2015/04/06
Irão. Há um acordo mas falta saber a sua exata
versão
Alexandre Reis Rodrigues
Não se sabe ao certo quais são as bases
em
que
assenta
o
quadro
de
entendimento a que se chegou no dia 2
de abril para a elaboração de um acordo
sobre o programa nuclear iraniano até
30 de junho. Se partirmos do que
anunciam as duas principais partes das
negociações – EUA e Irão - estamos
perante
duas
interpretações
com
diferenças relevantes. Se elas são
concretas ou apenas aparentes não se
sabe ao certo.
Os otimistas dizem que as diferenças são mais aparentes do que substantivas.
Resultam da necessidade de cada parte aparecer perante a respetiva opinião
pública como “vencedora”. Mas se é este o caso, o sucesso dessa estratégia em
cada lado também é drasticamente diferente. Nos EUA, a Casa Branca continua a
enfrentar uma forte oposição à estratégia adotada, quer internamente pelo lado do
Partido Republicano e “lobby” israelita, quer da parte dos seus aliados regionais,
em especial Israel e a Arábia Saudita. Ao contrário, em Teerão, a população não
perdeu tempo para sair para a rua a mostrar o seu contentamento e receber os
negociadores do “acordo” como heróis nacionais.
Segundo o comunicado da administração americana, o Joint Comprehensive Plan of
Action vai permitir impor sérias restrições ao enriquecimento de urânio,1
estabelecer um rigoroso regime de inspeções a levar a cabo pelos técnicos da
Agência Internacional de Energia Atómica, controlar stoks2 e a cadeia de
abastecimento dos programas autorizados a prosseguirem, o que no seu conjunto
permitirá passar o “breakout time” 3 de dois meses para um ano, durante os
próximos dez anos. O seu período de validade variará, conforme os assuntos, entre
os dez e os vinte anos, com alguns pontos a serem mantidos durante quinze anos.
As sanções só serão levantadas por fases, à medida que ficar confirmado que os
compromissos assumidos por Teerão foram cumpridos.
Do lado de Teerão, é interessante notar que as declarações oficiais não se referem
a vários aspetos essenciais do quadro estabelecido. Por exemplo, não falam da
proibição de uso de centrifugadores das gerações mais recentes, nada dizem da
obrigação de redução do stock de urânio enriquecido (de dez toneladas para 300
1
Dois terços dos centrifugadores presentemente em funcionamento serão parados. Ficarão apenas 6104
dos 19000 atuais e serão apenas os da primeira geração (os menos eficazes). Durante quinze anos não
haverá enriquecimento de urânio acima de 3, 67%. As instalações nucleares de Forlow não serão usadas
para enriquecimento, pelo menos, durante quinze anos; apenas Natanz. O reator de Arak será
reconvertido de modo a deixar de produzir plutónio.
2
Durante quinze anos o Irão não manterá armazenado mais do que 300 quilos de urânio enriquecido a
3,67%; presentemente tem 10 toneladas, parte com enriquecimento superior.
3
Tempo mínimo considerado necessário para ter disponível a quantidade necessária de urânio
enriquecido para construir uma arma nuclear.
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quilos), não mencionam as suspensões de atividades que terão sido acordadas.
Podem ser apenas omissões decididas para ter em conta a opinião pública – como
já referido -, mas quando se chega ao assunto de sanções parece ser mais do que
isso; eventualmente um entendimento diferente, na medida em que é dado a
entender que serão levantadas de imediato, sem mais delongas.4
Compreende-se a necessidade de Teerão evitar tudo o que possa configurar uma
humilhação, quer no campo interno, quer na arena internacional - recuando em
assuntos em que sempre foi dito que não haveria qualquer compromisso ou
retrocesso - e que, nessa base, tente omitir tudo o que possa indiciar esse
desfecho. Mas, dado o historial de prevaricações e recusa de aceitação das diversas
Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode muito bem tratarse de uma tentativa de apenas ver levantadas as sanções sem qualquer ideia de
cumprir a sua parte. Torna-se difícil, por isso, estar otimista e seguro de um
desfecho positivo dentro da data limite de 30 de junho.
Para alguns observadores da situação, Khamenei terá concluído que a melhor forma
de manter vivo o programa nuclear seria fazer um acordo limitado no tempo, tanto
quanto o necessário para a economia recuperar dos reveses sofridos com as
sanções, e mantendo um determinado nível de atividades nucleares. A questão da
duração limitada foi conseguida com a chamada “sunset clause” (que estabelece
um período de validade para o acordo); o resto dependerá do grau de
permissividade que o regime de inspeções tolerará. Não obstante, o regime de
inspeções que vai passar a vigorar aparentar rigor e exigência, a sua abrangência
não inclui as instalações de Puschin, de natureza militar. Esta é uma questão
relevante, dadas as das desconfianças de que albergam programas de investigação
nuclear.
Os maiores críticos do acordo queixam-se, sobretudo, da “sunset clause” que, na
sua perspetiva, permite que, findo o período, se fique novamente na situação
inicial. A desconfiança existente reforça-se com o facto de Teerão continuar a
investir no desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais, uma plataforma
que só faz sentido para transportar cargas nucleares. Não é também esquecida a
acumulação de evidências de que se trata de um regime em que não se tem podido
confiar. Em resumo, consideram que houve uma espécie de capitulação dos EUA
perante a exigência de Teerão em ver reconhecido o seu direito inalienável de
enriquecer urânio, como qualquer outra potência.5
Como que respondendo a estas preocupações, o Presidente Obama lembra que a
base de entendimento não se baseia em confiança, mas apenas em verificações de
que todas as cláusulas são cumpridas. Fica implícito que se falharem tudo volta ao
princípio com as sanções e demais medidas a serem reinstaladas. Dizem os céticos
que não será tão fácil como parece, lembrando que o atual regime demorou mais
de uma década a acertar, quer em termos políticos, quer em termos técnicos.
Depois de as empresas europeias e americanas serem autorizadas a voltar ao
atrativo mercado iraniano, não será certamente fácil interromper todo o processo.
Será, pelo menos, demorado.
Obviamente, este assunto não pode ser visto isoladamente do contexto regional
para o qual os EUA têm uma estratégia, segundo duas linhas de ação: 1.
Distanciamento dos conflitos locais, sem prejuízo de dar ajuda aos aliados onde
seja necessário mas sob a limitação de evitarem ter que assumir a responsabilidade
4
Da parte dos EUA, o levantamento das sanções seguirá um percurso administrativamente mais
complicado. O Presidente não tem autoridade para ir além de as suspender por períodos de 120 dias,
mas sem qualquer limite de o fazer repetidamente, tantas vezes quantas quiser.
5
Este direito, expresso no Tratado de Não-Proliferação Nuclear foi contestado porque, como todos
sabem, Teerão evitou sempre ser transparente quanto ao seu propósito final.
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primária pela sua resolução; 2. Criação de um equilíbrio regional, sem que haja
qualquer País sozinho a conseguir dominar a região.
Israel, naturalmente, não está de acordo com esta linha. Não quer, sobretudo, ser
olhado como um País que tem que se entender com os outros da região – em
especial, com o Irão -, em vez de beneficiar da cobertura incondicional dos EUA.
Telavive reage ao acordo invocando a ameaça existencial que o Irão representa
para Israel, se não for irreversivelmente eliminada a sua capacidade nuclear, ou
seja, assegurado o desmantelamento total do programa, incluindo as respetivas
infraestruturas. Segundo os últimos desenvolvimentos, Telavive estaria disponível
para se mostrar mais flexível se o acordo incluísse uma cláusula em que Teerão
reconhecesse a existência do Estado de Israel, mas a sugestão não foi aceite pelos
EUA, sob o argumento de que se está a tratar exclusivamente do programa nuclear
iraniano.
Porém, o verdadeiro alvo de Telavive não é o acordo. É a estratégia americana que
lhe está subjacente e que pode alterar o equilíbrio de poder em todo o Médio
Oriente. No entender de Israel, pode abrir uma porta para algum entendimento
entre os EUA e Irão, o que, aliás, já se verifica nos combates que se travam no
Iraque contra o ISIS. É esta possibilidade de entendimento de que também não
gostam os Países do Golfo, em especial a Arábia Saudita, mas esta já decidiu
começar a tomar o assunto nas suas mãos, não esperando por qualquer iniciativa
americana para resolver o problema no Iémen.
Pelo que respeita à Europa, convinha que o acordo desse certo. Se há o risco de, ao
fim de 10 ou 15 anos, tudo voltar ao início, também há a hipótese de o
relacionamento regional evoluir para uma maior confiança mútua, portanto, para
uma maior estabilidade. Ninguém pode dizer ao certo qual destes dois desfechos
tem maior probabilidade de acontecer. Vale a pena tentar, obviamente.
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