500
SENTIMENTOS DE VERGONHA E EMBARAÇO: NOVOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES NO
PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DA INFÂNCIA EM MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX.
Cynthia Greive Veiga
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
O objetivo desta comunicação é discutir os procedimentos disciplinares estabelecidos para os alunos das cadeiras
de instrução elementar em Minas Gerais no período imperial, no momento da monopolização da instrução
pública pelo Estado. O que se quer problematizar é o significado da crítica aos castigos corporais e a introdução
de novas técnicas disciplinares tais como o vexame, o elogio público e o desenvolvimento dos sentimentos de
vergonha e embaraço. Pretende-se também analisar a interferência destas novas práticas disciplinares na
produção da identidade de aluno, como uma das condições de vivência da infância, levando-se em consideração
a elaboração de sua subjetividade. No desenvolvimento destas ações objetiva-se ainda discutir o tensionamento
entre as práticas disciplinares exercidas pelos professores e pelas famílias. O desenvolvimento destas questões se
fez a partir das análises de diferentes fontes documentais, tais como a legislação e correspondências diversas
entre delegados literários, professores e pais de alunos (Seção Provincial/Instrução Pública, APM). Analisa-se
ainda os estudos referentes à sociedade imperial nas questões relativas a organização do Estado, estrutura das
famílias e a institucionalização de instrução elementar no período em diferentes autores. No aspecto teóricoconceitual desenvolveu-se reflexões relativas ao processo civilizador, ao estabelecimento de mecanismos de auto
controle e ao desenvolvimento dos sentimentos de vergonha e pudor fundamentalmente, a partir dos estudos de
Norbert Elias. Este autor discute a elaboração de novas atitudes de comportamento como componentes da
modernidade e da consolidação do Estado, afirmando que no século XIX foi necessário estender tais atitudes
para toda a população, como forma de consolidar o processo civilizador e viabilizar as nacionalidades. A partir
deste referencial queremos demonstrar que o processo de monopolização de instrução elementar pelo Estado
imperial brasileiro esteve em sintonia com o discurso mundial da necessidade do desenvolvimento da civilização
entre as populações pobres. Entre os vários procedimentos fixados para a extensão da escolarização à estas
populações, destacam-se aqueles relativos a regulamentação da disciplina do aluno enquanto prática de
civilidade. A legislação foi enfática na proibição de castigos físicos e na sinalização para o exercício de
“correções moderadas” , além do estabelecimento de normalizações relativas a recompensas e punições,
introduzindo mecanismos inovadores para o desenvolvimento de sentimentos de vergonha e embaraço.
Entretanto, observa-se que os esforços para a alteração das atitudes dos mestres em relação aos alunos
apresentou tensões ocorrendo, por interferência dos delegados literários e inspetores, casos de suspensão de
professores que aplicavam castigos físicos em alunos. Também foi possível detectar a interferência de pais de
alunos que retiravam seus filhos da escola pelo mesmo motivo. Por outro lado assinala-se que as crianças
passaram a conviver com estereótipos de comportamentos produzidos por um outro lugar que não a sua família.
Dessa maneira, a escolarização produziu uma outra condição de infância, pelas práticas de exposição das
crianças à situação de vergonha ou elogio. Neste sentido, é possível indicar para o fato de que a introdução da
escolarização como rotina das populações, mesmo que desenvolvida de forma lenta e difusa, teve um papel
fundamental na assimilação das atitudes civilizadas pela sociedade de uma maneira geral.
TRABALHO COMPLETO
O objetivo desta comunicação é discutir os procedimentos disciplinares indicados para
os alunos das cadeiras de instrução elementar em Minas Gerais no período imperial, no
momento em que estabeleceu-se a monopolização da instrução elementar pelo Estado. O que
se quer problematizar é o significado das críticas aos castigos corporais e da introdução de
novas técnicas disciplinares tais como, o vexame e o elogio público, elaboradas por diferentes
sujeitos envolvidos no processo de implementação da instrução. É possível que a interferência
destas novas práticas disciplinares e a introdução do julgamento do comportamento da criança
por um outro que não os seus familiares, tenha possibilitado alterações na produção de sua
subjetividade e portanto, na sua condição de infância.
As discussões relativas às novas dinâmicas disciplinares especialmente voltadas para
alunos das cadeiras de instrução elementar, é parte dos dispositivos escolarizadores
(FOUCAULT,1981) produzidos em toda a sociedade ocidental no século XIX, no momento
em que a escola elementar é institucionalizada para todas as classes sociais. O processo de
monopolização dos saberes elementares pelo Estado, por sua vez, foi um fator de extrema
501
relevância para a consolidação do projeto de civilização, em curso nas sociedades desde o
século XVI (VEIGA, 2002). Queremos afirmar com isso que os novos indicadores
disciplinares são parte da história do desenvolvimentos das técnicas de civilidade que se
impuseram lentamente para toda a sociedade.
A auto-disciplina como indicador de civilidades
Norbert Elias (1993) ao analisar o desenvolvimento das civilidades na Europa na
modernidade, destaca que este tema se filia às alterações de comportamento das classes
aristocráticas como parte das profundas mudanças políticas e econômicas ocorridas desde o
século XVI. A configuração da sociedade da corte, a formação do Estado através da
monopolização de tributação e da violência física foram os elementos constituídos destes
acontecimentos. A especialização das funções guerreiras despojara as elites das armas,
introduzindo a retórica, as boas maneiras e os bons hábitos como estratégias de disputas de
poder e de diferenciação social. Neste contexto, desenvolverem-se as capacidades de previsão
e de auto-controle, a necessidade do abrandamento de pulsões e portanto a racionalização das
atitudes, na mesma proporção em que absolutizava-se a violência física pelo Estado, através
da regulamentação do campo jurídico, das penas e punições, onde não mais cabia às pessoas
decidiram sobre seus conflitos. Dessa maneira, os atos e gestos de violência deixaram de ser
comportamentos que identificavam uma pessoa de prestígio.
A circulação de manuais de civilidades, além de várias outras obras que prescreviam a
auto disciplina tornaram-se uma rotina na sociedade através do destaque na educação dos
instintos e desenvolvimento da razão pela ênfase numa pedagogia que deveria ser estabelecida
nos indivíduos de dentro para fora. É o que podemos observar por exemplo, no pensamento
de John Locke (1632-1704) onde o autor afirmava a necessidade do homem “...negar a si
mesmo seus próprios desejos, contrariar suas próprias inclinações e seguir puramente o que a
razão indica como melhor, embora o apetite incline-se em outra direção”1.
Norbert Elias (1993) observa para este contexto que vergonha, repugnância e
embaraço são sentimentos peculiares a “modelação da economia das pulsões”2. Associados a
racionalização dos impulsos, tais sentimentos se constituíram como características do
processo civilizador, onde o indivíduo experimenta sensações que entram em choque não
somente perante a opinião social, mas coloca-o em conflito com a parte de si mesmo que
representa esta opinião. Podemos afirmar que uma nova subjetividade estava em curso.
Também nas experiências escolares entre os séculos XVI e XVII, lentamente foram
sendo introduzidas orientações no sentido de reforçar uma pedagogia de dentro para fora,
embora ainda não substituíssem a força física. Destaca-se para isso a regulamentação dos
colégios jesuítas3 que previa disputas, premiação e recompensas como forma de estímulo e
prevenção da desordem, e principalmente as regras das escolas lassalistas para conduta das
escolas cristãs publicações em 1702. Mário Mancorda4 (1989) destaca em relação a estas
regras o desenvolvimento de uma pedagogia de sinais, poupadora de palavras e preservadora
do silêncio, além da prescrição de recompensas (pela piedade, aproveitamento e assiduidade)
e de correções. Nas regras lassalistas a correção era tida como um meio pedagógico valioso,
sendo possível punições através de palavras e de penitência e pelo uso de instrumentos como
a férula, o chicote ou a disciplina5 e finalmente a expulsão.
1
Locke, 2000, p. 139. O título original da obra é “Some thoughts concerning Education”, com primeira edição
em 1693.
2
Elias, 1993, p. 242
3
Cambi, 1999, p228
4
Manacorda, 1989, p. 228
5
Na regra lassalista a disciplina é descrita como um “bastão de 8 a 9 polegadas, na ponta do qual estão fixadas 4
ou 5 cordas e cada uma delas terá na ponta três nós”. (citado por Manacorda, 1989, p. 234)
502
Observa-se que havia normas para que o uso desses instrumentos não fossem usados
de maneira indiscriminada, por exemplo a palmatória deveria ser usada apenas pelo mestre e
servir para bater “somente” na palma da mão esquerda com dois ou três golpes no máximo.
Manacorda (1989) afirma também que estariam proscritos violências como bofetões,
pontapés, puxões de nariz, de orelhas e de cabelos, empurrões ou puxar pelo braço, atitudes
estas consideradas indignas de um mestre. Havia ainda prescrições sobre a exposição dos
castigados:
“As correções ordinárias com o chicote serão feitas no canto mais escondido e
escuro da sala, onde a nudez de que for corrigido não possa ser vista pelos outros;
cuide-se muito para inspirar aos alunos horror de um mínimo olhar nessa
ocasião... As correções extraordinárias, porém... devem ser feitas publicamente, na
presença dos alunos da classe, no meio da sala (ou às vezes com a presença de
todas as classes”6.
Ainda como parte da dinâmica civilizatória do período destacam-se as reorientações
produzidas para o trato da infância e da família, o que pode ser observado a partir da difusão
de tratados de educação da criança. Na obra de Alexandre Gusmão, de 16857, “A arte de criar
bem os filhos na idade da puerície”. Este condenava os mimos, defendia a disciplina e a
obediência, mas indicava para castigos físicos moderados. Outro autor, Fenelón (1651-1715)8,
em “Da educação das filhas”, orientava os pais para “ameaçar pouco, castigar ainda menos e
aplicar penas tão ligeiras quanto possível, mas sempre acompanhadas de circunstância que
pudessem provocar na criança a vergonha e os remorsos”. A partir de meados do século
XVIII, outros saberes e acontecimentos concorreram para as alterações na representação da
infância e da família, tais como o higienismo e no século XIX, a escolarização, o
industrialismo e a eugenia, além de consolidação de uma moral burguesa e do
desenvolvimento de uma cultura de privatização e intimidades.
Especialmente aqui, destacamos no século XIX, a difusão dos saberes elementares
para todas as camadas da população como indicador do pensamento das elites de que era
necessário estender as civilidades a todos, como forma de completar o projeto de civilização.
Para isso desenvolveram-se no início do século XIX as experiências das escolas mútuas,
sistematizadas pelos ingleses Bell (1753 – 1832) e Lancaster (1778 – 1738) que entre outras
coisas, propuseram o fim dos castigos físicos. Um autor do final do século XIX, Octave
Greard, destacava que
“É um dos títulos dos fundadores das escolas mútuas o reconhecimento público de
ter proscrito as punições corporais – a palmatória e o chicote – que, até então,
eram usadas; e não será demais reconhecer terem procurado substituir no coração
dos alunos o sentimento de medo pelo sentimento de honra, ou como disse M. de
Laborde, o sentimento da vergonha bem administrado”9.
Novos procedimentos disciplinares para as escolas como parte do ideal civilizador
A monopolização da instrução elementar pelo Estado, no Brasil, também esteve
inserida no rol das estratégias destinadas a estender as civilidades à todo cidadão brasileiro.
Estamos denominando como monopolização o investimento realizado para regulamentar o
funcionamento das aulas públicas e particulares ao longo de todo o império. Diferentemente
6
Citado por Manacorda, 1989, p. 234.
Citado por Ferreira, 1988.
8
Citado por Ferreira, 1988.
9
Octave Greard, 1887, citado por Lesage, 1999, p. 22.
7
503
do período colonial, a instrução elementar gratuita foi estabelecida como direito do cidadão,
tal qual rege a constituição de 1824, e como dever dos pais ou responsáveis em fornecê-la
para seus filhos (seja a domicílio, em aula particular ou pública), de acordo com a lei
provincial n.º 13 de 1835. Esses dois elementos, o direito à instrução e o dever dos pais, foram
os alicerces definidores da monopolização realizados a partir de várias contradições, tensões e
limitações, mas que definitivamente consolidaram o Estado como monopolizador dos saberes
necessários à produção de uma sociedade civilizada, onde minimamente os sujeitos deveriam
ser instruídos para serem úteis a si mesmo e à sociedade.
Destaca-se ainda que a institucionalização da instrução elementar não foi um
investimento para o benefício das classes abastadas, para estas a legislação era flexível,
possibilitando o ensino doméstico e as aulas particulares. Mas de acordo com dados de
pesquisa em desenvolvimento, a clientela alvo foram as classes pobres da província, portanto
em consonância com as concepções e ações presentes em outras sociedades a respeito da
necessidade de civilizar os pobres e como forma de completar o ideal de civilização. É dessa
maneira que é possível interpretar, por exemplo, a inexistência da exigência de dados raciais
para a matrícula dos alunos e para o controle de sua freqüência. Queremos enfatizar com isso
que a escola pública se estabeleceu no século XIX como estratégia de inserção regulada e
normatizada das crianças pobres, expostas, negras, pardas e mestiças à sociedade, desde que
livres (VEIGA,2003).
Portanto, a discussão relativa a disciplina escolar foi de fundamental importância na
medida em que as crianças teriam acesso a determinados dispositivos e técnicas disciplinares
que não aquelas definidas pelas suas famílias ou outros responsáveis (tutores, educadores10)
pelo seu cuidado. O Estado monopoliza não somente os saberes elementares, mas também as
regras de inserção na sociedade através da difusão de normas de comportamento, passíveis de
punições e recompensas, prescritas pela lei.
Outro elemento fundamental para compreendermos as intenções nas mudanças nas
formas disciplinares diz respeito ao processo de formação do Estado nacional brasileiro onde
a monopolização da força física e a monopolização da instrução elementar, diferentemente
dos países europeus, estiveram em curso no século XIX, concomitantemente. A
monopolização da força física se fez através do estabelecimento da guarda nacional, da
obrigatoriedade do recrutamento militar à serviço do Estado e do estabelecimento de um
código civil e criminal. Tais elementos favoreceram também a racionalização da
permissividade da violência, ocorrendo no âmbito legal um deslocamento das práticas
indistintas de atos de violência para atos controlados pelo Estado. É por exemplo o que nos
permite inferir o item 19, art. 179 da constituição de 1824: “Desde já ficam abolidos os
açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as penas mais cruéis”, ou seja, as práticas
autônomas de violência tornam-se passíveis de penalidades prescritas pelo Estado.
A questão do controle da força física no Brasil foi ainda um tema especial dado à
tradição histórica da violência exercida pelos colonizadores e pelas elites proprietárias em
relação aos escravos e aos índios. No caso destes, houve uma redefinição do seu tratamento, a
partir da revogação do decreto de D. João VI, de 1808, que autorizava o extermínio físico dos
indígenas. Vários autores como José Bonifácio e Couto de Magalhães denunciaram os maus
tratos e estabeleceram as diretrizes norteadoras das campanhas de civilização dos índios
através do aldeamento e da instrução, no intuito de transformá-los em indivíduos úteis11.
10
A expressão educador é largamente utilizada para se referir a crianças órfãs e expostas cujos cuidados
estiveram a cargo de tutores. Nas Ordenações Filipinas não aparece essa expressão, mas nos documentos como
mapas de freqüência, relação de alunos elaborada por professores ou ainda na legislação há sempre referências a
tutores, cuidadores, protetores e/ou educadores.
11
Silva, 2003.
504
Portanto, é interessante observar que o discurso civilizatório possuía um conteúdo em
comunhão com os países europeus na afirmação de que para a constituição do progresso e do
desenvolvimento era imprescindível a racionalização das atitudes e dos comportamentos
como estratégia de estabelecimento da ordem. Isso diz respeito à uma revolução dos
costumes, onde a disciplina de fora para dentro torna-se insuficiente, sendo necessário que os
indivíduos se estabelecessem no público de maneira universalizada através do controle de
seus instintos e pulsões.
As intenções civilizatórias das elites governantes mineiras
Na lei imperial de 12 de outubro de 1827 que mandava criar as escolas de primeiras
letras nos lugares mais populsos do império, há a prescrição de castigos “pelo método de
Lencastre” (sic).12 Não há referências sobre o que os legisladores estariam definindo como
caracterizadores destes castigos, entretanto a tomar pelos estudos a respeito do método mútuo,
as indicações eram como vimos, de proscrição dos castigos físicos e estabelecimento de
punições de cunho moral.
Entretanto, no caso da província mineira, e contrário as orientações de Lancaster,
temos a aprovação de um documento em 1829 intitulado “Castigos Lancasterianos – Em
conseqüência da Resolução do Exmo Conselho de governo da Província de Minas Gerais,
mandando executar pelos Mestres de 1.ªs Letras e de Gramática Latina”.13 Em interessante
texto sobre o ensino mútuo em Minas Gerais, Faria Filho e Rosa (1999) analisam este
documento e afirmam a existência da indicação de castigos físicos praticados com crueldade,
embora houvesse também a defesa da emulação. Em relação à repercussão de tais métodos
disciplinares, os autores citam as críticas à tais castigos em um jornal local, onde é possível
observar que a argumentação se fez na direção dos princípios da civilidade, na necessidade de
uma disciplina que inspirasse a dignidade em substituição ao medo.
Através de outras fontes é possível observar a aplicação das orientações presentes no
documento de 1829 e também interrogações sobre a sua eficácia. Em um relatório de um
delegado literário de 22/06/1835, este registra, em relação aos castigos o seguinte,
“O Ex.mo Governo mandou adoptar os que se indicam no Sistema Lancaster: na
1ª. Visita que fiz à aula encontrei em uso a gonilha de madeira. Esta porém, e as
cadeias para os pés me pareceram contrastar com a proscrita palmatória, a cesta,
a caravana14 mais servirão para distrair, que para corrigir a mocidade”.15
Já em correspondência ao presidente de província, de 04/05/183616 outro delegado
afirmava que os “castigos alencastrianos” eram perigosos para jovens de baixa idade.
Portanto, a apropriação indevida das prescrições de Lancaster para a disciplina dos alunos, por
parte das elites mineiras, sem dúvida nenhuma mereceriam maiores estudos, mesmo porque as
orientações associavam-se às técnicas de violência contra os escravos e que estiveram em
questão na época. Por outro lado, nos estudos relativos ao ensino mútuo em outras províncias
brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul (Bastos e Faria Filho, 1999)
demonstram que as orientações disciplinares das escolas de ensino mútuo eram fiéis ao
pensamento de Lancaster, ou seja contra castigos físicos.
12
Coleção, 1878.
Citado por Faria Filho e Rosa, 1999, p. 184-185.
14
Gonilha: círculo de ferro que se encaixava no pescoço dos escravos fujões; cadeias: corrente de anéis ou de elo
de metal, grilhão. Não foi possível identificar os instrumentos e/ou procedimentos nomeados como cesta e
caravana. (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986)
15
PP 1/42, caixa 02, P. 63 (APM)
16
PP 1/42, caixa 05, P. 23 (APM)
13
505
Já na primeira regulamentação provincial de Minas Gerais sobre a instrução pública, o
regulamento n.º 3 da lei n.º 13 de 07/05/1935, não foi utilizado a expressão “castigo
lancasteriano” e assim prescrevia o artigo 39:
“Os professores poderão corrigir moderadamente seus alunos, abstendo-se de
expressões grosseiras e de tratos aviltantes e que longe de os chamar a obediência,
tendam a fazer-lhes perder o pejo”.
A partir da leitura de ofícios e correspondências diversas, observa-se que duas
questões se apresentavam para os professores e até mesmo para os delegados e inspetores,
quais sejam o que viria a ser correção moderada e como expor os alunos à vergonha. Na
mesma correspondência citada anteriormente, entre delegado e presidente de província,
aquele diz que os professores o tem consultado a respeito da “inteligência” do artigo 39.
Segundo o delegado estes perguntam se podem continuar a “corrigir os alunos com
palmatoadas a vista da costumância”, o que o delegado afirma que seu pensamento está em
consonância com a lei, ou seja, explica que correção moderada é o não uso de tratos aviltantes
como açoites e bofetadas, que a “atual civilização tem proscrito”. Afirma ainda que como
considera os “castigos alencastrianos” perigosos, além de que não está definido na lei o que é
correção moderada, não se julga habilitado para resolver tal dúvida e pede que o presidente
de província “ordene o que for justo”.
É muito interessante como que as práticas de coibição de violência física em uma
sociedade marcada, na “costumância” por estas atitudes, se tornam um desafio para os
gestores do ensino, principalmente pela referência nas normatizações, e necessidade do
cumprimento da Lei, além dos conflitos que estabelecem com as famílias.
Em uma correspondência de 24/02/183817, o delegado expõem ao presidente o caso de
um pai que dá queixa do professor que castigou arbitrariamente um dos seus filhos, tendo-lhe
dado, em uma só manhã, 33 palmatórias a fim do menino compreender as contas. O delegados
relata que esta não era a primeira notícia que tinha das atitudes do professor e portanto era
necessário tomar providências. Em outra correspondência, de 05/4/183818, também o
delegado descreve o comportamento de um professor que desempenha os deveres do
magistério mas “tem-se mostrado muito ríspido com os alunos, fazendo uso em demasia da
palmatória, afirma ainda que ordenou-lhe que os castigos “não excedessem no máximo 5
palmatórias”. Ao final do mesmo ano, outro relatório, de 24/11/1838, continua dando notícias
do mesmo professor,
“... é forçoso dizer que suas maneiras ríspidas, seu gênio arbitrário, seu sistema de
aguçar o entendimento bronco dos alunos por meio da palmatória, em contradição
ao que eu expressamente lhe tenho ordenado, guardando-lhe o poder
discricionário das palmatórias, infelizmente contrabalançam os salutares efeitos
da lei...”19
Ainda nestes registros o delegado afirma que os pais dos alunos os estão tirando da
escola em função dos maus tratos que sofrem. Esta mesma atitude é relatada em vários outros
registros, inclusive quando a violência era praticada pelos monitores das aulas mútuas. Em
14/05/1837, encontramos o registro do delegado a respeito de um pai que reclama do
professor, dizendo ser ele doente e não ensinar bem, sendo que os filhos ficam por conta dos
decuriões que os maltratavam “com réguas, nascendo dali brigas...”20 Em decorrência disto, o
17
PP 1/42 Caixa 10, P. 39 (APM)
PP 1/42 Caixa 10, P. 57 (APM)
19
PP 1/42 Caixa 12, P. 37 (APM)
20
PP 1/42 Caixa 08, P. 04 (APM)
18
506
pai anuncia que os filhos deixarão de freqüentar a escola e que ele mesmo vai ensinar-lhes em
casa.
Pelo que foi possível observar na documentação analisada, a questão dos castigos
físicos foi se tornando realmente um problema. As autoridades comentam em seus relatórios a
necessidade de outras práticas disciplinares. Em correspondência de 01/04/1837, o delegado
destaca para a necessidade de se estabelecer um “método único para a polícia interna das
escolas, dois poderosos estímulos, o castigo e a recompensa, a correção e o prêmio...” 21,
sugere ainda que os prêmios sejam materiais escolares.
Mas também em relação ao segundo aspecto do regulamento n.º 3, sobre como fazer o
aluno “perder o pejo”, não havia muita clareza e definição. Ao que parece a discussão sobre
esse assunto foi bastante influenciada pelo relatório de 13/04/183922 do professor Assis
Peregrino, em que descreve uma outra concepção de disciplina a partir das observações de sua
viagem à França. Segundo Peregrino, fazem parte dos “meios disciplinares de uma escola de
ensino simultâneo” a ação dos vigilantes (monitores), os registros de matrícula, freqüência e
desempenho do aluno, a distribuição do tempo e dos trabalhos, as ordens, as recompensas e
punições, os exames. Apesar da riqueza como descreve todos estes meios nos possibilitando
uma visão do conjunto dos dispositivos disciplinadores, para o espaço que dispomos,
somente trataremos do item punições e recompensas. De acordo com Peregrino, a melhor
educação é aquela feita pelo emprego da docilidade, do raciocínio e das persuasões.
Entretanto ele coloca em dúvida a suficiência destes meios para “nossas escolas”,
reconhecendo a necessidade do uso da “severidade para manter a ordem e submeter à
obediência os caracteres indóceis”. Para o professor Pelegrino isso se devia, principalmente, à
viciosa educação das famílias, que podia variar da extrema indulgência às pancadas. Dessa
maneira, condenando com veemência os castigos corporais, ele enfatiza a emulação, embora
indique as formas de punição, quando necessárias, na seguinte ordem:
1.º Perda de pontos.
2.º Repreensão diante dos companheiros.
3.º Distribuição de um ou mais bilhetes de satisfação
4.º Obrigação de ficar por algum tempo na aula depois de seus companheiros
se retirarem.
5.º Ficar me pé em lugar para isso designado.
6.º Trazer um escrito pendurado no pescoço designando a natureza do crime.
7.º Expulsão provisória de aula.
8.º Inscrição do nome do menino no quadro negro que somente será retirado
quando reparar as faltas.
9.º Comunicação aos parentes.
A ênfase de Peregrino estava no objetivo de expor os alunos em situações de
constrangimento. Como exemplo na especificação dos “escritos de punição” ele assim define:
“São algumas pranchas de um palmo quadrado, em que estejam escritas em
grandes caracteres certas palavras, como por exemplo:
PREGUIÇOSO,
FALADOR, MENTIROSO, BRINCADOR, etc.. Estes escritos estarão suspensos na
escrivaninha do professor e patentes a toda aula. O aluno que cometer um crime
trará por algum tempo, pendurado ao colo aquele escrito que se refere ao crime...
21
22
PP 1/42, caixa 07, P. 07 (APM)
Códice 236, 13/04/1839 (APM)
507
o aluno que é assim castigado fica em pé sobre o estrado, e exposto a toda a
aula”.23.
Adverte ainda para a cautela no uso deste tipo de punição que deve ser feito com
moderação e reserva, para que não perca o efeito moral.
Por outro lado as recompensas são indicadas para se evitar as punições, no intuito de
produzir sentimentos virtuosos, auto estima positiva (“lisonjeiam o amor próprio”) e
satisfação dos parentes. Elas se estabelecem a partir do bom desempenho e comportamento
dos alunos, podendo estes receberem “bilhetes de satisfação”, mudar de divisão (mais
adiantada), além de elogios públicos perante os demais alunos e até autoridades, inscrição do
nome em quadro de honra e recebimento de medalhas. Outra orientação que permitia a
exposição dos alunos era a sugestão de que após a realização dos exames finais houvesse a
distribuição de prêmios para os melhores na presença de autoridades e dos habitantes dos
lugares. Aliás, tanto a legislação quanto as correspondência e os relatórios, nos dão indícios
da realização de atos desse tipo, inclusive a prescrição legal era de que os exames fossem
realizados por época do Natal e justificados pelo fato de haver, próximos a esta data, uma
afluência de pessoas nas localidades.
Estas orientações de Peregrino tiveram repercussão ampla, pois já nos registros de
datas posteriores é notória a influência das idéias presentes no seu relatório. Em 10/10/1839, o
delegado fazendo menção a lei de orçamento provincial relativo à instrução pública, registra
que
“Por este artigo é V. Ex. autorizado a dar prêmios aos alunos que mais de
distinguirem. Ora V. Ex. conhece perfeitamente a necessidade que tem os jovens de
certos estímulos que desafiando-lhes o brio, e despertando-lhes a emulação, façam
neles brotar o salutar desejo de sempre se avantajarem uns aos outros, e de cada
qual procurar ser o primeiro, e sem igual, e tão bem que é este meio mais
prazeroso e eficaz para se fazer a instrução e conseguir-se o progresso dos
alunos.”24
O delegado solicita ainda a regulamentação da natureza dos prêmios e a maneira de
distribuí-los bem, de forma que se tornem efetivos. Em correspondência de 31/10/183925 o
delegado agradece a resposta positiva do presidente.
A partir da década de 40, a legislação passou cada vez mais a enfatizar os castigos
morais. Na resolução n.º 311 de 08/04/1846, afirma-se que os meios disciplinares são os do
método simultâneo. O regulamento n.º 44 de 1859, estabelecia penas aos professores que
excediam nos limites disciplinares e praticassem, através de atos e palavras, ações imorais e
obscenas. O regulamento n.º 49 de 1861, permite castigos moderados, desde que não sejam
aviltantes e somente o regulamento n.º 56 de 1867, proibiu claramente os castigos corporais, o
que foi reiterado em outras legislações.
Considerações Finais
Apesar das legislações preverem o fim dos castigos corporais, diferentes fontes
documentais nos indicam para uma tensão permanente entre os professores que insistiam nos
castigos físicos e praticavam até atos imorais contra os alunos, os pais que condenavam os
abusos e as autoridades que reafirmavam a necessidade de adoção de técnicas civilizadas para
23
Códice 236, 13/04/1839 (APM)
Códice 235, 10/10/1839 (APM)
25
Códice 235, 31/10/1839 (APM)
24
508
corrigir os alunos, fundamentadas em concepções meritocráticas do liberalismo. Mas pode-se
afirmar que o Estado não somente não investiu na formação do professorado, como também
não dotou as escolas das condições mínimas de funcionamento e muito menos assimilou
plenamente as orientações de Peregrino. Como vimos, para este professor a disciplina não se
limitava a técnicas de punições e recompensas, mas ao estabelecimento de um conjunto de
preceitos disciplinares acrescidos de uma materialidade própria de uma escola na concepção
de época. No conjunto da documentação, observa-se que a violência praticada contra o aluno
se referia em grande parte a situações de não aprendizagem dos conteúdos e não propriamente
a problemas relativos ao comportamento moral. Não é difícil portanto interpretar as tensões
acima referidas dada a total precariedade material das salas de aula, muitas das vezes
funcionando nas casas dos próprios professores, a ausência de objetos e materiais escolares,
bem como as difíceis condições materiais dos alunos de freqüentarem as aulas, ou se
empenharem nos estudos.
Destaca-se ainda que permaneceu nas práticas cotidianas de sala de aula uma tradição
de violência que advinha da cultura escravocrata. Isso nos indica que não bastava a existência
de uma economia ou de uma política que se pretendia liberal, ou mesmo o estabelecimento
de uma elite com um pé na Europa civilizada. A cultura de autoritarismo que se instalou no
Brasil desde os tempos coloniais permanecia, sendo a disciplina ainda exercida pela
pedagogia de fora para dentro. A condição de infância, por sua vez, adquiriu outra
visibilidade, ao longo das décadas, o Estado, através da ação dos mestres, fixou a sua
autoridade na educação das crianças. Num lento deslocamento, a escolarização das crianças
produziu alterações na condição de sua infância pautadas pelas suas atitudes e
comportamentos, seja através do medo, do constrangimento, ou do elogio público. Num relato
de Leopoldo Pereira, publicado na Revista do Ensino26, o autor nos conta suas memórias da
“escola antiga”, possibilitando-nos aproximar dos sentimentos então vivenciados pela
condição de muitas infâncias.
“Não se comprehendia então a escola sem o castigo corporal: a ferula era para o
mestre como o sceptro para o rei ou o cajado para o pastor. Até nas aulas de latim
e francez, que nossas principaes cidades possuiram durante muitos annos, corria
bem acceito o axioma que o latim, quando não entra pelos olhos e ouvidos, devia
entrar pelas unhas.
Na escola primaria a palmatoria chamava-se santa luzia. Porque este nome: como
se sabe, a crença popular venera Santa Luzia como advogada da vista, e nossos
paes entendiam que a ferula é que devia dar vistas aos cegos.
No dia do exame, a que compareciam as pessoas gradas do lugar, depois do café
com biscoitos em que a mestra se esmerava, a meninada alegre e radiante se
apoderava da palmatoria e levava-a pelas ruas entre vaias e canções para
solemnemente a enterrar. Este enterro era uma das festas da aldêa; e toda a gente
acodia ás portas e janellas para ver passar o ruidoso prestíto na satisfação de uma
justa vingança. Mas, como a alegria é precaria e enganadora na vida, não estava
longe o primeiro dia de aula do anno seguinte e o desenterro tambem solemne,
mas já sem manifestações de prazer, do amaldiçoado instrumento de supplicio”.
FONTES DOCUMENTAIS
Seção Provincial
Fundo: Presidência da Província
SP; PP 1/42, Caixa 02, p. 63
SP; PP 1/42, Caixa 05, p. 23
26
Revista do Ensino, out. 1927, p. 525.
Seção Provincial
Fundo: Secretaria de Governo
Códice 235, 10/10/1839
Códice 236, 13/04/1839
509
SP; PP 1/42, Caixa 07, p. 07
SP; PP 1/42, Caixa 08, p. 04
SP; PP 1/42, Caixa 10, p. 39
SP; PP 1/42, Caixa 10, p. 57
SP; PP 1/42, Caixa 12, p. 37
Abreviações:
APM – Arquivo Público Mineiro
SP – Seção Provincial
PP – Presidente da Província
P. – Pacotilha
510
LEGISLAÇÃO
Coleção das Leis do Império do Brasil de 1827. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1878.
Constituição Política do Império do Brasil (25/03/1824). In: DANTAS JUNIOR, J. da C.
Pinto. As constituições do Brasil. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1937.
Livro da Lei Mineira. Tomo 1.º, Parte 2.ª, Regulamento n.º 3, Lei n.º 13, 1835, Ouro Preto:
Typografia Provincial, 1835.
Livro da Lei Mineira. Tomo XII, Parte 1.ª, Resolução n.º 311, de 08 de abril de 1846. Ouro
Preto: Typografia Provincial, 1847.
Livro da Lei Mineira. Tomo XXIII, Parte 2.ª, Regulamento n.º 41, Lei n.º 791, Ouro Preto:
Typografia Provincial, 1857.
Livro da Lei Mineira. Tomo 1.º, Parte 2.ª, Regulamento n.º 44, Lei n.º 960, Ouro Preto:
Typografia Provincial, 1859.
Livro da Lei Mineira. Regulamento n.º 49, Lei n.º 1.064, de 04 de outubro de 1860. Ouro
Preto: Typografia Provincial, 1861.
Livro da Lei Mineira. Tomo XXVI, Parte 1.ª, Lei n.º 1.064, de 04 de outubro de 1860. Ouro
Preto: Typografia Provincial, 1861.
Livro da Lei Mineira. Tomo XXXIII, Parte 2.ª, Regulamento n.º 56, Lei n.º 1267 de 02 de
janeiro de 1866. Ouro Preto: Typografia Provincial, 1868.
Livro da Lei Mineira. Tomo XXXIII, Parte 1.ª, Lei n.º 1769, de 04 de abril de 1871. Ouro
Preto: Typografia Provincial, 1871.
BIBLIOGRAFIA
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: Formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro:
Zahar, 1993. V. 2.
FARIA FILHO, Luciano Mendes, ROSA, Walquíria M. O ensino mútuo em Minas Gerais
(1823 – 1840). In: BASTOS e FARIA FILHO (Orgs.) A escola elementar no século XIX, o
método monitorial/mútuo. Passo Fundo: EDIUPT, 1999.
FERREIRA, Antônio Gomes. Três propostas pedagógicas de finais de seiscentos: Gusmão,
Fenelón e Locke. Coimbra: Universidade de Coimbra/Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação, 1988.
FOCAULT, Michel. Microfísica do poder. 2. ed., Rio de Janeiro: Graal, 1981.
LESAGE, Pierre. A pedagogia nas escolas mútuas do século XIX. In: BASTOS e FARIA
FILHO (Orgs.) A escola elementar no século XIX, o método monitorial/mútuo. Passo Fundo:
EDIUPT, 1999.
LOCKE, John. Alguns pensamentos acerca da Educação. Cadernos de Educação. Pelotas, janjun, 2000, n.º 14
511
NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO de Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
SILVA, Marcilene da. Educar e Civilizar: os caminhos para a construção do sujeito social análise de experiência de escola para índios (1873 - 1889). Belo Horizonte: FaE/UFMG,
(mimeo), 2003.
VEIGA, Cynthia Greive. A escolarização como um projeto de civilização. In: Revista
Brasileira de Educação. Anped, set-dez, p. 90-103, 2002.
____________________. Alunos pobres no Brasil, século XIX: uma nova condição de
infância. Belo Horizonte: FaE/UFMG, (mimeo), 2003.
Download

Sentimentos de vergonha e embaraço