Entrevista
O jornalismo é o cimento da
democracia
Entrevista com Dominique Wolton
Por Carlos Costa, Fraçois Chapel e José Geraldo Oliveira1
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Carlos Costa, coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, é jornalista e professor. [email protected];
François Chapel é escritor e tradutor. [email protected]. José Geraldo de Oliveira é fotógrafo e professor dos cursos de
Comunicação Social da FIAM-FAAM, em São Paulo. [email protected].
Entrevista
A prefeitura do 13º distrito de Paris, na Praça da Itália, foi o local marcado para
nosso encontro. Íamos entrevistar o pensador francês Dominique Wolton a uns 500
metros dali, na sede do Instituto das Ciências da Comunicação, no nº 20 da Barbier-du-Mets. Uma rua em formato de “s” que destoa muito do padrão retilíneo da malha viária
de Paris. Foi uma caminhada relativamente fácil chegar até essa entrevista com o autor
de mais de 30 livros, traduzidos em vinte idiomas, fundador do instituto que faz parte
do mundialmente renomado CNRS-Centro Nacional da Pesquisa Científica e editor
da revista científica Hermès. Após dois pedidos por e-mail, sua assistente Anne-Marie
Boua passou o celular do pesquisador. O escritor e tradutor François Chapel, engenheiro especializado no ramo do petróleo e que viveu quatro anos em Angola, prestou o
favor de fechar as negociações de hora e data. O publicitário e fotógrafo José Geraldo de
Oliveira, professor do Complexo Educacional FIAM-FAAM, encarregou-se da alentada
pauta de perguntas e de registrar em imagens o encontro. Ao professor Carlos Costa,
coordenador do curso de Jornalismo da Cásper Líbero, coube a condução da conversa.
François Chapel, tradutor do escritor angolano Pepetela (pseudônimo de Artur Carlos
Maurício Pestana dos Santos) e convidado por Wolton para participar da conversa, realizou a difícil transcrição do áudio para o francês. Embora prometesse falar pausadamente, Dominique Wolton, nascido em Douala, na República de Camarões, filho de um
inglês com uma francesa, tem a voracidade de uma metralhadora quando se emociona
ao falar e discorrer sobre suas ideias.
Bacharel em Direito e doutor em Sociologia pelo Institut D’Études Politiques
de Paris, Wolton é o fundador e diretor de Instituto das Ciências da Comunicação do
CNRS, um dos maiores centros de pesquisa do mundo. Ali, desde 2000, dirige o Laboratório de Informação, Comunicação e Implicações Científicas. Com uma obra em que se
destacam Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão (Ática, 1990); Pensar
a Comunicação (UnB, 2004); Internet, e depois? - Uma teoria crítica das novas mídias
(Sulina, 2009); Informar não é comunicar (Sulina 2010), Wolton foi o criador e segue dirigindo a revista científica Hermès, uma das mais importantes publicações de comunicação da atualidade. A edição final desta entrevista em português coube a Carlos Costa.
Dominique Wolton: Vamos lá, os senhores têm todas as perguntas alinhavadas?
Carlos Costa: Sim, o José Geraldo de Oliveira realizou uma pesquisa bem aprofundada. O senhor tem tempo disponível para essa conversa que poderá passar da
meia hora combinada?
Dominique Wolton: Bem, vocês têm as perguntas, mas o problema é que não tenho as
respostas [rindo]. Nem tenho tanto tempo [ainda em clima de brincadeira]. Podemos
então dar a entrevista por terminada aqui [risos]. Os senhores estão em São Paulo, não é?
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Carlos Costa: Sim. Mas neste momento estamos aqui no ISCC (Instituto das Ciências da Comunicação), meio ansiosos com esta entrevista.
Dominique Wolton: Ah, mas o Brasil é um país tão acolhedor, tão quente, ele é preto,
é escuro, é claro, colorido, luminoso, há muitas pessoas, uma experiência inenarrável.
Bem... Então vamos lá, à nossa conversa! Eu tentarei falar devagar. Se falar muito rápido,
você me avisa.
Carlos Costa: Quantos anos o senhor tinha quando voltou de Camarões, onde nasceu, para a França?
Dominique Wolton: Camarões? Vim da África. Não, não é Camarões, eu voltei da Costa
do Marfim. Nasci em Camarões, mas fui muito novo para a Costa do Marfim, onde fiz
os primeiros estudos. Vim para a França aos nove anos. Criança.
François Chapel: Então seus primeiros nove anos foram vividos na África?
Dominique Wolton: Sim, e isso foi muito importante, importante para a formação do meu
imaginário. Eu tenho duas fontes, a de um imaginário livre, e outra um pouco louca. A
África me moldou imensamente, adoro a África, porque são completamente irracionais
em relação a nós. Meu pai era inglês, mas morreu quando eu ainda era pequeno, mas
conservei algo das raízes britânicas de um desejo de liberdade, liberdade de espírito... e
tenho certeza de que meu lado anarquista, independente, vem em boa parte desse tipo
de filiação inconsciente entre a mistura da Inglaterra e a África, além das viagens, e eu
adoro viajar, adoro a globalização, penso que é por causa disso. Sempre viajei muito desde
quando era criança e, embora não me desse conta, sou um obcecado com a globalização.
Minha reflexão é muito simples, se quiser, mas é o coração do meu trabalho teórico.
José Oliveira: E qual é essa reflexão?
Dominique Wolton: É a percepção de que o mundo é muito pequeno. Graças à
internet, ao rádio, à televisão, todo mundo vê todo mundo, e as diferenças serão cada vez maiores culturalmente, então, ou bem a gente desacelera para ter o
tempo necessário para se entender, ou bem a gente acelera ainda mais com isso
[apontando seu telefone celular]. Penso que os homens irão brigar ainda mais,
porque a visibilidade do mundo é a diferença. E a gente tende a ver mais as diferenças do que as semelhanças. Assim, o ódio ao outro vai ainda aumentar. O
homem detesta o outro quando se parece com ele, ele não gosta de quem lhe é
espelho e semelhante. Daí que todo o meu trabalho, no contexto da mundialização, da globalização, é o de refletir sobre a questão das identidades culturais. Não
para matá-las, pois minha hipótese é que se a identidade cultural e a diferença
do outro é reconhecida – e esse é um caminho longo, lento e complicado – essa
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será a condição para a paz de amanhã. Assim, a globalização, o reconhecimento
da diversidade cultural, é o caminho para a paz.
Carlos Costa: Então...
Dominique Wolton: Desculpe se eu faço aqui um parêntese, eu volto depois à pergunta
que você iria fazer. Em primeiro lugar, a base é o reconhecimento da diversidade cultural; em segundo, é preciso reconhecer o papel central das identidades culturais; e o
terceiro tem um objetivo político, que é a construção da convivência cultural. É por isso
que há dez anos escrevi um livro chamado A outra globalização (lançado em Portugal
pela Difel, em 2004), onde digo que há a primeira globalização política, a da ONU; a
segunda, a da economia, mas essa não é uma globalização, é apenas o capitalismo que se
torna global depois de 1990; e que o problema politicamente mais sério que se apresenta
para nós é a terceira globalização. Ou seja, como iremos lidar com o fato de que somos
tão diferentes culturalmente. Daí que a questão da diversidade cultural, sabendo que
por cultura se entende a linguagem, a memória, a representação, os símbolos, o patrimônio cultural. Você e eu estamos prontos para morrer por tudo isso, pois esses valores
são os mais importantes para nós. Todas essas diferenças culturais saltam aos olhos
com a globalização, mas todo mundo as considera secundárias; ou que a economia está
aí para resolver tudo isso. Mas não é verdade, a economia não resolve tudo. Podemos
não ser ricos como os suíços e ter uma identidade cultural ainda mais forte. Portanto, a
questão política do século XXI será a construção de uma coabitação, de uma convivência cultural. E aqui fecho o parêntese. Aliás, longo parêntese [risos].
Carlos Costa: Em resumo, o coração da matéria é o respeito pela diferença cultural.
Dominique Wolton: É por isso que viajo muito, por interesse pela diversidade cultural. Sobretudo a dos países complicados ou complexos, como o Brasil. Mas o Brasil é
um exemplo incrível uma vez que: a) é muito complexo; b) há um excesso de desigualdades, econômicas e sociais, mas c) por enquanto ainda há uma coerência que não
existe em muitos outros países. Isso é inacreditável, em trinta anos, a unidade brasileira se estabilizou, ela existe, e isso é um exemplo para mim. Um exemplo positivo, pois
é um país muito grande, com uma população numerosa e é muito rico...
Carlos Costa: Quando o senhor chegou à França, com nove anos, quais eram seus
sonhos, que objetivos tinha aquele menino?
Dominique Wolton: Mais do que sonhos, senti uma terrível inadequação. Eu era um
“fora de lugar”. Sua pergunta me faz dizer uma palavra sobre a qual eu não tinha pensado antes, mas que agora veio espontaneamente, pois é certo, eu era um inadequado
quando cheguei à França. A essa noção de se sentir estrangeiro, que tive e senti então,
eu atribuo o carinho por todos os imigrantes, por todos os que se sentem estrangeiros
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nesse mundo em que não conseguem encontrar suas identidades. Detesto meu país
por um motivo muito simples. É claro que eu amo meu país, amo a França com muita
força, mas detesto algo da atitude da França... Veja, somos um país multicultural, pois
somos compostos de imigrantes, há os cidadãos franceses do Ultramar, há os habitantes
vindos de países de fala francesa, majoritariamente africanos, há os imigrantes do leste
europeu, dos países asiáticos. E passamos o tempo todo posando como se fôssemos
apenas brancos. Enquanto as cores da França são o branco, o preto, o amarelo, o mulato,
o marrom, o mouro, nós somos de todas as cores. Há uma espécie de loucura francesa,
muito maior que a dos ingleses. Em nossa loucura, não reconhecemos os estranhos,
os estrangeiros. Considero isso muito grave, porque, ao mesmo tempo, nós franceses
não paramos de dar lições ao mundo, de falar em universalismo, em convivência, em
integração etc. E na verdade somos também um país de comunidades que quase não se
integram, não convivem, em que não há tolerância, sobretudo com os estrangeiros. Para
mim, o assunto do estrangeiro é um dos grandes temas da globalização.
Carlos Costa: Se o senhor se encontrasse hoje com aquele pequeno Dominique de
nove anos, que chegava à França, vindo da África, como explicaria a ele quem é
hoje o famoso Dominique Wolton?
Dominique Wolton [risos]: Ah, se eu pudesse, diria a ele que eu amo as pessoas, que
amo a compreensão da comunicação entre as pessoas, que a riqueza, no entanto, são as
pessoas. Que devemos ser tolerantes... Acho que diria isso, que é preciso ser tolerante,
que devemos nos amar uns aos outros. Afinal, tenho raízes cristãs, católicas. Sim, eu sei
de cor os horrores que a Igreja Católica fez – e que as religiões do mundo inteiro continuam fazendo. Mas o que mais gosto no cristianismo, e em especial no catolicismo,
é a obrigação de sair de nós mesmos, para amar-nos uns aos outros, reconhecer que o
outro é nosso igual. Estes são os valores cristãos, valores extraordinários, universalistas.
Claro que a igreja os traiu, mas são esses, em todo caso, os valores de que eu gosto, nos
quais me reconheço. E minha teoria da comunicação é baseada no reconhecimento do
outro, na liberdade, mas também no fato de que jamais iremos nos entender. Pois é verdade que sou ao mesmo tempo um cristão e um filho da psicanálise, os dois ao mesmo
tempo, então eu sei que o homem não compreende o outro, que a comunicação não será
bem-sucedida. Será preciso que passemos a vida toda tentando amar ou ser amado. E
aceito isso muito bem. E digo, finalmente, em uma mensagem universalista cristã, que
a resposta para a incomunicação ainda é dar amor. Seria isso que diria hoje àquele pequeno Dominique de nove anos.
Carlos Costa: O senhor foi influenciado pelo personalismo de Emmanuel Mounier [1905- 1950]?
Dominique Wolton: Nem tanto. Eu tomei contato com o personalismo, mas achei
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que era algo demasiado francês, intelectualizado, muito racional, sim, muito racional,
também. Veja, estou cheio de cicatrizes, como todas as pessoas da minha geração.
Cicatrizes deixadas, entre outros, pelo marxismo. Não, eu não era marxista, não tinha
interesse pela sua teoria política, mas sim em sua teoria econômica, que está correta.
Afinal, o capitalismo é louco e só olha a rentabilidade das coisas. Então tive essa influência, mas fui marcado ainda mais pela literatura. Fui um adolescente pobre morando
em um bairro pobre, não tinha dinheiro, por isso os livros me liberaram, a leitura de
literatura, depois seguida de uma paixão pela história. Na verdade, isso é o que me interessa, pois meu verdadeiro interesse é a história, a paz e a guerra, sou um obcecado
por tais questões que vão desde as brigas e desentendimentos nas relações humanas à
guerra de verdade. Porque, em algum momento, isso tudo muda e não se pode parar
a marcha para a guerra.
François Chapel: E a guerra é um tema muito europeu.
Dominique Wolton: Isso foi verdade na Europa em 1870, em 1914, em 1939. Essa
é uma verdade em todo o mundo e uma das razões pelas quais tive esse encontro
emocional e intelectual tão forte com o Raymond Aron [1905-1983], a quem conheci
quando eu tinha apenas 26 anos [foi o livro Raymond Aron. Le spectateur engagé, de
1981, que projetou Wolton internacionalmente]. Ele pendia para a direita, eu para a
esquerda, isso porque Raymond Aron viu a guerra de 1914, viveu a de 1939. Para nós,
na Europa – não para vocês, da América Latina – 1914 e 1939 foi o suprassumo dos
horrores. A Europa nunca mais emergiu. Ela se recuperou na economia, mas mentalmente jamais... E isso é o que explica a relação tão estreita entre um jovem intelectual,
que nem tinha chegado aos 30 anos, e Raymond Aron, então no auge de seus 72 anos.
É que, por razões que me escapam, tínhamos uma angústia intensa sobre a questão da
guerra. Eu nunca a vivi, mas Aron passou duas vezes por isso. Então, a história me fascina, a questão da paz e da guerra. De fato, quando trabalho sobre a incomunicação,
é exatamente a mesma coisa. A incomunicação vai desde o momento em que falta a
comunicação até o momento em que se parte para a guerra, como numa explosão.
O que me interessa na comunicação é justamente a sua falta, é o motivo por que ela
nunca funciona, e por que as pessoas não param para repensar tudo isso. E por que
não chegamos nunca a nos entender humanamente. No fundo, amamos muito tudo
isso [aponta novamente para seu smartphone], adoramos a técnica e constantemente
fazemos uma confusão entre a facilidade, a performance das técnicas, e a extrema
complexidade da comunicação humana.
François Chapel: Sim, e há também a confusão entre a relação entre os meios de
comunicação, a internet, a imprensa, e o papel de cada um deles.
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[Dominique Wolton sai da sala para resolver um problema com sua assistente Anne
Marie, logo volta]
Dominique Wolton: Então vamos continuar.
Carlos Costa: Quais foram suas principais influências?
Dominique Wolton: Então eu já falei sobre a religião, a literatura, a história, a guerra e
paz e a psicanálise.
François Chapel: A psicanálise!
Dominique Wolton: Pertenço a uma geração em que Freud representou uma grande revolução na história do ser humano. Há um antes e um depois de Freud. Fizemos psicanálise, fomos a psicoterapeutas. Claro, diria que não há relação direta entre psicanálise
e política, não há necessidade dessa ligação, mas a psicanálise nos permite compreender
bem – e essa é precisamente sua importância – o porquê da falta de comunicação, por
que a comunicação não funciona. E é isso o que me interessa.
Carlos Costa: Quais foram os escritores que marcaram seu pensamento?
Dominique Wolton: Essa pegou fundo! Bom, primeiro foi a literatura, filósofos clássicos... nomes como Stendhal, Balzac, Roger Martin du Gard, André Gide.
Carlos Costa: O François Chapel tem a coleção completa de Os Thibault.
Dominique Wolton: Ah! Sim, Os Thibault, obra-prima do Roger Martin du Gard [18811958, Prêmio Nobel de Literatura em 1937], um trabalho que me fascinou. E seu livro
Jean Barois, um romance de diálogos. Mas isso sem esquecer Balzac, Stendhal, muito
importantes. E autores americanos, como o Steinbeck, sim, porque isso era moderno
no meu tempo de estudante. E tem ainda o Rousseau. Veja, quando era adolescente, vivi
numa pequena cidade nos arredores de Paris, chamada Montmorency. Ali se refugiou
Jean-Jacques Rousseau, perseguido pela polícia real. Ele fugiu para lá e escreveu vários
livros [A permanência de Rousseau nessa cidade foi de 1757 a 1762 e ali ele escreveu O
Emílio e o Contrato Social].
Carlos Costa: Em 2007, participei de uma mesa na Faculdade Cásper Líbero, mediando um debate sobre o futuro do jornalismo, com um professor francês, Dr. Denis Ruellan, da Universidade de Rennes. O professor disse que qualquer cidadão
com um telefone celular na mão é hoje um jornalista.
Dominique Wolton: Isso é terrível! Meu Deus, isso é uma traição dos professores universitários, esse fascínio da academia pela tecnologia. E as pessoas são conformistas, aceitam.
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Na verdade, eu respondo a essas pessoas que espero que o Google ou o Facebook lhes paguem para dizer semelhantes besteiras, porque eles são de fato representantes de vendas
dos fabricantes, mais do que formadores. Um professor não deveria jamais dizer isso, que
isto [aponta seu celular] é a revolução! Não é uma revolução, esta é uma ferramenta técnica, a revolução é a forma como vamos usá-la, para que, que seleção faremos das informações obtidas com ela etc, etc. Isso é perigoso para os alunos. Eles passam a vida inteira ali,
na frente de computadores, por isso, nosso papel como formadores é dizer: “Atenção, há
muita coisa além disso, a vida acontece na rua, na praça”. Não devemos dizer que esta é a
grande revolução do mundo, isso não é verdade.
Carlos Costa: Como pensar a formação de um jornalista hoje?
Dominique Wolton: Isso é muito amplo. Então, vamos lá: 1) grande ênfase em estudos
gerais, história, política, cultura, antropologia, sociologia, teorias da comunicação, disciplinas obrigatórias, muitas, muitas; 2) o pensamento crítico. Crítico, mas radical no
sonho e contra o pesadelo das novas tecnologias; 3) pensamento econômico, que novos
modelos de negócio criar para jornais, rádio, televisão e internet, porque não existe esse
modelo econômico no atual momento; e 4) sair, ver o mundo, ou seja, qual é o problema
político que se impõe para os meios de comunicação no mundo atual? Nunca houve
tantos atalhos, nunca houve tanta técnica como agora, nunca houve tanto volume de
informação e o campo da informação vai se abrindo cada vez mais amplamente [gesto
de alargamento com os braços], mas, ao mesmo tempo, faz o movimento contrário [gesto de contração]. Quer dizer, todo mundo diz cada vez mais as mesmas coisas. Como
tantos outros pesquisadores, eu imaginava há vinte anos que, quanto mais canais houvesse, mais diversidade teríamos, maior seria o leque de possibilidades. E o que ocorreu
foi justamente o fenômeno contrário. Quanto mais canais novos aparecem, menor é a
abrangência, mais restrito o que é noticiado. É sempre mais do mesmo [gesto de encolhimento]. Isso é o fracasso. Por isso, é preciso que os jornalistas reajam contra isso. Ah, foi
exatamente isso que eu reforcei, há pouco, colocando em primeiro lugar uma formação
com muita cultura geral. O jornalista irá precisar muito dela, para criar uma narrativa
crítica sobre a realidade.
Carlos Costa: Pensamento crítico para saber ler os grandes temas do mundo, afastar-se para ver em perspectiva.
Dominique Wolton: Sobretudo porque mais importante que o volume é a riqueza
da diversidade. Em outras palavras, para mim, o que me preocupa é que os jornalistas devem ser os primeiros atores para entender a diversidade cultural e, na
verdade, eles não fazem isso. Em vez de estimular a diversidade cultural, buscam a
popularização, o mínimo divisor comum. Nivelar por baixo é mais importante do
que estimular a diversidade e a valorização da diferença cultural. Por isso insisto
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que é indispensável valorizar a atividade do jornalista. Quanto maior o volume de
informação, mais necessidade teremos de jornalistas para interpretar e criar essas
narrativas. Mas hoje o que o modelo econômico prega é justamente o contrário: que
basta dominar algumas técnicas e ferramentas digitais e está tudo feito. Eu me irrito
muito com os colegas que dizem essas besteiras. É falta de dignidade intelectual.
Carlos Costa: Há uma questão...
Dominique Wolton: Só me deixa terminar. Costumo dizer a jornalistas: “Vocês são
indispensáveis na revolução da informação, mais do que nunca vocês são os soldados
da democracia. Mas devem se rebelar contra a ideologia da técnica, contra a vulgarização, vocês são o cimento da democracia, pois se as pessoas nunca perderem a
confiança nos jornalistas, tudo será possível. A missão democrática dos jornalistas no
século XXI é tão importante quanto foi para o século XIX, talvez até mais.
François Chapel: O que o senhor opina sobre as iniciativas de controle da internet?
Dominique Wolton: Este é o maior problema político para o futuro.
François Chapel: Grupos hostis à democracia usam a liberdade desse novo
canal para se infiltrar, violar o processo democrático, sem correr grande risco
pessoal. Como organizar o controle da internet para se livrar desses abusos?
Dominique Wolton: Infelizmente, o homem progride por meio da experiência e ainda não houve catástrofes suficientes para que se diga “Pare aí!” Os Estados Unidos,
primeira potência mundial, têm mais interesse no momento para a desordem do que
para a ordem, portanto, não há outra alternativa, infelizmente, do que esperar falhas,
desastres financeiros e econômicos, terrorismo, para então fazer algo. Porque o consenso diz que não há liberdade de imprensa, se não houver nenhuma lei. Mas é preciso
criar marcos regulatórios – embora o discurso anarquista diga que não deve haver lei
alguma, pois a lei irá matar a liberdade. O que é uma bobagem. Já escrevi dois livros
sobre a Internet, há coisa de 15 anos. E digo que não há liberdade de informação, se não
houver lei. Aí, alguém me disse, “Wolton, você é reacionário!”. Não sou tão reacionário,
sou um democrata. As revelações feitas por Edward Snowden mostram a que ponto a
falta de regulação abre possibilidade para abusos de governos em casos de espionagem.
Mas a consciência política não despertou ainda para isso, pois há imensos interesses
financeiros subjacentes.
François Chapel: Você mencionou o elo entre a comunicação e a psicanálise. Aparentemente são duas vias de sentido inverso. A comunicação, sobretudo no âmbito
da globalização, envolve bilhões de pessoas. Já a psicanálise se dá numa relação
pessoal com o outro. Você escreveu algo sobre isso?
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Dominique Wolton: Não escrevi, não. Mas é certo que a mundialização da comunicação
não pode ser bem entendida, caso esqueçamos da experiência humana. Da mesma forma,
não se pode generalizar a psicanálise na mesma proporção mundial, mas ela ajuda a compreender que a falta de comunicação entre duas pessoas explica a incomunicação – ainda
mais em nível mundial, pois se até mesmo utilizando a mesma língua e a mesma cultura
a gente não se entende, que dirá quando se trata de se relacionar com um paquistanês ou
um chinês. Essa é a ilusão trágica da globalização, como pontuei no início, de confundir o
alto desempenho das ferramentas de comunicação com a própria comunicação. A técnica vai muito bem, mas a comunicação, como no caso de uma conversa com um japonês,
ninguém se entende. Haverá, por isso, cada vez mais disputas e litígios. Meu receio é que
a velocidade da circulação da informação mascare ou confunda tudo, escondendo que,
sob o disfarce da alta performance e da velocidade da informação, o que de fato existe é
incomunicação, interesses políticos escondidos e tudo o mais.
Carlos Costa: No âmbito do jornalismo, o que isso acarreta?
Dominique Wolton: O que vemos, aos poucos, é a substituição do jornalista por arquivistas, por condensadores de notícias, por profissionais da informação. Claro que é
importante atualizar o perfil profissional do jornalista. Mas é desolador ouvir, há mais
de quinze anos, em todos os lugares do mundo, esse discurso: de que com tablets, smartphones e toda a parafernália técnica, não necessitamos mais de jornalistas. Pelo contrário, quanto mais informação houver circulando, mais precisaremos de um profissional
com o preparo que deve ter o jornalista, de saber interpretar e dar sentido a esse cipoal
de notícias, rumores, fatos plantados. É tão estúpido tudo isso, é como se disséssemos
que, com toda a atual tecnologia de aprendizado, não há mais lugar para os professores.
Ou que, com tantos remédios, não precisamos mais de médicos. Não é por ser capaz
de acessar milhares de informações médicas que sou capaz de diagnosticar um caso de
câncer. O oncologista é quem tem a capacidade de interpretar todos esses dados e dizer
o que acontece com o enfermo. Num viés demagógico, poderíamos dizer que não há
mais necessidade de políticos, vamos implantar a democracia direta.
Carlos Costa: A escritora argentina Beatriz Sarlo abordou brilhantemente esse
tema num ensaio sobre a suposta “democracia midiática”. Como diz ela, uma democracia tem instituições, uma hierarquia.
Dominique Wolton: Sim, claro. É o mesmo caso da “democracia da internet”. A palavra democracia faz parte de um vocabulário político. Televisão ou rádio ou internet são vocábulos
técnicos. Se alguém falar em “sociedade ou democracia da internet” ou “democracia digital”,
como no passado se falou em “democracia da televisão”, está cometendo uma estupidez. Pois
isso quer dizer que a técnica engoliu o projeto político. Digo o tempo todo: não há intelectualmente o direito de falar em “e-democracia”. Isso não significa nada. Pode-se usar o voto
eletrônico, mas isso não é o mais importante, o que importa são as regras da democracia.
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Carlos Costa: A última pergunta...
Dominique Wolton [interrompendo]: Será que Deus existe? Não sei! [risos].
Carlos Costa: Não, é sobre seu conselho para um estudante que inicia o curso
de jornalismo.
Dominique Wolton: Recomendo um monte de cultivos: de cultura, de conhecimento
e... de cultura. Muito empenho nisso. E sobretudo confiar na inteligência do público
leitor, do ouvinte. Isso aumentará a legitimidade do jornalista. Nunca “dormir” com o
poder econômico e político, manter-se independente. Cultivar sua autonomia. O que
não é pouco.
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