15 de março de 2011
Trecho de inédito
Bernardo Ajzenberg
Estou longe. Não tenho, não quero ter mais nada a ver com aquilo. Com
aqueles. Estou só. Quero estar só. Eu sei quando a coisa saiu dos trilhos. Faz
tempo. Tanto tempo que só posso culpar a mim mesmo pelo que aconteceu, pelo que não aconteceu e, a partir de agora, pelo que irá acontecer. São
manchas, vozes –tão conhecidas, tão previsíveis, tão massacrantes--, são
olhares –tão opressivos--, a começar pelo meu próprio, tão triste, no espelho
gasto deste pequeno apartamento parisiense. O que faço aqui? Por que estou
aqui? Engulo em seco. Eu sei por que estou aqui. Há muitos motivos, e o
A cada 15 - Bernardo Ajzenberg
primeiro que me vem à cabeça é este: não suporto mais a mim mesmo, não
me suporto mais. Estou só. Saio e não conheço ninguém, não cumprimento
ninguém. A solidão é este poço aqui, forrado de espelhos, com uma ínfima
luz vinda lá de cima.
Eu tinha quinze, ele vinte e quatro. Vinte e sete, ele trinta e seis. Quando
fiz trinta, ele completou cinqüenta, talvez cinqüenta e dois. Como explicar?
Pois eu sei o que aconteceu. Eu sei o motivo, os motivos, daquele salto, e
sei, mais ainda, os motivos pelos quais eu não saltei com ele. Eu não saltei
com ele porque tive medo. Pavor. Terror. O salto dele foi desastroso, no fim
das contas. Mas devo dizer que tão desastrosa quanto, ou mais, foi a minha
inércia no momento em que ele, corajosamente, deu aquele salto no escuro.
No meu escuro. O salto dele foi para dentro do meu escuro, por isso, acredito, tenha sido tão profundo, e tanto tempo tenha ele levado para (talvez)
perceber onde estava (até hoje, creio, não percebeu). Entre os meus seios,
com certeza, mas isso, saber disso, basta? Não basta. Meu sonho arrancou
a pele dele, descascou-o, deixou-o em carne viva dentro de mim. Poderia
colocá-lo para fora, vomitá-lo, expeli-lo. Poderia? Como se faz com uma
espinha amarelada, com um cravo, com uma pelota de gordura, com um
furúnculo, uma farpa... Qual a dimensão do meu sonho? Pois ele --ele, não
o sonho-- sempre foi grandalhão... Como poderia penetrar entre os meus
seios? Como conseguiria se mover dentro de mim sem me matar, ainda que
respeitosamente? Venha comigo. Vamos tentar responder essas perguntas.
Você faz parte delas; e das respostas. Pode acreditar. Vai me ajudar a responder
essas perguntas, e é por isso que as dirijo a você.
Impiedosamente.
Venha comigo.
Pois ele virou um monstro dentro de mim, entre os meus seios. Poderia
estrebuchar, provocar horrores e empunhar bandeiras. Mas isso não o tiraria
de dentro de mim, concorda? Por quê?, você pergunta. Pois tento responder
da seguinte forma: ....
Mas, quem é você? Você tem seios? Tem pinto? Isso talvez não seja
muito importante, aqui, mas não posso deixar de perguntar, embora jamais
venha a conhecer a resposta. Preciso perguntar isso por uma questão de
honestidade, para mostrar que não tenho nada contra você --tenha você
seios, pinto, vagina (xoxota?), o que for. Você me entende...
15 de março de 2011
Pois ele era um jovem brilhante, uma promessa.
Ela está perto de ser o que se costuma classificar como megera, mas o
fosso entre a sensação e a classificação, em mim, é muito profundo, como
este poço...
Vamos por partes, que é melhor:
Bernardo Ajenberg nasceu em São Paulo, em 1959. Escritor, tradutor
e jornalista, é autor de Variações de Goldman (Rocco, 1998), A Gaiola de Faraday (Rocco, 2002), Homens com mulheres (Rocco, 2005) e Olhos secos (Rocco,
2009), entre outros livros. Recebeu diversos prêmios, entre os quais Ficção do
Ano da Academia Brasileira de Letras e Jabuti de tradução.
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