Teoria / Poética da imagem imagens e as visões Imagens, imagem • A imagem tem inúmeras atualizações potenciais (sentidos/intelecto). • A leitura pode produzir “imagens”. • Quando pensamos, imaginamos coisas (imagens mentais). • Trataremos apenas das imagens visuais (aquelas que possuem uma forma visível). • As imagens visuais são apenas uma modalidade particular das imagens em geral. Imagens, imagem • Há elementos comuns a todas as imagens visuais, independente das diferenças de natureza, de forma, de uso, de produção. • Além de cada vez mais diversificadas, as imagens visuais são também intercambiáveis (intertextualizáveis). • É praticamente impossível estudar um tipo de imagem visual sem fazer referência a outros (cruzamentos, citações, trocas, passagens). Percepção visual • A percepção visual é um dos modos de relação entre o homem e o mundo que o cerca. • Esse campo tem sido estudado pelo menos desde 300 aC (Euclides, pai da óptica), passando por artistas, teóricos, físicos e filósofos de todos os tempos. • A visão é um processo que mobiliza operações ópticas, químicas e nervosas, sem falar de parâmetros psicológicos, sociológicos, ideológicos, etc. Percepção visual • O olho humano está equipado para ver a luminosidade, a cor e as bordas dos objetos. • Nossos olhos estão em constante movimento (movimento irregular, de perseguição, de compensação, de deriva). • A percepção não é instantânea: certos estágios são rápidos e outros lentos. • O olho não percebe as distâncias e a idéia de espaço está vinculada ao corpo e ao seu deslocamento. Percepção visual • A existência de elementos invariáveis (tamanho dos objetos, formas, localização, orientações, superfícies) faz com que tentemos encontrar uma constância perceptiva. • A estabilidade perceptiva permite que nossa percepção interprete os vazios, os desfoques e outras “falhas”. • Nossa percepção natural é binocular, mas as imagens visuais são produtos de uma óptica monocular. Percepção visual • A atenção visual varia entre a atenção central (aspectos importantes do campo visual) e atenção periférica (fenômenos novos na periferia do campo). • Olhamos as imagens não de maneira global, mas por fixações sucessivas. • A imagem requer tempo e exploração (motivada). Percepção visual • Quando estamos diante de uma imagem, percebemos ao mesmo simultaneamente: • É um fragmento de superfície plana (ou não) • É um fragmento de um espaço tridimensional. • É a dupla realidade perceptiva das imagens: ao mesmo tempo bi e tridimensional. Percepção visual • A percepção da forma depende das bordas visuais e da separação figura/fundo. • Toda forma é percebida em seu ambiente (ou contexto). • Por isso, mesmo que a percepção das imagens seja comum a toda espécie humana, ela pode ser mais ou menos aprimorada em certas sociedades. O espectador • Além da capacidade perceptiva (comum entre todos os humanos) nossa relação com as imagens visuais é definida pelos: • • • • Afetos Crenças História Posição social • Mas existem constantes trans-históricas e interculturais. O espectador • A produção, distribuição e recepção de imagens visuais nunca é gratuita. • Todas as imagens são fabricadas, divulgadas e consumidas para atender a determinados usos, individuais ou coletivos. • Imagens para informar, para vender, para atrair, para revelar, para elevar... • A imagem se relaciona com o simbólico e propõe uma mediação entre o espectador e a realidade. O espectador • Toda imagem tem um valores diferentes: • Pode ser um valor de representação, quando ocupa o lugar de coisas concretas. • Pode ser um valor de símbolo, ao evocar coisas abstratas. • Pode ser um valor de signo, quando as características do que ela substitiu não estão na imagem. • A maioria das imagens apresenta mais de um valor. O espectador • As imagens têm ainda diversos modos: • O modo simbólico, como no caso ‘das imagens religiosas, permitindo acesso à esfera do sagrado. • O modo epistêmico, quando a imagem propõe informações visuais sobre o mundo, como uma prancha de botânica. • O modo estético, quando a imagem é voltada para oferecer sensações (aisthésis) específicas. • Muitas imagens operam em vários modos. O espectador • A imagem tem como função primeira explicitar nossa relação com o mundo visual. • Ou seja: a imagem serve, antes de tudo, para ser imagem. • O espectador é parceiro ativo: constrói e é construído pela imagem. • Trabalho de reconhecimento (ver nas imagens “a mesma coisa da realidade”) e trabalho de rememoração (ao produzir um saber sobre o real). O espectador • Não há olhar fortuito (expectativas / hipóteses / verificação). • A percepção visual é um processo experimental. • Regra do etc.: o espectador supre a imagem daquilo que ela não possui. • O êxtase: a imagem pode colocar o espectador para “fora de si” (ek-stasis). • A imagem pode iludir, quando encontra condições psicológicas e sociais para tal. O espectador • A representação é um processo onde a imagem pretende tomar o lugar daquilo que ela representa. • A representação permite ao espectador ver por procuração (a vida vicária) uma realidade ausente. • A representação no tempo (presente, duração, futuro, sincronia, assincronia) varia nas imagens temporalizadas (vídeo, cinema) e nas imagens nãotemporalizadas (pintura, fotografia). O espectador • A imagem pode produzir dois efeitos diferentes: • Um efeito de realidade, quando propõe ao espectador uma série de indícios que imitam a percepção natural. • Um efeito de real, quando o efeito de realidade é tão forte que induz no espectador a sensação de que o que ele vê na imagem existe de fato, ou pôde existir, na realidade. • É isso que institui a dupla conceitual documentário/ficção e suas variações. O espectador • O trabalho de quem vê uma imagem é duplo: de um lado, empregando atividades perceptivas e cognitivas, o espectador compreende a imagem. • Por outro lado, empregando o saber (ou as modalidade de saber), determina um modo de usar aquela imagem. • Exemplo: o poder de convicção da imagem fotográfica vem de um saber implícito sobre a gênese dessa imagem (traço automaticamente produzido). • Exemplo: superposição = conhecimento do dispositivo. O espectador • O espectador é um sujeito com afetos, pulsões, emoções que intervem na sua relação com as imagens. • A imagem “contém” o inconsciente e, inversamente, o inconsciente “contém” a imagem. • O imaginário (domínio da imaginação) permite a produção de imagens interiores passíveis de serem externadas. • Toda imagem provoca redes identificadoras do espectador consigo mesmo e com os outros. O espectador • As imagens provocam processos emocionais incompletos, já que não permitem a passagem da emoção à ação. • Não há uma verdadeira comunicação entre espectador e imagem. • Mas as imagens podem produzir emoções “fortes” (de sobrevivência, estressantes: medo, susto, ansiedade) e emoções “sociais” (tristeza, afeição, desejo). O espectador • O espectador apresenta um tipo particular de “instinto”, ou melhor de pulsão. • Trata-se da pulsão escópica, que aciona a necessidade de ver. • Essa pulsão compõem-se de um objetivo (ver), uma fonte (o sistema visual) e um objeto (o olhar); • O olhar é um objeto do desejo. O espectador • A pulsão escópica pode gerar um tipo específico de perversão: o voyeurismo. • Trata-se de uma exacerbação da pulsão escópica. • Se a imagem é feita para ser olhada, deve proporcionar algum tipo de prazer. • Não apenas acreditamos na imagem (na realidade representada), mas a imagem produz uma revelação sobre o objeto representado. O espectador • A imagem é sempre modelada por estruturas profundas. • Essas estruturas são ligadas ao exercício de uma linguagem. • São ainda vinculadas a uma organização simbólica (cultura, sociedade). • Imagem é um meio de comunicação e de representação do mundo. O dispositivo • Há elementos propriamente plásticos nas imagens. • Esses elementos caracterizam as imagens como formas visuais. • A superfície da imagem (organização, composição, relações geométricas entre as diversas partes da imagem). • A gama de valores (maior ou menor luminosidade de cada região da imagem). • A gama de cores (e suas relações de contraste). • Os elementos gráficos. • A matéria da imagem (pincelada, grão...) O dispositivo • Todo dispositivo de imagens regula a distância entre o espectador e os valores plásticos. • Através do dispositivo, o espectador percebe o que está representado na imagem mas também a forma plástica que é a própria imagem. • Por exemplo: as principais fontes atuais de imagens (revistas, livros, TV, DVD) fazem parecer que todas as imagens têm dimensões médias e nos levam a privilegiar relações especiais fundadas em distâncias médias. O dispositivo • O sucesso de certos dispositivos provém da relação especial que propõem para as imagens. • Exemplo: o sucesso do cinema é em grande parte devido ao tamanho da imagem projetada. • Há efeitos de ampliação e redução que transformam o sentido da distância e levam o espectador a se aproximar ou se distanciar psicologicamente da representação. O dispositivo • Os dispositivos acentuam a relação entre as molduras concretas e as molduras abstratas. • Toda imagem tem suporte material porque é, em si, um objeto. • A moldura-limite é o que interrompe a imagem e define o seu domínio. • A moldura separa a imagem do que não é imagem, instituindo um dentro e fora do campo visual. O dispositivo • As molduras tem funções diferenciadas: • Funções visuais, ao isolar um pedaço do campo visual, tornando a percepção mais nítida. • Funções econômicas, ao realçar o valor da mercadoria-imagem. • Funções simbólicas, ao indicar ao espectador o que deve ser olhado. • Funções narrativas, ao designar o mundo imaginário que é contado, a diegese. • Funções retóricas, ao proferir um discurso sobre a própria representação. O dispositivo • Os dispositivos permitem que as imagens estabeleçam relações de centramento ou de descentramento. • Há, numa imagem, vários centros: geométrico, de gravidade visual, de composição, diegéticos. • Observar uma imagem é analisar e organizar estes diversos centros e relacioná-los ao centro absoluto (o próprio espectador). O dispositivo • A noção de enquadramento designa o processo mental e material pelo qual se constitui uma imagem de um determinado campo sob determinado ângulo. • Enquadrar é estabelecer uma relação entre um olho fictício (autor/câmera) e o conjunto de objetos do campo visual. • Disso derivam técnicas de superenquandramento (quadro no quadro, janelas, espelhos). • Nesse sentido, o desenquadramento é um enquadramento desviante. O dispositivo • A noção de ponto de vista faz equivaler o olho do produtor da imagem ao olho do espectador da imagem. • Um local, real ou imaginário, a partir do qual uma imagem é olhada. • Um modo particular de considerar um problema. • Uma opinião, um sentimento, uma posição ideológica. O dispositivo • Todo dispositivo define para as imagens uma dimensão temporal. • Há imagens não-temporalizadas, idênticas a si próprias no tempo (pinturas, fotografias). • Há imagens temporalizadas, que se modificam ao longo do tempo (cinema, vídeo). • Por isso consideramos as relações entre imagens fixas/móveis, únicas/múltiplas, autônoma/seqüencial. O dispositivo • Há ainda uma relação variável entre o tempo da imagem e o tempo do espectador. • A percepção da imagem única pressupõe um scanning, já uma tira de quadrinhos é lida imagem por imagem mas também no conjunto. • Há um tempo que pertence à imagem e um outro que pertence ao espectador. • Oposição discurso/história. O dispositivo • Mesmo as imagens de base fotográfica, antes de serem reproduções da realidade, são um registro de tal situação luminosa em tal lugar e em tal momento. • Certas imagens embalsamam o passado: “isso foi” (Barthes). • Mesmo um desenho, essa múmia do passado aponta para um momento de um traço que não retornará mais. O dispositivo • Nas imagens seqüenciais, agenciam-se blocos de espaço-duração, em certas condições de ordem e duração. • A montagem é resultado da seqüencialização de blocos de tempo, entre os quais há apenas relações temporais implícitas. • No caso das imagens não-temporalizadas seqüenciais (quadrinhos) as relações de tempo são marcadas de modo muito mais codificado. O dispositivo • Todo dispositivo implica num aparato tecnológico. • Todo aparato tecnológico implica numa ideologia (uma forma determinada de intervenção no mundo). • “A câmera veicula uma ideologia do visível” (Comolli). • Assim, as imagens devem ser percebidas de maneira diferente se nascem de dispositivos diferentes. O dispositivo • O dispositivo, portanto, é aquilo que regula a relação do espectador com a imagem. • Produz, necessariamente, efeitos sobre este espectador. • O dispositivo induz tipos particulares de espectador: o cinéfilo, o amante da pintura, o viciado em quadrinhos...) A imagem • A imagem existe (e só existe) para ser vista por um espectador historicamente definido por certos dispositivos. • Toda imagem é produzida de maneira deliberada, calculada, para atingir certos efeitos. • Tudo, na imagem, é produzido, distribuído e recebido como um processo (social, comunicacional, artístico...). A imagem • A noção de analogia indica a existência de uma relação de semelhança entre a imagem e a realidade. • Mas a analogia é relativa, pois toda representação é convencional. • Há convenções mais ou menos naturais, ou seja, mais ou menos parecidas com as propriedades do sistema visual natural. A imagem • A noção de mimese vem do grego mimesis, que significa imitação. • É sinônimo de analogia, mas designa um ideal de semelhança absoluta. • Toda imagem é, de um lado, fruto de uma necessidade de ilusão e, de outro lado, da necessidade de expressão concreta do mundo. • A analogia faz parte do processo de referência (o referente é o modelo da realidade que se pretende representar. A imagem • A imagem é mais analógica quando fornece o máximo de informação possível sobre a realidade. • Não há realismo absoluto. • O realismo é uma tendência, uma concepção particular da representação. • Em certas épocas, as representações não visava o realismo (as representações do além). A imagem • Na observação da imagem, uma das principais tensões se dá entre campo e cena. • O campo é o espaço representado nos limites da imagem onde se passa uma cena. • Mas ele admite um fora-de-campo: elementos que estão invisíveis mas que são admitidos pelo espectador. • O campo dá acesso potencial às parte não vistas da cena. A imagem • Falamos de narração quando a imagem representa um acontecimento. • Narrativa é um conjunto organizado de significantes cujos significados continuem uma história. • A imagem propõe uma narrativa do tipo mimético: a mostração. • A representação imagética é quase sempre determinada por uma intenção maior, de ordem narrativa. A imagem • Se a imagem contém sentido, este pode ser “lido” pelo espectador. • A imagem é lida num trabalho de interpretação. • A interpretação semiológica pretende detectar os códigos mobilizados na representação. • A interpretação iconográfica pretende situar a representação num contexto determinado.