por Campos e Nigro (1999) é, por exemplo, um dos reflexos da concepção tradicional de
ensino.
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2.2.Como e quando explorar os conhecimentos prévios dos alunos
Todos os autores citados até agora destacam a importância de se levar em
consideração os conhecimentos que os alunos já possuem. Porém, uma questão levantada por
Miras (2006) é: tendo em vista que não seria possível explorar tudo aquilo que o aluno já sabe, o
que devemos saber? Quando fazer essa averiguação? E como fazê-la?
Quando Miras (2006) aborda a utilização destes conhecimentos prévios na prática
em sala de aula, destaca a um assunto muito enfatizado por outros autores, dentre eles Rosa
(2003): os objetivos. Para se decidir quando explorar estes conhecimentos, quais, e como, é
preciso se ter clareza dos objetivos que se pretende alcançar, em relação aos conteúdos e ao tipo
de aprendizagem que deseja que seus alunos alcancem.
Uma vez que não é necessário – e nem mesmo possível – conhecer tudo o que o
aluno sabe, Miras (2006) assinala alguns critérios importantes na seleção daquilo que o professor
precisa conhecer, sendo o primeiro deles o conteúdo básico que será estudado, e quais
conhecimentos prévios são mais importantes para que o aluno tenha como base ao iniciar a
aprendizagem desse novo conteúdo.
Em relação ao momento de se explorar os conhecimentos prévios dos alunos,
Miras (2006) afirma que esta averiguação pode ser feita sempre que o professor a considerar útil,
mas em geral é bastante importante no início do curso ou unidade didática. Esta ideia também é
citada por Campos e Nigro (1999), que consideram muito importante iniciar-se o estudo de
qualquer assunto de ciências naturais com estratégias para descobrir o que os alunos já sabem ou
pensam sobre este assunto, ou como concebem conceitos a ele relacionados. Bizzo (2007)
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também concorda com essa ideia, pois, segundo ele, muitas vezes nem mesmo os próprios alunos
tem consciência dos conhecimentos que já possuem.
Porém, vale ressaltar que os conhecimentos prévios não podem ser explorados
somente no início de uma sequência didática, mas sim frequentemente retomados e atualizados.
Neste caso, um ensino que estimule a problematização pode trabalhar constantemente os
conhecimentos prévios dos alunos.
Miras (2006) e Zabala (2002) afirmam que a constante atualização dos
conhecimentos prévios dos alunos é de fundamental importância para que o processo de ensinoaprendizagem seja o mais significativo possível. Miras (2006) assinala que as introduções aos
novos conteúdos, os resumos, sínteses e recapitulações periódicas podem ser momentos
privilegiados para que ocorra esta atualização, ou seja, para que o aluno consiga estabelecer
novas relações entre o novo conteúdo e seus conhecimentos prévios.
Finalmente, em relação ao “como explorar” os conhecimentos prévios dos alunos,
há diferentes formas para que isso seja feito. De acordo com Campos e Nigro (1999), um dos
métodos mais eficazes para explorar as concepções iniciais dos alunos é por meio de entrevistas.
O pesquisador Nussbaum (1989 apud Campos e Nigro, 1999) explica que pesquisas para verificar
os conhecimentos prévios de crianças são feitas por meio de entrevistas nas quais as crianças
respondem a uma série de perguntas / problemas ou executam tarefas. Porém, na realidade de
uma sala de aula, nem sempre é possível fazer este tipo de pesquisa, afirmam Campos e Nigro
(1999). Segundo eles, o professor deve então, criar outras oportunidades reais para que os alunos
expressem suas ideias, utilizando-se de outros instrumentos.
Assim como Campos e Nigro (1999), Miras (2006) destaca a impossibilidade de
realizar pesquisas aprofundadas com cada aluno na realidade de sala de aula. Sendo assim, a
autora propõe alguns outros modos para que o professor possa conhecer as ideias dos alunos.
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Estes recursos, os quais podem acabar por definir os esquemas de conhecimentos dos alunos,
podem consistir tanto em instrumentos fechados – como listas, questionários, redes, mapas –
quanto instrumentos abertos, como conversas entre o professor e os alunos. Segundo a autora,
estes últimos proporcionam uma exploração mais rica e flexível, porém parecem ser mais
eficazes em alunos mais novos, enquanto os instrumentos fechados funcionam melhor para
alunos mais velhos, pois, como complementa a ideia de Bizzo (2007), dependem da capacidade
de registro gráfico ou escrito.
Miras (2006) ressalta que a prática docente contribui consideravelmente para que
se faça essas decisões – o que saber, quando e como averiguar –, pois esta permite que o
professor já saiba quais conhecimentos prévios são mais importantes em determinados conteúdos,
quais as ideias e as dificuldades mais frequentes dos alunos, quais os métodos mais eficazes para
se usar em cada idade, entre outros.
2.3. Os conhecimentos prévios equivocados e sua correção
Assim como Campos e Nigro (1999), Miras (2006) também destaca a importância
de se explorar os conhecimentos prévios dos alunos para saber o que estes pensam, e um dos
principais motivos levantados por estes autores é que muitas vezes, as ideias prévias dos alunos
podem ser total ou parcialmente errôneas, o que impediria a já citada construção do
conhecimento com base naquilo que o aluno já sabe.
Neste caso, de acordo com Miras (2006), dois possíveis resultados podem ocorrer.
O primeiro é que o aluno realize uma aprendizagem pouco significativa, fundamentalmente de
memória – o que, como já foi dito, é característico da abordagem tradicional do ensino. O outro é
19
que, tentando relacionar o novo conteúdo com conhecimentos prévios que julgue pertinentes, o
aluno acabe fazendo conexões equivocadas e crie um sentido errado para aquele conhecimento
novo.
Segundo Campos e Nigro (1999), essa diferença entre as ideias dos alunos, que
muitas vezes podem ser errôneas, parece ocorrer por que os alunos criam um significado próprio
para as informações as quais tem acesso, e as adaptam às suas próprias concepções, ideia esta
semelhante à de Zabala (2002), que define os conhecimentos prévios como uma representação
pessoal de uma realidade objetiva.
Isto é, as informações recebidas pelos alunos são universais, enquanto que o
processo de organização das ideias é pessoal e único, de forma que as concepções alternativas
que as crianças criam são construções próprias, o que explica o fato de crianças da mesma idade
terem ideias totalmente distintas sobre um mesmo assunto, apesar de terem acesso ao mesmo tipo
de informação (CAMPOS E NIGRO, 1999). Bastos (2005, p. 18) resume esta ideia com a frase:
“um ensino, múltiplas aprendizagens”.
2.3.1. Os conhecimentos prévios e a História da Ciência
Além dessa interação totalmente pessoal com as informações, outra característica
dos conhecimentos prévios dos alunos, de acordo com Campos e Nigro (1999), é que muitas
dessas concepções alternativas assemelham-se a ideias já existentes na História da Ciências (não
todas e não seguem as mesmas lógicas e evoluções, justamente por serem criações pessoais que
não obedecem regras pré-estabelecidas). Porém, os autores afirmam que fazer um paralelo entre
os conhecimentos prévios dos alunos e as concepções existentes na história das ciências pode ser
útil para o professor por dois principais motivos: dar uma ideia sobre quais as dificuldades
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enfrentadas pelos alunos, as quais podem coincidir com as barreiras enfrentadas na história; e
indicar quais informações podem ser importantes para promover uma mudança conceitual nos
alunos.
Bastos (2005) também faz um paralelo dos conhecimentos prévios com o processo
de produção de conhecimentos na História da Ciência. Segundo ele, estes dois processos não se
dão de forma linear, por mero acúmulo de conhecimentos, mas envolvem rupturas e mudanças de
rumo, e a reformulação ou substituição de hipóteses e teorias anteriormente vigentes por novas
ideias. O autor utiliza-se do modelo desenvolvido por Kuhn (1992 apud Bastos, 2005), segundo o
qual a Ciência alterna períodos de relativa calmaria, nos quais o paradigma ou teoria vigente é
aceito e explorado, chamados ciência normal e períodos de crise, turbulência e mudança,
chamados períodos de revolução científica.
Assim, os períodos de “ciência normal” seriam aqueles nos quais os alunos têm
como verdadeiras as suas ideias alternativas sobre um certo assunto, e os períodos de “revolução
científica” seriam aqueles nos quais os alunos passam a perceber que suas teorias para explicar
um dado fenômeno não são mais suficientes, possuem falhas, e, portanto precisam de mudanças
ou novas teorias.
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2.3.2. A “correção” dos conhecimentos prévios equivocados
Conforme explanado anteriormente, vários autores fundamentam que as ideias dos
alunos muitas vezes são equivocadas, não condizem com a realidade do assunto que se pretende
ensinar. Bastos (2005) afirma que para a aprendizagem ser mais eficaz, essas ideias devem ser
gradativamente ampliadas, reformuladas ou substituídas.
Quando Campos e Nigro (1999) abordam essa “substituição” de ideias, também
chamada de “mudança conceitual” por Bastos (2005), ressaltam que o acúmulo de informações –
vindo de diversas fontes de informação, e também do ensino formal – não garante a substituição
das concepções alternativas dos alunos por “explicações científicas”.
Os autores supracitados destacam também a importância de valorizar o
conhecimento pessoal do aluno, isto é, mostrar a ele que existem explicações diferentes da sua
para os fenômenos, mas sem desestimulá-lo. Deve-se mostrar que estas explicações científicas
apresentam algumas vantagens sobre as suas, como o fato de ter mais coerência e consistência –
embora, muitas vezes, as ideias dos alunos também as tenham (CAMPOS E NIGRO, 1999).
Um dos caminhos apontados por Campos e Nigro (1999) para que essa
substituição ou reformulação seja significativa, é favorecer uma situação de conflito cognitivo aos
alunos. Em primeiro lugar, é essencial que os alunos tenham consciência das suas explicações
para os fenômenos – esse é o ponto de partida para que eles possam perceber algumas
contradições e falhas em sua maneira de pensar. O que os autores chamam de “conflito
cognitivo” consiste em propor atividades ou questões que contradigam ou exijam mais dos
conhecimentos prévios dos alunos, criando neles uma insatisfação e consequentemente uma
necessidade de modificar tais ideias.
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Bastos (2005) concorda com a ideia de Campos e Nigro (1999), pois, segundo o
autor, as concepções que o aluno tende a conservar são aquelas que ele considera “inteligíveis,
plausíveis e proveitosas”. Portanto, cabe ao professor criar situações em que o aluno se torne
insatisfeito com suas concepções atuais, encontrando a necessidade de buscar outras explicações,
que sejam mais plausíveis e proveitosas para o entendimento daquele conceito.
Mas será que é possível conviver com mais de uma explicação para um mesmo
fenômeno? Mortimer (2000), indo além da ideia de “mudança conceitual”, propõe a noção de
“perfis conceituais”. Segundo o autor, não é novidade que as pessoas podem exibir formas
diferentes de entender e representar uma mesma realidade. O autor enfatiza a existência de
formas qualitativamente diferentes pelas quais as pessoas podem perceber e interpretar esta
realidade, e afirma que essas diferentes realidades correspondem a diferentes formas de
conhecimento, e pertencem a contextos sociais específicos. Assim, para Mortimer (2000, p.69)
“também é necessário interpretar a coexistência desses diferentes tipos de realidades”.
Com esta ideia, Mortimer (2000) questiona os modelos de mudança conceitual já
citados anteriormente. O autor defende que a aprendizagem deve se focar não em fazer o
estudante abandonar uma concepção e adotar uma “mais correta”, mas sim em aumentar a
capacidade do aluno em distinguir concepções apropriadas para cada contexto específico, ou seja,
permitir que o aluno saiba em que contexto é mais apropriado empregar um ou outro conceito.
Outro aspecto destacado por Mortimer (2000) é que o fato de o estudante ter
consciência de seu próprio perfil conceitual tem um papel importante no processo de ensinoaprendizagem. A falta desta consciência poderia ser indicada, por exemplo, no caso de o
estudante utilizar-se de suas concepções prévias para resolver novos problemas, pois significaria
que o aluno não se conscientizou da relação entre o novo conceito e o seu anterior e, portanto,
23
acabou generalizando sua ideia prévia, a qual, por ser mais familiar, pode ser usada com mais
segurança em situações novas.
Tendo em vista todos estes importantes aspectos levantados, o presente trabalho
tem como objetivo analisar as concepções de dois professores – um de Ciências e um de Biologia
– de um colégio particular da cidade de São Paulo a respeito dos conhecimentos prévios dos
alunos, levando em conta suas ideias sobre o que são os conhecimentos prévios, sua importância,
sua utilização e outros temas relevantes acerca deste tão importante conceito no processo de
ensino-aprendizagem.
24
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. Coleta dos dados
Tendo em vista que o objetivo proposto para este trabalho é analisar as concepções
de professores de Ciências e Biologia a respeito dos conhecimentos prévios dos alunos,
trabalhou-se com dois professores, sendo um da disciplina de Ciências (Ensino Fundamental II) e
um da disciplina de Biologia (Ensino Médio), ambos lecionando atualmente em uma mesma
escola da rede particular de ensino, localizada na região central da cidade de São Paulo. Os
professores foram escolhidos devido a contatos e observações anteriores em realizações de
estágios supervisionados do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.
O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista. De acordo com Lüdke
e André (2003), a entrevista é uma das principais técnicas utilizadas nas pesquisas na área das
ciências sociais. Segundo as autoras, uma das vantagens deste instrumento é o caráter de
interação que o permeia, sem haver hierarquia entre quem pergunta e quem responde. Além
disso, a entrevista permite a captação imediata e coerente da informação desejada, sobre os mais
variados temas.
Optou-se por utilizar a entrevista semi-estruturada, isto é, aquela que se desenrola
a partir de um esquema básico, mas que não precisa ser aplicado rigorosamente, permitindo assim
que o entrevistador e/ou o entrevistado façam as necessárias adaptações. Este tipo de entrevista
foi escolhido por que, de acordo com Lüdke e André (2003), as pesquisas que se faz atualmente
em educação aproximam-se mais dos esquemas mais livres, menos estruturados. Além disso,
segundo os autores, quando se quer conhecer a visão de um professor a respeito de alguma face
25
do processo de ensino aprendizagem (usam como exemplo o processo de alfabetização), o melhor
é o fazer com base em um roteiro, mas com grande flexibilidade.
Com base nisso, elaborou-se o seguinte roteiro, que foi aplicado com flexibilidade,
conforme a necessidade ou a linha de raciocínio desenvolvida:
1- Você já ouviu falar em conhecimentos prévios?
2- O que você entende por conhecimentos prévios?
3- Na sua opinião, os alunos sempre têm conhecimentos prévios?
4- Você considera importante explorar os conhecimentos prévios dos alunos? Por quê?
5- Como é possível mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos, e em que momentos se
deve fazer isso?
6- Você tem algum exemplo prático de utilização dos conhecimentos prévios dos alunos?
7- Na realidade da sala de aula, quais as possíveis dificuldades que se pode encontrar na
exploração dos conhecimentos prévios?
8- Quando os conhecimentos prévios mobilizados estiverem errados, como o professor deve
agir?
As perguntas 1 e 2 tem como objetivo fazer um levantamento inicial sobre a
concepção do professor em relação ao termo “conhecimentos prévios”, além de introduzir o
assunto que será abordado na entrevista.
26
As questões 3, 4 e 5 se aprofundam um pouco mais na parte teórica deste assunto
estudado, abordando o fato de que os alunos sempre têm conhecimentos prévios, além de sua
importância no processo de ensino-aprendizagem e a mobilização e utilização dos mesmos. Estas
perguntas conversam diretamente com o referencial teórico utilizado no trabalho. O mesmo
ocorre com a questão de número 8, a qual aborda uma noção teórica sobre os conhecimentos
prévios, que é a correção ou substituição dos mesmos quando estes se apresentam equivocados.
Estas perguntas têm como objetivo um maior aprofundamento nas concepções de conhecimentos
prévios dos professores entrevistados.
Por fim, as perguntas 6 e 7 tem um caráter menos teórico e mais prático a respeito
de tema estudado. O objetivo destas duas questões é transpor as concepções teóricas que o
professor apresentou ao longo da entrevista para situações mais reais da sala de aula, tanto da
exploração dos conhecimentos prévios quanto das dificuldades que podem ser encontradas neste
processo. É importante destacar que nenhuma dessas duas questões faz menção direta à prática do
professor, de forma que o mesmo não se sente exposto pessoalmente ou profissionalmente, o que
não é o foco da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas levando-se em conta todas as exigências e os
cuidados que devem ser tomados em uma pesquisa deste tipo, desde o respeito ao entrevistado,
envolvendo local e horário de acordo com sua conveniência, até a garantia do sigilo e anonimato
do informante. Estas e outras informações (como a garantia da minimização dos riscos, os
objetivos da pesquisa e a forma de publicação da mesma) foram esclarecidas aos sujeitos
participantes em uma carta de consentimento. O projeto desta pesquisa foi avaliado e aprovado
pela Comissão Interna de Ética em Pesquisa, com o número de processo CIEP L004/09/10 (a
carta de aprovação pode ser vista no anexo II).
27
As entrevistas foram gravadas em aparelhos gravadores, com a devida permissão
do entrevistado e posteriormente transcritas para análise dos dados (a transcrição das entrevistas,
na íntegra, pode ser vista em anexo). Segundo Lüdke e André (2003), a gravação das entrevistas
apresenta algumas desvantagens, como o fato de registrar somente as expressões orais, deixando
escapar expressões faciais, gestos, mudança de postura, etc., além de poder representar um fator
constrangedor ao entrevistado. Porém neste trabalho, esta técnica foi adotada pela vantagem de
registrar todas as falas do entrevistado, além de permitir que o entrevistador preste total atenção
no sujeito participante, não perdendo tempo com suas anotações e possivelmente deixando de
lado alguma expressão oral relevante (LÜDKE E ANDRÉ, 2003).
3.2. Análise dos dados
Os dados coletados foram analisados com um enfoque qualitativo. Os resultados
serão apresentados concomitantemente com sua análise, alternando-se trechos das entrevistas
com suas respectivas discussões, com base nos referenciais teóricos previamente estudados. A
transcrição das entrevistas na íntegra pode ser visualizada no anexo I.
Inicialmente, foi elaborado um quadro referencial sintetizando e organizando as
principais informações obtidas em cada uma das questões, com cada um dos entrevistados. Este
quadro mostra, para cada questão feita na entrevista, as principais ideias expressas nas respostas
dos entrevistados. Segundo Pádua (2004), este quadro referencial auxilia o pesquisador na
categorização e análise dos dados coletados.
Tendo em vista que esta análise não tem o objetivo de generalizar as informações
obtidas e nem tampouco de comparar as concepções dos dois professores entrevistados, optou-se
por não categorizar os dados coletados, pois esta categorização com apenas duas entrevistas
28
acabaria por uni-las em uma única categoria (generalizando os resultados) ou separando-as em
duas categorias, levando a uma comparação. Portanto, este quadro tem a função apenas de
organizar e sintetizar os dados coletados, possibilitando uma melhor visualização ao leitor do
trabalho, bem como facilitar a análise pelo pesquisador.
29
4. RESULTADOS E ANÁLISE
O quadro a seguir mostra os principais resultados obtidos nas entrevistas,
sintetizando as respostas dos dois professores entrevistados, para cada uma das perguntas feitas.
A transcrição das entrevistas, na íntegra, pode ser vista no anexo I.
Tabela 1 – Respostas obtidas nas entrevistas, de forma sintetizada.
Pergunta
Professor A
Professor B
Sim – uso muito.
Sim – trabalho com isso.
O que entende por
Conhecimento que o aluno já
Conhecimento que o aluno já
conhecimentos prévios?
tem.
tem – várias fontes.
Já ouviu falar em
conhecimentos prévios?
Os alunos sempre têm
conhecimentos prévios?
Nem sempre tem
conhecimentos prévios –
conteúdos mais “difíceis”.
Considera os conhecimentos
Sim – para a aula não se
prévios importantes? Por quê?
tornar apenas expositiva.
Como e quando é possível
Início da aula.
mobilizar os conhecimentos
Conversa, participação dos
prévios?
alunos.
Exemplo prático de utilização
dos conhecimentos prévios.
Células, fotossíntese, órgãos.
Quais as dificuldades que
podem ser encontradas nessa
alunos quando estas estão
erradas?
prévios.
Sim - para fazer as relações e
a aprendizagem ser mais
eficiente.
Início do conteúdo novo.
Individual / coletivo.
Mapas conceituais, desenhos,
textos, conversas.
Projetos – mapas conceituais.
Aluno não tem consciência
Ideias equivocadas.
exploração?
Como corrigir as ideias dos
Sempre tem conhecimentos
daquilo que sabe; medo de
errar.
Perguntas – mostrar por que
está errado.
Registrar e retomar os
conhecimentos prévios no
final – verificar mudanças.
30
Nota-se que ambos os professores entrevistados responderam que já tinham ouvido
falar em conhecimentos prévios, ressaltando que trabalham com este conceito em suas aulas.
Quando foi perguntado o que eles entendiam por conhecimentos prévios, o professor A
respondeu que “é o conhecimento que o aluno já tem sobre a informação que vai ser discutida
em sala de aula”. A resposta do professor B foi semelhante, porém um pouco mais completa: “É
um conjunto de conhecimentos que os alunos trazem de maneira formal ou do dia-a-dia. Muitas
vezes eles já aprenderam na escola mesmo, e outras vezes eles têm algum conhecimento que eles
trazem da vida deles, já ouviram falar, já viveram alguma coisa, já viram na TV, algum
documentário...”.
Ambas as respostas condizem com os referenciais estudados. De acordo com
vários autores, dentre eles Miras (2006) e Campos e Nigro (1999), os conhecimentos prévios são
aqueles conhecimentos que os alunos já possuem sobre o conteúdo que se propõe aprender. Miras
(2006) também afirma que a origem dos conhecimentos prévios é bastante variada, podendo ser
desde conhecimentos adquiridos no próprio meio escolar até informações advindas do meio
familiar, de grupos de amigos, ou em fontes como leitura, televisão, cinema, Internet etc.
Em relação à terceira pergunta, o professor A disse que para certos conteúdos,
alguns alunos não possuem conhecimentos prévios: “quando você vai começar um conteúdo
muito difícil, às vezes eles nunca ouviram falar” e explica que isso acontece “quando o conteúdo
é muito distante da realidade, do dia-a-dia deles”. Já o professor B respondeu que os alunos
sempre têm conhecimentos prévios: “eles sempre têm algum conhecimento prévio que é
significativo para aquele conteúdo que você vai trabalhar”. Além disso, o professor B também
justificou esta fala afirmando que “se o aluno não tiver nenhum conhecimento, ele não ‘tá’
preparado, não ‘tá’ pronto pra trabalhar aquele conteúdo. Por que tem as relações, ele tem que
fazer essas relações com alguma coisa que já venha prévia”.
31
Diversos autores, como Miras (2006), Bizzo (2007), Bastos (2005), Campos e
Nigro (1999) e outros defendem a ideia de que os alunos sempre têm algum conhecimento prévio
sobre o assunto que será ensinado. A justificativa utilizada pelo professor B também se aproxima
dos autores explanados no que diz respeito às “relações” citadas pelo mesmo. Essa ideia do
professor pode ser embasada pela afirmação de Miras (2006), que diz que o aprendizado é
resultado de uma atividade mental construtiva que não pode ser realizada no vácuo, e que essa
construção do conhecimento não começa do zero, nem mesmo nos momentos iniciais da
escolaridade. Mizukami (1986) também defende esta ideia, dizendo que no processo de
aprendizagem nunca há um começo absoluto, pois tudo o que assimilado sempre o é a um
esquema mental anterior. Assim, mesmo sem falar em construção do conhecimento, o professor
B expressa em sua fala que considera importante as relações entre o que o aluno já sabe e aquilo
que está sendo ensinado.
Quando foram questionados sobre a importância dos conhecimentos prévios,
ambos os professores responderam que os consideram muito importantes. O professor A disse
que os conhecimentos prévios são importantes por que “caso contrário a gente acaba fazendo o
que a gente chama de aula expositiva apenas. Simplesmente dá o conteúdo da sua maneira e não
aproveita nada do conhecimento deles e da maneira como eles vêem o assunto que é abordado”.
Já o professor B, afirmou que “é fundamental por que o aprendizado só faz sentido se a gente
conseguir fazer as relações com o conhecimento que a gente já tem”.
Ambas as respostas se aproximam dos referenciais utilizados, mas de maneiras
diferentes. O professor A não discute especificamente a importância dos conhecimentos prévios
para o processo de ensino-aprendizagem, mas sim as consequências de não levá-los em conta. O
que o professor descreve como “aula expositiva” e “dar o conteúdo do seu jeito” fazem uma forte
referência à abordagem tradicional do ensino, a qual, segundo Mizukami (1986) caracteriza-se
32
pela transmissão de informações prontas aos alunos, os quais são vistos como receptores passivos
desta informação, que deve ser memorizada e reproduzida. Nesta concepção de ensino, a
exploração dos conhecimentos prévios dos alunos torna-se desnecessária, pois, como afirmou o
professor, as aulas são apenas expositivas e não levam em conta aquilo que os alunos pensam. É
importante ressaltar, no entanto, que não é possível caracterizar um ensino apenas como
tradicional ou não-tradicional, uma vez que cada prática apresenta características das diversas
abordagens do ensino propostas por diversos autores, dentre eles Mizukami (1986).
Já a resposta do professor B, novamente faz referências às “relações” entre o novo
conteúdo e aquilo que o aluno já sabe. Miras (2006) afirma que a possibilidade de assimilar um
novo conteúdo, passa necessariamente pela possibilidade de entrar em contato com o mesmo, o
que o aluno faz munido com uma série de conceitos, concepções e representações, adquiridos
com suas experiências anteriores, os quais serão determinantes na seleção das informações, na
organização das mesmas e no tipo de relações que serão feitas entre elas. Zabala (2002) também
destaca que o grau de aprendizado está diretamente relacionado com a quantidade e qualidade
dos vínculos que podem ser formados entre os conhecimentos que a pessoa já possui e os novos
conteúdos.
Após a importância dos conhecimentos prévios, os professores foram questionados
a respeito de como e quando essa averiguação deve ser feita. Em relação a “quando”, ambos
responderam que consideram interessante fazer no início da aula com um novo conteúdo.
Miras (2006) diz que essa averiguação pode ser feita em qualquer momento que o
professor julgar importante, mas que, em geral, é bastante útil no início de um novo conteúdo.
Campos e Nigro (1999) também ressaltam a importância de se iniciar o estudo de qualquer
assunto das Ciências Biológicas com estratégias para saber o que os alunos já sabem ou pensam a
33
respeito, assim como Bizzo (2007), que destaca esta relevância por que muitas vezes os próprios
alunos não tem consciência do que já sabem.
Já em relação ao “como fazer”, o professor A respondeu que conversando com os
alunos e “ir perguntando sempre pra eles se já ouviram falar”. Em outra resposta (da primeira
pergunta), o professor havia dito que “quando os alunos são pequenos, eles fazem um relato
sobre o que eles já conhecem sobre o assunto, por escrito. Mas no meu caso [Ensino Médio], a
gente vai conversando, falando com eles durante a aula”. O professor B, por sua vez, disse que
“pode fazer de várias formas (...) coletivo, então o grupo todo traz suas ideias e coloca na lousa,
através de um mapa conceitual, por exemplo, com os conhecimentos que cada um tem, tentando
relacionar esses conhecimentos do grupo; de maneira individual também, pode ser com um texto,
um desenho; ou em dupla”. E disse que esta escolha “depende sempre do objetivo que a gente
tem para aquele grupo e aquele assunto”.
Miras (2006) afirma que o levantamento dos conhecimentos prévios pode ser feito
tanto a partir de instrumentos fechados, como listas, questionários, mapas, redes, quanto de
instrumentos abertos, como conversas entre o professor e os alunos. A autora, assim como Bizzo
(2007), também diz que, em geral, os instrumentos fechados são mais eficazes para alunos mais
velhos, enquanto que as conversas costumam ser mais proveitosas para alunos mais novos.
Nota-se que as respostas dos entrevistados foram “inversas” a essas ideias dos
autores: o professor do Ensino Médio opta por instrumentos abertos, enquanto que o professor do
Ensino Fundamental prefere os instrumentos fechados. Essa, porém, é uma escolha que depende
de diversos fatores, como a experiência profissional e os objetivos que se tem para cada grupo, de
forma que o que é explanado por Miras (2006), Bizzo (2007) e outros autores acaba servindo
como uma sugestão, e não como uma regra para os professores.
34
Vale ressaltar, também, que é muito difícil, a não ser individualmente e por
escrito, saber o que cada aluno pensa, uma vez que, nas conversas com a sala ou mesmo em
atividades escritas feitas em grupos, não são todos os alunos que se manifestam e expõem suas
ideias. Assim, volta-se à questão dos objetivos, citada pelo professor B, e que é salientada por
Miras (2006) e por Rosa (2003), como forte determinante na escolha de quais conhecimentos
prévios são mais importantes para certo assunto, como e quando explorá-los e utilizá-los.
Também foi perguntado aos professores quanto a possíveis dificuldades que
podem ser encontradas na exploração dos conhecimentos prévios dos alunos. O professor A
respondeu que “às vezes os alunos tem uma visão tão distorcida que foge ao que é a realidade. É
complicado, muitas vezes, a gente ter que desfazer esta ideia que os alunos têm”. Já as
dificuldades apontadas pelo professor B foram que “às vezes o aluno não tem consciência
daquilo que ele já conhece” e que o “aluno ‘tá’ sempre buscando acertar, que tem muito medo de
errar, então a gente tem essa dificuldade de mostrar pra eles que eles têm essa possibilidade de
pensar e falar o que eles realmente pensam”. Todas essas dificuldades levantadas pelos
professores entrevistados também são apontadas pelos autores estudados.
Um dos principais motivos levantados por Miras (2006) e Campos e Nigro (1999)
que sustentam a importância de se conhecer o que os alunos pensam é que as ideias prévias dos
alunos podem ser total ou parcialmente errôneas, o que pode levar a uma aprendizagem
fundamentalmente de memória ou a conexões equivocadas entre aquilo que o aluno pensa e o que
está sendo ensinado. Campos e Nigro (1999), Zabala (2002) e Bastos (2005) afirmam que esta
diferença entre as concepções iniciais dos alunos, que muitas vezes podem ser errôneas, acontece
por que a interpretação e organização das informações é completamente pessoal, o que explica o
fato de crianças da mesma idade terem ideias totalmente distintas sobre um mesmo assunto,
apesar de terem acesso ao mesmo tipo de informação.
35
Campos e Nigro (1999) apontam como um possível “problema” na questão dos
conhecimentos prévios algo que chama de “síndrome da resposta certa”. A enraizada concepção
tradicional de ensino, baseada na memorização e reprodução de informações prontas, muitas
vezes faz com que os alunos tenham medo de errar, e por isso, quando o professor faz uma
pergunta, procuram responder aquilo que é esperado deles, utilizando-se de frases decoradas,
livros didáticos e anotações feitas no caderno, mas “esquecendo-se” de suas concepções próprias,
e não revelando aquilo que realmente pensam ou sabem. Assim como Campos e Nigro (1999),
Miras (2006) ressalta que é importante que, nesses momentos, o professor deixe claro que não se
trata de uma avaliação para a qual será dada uma nota, mas sim como uma “fonte de dados” para
o professor. Isso é muito importante, pois uma pesquisa feita por Nussbaum (1989 apud Campos
e Nigro, 1999) mostra que, de fato, nem sempre aquilo que o aluno pensa corresponde ao que ele
diz.
Finalmente, foi perguntado aos professores como se deve agir para “corrigir” as
ideias prévias dos alunos, quando estas estão erradas. O professor A respondeu que “através de
trabalhos, de perguntas, e ir mostrando pra eles por que está errado”. E explicou essa resposta
com um exemplo: “O aluno muitas vezes acha que a planta faz fotossíntese e o animal respira
(...) [mostrar para eles que] o processo de respiração é importante, e que se a planta é um ser
vivo, ela tem que de alguma maneira produzir energia, que é uma das características de seres
vivos, e o gasto de alguma coisa, de algum combustível que ele vai ter pra produzir energia”.
O professor B, por sua vez, disse que “registrar com eles [os alunos] todos os
conhecimentos prévios, a gente coloca uma interrogação naquilo que a gente não tem muita
certeza, e depois de terminar o conteúdo a gente retoma, verificando os conhecimentos prévios,
será que aquilo tudo o que eu pensava continua então ou mudou alguma coisa, e por que”.
36
Campos e Nigro (1999) e Bastos (2005) abordam a “substituição” das concepções
iniciais dos alunos em termos de “mudança conceitual” e ressaltam que isso não é conseguido
através do acúmulo de informações, como ocorre no ensino tradicional. Os autores afirmam que
para que esta substituição ou reformulação seja mais significativa, é importante criar uma
situação de conflito cognitivo, isto é, propor uma atividade ou problema que exija mais daquela
ideia dos alunos, levando-os a perceber que seus conhecimentos prévios não são coerentes o
suficiente para explicar o fenômeno, e assim, buscam uma explicação que seja mais plausível e
proveitosa. As respostas dos professores, especialmente do professor A, se aproxima desta
questão em alguns aspectos, quando ele afirma que é preciso mostrar para os alunos por que está
errado, conversando com eles, fazendo perguntas e problemas que seus conhecimentos prévios
não deem conta de responder.
Porém, um outro ponto destacado por Campos e Nigro (1999) não é explicitado na
fala do professor A: é que, no momento de fazer essa mudança conceitual, é importante não
desprezar as ideias dos alunos, para não desestimulá-los. Assim, é preciso fazê-los perceber que
podem existir explicações mais coerentes que as suas, e não simplesmente mostrá-los que as suas
ideias estão erradas.
Além disso, no discurso do professor A, parece que a maior parcela de
responsabilidade nesta mudança cabe ao próprio professor, o que reduz a importância das ideias
dos alunos na construção do conhecimento e remete a características do ensino tradicional, no
qual, segundo Mizukami (1986) o professor está e um nível acima do aluno, ocupando papel
central no processo de ensino-aprendizagem.
O professor B não aborda especificamente essa mudança conceitual, mas, embora
com uma resposta um tanto vaga, comenta um aspecto importante destacado por Miras (2006),
que é registrar as ideias inicias e retomá-las no final ou mesmo durante o conteúdo, a fim de
37
verificar se houve mudanças, quais e porque. Miras (2006) e Zabala (2002) afirmam que a
constante atualização dos conhecimentos prévios é fundamental para o processo de ensinoaprendizagem, e que as introduções, resumos, sínteses e recapitulações periódicas são bons
momentos para que ocorra essa atualização, ou seja, para que o aluno consiga estabelecer novas
relações entre o novo conteúdo e seus conhecimentos prévios.
A partir das respostas obtidas nas entrevistas, pode-se perceber que ambos os
professores participantes possuem concepções interessantes a respeito dos conhecimentos prévios
dos alunos e de sua importância no processo educativo, muitos deles aproximando-se bastante
dos autores estudados como referencial.
Contudo, em alguns detalhes de suas respostas (principalmente do professor A),
nota-se a presença de ideias características da abordagem tradicional do ensino, o que era
bastante esperado nesta pesquisa, tendo em vista que os professores lecionam em uma escola cujo
ensino é predominantemente tradicional.
É importante destacar que os conhecimentos prévios são apenas uma das facetas
do processo educativo, e que, além destes, há inúmeros outros aspectos que devem ser
considerados para que o processo de ensino-aprendizagem seja o mais eficaz possível.
38
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os objetivos propostos para esta pesquisa, a partir das entrevistas
analisadas, percebe-se que os dois professores entrevistados possuem concepções relativamente
corretas em relação aos conhecimentos prévios dos alunos e sua importância no processo de
ensino-aprendizagem, embora algumas divergências tenham sido evidenciadas quanto à
importância, forma de utilização e dificuldades de exploração dos mesmos.
Embora os dois tenham uma concepção correta daquilo que são os conhecimentos
prévios, o professor A disse que nem sempre os alunos os têm, dependendo do nível de
dificuldade do novo conteúdo que será ensinado. Em relação à importância dos conhecimentos
prévios, ambos os professores os consideram importantes. O professor A justifica esta
importância devido ao fato de que, sem os conhecimentos prévios, aula se torna expositiva,
enquanto o professor B diz que são importantes por conta das relações que os alunos fazem entre
aquilo que já sabem e o novo conteúdo. Quanto ao momento de se explorar os conhecimentos
prévios dos alunos, os dois professores disseram fazê-lo no início de um novo conteúdo, e o
professor B citou alguns instrumentos além da conversa com os alunos que podem ser usados
para se fazer este levantamento. Por fim, em relação às dificuldades encontradas pelos
professores e à forma de se “corrigir” as ideias dos alunos, as respostas dos professores foram
diferentes entre si, embora ambas se aproximem dos referenciais estudados.
Muitas das dificuldades e das diferenças entre as respostas dos dois professores
podem encontrar sua fundamentação em características do ensino tradicional, as quais são
bastante presentes não só no colégio onde lecionam os professores em questão, mas na maior
parte do ensino brasileiro.
39
Por uma questão de enfoque da pesquisa e também de tempo para a realização da
mesma, não foi perguntado aos professores sobre os “perfis conceituais” de Mortimer (2000), o
que pode explicar o fato de nenhum dos professores terem citado ideias semelhantes a esta.
Essa pesquisa não serve para – e nem tem como objetivo – generalizar as
informações e conclusões, uma vez que teve um espaço amostral bastante reduzido, devido ao
seu enfoque qualitativo. Pesquisas posteriores podem ser feitas com mais professores, de colégios
públicos e particulares, e de diferentes regiões, para que se possa obter dados mais amplos dando
um enfoque mais quantitativo à pesquisa e até mesmo generalizar relativamente as conclusões.
40
REFERÊNCIAS
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validade nas abordagens qualitativas. In: LUDKE, M., ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em
Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 2003. p.45-53
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ciências. Série Educação para a ciência. São Paulo: Escrituras, 2005. p.9-25
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ciências: o ensino-aprendizagem como investigação. São Paulo: FTD, 1999. p.78-97
CARVALHO, A.M.P. “Critérios estruturantes para o ensino de ciências” In: ______ “Ensino de
Ciências: Unindo a Pesquisa e a Prática”. São Paulo: Thomsom Pioneira, 2004. p.1-14
LUDKE, M., ANDRÉ, M.E.D.A. Métodos de Coletas de dados: observação, entrevista e análise
documental. In: ______ Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU,
2003. p.25-44
MIRAS, M. O ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos: os conhecimentos
prévios. In: COLL, C. O construtivismo em sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 2006. p.5776
41
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Horizonte: Editora UFMG, 2000
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: ______ (Org.). Os professores e
sua formação. Portugal: Dom Quixote, 1995. p.15-33
PÁDUA, E. M. M. O processo de pesquisa. In:______ Metodologia da pesquisa: abordagem
teórico-prática. 10. ed. Campinas: Papirus, 2004. p.31-96
ROSA, S.S. Construtivismo e mudança. São Paulo: Cortez, 2003.
ZABALA, A. Concepção de aprendizagem e enfoque globalizador. In:______ Enfoque
globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
42
ANEXO I
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
1-) Professor A
P- Você já ouviu falar sobre conhecimentos prévios?
R- Já e uso muito.
P- E o que você entende por conhecimentos prévios?
R- É o conhecimento que o aluno já tem sobre a informação que vai ser discutida em sala de aula.
Então eu procuro sempre começar uma aula com umas perguntas pra eles. Geralmente quando os
alunos são pequenos, eles fazem um relato sobre o que eles já conhecem sobre o assunto, por
escrito. Mas no meu caso não, a gente vai conversando, falando com eles durante a aula.
P- Na sua opinião, os alunos sempre tem conhecimentos prévios?
R- Não, alguns conteúdos eles não tem, mas alguns [alunos] já ouviram falar sobre alguma coisa,
já ouviram falar e tem uma visão muitas vezes distorcida do que é realmente o assunto que vai
começar.
P- Em que casos você diria que o aluno não possui conhecimentos prévios?
R- Ah... agora não consigo pensar em nenhum exemplo, mas quando você vai começar um
conteúdo muito difícil, as vezes eles nunca ouviram falar, quando você pergunta o que eles já
ouviram falar daquele assunto, o que eles sabem, etc, e eles não tem nenhuma base, quando o
conteúdo é muito distante da realidade, do dia-a-dia deles, entendeu?
P- Você considera importante explorar os conhecimentos prévios dos alunos, e por que?
43
R- Sem dúvida, por que caso contrário a gente acaba fazendo o que a gente chama de aula
expositiva apenas. Simplesmente dá o conteúdo da sua maneira e não aproveita nada do
conhecimento deles e da maneira como eles vêem o assunto que é abordado.
P- Como é possível mobilizar estes conhecimentos prévios dos alunos e em que
momentos você acha que isso deve ser feito?
R- Eu acho que sempre deve ser feito no começo de aula. Eu acredito muito nessa coisa de ver o
que eles já sabem sobre o assunto pra fazer aquela aula, e ir perguntando sempre pra eles se já
ouviram falar, tudo. Por que, por exemplo, você vai tratar de algum órgão, tem uma doença
relacionada a ele, então eles já ouviram falar sobre esse órgão, e assim por diante.
P- E como você acha que é possível fazer essa mobilização?
R- Eu acho que quando o aluno participa da aula, a aula se torna mais interessante. E quando ela
é abordada da maneira que o aluno vê o assunto, que ele sabe, você tem condições de aprofundar
ainda mais o conhecimento que ele já tem. Por que, como eu já falei, eu faço com os meus alunos
mais conversando mesmo, normalmente não peço nada escrito, então se eles participam da
conversa, a aula fica melhor.
P- Você tem algum exemplo prático de utilização destes conhecimentos prévios? Não
necessariamente em suas aulas, mas algum que poderia ser feito?
R- Ah, eu acho que em qualquer uma, eu sempre utilizo. Por exemplo, vai, vamos falar... as vezes
eles não viram uma célula, ou as vezes eles até já viram né, quando eles chegam no ensino médio.
E aí você vai tirando mesmo, daquilo que eles já sabem, como que é a célula, pra você poder ir
aprofundando o assunto com eles. E com isso você mostra que tem a ver com a evolução, o
processo de formação dos seres vivos, sempre relacionando com o que eles já sabem.
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P- Quais as possíveis dificuldades que você acha que podem ser encontradas nessa
questão de explorar os conhecimentos prévios?
R- Às vezes sim, às vezes os alunos tem uma visão tão distorcida que foge ao que é a realidade. É
complicado, muitas vezes, a gente ter que desfazer esta ideia que os alunos têm. Por exemplo: o
aluno muitas vezes acha que a planta faz fotossíntese e o animal respira, e ele não percebe que a
planta também respira, e respira durante a noite e o dia. Então isso é uma visão distorcida que
aparece nos alunos e é muito difícil de você tirar essa ideia.
P- E assim, nesse caso, quando você fez a exploração dos conhecimentos prévios e
percebe que eles estão errados, como você acha que o professor deve agir para
“corrigir” esses conhecimentos?
R- Eu acho que através de trabalhos, de perguntas, e ir mostrando pra eles por que está errado...
Usando o mesmo exemplo, que o processo de respiração é importante, e que se a planta é um ser
vivo, ela tem que de alguma maneira produzir energia, que é uma das características de seres
vivos, e o gasto de alguma coisa, de algum combustível que ele vai ter pra produzir energia. E aí
você mostra essas coisas pra eles perceberem onde tá errado e por que. Então aí a gente entra
através da análise mesmo, da reação que é o processo respiratório.
2-) Professor B
P- Você já ouviu falar em conhecimentos prévios?
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R- Sim, já ouvi e trabalho bastante com este conceito.
P- E o que você entende por conhecimentos prévios?
R- É um conjunto de conhecimentos que os alunos trazem de maneira formal ou do dia-a-dia.
Muitas vezes eles já aprenderam na escola mesmo, e outras vezes eles têm algum conhecimento
que eles trazem da vida deles, já ouviram falar, já viveram alguma coisa, já viram na TV, algum
documentário...
P- Na sua opinião, os alunos sempre tem conhecimentos prévios, ou você acha que você
pode começar algum assunto, talvez muito difícil e que eles nunca vão ter ouvido
falar, não vão ter nenhuma base?
R- Não, eles sempre têm algum conhecimento prévio que é significativo para aquele conteúdo
que você vai trabalhar. Se o aluno não tiver nenhum conhecimento, ele não tá preparado, não tá
pronto pra trabalhar aquele conteúdo. Por que tem as relações, ele tem que fazer essas relações
com alguma coisa que já venha prévia.
P- Você considera importante explorar os conhecimentos prévios dos alunos, e por quê?
R- Eu acho que é fundamental por que o aprendizado só faz sentido se a gente conseguir fazer as
relações com o conhecimento que a gente já tem. Por que se a gente não tiver um conhecimento
que seja significativo, pra criança, pro adulto, ele não faz essa relação que é importante.
P- Como é possível mobilizar esses conhecimentos prévios e em que momento você acha
que deve ser feita essa exploração? Como e quando?
R – A partir do momento que você já imagina trabalhar algum conteúdo, você precisa fazer o
levantamento dos conhecimentos prévios, antes do conteúdo. Ou você não consegue identificar
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qual foi o conteúdo que o aluno aprendeu naquele momento ou que ele já trazia, por que aí as
coisas se confundem muito, né. A gente pode fazer no começo das aulas com o conteúdo novo.
P- Certo, e como você acha que isso pode ser feito esse levantamento? Com que
instrumentos, de que forma?
R- A gente pode fazer de várias formas, eu faço muitas vezes coletivo, então o grupo todo traz
suas ideias e coloca na lousa, através de um mapa conceitual, por exemplo, com os
conhecimentos que cada um tem, tentando relacionar esses conhecimentos do grupo; de maneira
individual também, pode ser com um texto, um desenho; ou em dupla... Dependendo sempre do
seu objetivo que a gente tem para aquele grupo e aquele assunto.
P- Você tem algum exemplo prático de utilização dos conhecimentos prévios?
R- Quando a gente trabalha projeto, a gente utiliza muito isso. Eu costumo buscar
individualmente os conhecimentos prévios, aí esses alunos que fizeram um mapa conceitual
individualmente, eles passam para o grupo através de um mapa conceitual coletivo. Então no
projeto isso é bastante interessante por que a gente sempre junta conhecimentos de várias áreas e
isso enriquece bastante o trabalho.
P- Quais as possíveis dificuldades que você pode encontrar nesse momento de explorar
os conhecimentos prévios dos alunos? Se tiver dificuldades.
R- Eu não vejo muita dificuldade. Eu percebo que às vezes o aluno não tem consciência daquilo
que ele já conhece. Muitas vezes a gente tem um aluno que tá sempre buscando acertar, que tem
muito medo de errar, então a gente tem essa dificuldade de mostrar pra eles que eles têm essa
possibilidade de pensar e falar o que eles realmente pensam. E muitas vezes não é tão direta a
relação, mas tem uma relação com o que a gente tá tentando buscar naquele conteúdo.
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P- E quando você faz esse levantamento dos conhecimentos prévios e percebe que eles
estão errados, como você acha que o professor deve agir para lidar com isso?
R- Eu acho interessante que fique bem marcado pro aluno não ter aquela ideia daquele
conhecimento errado que fique na dúvida, “não sei se era certo ou era errado, sabe? Alguma coisa
‘tava’ certa, alguma coisa ‘tava’ errada, mas não lembro o que”. E isso muitas vezes acontece.
Então eu costumo registrar com eles todos os conhecimentos prévios, a gente coloca uma
interrogação naquilo que a gente não tem muita certeza, e depois de terminar o conteúdo a gente
retoma, verificando os conhecimentos prévios, será que aquilo tudo o que eu pensava continua
então ou mudou alguma coisa, e por que. Então a gente trabalha com os conhecimentos prévios
no início, mas retoma no final do conteúdo ou durante o processo pra poder verificar se teve
alguma mudança, que sempre tem né, por que se não tiver não tem sentido a gente trabalhar com
aquele conteúdo, por que ou eles já sabiam tudo, ou não aprenderam nada.
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ANEXO II
CARTA DE APROVAÇÃO DA COMISSÃO INTERNA DE ÉTICA EM PESQUISA
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Conhecimentos Prévios