Doações eleitorais: qual é o teto para empresas? - Jus Navigandi
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Doações para campanhas eleitorais: o art. 23, §7º, da Lei nº 9.504/97 e a sua
inaplicabilidade às pessoas jurídicas
Doações para campanhas eleitorais: o art. 23, §7º, da Lei nº 9.504/97 e a sua inaplicabilidade às pessoas jurídicas
Thomás Luz Raimundo Brito
Publicado em 10/2014. Elaborado em 10/2014.
O presente trabalho tem, como escopo, analisar o alcance do art. 23, §7º, da Lei 9504/97,
considerando-se a necessidade de discutir o teto para as doações eleitorais das pessoas jurídicas.
A Lei 9504/97 estabelece as normas para as eleições pátrias. O art. 23, do referido diploma legal, prevê os limites para doações de
pessoas físicas para as campanhas eleitorais. Nesse passo, o §7°, do art. 23, dispõe, in verbis:
“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis
em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:
I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos
auferidos no ano anterior à eleição;
(...)
§ 7o O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis
em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de
propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$
50.000,00 (cinquenta mil reais)”.
Depreende-se do texto legal, acima, transcrito que:
1. em regra, a pessoa física, somente, pode doar, para campanhas eleitorais, o montante equivalente a 10% dos rendimentos
brutos auferidos no ano anterior ao pleito eleitoral;
2. se a doação for estimável em dinheiro e relacionada a bens do doador, resta afastado o limite de 10% dos rendimentos
brutos do ano anterior à eleição, desde que a doação não seja superior a cinquenta mil reais.
Por seu turno,o art. 81, da citada lei, fixa as balizas para as doações efetivadas por pessoas jurídicas e, no §1°, prevê, litteris:
“Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas
eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros
dos partidos ou coligações.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a
dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição”.
Nota-se, portanto, que a Lei das Eleições, no que tange às pessoas jurídicas, não excepcionou as doações estimáveis em dinheiro.
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Destarte, surge a seguinte indagação: as doações estimáveis em dinheiro, efetuadas por pessoas jurídicas para pleitos eleitorais, pode
ultrapassar o limite legal (de 2% do faturamento bruto do ano anterior às eleições), desde que limitadas ao montante de cinquenta
mil reais?
O tema tem suscitado divergência. Uma corrente jurídica inclina-se a reconhecer, com fundamento basicamente no princípio da
isonomia, a possibilidade de aplicação do art. 23, §7º, da Lei nº 9.504/97, às pessoas jurídicas.
Nessa linha de intelecção, confiram-se os seguintes precedentes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia [1 ] :
“Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Jurídica.
Eleição 2010. (...) Doação estimável em dinheiro. Uso de bem móvel.
Interpretação extensiva do art. 23, §7º da Lei nº 9.504/97. Princípio da
igualdade. Descaracterização do excesso. Provimento.
Dá-se provimento ao recurso, haja vista que a empresa comprovou,
através de informações retificadoras, a compatibilidade do faturamento do
ano anterior ao pleito e a doação por ela realizada, e, ainda, considerando
uma interpretação extensiva da norma do art. 23, §7º da Lei nº 9.504/97,
que não se restringe apenas para pessoas físicas, pelo que a doação
estimável em dinheiro na quantia de R$12.000 (doze mil reais), atinente à
utilização de bem móvel, não caracteriza qualquer excesso, afastando a
incidência da multa a que alude o art. 81, §2º da Lei nº 9.504/97”.
(REPRESENTACAO nº 118546, Acórdão nº 58 de 29/01/2014, Relator(a)
JOSÉ WANDERLEY OLIVEIRA GOMES, Publicação: DJE - Diário da
Justiça Eletrônico, Data 7/2/2014 )
Recurso Eleitoral. Representação. Doação de recursos para campanha
eleitoral (…). Interpretação extensiva do art. 23, §7°, da Lei 9504/97.
Aplicação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e razoabilidade.
(...).
(…).
Tendo em vista que o art. 23, §7°, da Lei 9504/97 estabelece que não se
aplicam os limites às doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização
de bens móveis e imóveis de propriedade do doador, quando estas não
ultrapassem o valor de R$ 50.000 (cinquenta mil reais), norma que não
deve ser adstrita às pessoas físicas, em detrimento das jurídicas por violar
o princípio da igualdade, dá-se provimento ao recurso, afastando-se as
sanções impostas” (Acórdão n° 953/2013, Rel. Juiz Maurício Kertzman
Szporer)
Por outro lado, corrente jurídica diversa sustenta que o limite para as doações eleitorais das pessoas jurídicas cinge-se a dois por
cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição, sendo inaplicável o disposto no art. 23, §7°, da Lei 9504/97.
Seguimos a segunda corrente de pensamento. Com efeito, por opção legislativa, o dispositivo legal, acima indicado, é excepcional e
restrito às pessoas físicas. No particular, cabe frisar que a exceção inserta no art. 23, §7°, foi definida pela Lei 12.034/2009, a qual,
em relação às pessoas jurídicas se limitou a incluir o §4° ao art. 81, definindo o rito e o prazo recursal para as representações
relacionadas às doações acima do limite permitido.
Ora, caso o legislador quisesse estender às pessoas jurídicas a exceção relacionada às doações estimáveis em dinheiro, teria a
incluído em um dos parágrafos do art. 81, da Lei 9504/97.
Sobreleve-se, por oportuno, que não é possível recorrer à analogia, pois esta, somente ocorre quando há lacuna legal, o que não se
verifica in casu, pois a lei definiu, expressamente, o limite para as doações eleitorais de pessoas jurídicas.
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Destarte, não pode o intérprete efetuar, ao seu próprio talante, interpretações de cunho extensivo ou analógica, ampliando norma
que apresenta exceção à regra geral.
Ponha-se, em relevo, outrossim, que os limites às doações para campanhas eleitorais visam a conferir maior controle, sobre a lisura
e equidade do pleito. Deste modo, há uma tendência a limitar a doação de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais, com o
escopo de evitar a interferência do poder econômico nas eleições e na vontade do eleitor.
Nessa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da ADI 4650, que trata da possibilidade de pessoas
jurídicas doarem a partidos e campanhas.
Sobreleve-se, ainda, que cinco eminentes Ministros da Suprema Corte emitiram voto no sentido declarar a inconstitucionalidade do
art. 24, da Lei 9504/97, na parte em que autoriza a contrario sensu a doações por pessoas jurídicas a partidos políticos e
campanhas.
Cabe transcrever, a propósito, trechos do voto do Ministro Marco Aurélio, no bojo do julgamento da mencionada ADI [2 ] :
“[e]stamos vivenciando momento histórico. O financiamento privado das
campanhas eleitorais e dos partidos políticos é problema de grande
amplitude e não tem permitido que a democracia firme-se, no Brasil,
como direito fundamental plenamente conquistado.
Pode ser direito de todos se tantos estão alijados do processo político?
Como falar em soberania popular e autogoverno se impera uma
representatividade política tão frágil? Consoante afirmou o professor
Timothy Kuhner, se a democracia é um direito fundamental, então, a
plutocracia, que vigora no sistema político-eleitoral, é a violação desse
direito fundamental, sendo o afastamento de transgressões dessa natureza
o ofício mais dignificante do Supremo Tribunal Federal como instituição
republicana e democrática”.
A derradeiro, realce-se que o Tribunal Superior Eleitoral firmou compreensão no sentido de que o art. 23, §7°, da Lei 9504/97 não
se aplica às pessoas jurídicas. Traz-se à colação os seguintes julgados da Corte Superior Eleitoral[3 ] :
“ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. DOAÇÃO. LIMITE.
PREENCHIMENTO DE RECIBO. EQUÍVOCO. REEXAME DE FATOS E
PROVAS. SÚMULAS 7/STJ E 279/STF. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM
DINHEIRO. ART. 23, § 7º, DA LEI Nº 9.504/97. PESSOA JURÍDICA.
INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. A modificação do
entendimento do acórdão recorrido de que o suposto equívoco no
preenchimento de recibo não teria sido comprovado demandaria reexame
de fatos e provas, vedado pelas Súmulas nos 7/STJ e 279/STF. 2. A
previsão de que doações estimáveis em dinheiro de valor até R$
50.000,00 não se submetem ao limite legal (art. 23, § 7º, da Lei nº
9.504/97) somente é aplicável a pessoas naturais, não a pessoas jurídicas.
3. Agravo regimental ao qual se nega provimento”. (TSE - AgR-AI: 29928
SP , Relator: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de
Julgamento: 11/03/2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça
eletrônico, Tomo 65, Data 04/04/2014, Página 78)
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“ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.
REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA
JURÍDICA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MERA TRANSCRIÇÃO DE
EMENTA. DECISÃO
MONOCRÁTICA. IMPOSSIBILIDADE
DE
APRECIAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. ART. 81 DA LEI Nº 9.504/97.
DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. INAPLICABILIDADE DO ART.
23, § 7º. INOVAÇÃO DE TESES. impossibilidade. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A demonstração do dissídio
jurisprudencial não se contenta com meras transcrições de ementas, sendo
absolutamente indispensável o cotejo analítico de sorte a demonstrar a
devida similitude fática entre os julgados. 2. Decisão monocrática não se
presta à configuração de divergência jurisprudencial. 3. Consoante o
entendimento desta Corte, o artigo 23, § 7º, da Lei nº 9.504/97 não é
aplicável às pessoas jurídicas, cujas doações estão limitadas ao montante
de 2% do faturamento bruto anual (artigo 81, § 1º, da Lei das Eleicoes). 4.
A alegação de ilicitude das provas carreadas aos autos não pode ser
conhecida, porquanto não foi aduzida nas razões do recurso especial,
caracterizando inovação recursal, inadmissível na via do agravo
regimental. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido”.(TSE AgR-REspe: 29278 PR , Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de
Julgamento: 08/04/2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça
eletrônico, Tomo 84, Data 08/05/2014, Página 81)
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES
2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE
LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DOAÇÃO
ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. INAPLICABILIDADE DO ART. 23, § 7º.
DESPROVIMENTO. 1. É incabível a inovação de teses na via do agravo
regimental. Na espécie, não se conhece da alegação de que o candidato
beneficiário da doação e seus familiares seriam sócios-administradores da
empresa agravante. 2. Consoante o entendimento desta Corte, o art. 23, §
7º, da Lei 9.504/97 não é aplicável às pessoas jurídicas, cujas doações
estão limitadas ao montante de 2% do faturamento bruto anual (art. 81, §
1º, da Lei 9.504/97). 3. Agravo regimental não provido.(TSE - AgR-REspe:
6210 RS[3] , Relator: Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Data de
Julgamento: 11/06/2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça
eletrônico, Data 5/8/2013, Página 389).
“(...) Doação. Campanha eleitoral.
2. O limite do valor de doações realizadas por pessoa jurídica para
campanhas eleitorais, previsto no art. 81 da Lei n° 9.504197, inclui tanto
as doações em dinheiro como as estimáveis em dinheiro. [ ... ]” (TSE,
AgR-Al 3097-53/PE[4], Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJe de 6.2.2012).
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Logo, concluímos que o art. 23, §7°, da Lei 9504/97 é inaplicável às pessoas jurídicas, cujo teto para doações para campanhas
eleitorais se limita a 2% do faturamento bruto anual.
NOTAS
[1 ]
Disponível em <www.tre-ba.jus.br> Acesso em: 16 de outubro de 2014.
[2 ]
Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 16 de outubro de 2014.
[3 ]
Disponível em <www.tse.jus.br> Acesso em: 16 de outubro de 2014.
Autor
Thomás Luz Raimundo Brito
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.<br>Especialista em Direito do
Estado pela Universidade Federal da Bahia.<br>Ex-Assessor de Desembargador do Tribunal de
Justiça da Bahia<br>Coautor do livro "Constitucionalismo - Os desafios do Terceiro Milênio"
(Editora Forum).<br>Autor do Livro "Mandado de Injunção - A decisão, os seus efeitos e a
evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no combate à omissão legislativa" (Editora Nuria Fabris)
<br>Autor de outros artigos jurídicos publicados em sites especializados
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
BRITO, Thomás Luz Raimundo. Doações eleitorais: qual é o teto para empresas?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n.
4153, 14 nov. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/32888>. Acesso em: 17 jun. 2015.
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BRITO, Thomás Luz Raimundo. Doações para campanhas eleitorais