UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA EM ASSOCIAÇÃO AMPLA AA
MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA
VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO
BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO
FORTALEZA
2013
19
MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA
VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO
BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
em Saúde Coletiva em Associação Ampla
UECE/UFC/ UNIFOR, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Doutor em Saúde Coletiva. Área de
concentração:
Políticas,
Gestão
e
Avaliação em Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia
Magalhães Bosi
FORTALEZA
2013
20
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências da Saúde
S697v
Sousa, Marcos Aurélio Macedo de.
Vozes e documentos na articulação crítico-hermenêutica do bolsa família com o
direito humano e social à alimentação/ Marcos Aurélio Macedo de Sousa. – 2013.
165f. : il.
Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual do Ceará/
Universidade Federal do Ceará/Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2013.
Área de concentração: Políticas, gestão e avaliação em saúde.
Orientação: Prof. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi.
1. Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação. 2. Segurança Alimentar e
Nutricional. 3. Políticas Públicas. 4. Saúde Pública. I. Título.
CDD 362.1
21
MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA
VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO
BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
em Saúde Coletiva em Associação Ampla
UECE/UFC/UNIFOR, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Doutor em Saúde Coletiva. Área de
concentração:
Políticas,
Gestão
e
Avaliação em Saúde.
Aprovada em ____/ ____/_______
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________
Profa. Dra. Kátia Yumi Uchimura
Faculdade Evangélica do Paraná e Ministério da Saúde (MS/Brasil)
______________________________________________________
Prof. Dra. Márcia Maria Tavares Machado
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________
Profa. Dra. Geison Vasconcelos Lira
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________
Profa. Dra. Raimunda Magalhães da Silva
Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
22
A todos que me toleraram quando vivi a
complexidade do drama pessoal de perda
da referência de família, período difícil, no
qual minha vida social e as atividades do
doutorado
foram
profunda
e
invadidas
por
imobilizadora
uma
tristeza,
marcado por momentos em que quase
nada
parecia
reconheço
passada
que
e
os
fazer
toda
sentido.
a
experiência
sentimentos
relacionados significaram
Hoje
um
a
ela
rito de
passagem para uma vida tanto mais
equilibrada
e
feliz,
inclusive
convivência com minhas duas filhas.
na
23
AGRADECIMENTOS
Às mulheres que consentiram em participar do estudo e protagonizaram essa obra
com sensibilidade e ternura. A elas nossa estima e respeito.
À Eudaziane, minha mulher e parceira ideal, presente em cada seção desse trabalho
com inteligência e entusiasmo, ao dedicar esforços ao longo dos últimos dois anos
em sucessivas revisões e contribuições no texto, sem a quais essa versão final não
seria possível. Sem dúvidas foi a maior e mais imprevisível descoberta durante o
período que assinalou esse curso.
Aos informantes chaves e demais colaboradores que creditaram confiança no valor
desse trabalho. Todos eles são partícipes de nosso esforço de construção de uma
tese acadêmica dialogada com a comunidade.
Aos tradutores que me permitiram acesso a mais de uma centena de obras
originalmente publicadas em idiomas estrangeiros e referenciadas nesse texto.
Todos eles têm destacada importância hermenêutica nesse estudo, por força de
minha limitação na compreensão do inglês, francês, alemão e outros idiomas; em
especial agradeço à professora Jéssica, que se designou a traduzir com dedicação e
zelo os resumos produzidos ao longo desse trabalho.
À Bruna e Joyce, minhas filhas amadas, que mesmo morando em outro endereço,
muito me impulsionam a ser um pai digno, ou ao menos esforçado para merecer,
permanentemente, admiração e respeito, a exemplo dos sentimentos que cultivo por
elas.
À Malu Bosi pela qualidade e notável inteligência na condução da orientação desse
trabalho, apontando caminhos em Pesquisa Qualitativa e muitas vezes provocando
incomodações e inquietações que me remeteram à reflexão e ao esforço criativo na
direção da produção de inovações científicas e, nesse percurso, a submissão de
nove artigos científicos.
À Maristela Osawa pelos subsídios metodológicos que muito contribuíram no início
dessa caminhada.
24
Aos professores Moses e Oscar, das Faculdades INTA, apoiadores incondicionais
durante todo o período desse curso.
Aos membros do colegiado do curso de Educação Física, que mesmo a despeito da
carência de professores naquela unidade acadêmica, apoiaram (por unanimidade)
meu afastamento remunerado para estudos de doutorado.
25
“Eu sustento que a única finalidade da
ciência está em aliviar a miséria da
existência humana.”
(Bertold Brecht)
26
RESUMO
No contexto da configuração política do direito humano e social à alimentação no
Brasil, buscamos neste estudo compreender interesses, valorações e juízos
presentes nas vozes de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse
programa (BF) – reconhecido como um dos mais abrangentes em matéria de
transferência direta e condicionada de renda com foco na pobreza. A metodologia
inscreve-se na tradição da pesquisa qualitativa em saúde, fundada em uma
abordagem reflexiva e dialética entrelaçada com a hermenêutica filosófica. Com
base em entrevistas dialógicas junto a doze beneficiárias selecionadas conforme
critérios baseados na moda da distribuição das famílias inscritas em Sobral-CE –
gênero: feminino, idade: 30-39 anos e dois filhos > 18 anos –, foram analisados
criticamente discursos e práxis relacionados ao BF, tomando-os como dimensões do
debate acerca dos objetivos prioritários para definição de políticas públicas de
alimentação e nutrição. A partir das fontes documentais consultadas e das
experiências apreendidas no campo investigativo é interrogada a contribuição
atribuída ao BF na indução da trajetória oblíqua da acomodação sob a égide da
funcionalização da pobreza. Também é questionada a aproximação da mesma
iniciativa estatal com a perspectiva de autonomia (financeira) sustentada, coerente
com a premissa do capital humano ao prescrever a formatação de condutas
orientadas por práxis higienistas de cuidado em saúde e de pedagogia
empreendedora, tendentes a reduzir a pessoa humana a um bem de capital.
Construímos uma rede interpretativa constituída por eixos temáticos estruturados em
dimensões analíticas desdobradas em categorias empíricas. No cenário investigado,
verificamos a singularidade moral das categorias liberdade e empregabilidade para
as titulares do cartão do BF e, por outro lado, a materialização da lealdade como
vínculo obrigacional forte e tenso na perspectiva da permanência da hegemonia
política do agente patrocinador sobre os beneficiários, que devem obediência e
explicações para fazer jus à transferência regular de renda, tendendo por isso a
assumir posições políticas conservadoras. Adicionalmente, com esteio nas
condicionalidades, esses sujeitos se revelam passíveis de investimento e controle
estatal sobre seus corpos e esferas das suas vidas privadas. A produção subjetiva
apreendida nessa tese desvela a falsa dicotomia acomodação/autonomia,
apontando antes para comportamentos estereotipados e, sobretudo, ambíguos, de
modo a tornar insubsistente a redução da complexidade de tais fenômenos a uma
ou outra polaridade, e, nesse sentido, contraindicando argumentos de natureza
maniqueístas ou qualquer abordagem linear que, notadamente por negligencia à
dialética dos processos simbólicos, exclua as contradições e os paradoxos inerentes
ao programa em questão.
Palavras-chave: Direito à Alimentação. Segurança Alimentar e Nutricional.
Programa Bolsa Família. Alimentação e Nutrição. Políticas Públicas. Saúde Coletiva.
27
ABSTRACT
In the context of the political configuration of the human and social right to food in
Brazil, this study sought to understand interests, valuations and judgments present in
the voices of beneficiaries of Bolsa Familia and the official texts of this program
(PBF) - recognized as one of the most comprehensive programs in terms of direct
and conditioned income transfer focusing on poverty. The methodology follows the
tradition of qualitative health, based on a reflective and dialectical approach
intertwined with the philosophical hermeneutics. Underpinned by dialogic interviews
with twelve beneficiaries selected according to criteria based on the mode of the
distribution of families enrolled in Sobral-CE – gender: female, age: 30-39 years and
two children > 18 years old – were critically analyzed the discourses and praxis
related the PBF, taking them as dimensions of the debate about the overriding
objectives for setting of public policies regarding food and nutrition. From the
documented sources consulted and the experiences learned in the investigative field
is interrogated the contribution attributed to PBF in the induction of slant range of
accommodation under the aegis of functionalization of poverty. It is also questioned
the approach of the same state initiative with the prospect of (financial) autonomy
sustained, consistent with the premise of human capital when prescribing the
organization of behaviors driven by hygienist praxis concerning health care and
entrepreneurial pedagogy, which tend to reduce the human being person to a capital
asset. We have built a interpretative network consisting of thematic axis structured
according to analytical dimensions split into empirical categories. In the scenario
investigated, we have verified in one hand the moral uniqueness of the categories
freedom and employability for the PBF cardholders. And on the other hand, the
embodiment of loyalty as a strong and tense obligation bond in the view of the
permanence of sponsoring agents’ political hegemony towards the beneficiaries, who
owe obedience and explanations to justify the regular income transfers, tending
thus to assume conservative political positions. Additionally, with the conditionality
mainstays, those subjects turn out to be liable for investment and state control over
their bodies and areas of their private lives. The subjective production apprehended
in this thesis reveals the false dichotomy accommodation/ autonomy, pointing then to
stereotyped behaviors and especially ambiguous, so as to make ineffectual the
reducing of the complexity of such phenomena to either one or the other polarity, and
in this sense contraindicating arguments of Manichean view or any linear approach
that notably due to negligence towards the dialectic of symbolic processes, exclude
the contradictions and inherent paradoxes in the program in question.
Keywords: Right to Food. Food Security. Bolsa Família Program. Food and
Nutrition. Public Policy. Public Health.
28
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
– Espirais
de
bases
de
dados
inter-relacionadas
por
triangulação de métodos............................................................
121
Figura 2
– Etapas do método de investigação dialético..............................
125
Figura 3
– Passos da análise preliminar......................................................
141
Figura 4
– Mapas de localização de Sobral no Ceará e no Brasil...............
148
Figura 5
– Principais eixos de ação políticas projetadas para serem
desenvolvidos conforme concepção inicial do Projeto Fome
Zero............................................................................................
171
Figura 6
– Esquema das propostas do Projeto Fome Zero.........................
172
Figura 7
– Execução Financeira (R$ milhões) do Bolsa Família e
programas remanescentes, 2003-2006, Brasil........................... 230
Imagem 1 – Imagem do Alto do Cristo Redentor, ponto mais alto da cidade
de Sobral-CE..............................................................................
147
Imagem 2 – Imagem de satélite dos bairros D. José I (“Alto Novo”) e D.
José II (“Sem Terra”)..................................................................
148
29
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
– Princípios explícitos da Constituição Federal identificados com o
Direito à Alimentação, Brasil, 1988................................................
Tabela 2
73
– Normas da Constituição da República Federativa do Brasil
implicadas com o Direito à Alimentação........................................
75
Tabela 3
– Perfil etário e tempo de permanência em programas de
transferência condicionada de renda das famílias beneficiárias
do PBF objeto das entrevistas....................................................... 156
Tabela 4
– Rede Interpretativa........................................................................
Tabela 5
– Comparativo entre o número dos moradores de domicílios
164
particulares permanentes em situação de extrema pobreza e a
quantidade de beneficiários do PBF, Sobral, Cerá, Nordeste,
Brasil..............................................................................................
Tabela 6
176
– Famílias inscritas no PBF, Sobral, Ceará, Nordeste, Brasil, 20042013................................................................................................ 177
Tabela 7
– Evolução do Produto Interno Bruto, 2006-2008, Sobral, Ceará,
Brasil..............................................................................................
Tabela 8
178
– Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme
critério de composição das famílias com renda familiar de até R$
70,00 (extremamente pobres)........................................................
Tabela 9
180
– Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme
critério de composição das famílias com renda per capita de R$
70,00 a R$ 140,00..........................................................................
181
Tabela 10 – Movimentação de empregos formais em Sobral, janeiro a maio
de 2013........................................................................................... 245
30
LISTA DE APÊNDÍCES
Apêndice A – Tópico Guia..............................................................................
325
Apêndice B – Quantidade de titulares do cartão do Bolsa Família por idade,
Sobral-CE, março de 2013...................................................... 326
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para
Gestores do Programa Fome Zero / Bolsa Família..................
328
Apêndice D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para
Beneficiários do Programa Fome Zero / Bolsa Família............
329
Apêndice E – Ofício de Solicitação para realização da pesquisa no
Município de Sobral-CE............................................................ 330
31
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRANDH Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
AC
Análise de Discurso
ADC
Análise Crítica de Discurso
CadÚnico
Cadastro Único para Programas Sociais
CAISAN
Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional
CAP
Caixa de Aposentadoria e Pensão
CEF
Caixa Econômica Federal
CONEP
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CNS
Conselho Nacional de Saúde
CONSEA
Conselho Nacional de Segurança Alimentar
CGU
Controladoria-Geral da União
CRAS
Centro de Referência de Assistência Social
DHAA
Direito Humano à Alimentação Adequada
FNDE
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FZ
(“Programa”) Fome Zero
GM/MDS
Gabinete do Ministro / Ministério do Desenvolvimento Social
HP
Hermenêutica de Profundidade
IAP
Instituto de Aposentadoria e Pensão
IAPI
Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAN
Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
IOCS
Inspetoria de Obras Contra as Secas
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplica
LOSAN
Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
MDS
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPI
Ministério Público do Estado do Piauí
MS
Ministério da Saúde
MTE
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
MDB
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
MP
Medida Provisória
MPOG
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
32
MEC
Ministério da Educação
MTIC
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
NUNPRA
Núcleo de Nutrição e Produção de Alimentos
ONU
Organização das Nações Unidas
PAC
Programa de Aceleração do Crescimento
PBF
Programa Bolsa Família
PET
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PGRM
Programa de Garantia de Renda Mínima
PIDESC
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
PLANSAN
Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PNAN
Política Nacional em Alimentação e Nutrição
PNSAN
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PND
Plano Nacional de Desenvolvimento
PPA
Plano Plurianual
PR
Partido da República
SAN
Segurança Alimentar/Nutricional
SAPS
Serviço de Alimentação da Previdência Social
SECOM
Secretaria de Comunicação da Presidência da República
PDT
Partido dos Trabalhadores
PSDB
Partido da Social Democracia Brasileira
PT
Partido dos Trabalhadores
33
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..........................................................................................
19
1.1
Objetivos...................................................................................................
32
2
NOTAS SOBRE AS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO
BRASIL: UMA APROXIMAÇÃO DE UM ENFOQUE HISTÓRICOCRÍTICO...................................................................................................
33
2.1
Fundamentos históricos da proteção social..............................................
33
2.2
O Estado provedor e a emergência da alimentação como política
pública......................................................................................................
2.3
“Alimentação racional” e o processo de formação profissional em
Nutrição.....................................................................................................
2.4
50
Segurança alimentar/nutricional no Brasil: uma meta republicana
articulada à pauta de direitos humanos....................................................
3
45
Movimentos sociais e mudanças na pauta em alimentação e
nutrição.....................................................................................................
2.6
40
A configuração da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no
contexto da “Guerra Fria”..........................................................................
2.5
35
54
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO EM MATÉRIA DE SEGURANÇA E
DIREITO: INTERFACES SOCIOPOLÍTICAS NO ÂMBITO DE UMA
PERSPECTIVA CRÍTICO-COMPREENSIVA...........................................
3.1
Configuração do Estado democrático para com o imperativo dos
direitos humanos sociais...........................................................................
3.2
59
Pressupostos
conceituais
e
normativos
da
61
Segurança
Alimentar/Nutricional.................................................................................
66
3.3
A (In)segurança Alimentar e Nutricional e a força do mercado................
69
3.4
A
72
positivação
do
Direito
à
Alimentação
no
contexto
da
globalização..............................................................................................
3.5
Tutela judicial do Direito à Alimentação no Brasil.....................................
76
3.5.1
Reserva financeira do possível.................................................................
77
3.5.2
Princípio da proibição do retrocesso social..............................................
81
34
3.6
Da positividade jurídica à hermenêutica do Direito Social à Alimentação
no Brasil...................................................................................................
4
84
ALIMENTAÇÃO, CONSUMO, NECESSIDADES HUMANAS: UMA
APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CRÍTICA..................................................
91
4.1
Necessidades humanas, mercado e devir histórico.................................
92
4.2
Comércio de alimentos, consumo e a questão da (in)segurança
alimentar/nutricional.................................................................................
93
4.3
A pertinência de uma teoria crítica...........................................................
95
5
VALORAÇÕES E JUÍZOS DE MÉRITO DO BOLSA FAMÍLIA NA
PRÁXIS EM ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO............................................
5.1
Senso
comum
e
ideologia
na
esteira
do
conhecimento
científico....................................................................................................
5.2
109
O lugar das condicionalidades: oposição ou situação em face da
política de direitos humanos sociais........................................................
5.5
103
Práxis em alimentação e nutrição no contexto da transferência de
renda para demanda por comida.............................................................
5.4
99
Hermenêutica e dialética: convergências à realidade empírica do Bolsa
Família......................................................................................................
5.3
98
111
Condicionalidades e a perspectiva do investimento social em capital
humano.....................................................................................................
113
6
PERCURSO METODOLÓGICO..............................................................
120
6.1
Pressupostos teóricos e metodológicos..................................................
120
6.1.1
Triangulação de métodos: arte e ciência.................................................
120
6.1.2
Articulação da hermenêutica com a dialética do concreto.......................
124
6.1.3
Hermenêutica na vertente da tradição da teoria crítica...........................
126
6.1.4
Compreendendo
a
representação
da
realidade:
linguagem
e
comunicação............................................................................................
130
6.1.5
Matriz do estudo.......................................................................................
133
6.2
Análises do material discursivo...............................................................
136
35
6.2.1
Tecendo caminhos entre a teoria e a empiria: Análise de Discurso e
suas
implicações
epistemológicas
para
o
estudo
dos
textos/documentos...................................................................................
137
A análise documental...............................................................................
140
6.2.2.1 Análise preliminar....................................................................................
140
6.2.2.2 Análise propriamente dita........................................................................
143
6.3
Fazendo o campo: Diálogo com os protagonistas do estudo..................
144
6.3.1
A entrevista qualitativa na perspectiva de oportunizar o diálogo franco
6.2.2
e aberto....................................................................................................
146
6.3.2
Cenário do estudo....................................................................................
148
6.3.3
O momento das entrevistas dialógicas....................................................
149
6.3.4
Rede de contatos: mediações necessárias.............................................
151
6.3.5
Beneficiário tipo........................................................................................
155
6.3.6
Roteiro Guia e saturação teórica.............................................................
157
6.4
Processo de codificação das informações qualitativas consoante a
Análise Crítica de Discurso.......................................................................
158
6.5
Rede Interpretativa...................................................................................
163
7
PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ÉTICOS...........................................
166
8.
O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS........................................................
168
8.1
O Fome Zero com o Bolsa Família..........................................................
168
8.2
“Programa” Fome Zero: Do projeto político à estratégia de governo
com objetivos em alimentação e nutrição................................................
170
8.3
O Bolsa Família e a erradicação da pobreza........................................
175
8.4
A propósito da porta de saída do Bolsa Família (se é que há
alguma).....................................................................................................
184
9
A VOZ DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO BOLSA FAMÍLIA...........
189
9.1
Demandas de necessidades aos reconhecidamente pobres...................
189
9.2
A dimensão econômica da pobreza, planos de governo federal e o
cadastro único de programas sociais.......................................................
9.3
196
Dignidade e autonomia da pessoa humana em face da superação da
pobreza.....................................................................................................
200
36
9.4
Advocacy e a perplexidade com as mobilizações de junho de 2013........
9.5
“A gente” ante “eles” no contexto da dimensão imaterial da experiência
203
de pobreza...............................................................................................
208
9.6
O apartheid social brasileiro.....................................................................
214
9.7
O “Lula pai” e a compensação da presença do Estado à ausência
paterna.....................................................................................................
9.8
218
“Muita gente não recebe (o Bolsa Família) e precisa...”: Dimensões de
coordenação e controle do Bolsa Família................................................
225
9.9
Fiscalização e controle do Bolsa Família..................................................
228
9.10
Dádiva ou favor........................................................................................
234
9.11
Ócio, trabalho e poder..............................................................................
239
9.12
“... Tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um
pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família.”............................................
247
9.13
O Programa Bolsa Família e o jogo político.............................................
254
10
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................
263
REFERÊNCIAS........................................................................................
270
APÊNDICES............................................................................................
325
19
1 INTRODUÇÃO
A presente investigação inscreve-se na vertente qualitativa da pesquisa em
saúde coletiva, em busca de compreender significados e sentidos atribuídos ao
Programa Bolsa Família (PBF), procurando avançar na avaliação crítica do processo
de criação política e de produção subjetiva daquele programa, cuja relevância e
atualidade decorrem, sobretudo, do amplo espectro de abrangência da transferência
direta e condicionada de renda em benefício de famílias em condição de pobreza no
Brasil.
Ao focar o PBF, nossa pesquisa parte da compreensão hermenêutica que
sustenta a efetivação do direito social fundamental à alimentação como pré-requisito
indispensável à justiça social. Nesse contexto epistemológico, é pertinente indagar
quais os significados com que se reveste o ideal, ético e político, de zerar a fome no
Brasil no sentido de concretização da condição humana e social de segurança
alimentar/nutricional (SAN) no país?
Antes, porém, foi lançado em 2003 o “Fome Zero” (FZ), pensado conforme o
próprio nome sugere, como um “Programa” de governo de combate à fome, que se
notabilizou de partida pelo repasse às famílias pobres de cupons para troca por
comida. Todavia, tal iniciativa nunca existiu verdadeiramente como um programa
institucional e, na sequência, foi assumido como estratégia integradora de programas
relacionados de algum modo à segurança alimentar/nutricional (SAN), com destaque
ao Programa Bolsa Família (PBF). Nesse sentido tem-se o Fome Zero com o Bolsa
Família, mas que para efeito desse trabalho preferimos designá-lo simplesmente
como PBF.
Na verdade, justamente porque desde 2004 o FZ passou a ser centrado no
benefício do Bolsa Família, que representa a unificação de programas pontuais de
transferência de renda, verifica-se, mesmo a teor da literatura científica, que o
primeiro é confundido ou entendido como transformado no segundo. Sendo assim,
se antes tínhamos um conjunto de propósitos apresentados pelos idealizadores do
“programa” FZ, enquanto práxis discursiva, atualmente temos a amplitude de uma
política de proteção social capitaneada no Bolsa Família com condicionalidades, em
20
um contexto da complexa articulação intersetorial e federativa.
Na elaboração da proposta desse estudo partimos da premissa de que, a
despeito de contextos internacionais específicos, a velocidade e a intensidade das
mudanças ocorridas na dinâmica do mercado internacional em vias de globalização,
trazem consigo a exigência de mudanças no desenho e nas funções do Estado,
inclusive com a nova configuração das políticas públicas, passando a incorporar a
preocupação com as mazelas sociais associadas à fome e à miséria.
Nosso compromisso nesse trabalho envolve também a exploração dos
discursos e da práxis presentes no universo empírico do PBF, tomando-os no
contexto do debate acerca dos objetivos prioritários para a construção de políticas
públicas com foco na pobreza, tangenciando o tema alimentação e nutrição em
saúde coletiva.
No âmbito da Saúde Coletiva, Bosi e Prado (2011) discutem perspectivas,
limites e significados do binômio alimentação/nutrição, ressaltando a questão da
condição (humana e social) de segurança na interface das duas dimensões
inerentes à expressão SAN, envolvendo medidas relacionadas à disponibilidade e
ao acesso (dimensão alimentar) combinadas à utilização biológica da comida
(dimensão nutricional), em um contexto de cidadania (BATISTA FILHO, 2003;
MONNERAT, 2007).
Nessa perspectiva, importa ressaltar que a SAN deve ser entendida como uma
condição coletiva na qual se tem – de modo contínuo – acesso físico e econômico à
alimentação suficiente, segura, nutritiva, em harmonia com o meio ambiente,
respeitada a base cultural que viabiliza sua produção e o uso sustentável. Tal
condição deve ser garantida por políticas públicas (o público assumido como esfera
onde
agem
tanto
agentes
privados
quanto
governamentais),
competindo
primordialmente ao Estado a proteção e a promoção do direito à alimentação.
Cumpre assinalar que nas últimas décadas, o debate acerca dos objetivos
prioritários
para
o
planejamento
e
construção
de
políticas
sociais
tem,
invariavelmente, envolvido a SAN – demanda de saúde coletiva, cuja discussão não
se esgota na especificidade desse tema, apontada como princípio norteador de
21
políticas públicas (PESSANHA, 2002). Reconhece-se, nesse campo, o caráter
amplo que possui uma política em tal setor, posto que além de procurar promover a
justiça social, situa-se como um dos eixos estratégicos do desenvolvimento que
associa crescimento econômico e equidade social, como pressuposto de (uma nova)
cidadania (NASCIMENTO; ANDRADE, 2010).
Assim, conhecer as condições de possibilidade de uma dada realidade social,
circunscrita em uma (por assim dizer) estratégia de governo para mitigar a
insegurança alimentar/nutricional e a miséria, requer o estudo de suas dimensões
qualitativas, incursionando pelas representações sociais como produção subjetiva e
construção político-estatal.
Nesse horizonte, seguindo um percurso hermenêutico, buscamos a apreensão
de representações do movimento da realidade percebida, interesse central da
pesquisa qualitativa em saúde, cujos pontos de vista dos atores sociais, conforme
observa Camargo Jr. e Bosi (2011) devem ser valorados na busca da compreensão
dos complexos processos subjetivos e simbólicos subjacentes aos desfechos, ditos
objetiváveis, mas não reduzíveis a simples mensuração.
A projeção de convergência do campo do direito com o da alimentação, indo e
vindo, no corpus da tese é provocada pelas inquietudes, desconfortos e incômodos
que marcaram a formação e atuação profissional do autor, acumulando identidade
como nutricionista e advogado, combinada a nossa trajetória, tensionada por temas
de alimentação e nutrição, no exercício do magistério universitário em cursos da
área de saúde. Também foi importante a experiência acumulada ao longo de nove
anos com assessoria de programas/projetos sociais, cumprindo em especial
monitorar dados quantitativos em saúde e nutrição junto a dezenas de organizações
não governamentais em alguns países da América Latina.
No entanto, já naquela época a abordagem quantitativa, uma vez pautada no
pragmatismo lógico da estatística – ressalvando sua importância científica – não
dava conta da complexidade da tarefa de compreender os processos implicados
com nossa atuação profissional no campo da alimentação e nutrição, em meio às
inquietações, incomodações e desconfortos que comumente desafiam a profissão
de nutricionista. Em outras palavras, a frieza dos dados e outras construções
22
epistemológicas, a exemplo dos índices e indicadores de avaliação do “estado
nutricional” (na esteira do esforço no sentido de associá-los, cruzá-los ou relacionálos conforme a lógica linear de determinação do processo saúde/doença)
denunciavam a sua própria insuficiência para explorar as múltiplas dimensões
presentes na condição (humana e social) de segurança alimentar/nutricional.
Para discutir a concepção da alimentação (adequada e saudável) como direito
em face da empiria pautada no PBF, enquanto objeto síntese de investigação,
adotamos uma determinada perspectiva analítica que entende os discursos como
produtores e comunicadores de significados capazes de, uma vez compartilhados,
informar e traduzir concepções de mundo, permeadas sempre por certas
representações sobre a política e o poder.
Com efeito, as construções discursivas são dimensões integrantes das lutas
pela hegemonia, traduzindo ideias que não se restringem a uma esfera cultural
supostamente isolada, mas encontram-se materializadas, como argumentaram,
entre outros, Williams (1981) e Mouffe (1978), nas práticas sociais e nas instituições
em geral.
A investigação por nós empreendida buscou essencialmente apreender
dimensões presentes no universo empírico pesquisado, valorando neste processo
as falas das mulheres entrevistadas, referências singulares da experiência como
beneficiárias de transferência direta e condicionada de renda. Desse modo, nosso
desígno interpretativo nesse trabalho foi orientado pela abertura à perspectiva crítica
e reflexiva das questões presentes e possibilidades apontadas no campo
pesquisado, a exemplo de sofrimento e liberdade, respectivamente.
A etapa de exploração dos sentidos e significados do material empírico reunido
foi assumida como um desafio em permanente movimento, provocando uma
reflexão hermenêutica em face da tradição da escola crítico-social de Frankfurt,
notadamente
o
materialismo
dialético.
Nesse
esforço
crítico-compreensivo,
procuramos explorar contradições, paradoxos e falsas dicotomias presentes em
textos do programa, frequentemente em absoluto descompasso com a voz das
pessoas designadas como beneficiárias.
23
Também foi nosso propósito explorar discursos e práxis em alimentação e
nutrição no contexto do PBF, tomando-os como dimensões integrantes do debate
acerca dos objetivos prioritários para o planejamento e construção de políticas
públicas focadas na pobreza. Nesse sentido, buscamos confrontar a dualidade
dialética entre emancipação sustentada e acomodação em face da transferência
condicionada de renda às famílias em suposta condição de insegurança
alimentar/nutricional por recorte econômico.
Por práxis em alimentação e nutrição entende-se, no escopo deste texto,
como um modo de viver e de interpretar criticamente significados relativos à
idealizada condição humana de segurança alimentar/nutricional, desvelando limites
e possibilidades do universo simbólico do comer e da comida em sua perspectiva
política, historicamente articulada à concepção de justiça social.
A teor da produção subjetiva de mulheres titulares do cartão do Bolsa Família
procuramos analisar nessa pesquisa os desdobramentos políticos e morais da
presença da transferência de uma renda mínima e condicionada na vida de famílias
em situação de privação material. A discussão seguiu ao lado de uma análise críticocompreensiva fundada em uma postura reflexiva de temas e dimensões analíticas
amparadas na Análise Crítica de Discurso (ADC).
Contudo, analisar criticamente um discurso requer, além de intuição e argúcia,
um método capaz de envolver uma série de dimensões sujeito-sujeito à maneira de
um encontro aberto e franco entre dois sujeitos que, sabe-se, desempenham papéis
diferentes. Desse modo, como lembra Vasconcelos (2005, p. 42):
Esse encontro não termina quando ambos se dão as costas após a
entrevista. Existe uma ressonância que permanece num e noutro e que
pode causar uma inferência sobre respostas silenciosas, segredos,
esquecimentos, tartamudez, alheiamentos, recorrências, etc.
A decisão de fazer a análise do discurso impõe uma mudança epistemológica
radical, posto que o uso de tal técnica implica em questionar os pressupostos e as
maneiras como o analista habitualmente dá sentido às coisas.
Nessa tarefa é
indispensável examinar a maneira como a linguagem é empregada, e, conforme a
perspectiva hermenêutica, estar sensível ao não dito, ao silêncio, em face dos
contextos aos quais os textos se referem (GILL, 2007).
24
Com vistas à construção de informações qualitativas que representem
percepções e outras dimensões da subjetividade das beneficiárias, optamos pelo
emprego da técnica da entrevista dialógica, uma modalidade de conversação em
profundidade, aberta à fala livre das entrevistadas, cuja análise
[...] requer que as vozes das mulheres sejam ouvidas muito atentamente e
repetidas vezes, para que se possa capturar uma dimensão não tangível às
outras modalidades de pesquisa sobre o tema.
(PINZANI; REGO, 2013, p. 18).
No
caso,
empregamos
um
Roteiro
Guia
contendo
eixos
temáticos
desdobrados em questões, ambos harmonizados com a contextualização do objeto
da pesquisa, em direção à saturação teórica dos principais temas a ele pertinentes.
Na busca de alcançar uma análise crítica de discurso capaz de refletir as
experiências das pessoas envolvidas nessa investigação, na qualidade de
contempladas com o benefício em dinheiro, e o lugar do Estado provedor nesse
processo, procuramos combinar informações de documentos públicos com
informações colhidas nos discursos das beneficiárias do programa, incorporando no
texto da discussão uma abordagem reflexiva com base em pressupostos teóricos e
conceituais da hermenêutica filosófica, assumida em sua perspectiva crítica e
dialética.
No trabalho de campo, a partir das vozes das beneficiárias, foi interessante
verificar o surgimento de novos temas e categorias empíricas, ao ponto de nos
remeter a seguidas imersões na teoria, desde a revisitação das fontes antes
consultadas até a busca de novas referências, de maneira a implicar em maior
aprofundamento da análise via diálogos interdisciplinares por indução da empiria.
No curso de nosso giro compreensivo baseado na teoria crítica, muitas vezes
foi necessária a resignificação (ou mesmo mudanças) dos pressupostos teóricos e
conceituais apreendidos junto ao núcleo de ciências sociais e humanas do campo da
Saúde Coletiva. Foi nesse movimento de permanente diálogo que a nossa proposta
de pesquisa – uma vez sistematizados e integrados eixos temáticos, diretrizes
analíticas e categorias empíricas – apontou para a construção de uma estratégia
hermenêutica, a Rede Interpretativa, com vistas a nortear a análise e discussão dos
dados qualitativos, viabilizando a revisão rigorosa e sistemática do que dizem os
25
documentos e as vozes consignadas em nossos dados.
O discurso político-ideológico do PBF constituiu uma unidade privilegiada de
análise, tendo sido interpretado particularmente em face da lógica do modo de
produção e consumo do mercado capitalista. Para tanto, com frequência, foi
importante considerar os documentos que oficializam a construção e o implemento
da iniciativa em confronto com os discursos dos sujeitos sociais envolvidos como
beneficiários de tal política social.
Noutro sentido, procedemos à validação dos achados do campo na
triangulação com uma análise de documentos oficiais e uma revisão sistemática do
objeto de estudo na interface do campo da Saúde Coletiva com a literatura em
ciências sociais e humanas.
Sendo assim, na perspectiva de uma estratégia de diálogo interdisciplinar
aberto às facetas distintas dos nossos dados – e, por conseguinte, de uma
diversidade de dimensões analíticas – optou-se nesse trabalho pelo uso da
triangulação de métodos, assumindo-se desse modo uma postura hermenêutica que
buscou articular reflexividade e dialética do concreto. Para tanto, nosso
empreendimento analítico valorou o entrelaçamento entre o discurso sobre o Bolsa
Família e seus desdobramentos no contexto envolvido, considerando com primazia o
ponto de vista dos beneficiários em contraste com a linguagem técnica dos
documentos oficiais, agregando-se na discussão uma variedade de formulações
teóricas sobre os temas destacados.
Nosso campo investigativo foi constituído por 12 mulheres na faixa de 30
anos, residentes na perifeira urbana de um município de médio porte situado no
semiárido do Nordeste brasileiro. Com elas, sem a pretensão de esgotar o tema, foi
problematizado o propalado paradoxo acomodação/emancipação, que seria induzido
pela transferência de renda sem contrapartida de trabalho. Como parte de nosso
exercício compreensivo, procuramos explorar a crítica que atribui a esse programa o
papel de favorecer a ociosidade e, por efeito, a acomodação em função da
dependência da transferência de dinheiro, desestimulando a superação da condição
de pobreza.
26
Exploramos nesse trabalho, ainda que não de modo exaustivo, a premissa da
autonomia sustentada das famílias consoante à perspectiva desenvolvimentista de
investimento no capital humano, com foco na superação da pobreza material. Tal
idéia, por força da combinação de práticas higienistas e pedagogia empreendedora,
traz em si uma forte componente de biopoder (FOUCAULT, 2010). Nessa articulação
interpretativa, de partida, questionamos a vertente do pensamento liberal que
destaca a pessoa humana como bem de capital, e, nesses termos, “coisificado” como
alvo de investimento econômico e objeto de disciplinamento de sua conduta em face
de serviços públicos preconizados como dever do Estado e direito de cidadania na
Constituição Federal.
Não foi nossa pretensão um proceder de análise maniqueísta – vale dizer, do
tipo bem versus mal – quanto ao mérito do PBF. Procuramos, sobretudo, avançar na
discussão da realidade concreta desse programa, buscando a apreensão de uma
série de relações históricas e materiais, nas quais ele se inscreve, incluindo as
movimentações envolvidas e as contradições inerentes a sua existência.
No nosso processo de construção analítica valorizamos as evidências de que
em um mundo cujas desigualdades sociais são cada vez mais aprofundadas, a
consciência humana vai incorporando gradualmente a solidariedade como categoria
ética, resultante de uma sensibilidade eficaz e transformadora em direção à justiça
social (SACHS, 2000 apud DEMO, 2002). Nesse sentido, o Estado vem adotando
salvaguardas
e
medidas
compensatórias
em favor
das sociedades mais
empobrecidas (KOERNER, 2003).
Na realidade, o debate acerca da distribuição desigual de renda no Brasil não é
recente, nasceu nos anos 1970 e não parou mais. Já naquela década prevalecia a
força explicativa da Teoria do Capital Humano para justificar as diferenças regionais
de renda e sua associação com uma série de fatores, a exemplo da tradição que
aponta o número de membros e a composição etária do grupo familiar como
impulsionadores
do
setor
primário
da
economia;
ao
tempo
que,
na
contemporaneidade, em face da globalização neoliberal, a educação passa a ser a
variável mais relevante para favorecer avanços na economia, dessa vez nos setores
secundário e terciário, frações mais dinâmicas do mercado (LANGONI, 1973;
VIANA; LIMA, 2010).
27
No Brasil dos anos 1990, com esteio em um processo internacional
identificado com as origens do Estado de proteção social (notabilizado pelo avanço
dos direitos de cidadania), houve uma efervescência da luta contra a miséria e a
fome. Passam a prevalecer nesse período concepções mais abrangentes de
sistemas de proteção social, em uma perspectiva de solidariedade para com os
excluídos dos meios de produção, e, por efeito, à margem do consumo
(MONNERAT et. al., 2007; AZEVEDO; BURLANDY, 2010).
Dados de 2006 revelam que 95% da população infantil frequentava a Escola
no Brasil, ao passo que apenas 33% dos jovens haviam terminado naquele ano o
ensino médio. Tal fato é suficiente para justificar, conforme propugna o senador
Cristovam Buarque, um esforço nacional em favor da universalização da frequência
às aulas até a conclusão do Ensino Médio (BRASIL, 2007a), como também no
sentido de oportunizar o acesso a uma educação pública e de qualidade.
Cumprem então às diferentes esferas de governo, no plano de solidariedade
orgânica e justiça social, empreenderem programas comprometidos com objetivos e
metas em alimentação e nutrição, sustentados por abordagens focadas na
superação da pobreza. Nesse sentido, surge em 2003, o Programa Bolsa Família
(PBF), anunciado como parte do então “Programa” Fome Zero (BRASIL, 2003a), de
abrangência nacional, com a pretensão de promover os cidadãos privados do
mínimo existencial (em termos materiais) a uma condição de dignidade como pessoa
humana, e nesse prisma prover um direito social.
Em realidade, por força da difícil caracterização e da vasta complexidade dos
problemas relacionados à pobreza e à SAN, e à relações entre ambas, o critério da
renda tem sido criticado por sua limitação (restrita à
dimensão econômica) na
escolha dos beneficiários, e, nesse passo, como preditor de intervenção. Dada essa
complexidade, o recomendável (como preceito de adequação) é proceder a uma
análise ampliada das possibilidades de utilização da renda transferida conforme as
distintas caracterizações e contextos de vulnerabilidade familiar (BURLANDY, 2007).
Contudo, no enfrentamento da situação econômica das famílias carentes de
recursos materiais, por além da mera distribuição de dinheiro, não se pode prescindir
de programas voltados à promoção de uma efetiva redistribuição de renda, capaz de
desconcentrar a riqueza socialmente produzida no país (SILVA, 2007).
28
O PBF como modalidade de transferência direta de renda, não obstante
enuncie o propósito de favorecer a emancipação sustentada das famílias mais
empobrecidas, paradoxalmente parece estabelecer algumas condições objetivas
propícias à acomodação dos beneficiários àquela ajuda externa (e nesse sentido um
viés assistencialista), a exemplo da conversão da própria situação de pobreza
material em “zona de conforto” apta a justificar a permanência da retribuição em
dinheiro. A adesão a tal benefício financeiro significa, nessa perspectiva,
acompanhar as recomendações dos agentes estatais, em um plano de suposta “boa
vontade”, para com o enfrentamento da problemática da exclusão social. Nessa
perspectiva,
a
adesão
àquela
medida
compensatória
de
renda
com
condicionalidades – como adiante será exposto – significaria acompanhar as
recomendações dos agentes estatais, em um plano de suposta “boa vontade” para
com o enfrentamento da problemática da exclusão social.
Assim, como alerta Demo (2002), o discurso acerca da solidariedade, exposto
com um dos fundamentos das políticas compensatórias, pode ser qualificado como
tendencioso, pois ao tempo que não passa de meras ajudas residuais, traz implícito
um efeito de poder, distanciado da projeção de emancipação autônoma das
populações implicadas.
Nesse contexto de crítica ao que está posto no discurso oficial do Bolsa
Família, apontado como o mais abrangente programa social do Brasil (UCHIMURA
et al., 2012), é pertinente a singularidade de uma abordagem fundada no
questionamento político propriamente dito, capaz de abranger as relações desiguais
de poder envolvidas (inclusive aquelas de cunho clientelista, movidas por propósitos
eleitorais escusos) na discussão do aporte de dinheiro para demandas em
alimentação e nutrição, ainda mais quando exigidas das famílias condicionalidades
em saúde e educação e assistência social.
Considerando-se toda essa polêmica, é pertinente a discussão sobre as
valorações e juízos de mérito atribuídos ao Bolsa Família na práxis em alimentação
e nutrição, enfocando-o em virtude da interrogação quanto à idealizada porta de
saída dos beneficiários, no centro da arena de disputas entre diferentes concepções
de políticas sociais de combate à pobreza e à fome, suas motivações e interesses
relacionados.
29
Por outro lado, uma vez destacada a SAN no eixo central das políticas públicas
do Brasil – também motivada por indicadores sociais, insurge a importância de
procurar compreender as movimentações em favor do ideal de zerar a fome no país.
Para tanto, se faz oportuno recuperar a trajetória de dez anos do PBF até a sua
projeção atual de expansão para 16,2 milhões de brasileiros até 2014, via Ação
“Brasil Carinhoso”, no governo Dilma (BRASIL, 2011a).
Nesse debate aberto, resolvemos construir uma análise crítico- compreensiva
da práxis discursiva do PBF, enfocando-o no ambiente de conjuntura do país e de
seus determinantes, em associação com a discussão da problemática da fome como
miséria social – expressa na forma de violação ao direito à alimentação. A idéia foi
avançar com uma abordagem qualitativa daquela medida distributiva de renda no
âmbito de uma articulação estratégica para garantir o mínimo existencial em matéria
de alimentação e nutrição, e, nesse passo, em direção à almejada promoção
socioeconômica.
Adicionalmente, problematizamos a articulação entre senso comum, ciência e
ideologia na compreensão do preceito do investimento em capital humano com
vistas à superação da pobreza estrutural (e com ela a fome enquanto expressão de
miséria) através de pacotes de serviços públicos consignados na Constituição
Federal como direito-dever fundamental.
Como parte do trabalho de campo, optamos por realizar as entrevistas,
imediatamente após o final de um quadriênio da administração municipal do PBF
(correspondente
ao mandato
do
prefeito), assinalando
desse
modo
uma
coincidência com o período regular de nossa permanência nas atividades do curso
de doutorado. Sendo assim, os resultados traduzem o momento de fechamento da
gestão local do programa, entre os anos de 2009 a 2012.
Sustentamos que um trabalho hermenêutico voltado a entender o sentido de
um direito (se é que há algum) aplicável na melhoria da condição humana, deve ser
buscado também no texto das leis e em suas relações intertextuais (em face do
contexto ampliado do sistema jurídico e seus determinantes), que lhe conferem
relativa autonomia. Por tais considerações, foram consultadas fontes do direito
positivo, tomando-se a concepção ampliada de norma, de modo a abranger – além
30
da lei em sentido estrito – decretos, portarias e outras normas jurídicas e
administrativas, que compõem o produto da construção jurídica do ideal político de
acabar com a fome e a miséria no país.
No afã de avançar por fronteiras do conhecimento, entendemos que nesse
trabalho de tese a consideração das interfaces históricas, socioeconômicas e
políticas do direito à alimentação é condição indispensável para a construção de
uma investigação crítica e para a análise/discussão fundamentada dos processos de
enfrentamento da insegurança alimentar/nutricional no Brasil.
Na esfera da literatura científica, nacional e internacional, é notável uma lacuna
em termos de abordagem qualitativa da dimensão moral e política de temas
emergentes em alimentação e nutrição, que demandam produção de conhecimento
no campo da saúde coletiva. Faltam análises com enfoque em perspectivas críticocompreensivas da vertente humana e social fundamental do direito à alimentação,
considerando-se, em particular, necessidades e interesses subjacentes às políticas
públicas, vale dizer, a “realidade sensível”, tal como percebida pelas pessoas
envolvidas nos programas sociais. Segundo Assis et al (2008), a literatura de
avaliação de tais programas enfatiza, basicamente, o potencial transformador dos
indicadores.
A propósito da pertinência da realização de pesquisas qualitativas, em um
extenso trabalho experimental para aferir o impacto de programas governamentais
no campo da alimentação e nutrição – estruturado (matrizes) por categorias e
dimensões pré-estabelecidas, Santos e Santos (2008a) verificaram a limitação do
modelo tipo estrutura-processo-resultado, sobretudo por omitir a discussão de
aspectos políticos e estruturais. A ampliação das dimensões de análise é tida e
reconhecida pelas autoras como imprescindíveis ao longo da pesquisa (sob pena de
comprometer a qualidade da análise) para contextualizar conjuntura e outras
ambiências da própria administração pública executora.
Na mesma linha
argumentam os textos de Uchimura e Bosi (2002) e Bosi e Uchimura (2007).
No curso de nossa avaliação da complexa dinâmica social que envolve o
universo empírico desse programa de transferência direta e condicionada de renda,
entendemos necessário promover ajustes nos mecanismos de análise desta
31
realidade para aproximar-se cada vez mais do cenário vivenciado pelos beneficiários
no cotidiano da investigação. Destarte considerado o processo de tessitura das
narrativas, buscamos identificar as estruturas de sentido para tornar apreensível o
tempo vivido (RICOEUR, 2010) com a transferência condicionada de renda,
valorando os significados dessa experiência na conjuntura de uma política pública
focada na dimensão material pobreza.
O percurso metodológico desse trabalho não envolve mensurar eventual
impacto, eficácia ou efetividade do PBF na (in)segurança alimentar/nutricional dos
sujeitos beneficiários, ou ainda, seus efeitos na redução de manifestações
sistêmicas da fome e da pobreza no país. Mesmo sem desmerecer a importância de
tais aspectos, pretende-se avançar na avaliação do processo de criação política e de
produção subjetiva deste programa, considerando, em especial, as arenas sociais
onde se travam toda ordem de conflitos e convergências de interesses.
Com tais considerações e propósitos acadêmicos, dois pressupostos teóricos
nos desafiam:
1) Na concepção do PBF a miséria social dos famintos no Brasil foi
institucionalizada como uma questão de direito a uma renda mínima na lógica
de inclusão social do modo de produção capitalista;
2) As principais dificuldades paradigmáticas do PBF no sentido da exigibilidade
da alimentação adequada como direito humano e social à alimentação, estão
relacionadas aos fundamentos da histórica concepção assistencial dos
programas no campo da alimentação e nutrição no Brasil, ao lado das
tensões e condicionamentos presentes na lógica da economia de mercado
subjacente à transferência direta de renda com foco na pobreza.
32
1.1 Objetivos
Geral
o Compreender interesses, valorações e juízos presentes na voz de
beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa,
tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.
Específicos

Caracterizar os determinantes sócio-históricos e a configuração jurídica do
Bolsa Família no âmbito de uma análise crítico compreensiva que o destaca na
trajetória das políticas de alimentação e nutrição do Brasil;

Analisar distintas dimensões do discurso oficial e da práxis do Bolsa Família
ante a lógica do modo de produção e consumo do mercado capitalista e da
segurança alimentar/nutricional;

Compreender a experiência de mulheres beneficiárias da transferência direta e
condicionada de renda tal como por elas percebida, na perspectiva do contraste
acomodação/emancipação;

Analisar convergências e divergências entre os textos oficiais e a fala das
beneficiárias do Bolsa Família acerca de suas vivências com esse programa.
33
2. NOTAS SOBRE AS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO BRASIL:
UMA APROXIMAÇÃO DE UM ENFOQUE HISTÓRICO-CRÍTICO
O propósito desse capítulo é recuperar criticamente a trajetória das políticas
de alimentação e nutrição no Brasil, desde a origem da proteção social motivada pela
miséria e a fome até a configuração da SAN como meta republicana articulada à
pauta de direitos humanos, destacando-se o modelo de estado provedor em face dos
direitos sociais. Por tal contextualização histórica, uma vez considerada a relevância
do paradigma ético e moral da dignidade da pessoa humana e da reconfiguração do
Estado para o enfrentamento da pobreza material, notadamente a miséria social da
fome, procuramos problematizar o preceito da SAN no Brasil face à temática dos
direitos humanos e do princípio da cidadania plena.
Para tanto, resolvemos partir de uma perspectiva analítica na qual os
discursos são entendidos como produtores e comunicadores de significados que,
compartilhados, informam e traduzem concepções de mundo, permeadas por
representações acerca das relações de poder. Assim, construções discursivas são
assumidas, nesta discussão, como dimensões integrantes das lutas pela hegemonia,
traduzindo ideias que não se restringem a uma esfera cultural supostamente isolada,
mas se encontram materializadas, tal como sustentado por Gramsci (1978), nas
práticas sociais e no conjunto das instituições.
2.1 Fundamentos históricos da proteção social
A preocupação com os infortúnios da vida acompanha a história da civilização
desde os tempos mais remotos. Contudo, a civilização evolui no sentido de reduzir as
ameaças da vida e os efeitos de adversidades capazes de vulnerar a existência
humana. Pode-se afirmar que comportamentos dessa natureza têm algo do instinto
comum aos demais animais, a exemplo do hábito de guardar alimentos para
consumo em dias mais difíceis. O diferencial seria o nível de complexidade do nosso
sistema de protetivo, assinalado pela racionalidade (IBRAHIM, 2005; MORRIS,
2010).
Registros de proteção social e ajuda humanitária aos mais pobres podem ser
34
verificados na História Antiga, em sociedades com algum grau de organização,
atuando, ressalve-se, sem qualquer mediação estatal nessa tarefa. Posteriormente
criaram-se normas para assegurar a sobrevivência dos trabalhadores em seus
infortúnios, a exemplo do Código de Hamurabi e da Lei das Doze Tábuas. Ambos
tinham o escopo de garantir a dignidade humana através da realização da
assistência caritativa às pessoas em dificuldades materiais, uma vez impossibilitadas
para o trabalho (FELIX, 2009).
A origem da proteção moderna aos mais pobres remonta até meados do
século XIV, com as relações de dependência e troca entre os senhores e os servos,
resultando na criação de estruturas mínimas para lidar com a fome e as doenças.
Tais ações solidária e coletivamente empreendidas foram intensificadas a partir do
horror com a peste negra (1348-9) (HOBSBAWN, 1979).
Anos mais tarde, o fechamento da quase totalidade dos mosteiros, em 1536,
juntamente com a desagregação da estrutura social medieval, fez com que, na
Inglaterra do início do século XVII, a ajuda aos necessitados passasse de ato
voluntário para uma obrigação a ser custeada com imposto pago e administrado por
comunidades paroquiais (circunscritas em territórios legitimados pelo Estado
monárquico) (IBRAIM, 2005).
Naquele período, existia um grande número de ingleses desempregados,
vários deles em uma vida de mendicância, peregrinando em busca de comida. Tal
fato agredia a sociedade a ponto de provocar a coroa inglesa a empreender esforços
para minorar tão absurdo flagelo social. Assim, em 1801 foi editada a Lei dos Pobres
(Poor Relief Act), instituindo uma política de transferência de dinheiro aos que não
reunissem condições mínimas de sustento. Para boa parte da doutrina especializada
em seguridade social (GOES, 2012; OLIVEIRA, 2005) esse foi o momento da história
onde efetivamente o Estado iniciou sua participação na assistência aos socialmente
desvalidos.
Na transição entre os séculos XIX e XX, a questão social foi retomada pela
Igreja Católica, cuja doutrina – inspirada na encíclica Rerum Novarum de 1891,
(intitulada "Sobre a condição dos operários") – refutava uma solução socialista e,
alinhada ao Estado Liberal, sustentava a manutenção do modelo de produção
35
capitalista, mas agora amenizado por práticas humanistas e solidárias para com os
trabalhadores explorados (ou sem oportunidade de emprego) (BARBOSA, 2010;
MONTANO, 2012).
A encíclica do Papa Leão XIII tornou-se um marco das prescrições feitas
pela Igreja ao Estado no que concerne à proteção do proletariado, do
trabalho e da propriedade; e, ao mesmo tempo, um "convite para os
operários católicos se associarem" de modo a fazerem face ao comunismo
e evitarem "dar seus nomes a sociedades de que a religião tem tudo a
temer". (GONÇALVES et al, 2010, p. 98)
Sendo assim, ações desenvolvidas pela Igreja mobilizavam recursos junto à
sociedade para executar ações de caridade e misericórdia aos mais pobres
(CASTRO, 2008) (muito embora, com a crescente absorção do trabalho humano na
indústria, a condição de pobre fosse, basicamente, reconhecida como uma condição
operária). Tal influência religiosa representou o marco do regramento jurídico da
seguridade social, sensibilizando muitos governantes por conta do sentimento de
obrigação cristã para com a proteção e o amparo aos pobres (GONÇALVES et al,
2010).
No Brasil, a partir do século XVI os governantes, preocupados com a
instabilidade social em razão do problema da fome, decorrente de extensos períodos
de secas (invasões de terra, saques, etc.), recorreram a “socorros públicos”,
modalidades de ajuda humanitária na forma de doação de alimentos, diretamente, ou
o equivalente em dinheiro para adquiri-los. Medidas dessa natureza foram vitais
naquelas situações de emergência, mas que, via de regra, além de incertas,
negligenciavam as causas estruturais do problema. A propósito do tema, no
longínquo 1890, Rodolfo Teófilo (2002, p. 244, grifos nossos), no romance “A Fome”,
dedicado à seca de 1877, já alertava:
A distribuição dos socorros públicos em dinheiro e, por meio de cartões, o
novo presidente proibiu logo que assumiu a administração da província.
2.2 O Estado provedor e a emergência da alimentação como política pública
Na busca de explorar fatos significativos com vistas à compreensão
hermenêutica do que se convencionou chamar políticas públicas de alimentação e
36
nutrição no Brasil, em sua dinâmica histórica, considerando a miríade de programas
e serviços, mais ou menos institucionalizados nesse campo, resolvemos adotar o
entendimento de Matildes da Silva Prado (1993, p. 23), como segue:
Política de Alimentação e Nutrição [como] conjunto de medidas adotadas pelo
Estado, visando “proteger” determinados segmentos sociais, através da
implantação de programas e serviços voltados para a questão de produção,
comercialização, distribuição e consumo de alimentos.
Para aquele professor baiano, recuperar a conjuntura nacional em cada
momento histórico é condição que se impõe à compreensão das políticas de
alimentação e nutrição, destacando-se nessa trajetória a correlação de forças entre
os movimentos sociais e o poder estatal (PRADO, 1993).
Embora ações de Estado para com a questão alimentar e nutricional da
população tenham sido empreendidas desde o início da colonização portuguesa no
Brasil, somente no ano de 1909, com a criação da Inspetoria de Obras Contra as
Secas (IOCS), o país passou a ter uma referência institucional em políticas públicas
de alimentação. Com esse órgão, o governo de Nilo Peçanha procurou criar
condições de acesso à água no semiárido brasileiro, devastado por grandes
estiagens (BRASIL, 1909).
Na passagem do Estado liberal-oligárquico ao Estado intervencionistaburguês (em período de cerceamento das liberdades democráticas) foram
estabelecidos instrumentos e mecanismos para uma Política Nacional em
Alimentação e Nutrição (PNAN), como parte do conjunto de programas sociais do
então governo de Getúlio Dorneles Vargas (VASCONCELOS, 2005b; FROZI;
GALEAZZI, 2004).
Ao longo do século XX verifica-se a ampliação gradual do debate em torno da
inserção de temas de Alimentação e Nutrição na agenda de discussão dos
problemas nacionais, bem como no contexto em que se configuraram blocos
políticos e econômicos de integração regional, com esquemas cooperativos e
institucionalizados capazes de empreender, com base no estabelecimento gradual
de regimes jurídico-normativos, políticas públicas próprias de abrangência
internacional (BOSI, 1988; VASCONCELOS, 1988).
37
Contudo, para compreensão da historicidade da PNAN, como de resto,
qualquer política social daquele período da história do Brasil, faz-se necessário,
como sugerido anteriormente, reportar-se ao contexto político e econômico de
transformação ocorrida em fins do século XIX, com a substituição do governo
imperial pela república burguesa de inspiração positivista.
Naquele período houve grandes mudanças no modelo de produção da
economia, com o açúcar brasileiro perdendo importância e, com isso, diminuindo
sensivelmente a força política da oligarquia rural situada no eixo Norte-Nordeste.
Paralelamente, cresce bastante a demanda de exportação do café, o que faz
emergir – no lugar dos produtores de alimentos (principalmente cana-de-açúcar) do
Nordeste e os de metais em Minas Gerais – a aristocracia dos cafeicultores
paulistas. Essa última, ao contrário das anteriores, passa a investir grandes
montantes de capital na nascente indústria brasileira (PRADO JR, 2006).
A contar da libertação dos escravos e da entrada progressiva de imigrantes no
Brasil para as lavouras de café, as cidades conquistam progressiva autonomia em
relação à tradicional vida rural. Logo, a terra farta de cafezais passa a representar,
sobretudo, uma fonte de renda para custear a vida nos centros urbanos. Enfim, as
cidades ganharam novo sentido com o café, ou, mais especificamente com o seu
valor elevado na pauta de exportação. Toda essa situação teria prejudicado
sensivelmente o modo de vida rural baseado na produção para o autoconsumo
(HOLANDA, 1987).
Em plena primeira Guerra Mundial, mesmo adotando uma postura oficial de
neutralidade, o Brasil viveu uma severa crise de desabastecimento acompanhada
de grande aumento nos preços dos alimentos (pressionados pela venda direta aos
países aliados em conflito) (FAUSTO, 2006). Justamente nesse período, através do
Decreto 13.069, criou-se o Comissionário de Alimentação Pública, com o propósito
de monitorar o comércio atacadista de alimentos, através do controle do
abastecimento e preços (BRASIL, 1918).
Todavia, justamente pela intervenção na economia em afronta aos interesses
dos (poderosos) proprietários rurais, o Comissionário de Alimentação Pública teve
curta duração (5 meses), não indo além da resistência dos usineiros do Nordeste a
38
tentativa de regulação do mercado de açúcar (LINHARES; SILVA, 1979; PRADO,
1993).
Para melhor compreensão daquela iniciativa pioneira no âmbito de uma
política nacional de alimentação, é preciso considerar que na década 1910, a
exportação de café, sustentáculo da economia do eixo sul-sudeste, caiu
severamente. No nordeste, as seguidas secas – sobretudo o horror vivido em 19151
– criava uma situação de medo e instabilidade social de difícil controle. Por outro
lado, a greve geral iniciada em julho de 1917 surpreendeu a indústria e o comércio,
dada a organização operária, sem precedentes na história do Brasil, com
importantes lideres imigrantes, diversos dos quais identificados com o anarquismo e
o comunismo (VICENTINO; DORIGO, 2010; PRADO, 1993).
Por volta de 1915, ao passo que a elite cafeeira aumentava o padrão
econômico de vida em virtude do êxito nas exportações, a maioria dos brasileiros
convivia com a carestia e o desabastecimento de alimentos e outros bens de
consumo indispensáveis (FAUSTO, 2006).
Contudo, foi com fundamento, dentre outros, na necessidade de ampliar a
produção nacional para exportação de alimentos aos países aliados (hoje
identificada como preocupação com a “segurança alimentar”) que o Brasil resolver
decretar uma série de medidas para organizar o abastecimento alimentar
(LINHARES, 1979).
(...) Considerando que o Brasil, assim de concorrer efficientemente para a
alimentação dos paizes alliados e manter o equilibrio de sua balança
commercial internacional, tem o maior interesse em que sua exportação
seja a mais variada e copiosa que fôr possivel;
Considerando, porém, que, a exemplo das nações belligerantes e até
neutras, essa exportação deve ser fiscalizada e mantida dentro de certos
limites, afim de que se não aggrave ainda mais a carestia da vida que já se
faz sentir em alguns centros populosos do paiz, tornando cada vez mais
difficil a subsistencia de todos, especialmente a do operariado;
Considerando que o Governo Brasileiro, si por um lado cumpre com firmeza
seus deveres de alliado, não póde, por outro lado, deixar de attender aos
1
Consoante à impressionante narrativa de Raquel de Queiroz no clássico “O quinze”, escrito em
1930, a insuficiência de água e alimentos no sertão nordestino deu causa naquele ano a muito
sofrimento e morte (vidas abreviadas pela inanição).
“Era raro e alarmante, em março [1915], ainda se tratar de gado. (...) a água dos riachos afina, afina,
até se transformar num fio gotejante e transparente. Além disso, a viagem sem pasto, sem bebida
certa, havia de ser um horror, morreria tudo.” (QUEIROZ, 1994, p. 15).
39
justos reclamos das classes consumidoras, cujos legitimos interesses
podem e devem ser conjugados aos dos productores;
Considerando, finalmente, que se trata no caso de verdadeira medida de
necessidade publica e como tal de natureza inadiavel; (...)
(BRASIL, 1918)
Avançando algumas décadas na história até os anos de 1930, os inquéritos
realizados a partir de 1932 – primeiramente em Recife com Josué de Castro –
desnudaram a crítica situação alimentar e nutricional em diferentes estratos
populacionais no Brasil (L´ABBATE, 1988; CASTRO, 1946). À época, já sob a
administração de Getúlio Vargas (à frente do governo provisório no período
1930/34), o país sofria com os nefastos efeitos de uma crise econômica mundial
(queda do poder aquisitivo, desabastecimento, desemprego, etc.), cujo epicentro
teria sido a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em novembro de 1929
(FAUSTO, 2006; FURTADO, 2007).
O advento do ano de 1930 assinala a derrocada do poder capitaneado pela
política café-com-leite, protagonizada pela conjugação de forças entre a oligarquia
cafeeira paulista e os latifundiários mineiros. Essa mudança na elite dominante do
Estado foi causa de uma grave tensão política, cuja instabilidade cresceu ainda mais
quando o presidente Vargas nomeou o militar João Alberto Lins de Barros,
pernambucano e ex-guerrilheiro da Coluna Prestes, como governador de São Paulo.
Malgrado a economia nacional já revelasse exaustão desde meados da
década de 1920, por força da violenta queda de preços do café no mercado externo,
a dramática desvalorização das ações no mercado financeiro em todo o mundo, por
efeito do aludido crash da bolsa estadunidense, promoveu uma redução, sem
precedentes, dos negócios no mercado internacional, motivando o fechamento em
série de fábricas (FIGUEIRA, 2011).
Por outro lado, dada a dificuldade de exportar ou importar quaisquer produtos
e mesmo com as severas dificuldades em infraestrutura do país, o setor industrial
brasileiro focou na ampliação do mercado interno, transformando as estruturas
produtivas ao aumentar e diversificar a oferta de bens de consumo, sobretudo
alimentos. Assim, já em 1933, ao mitigar a dependência para com os mercados e o
capital estrangeiro, o Brasil (até então notabilizado por contar com uma economia
40
periférica) despontava como um dos primeiros a superar a crise. No entanto, foram
preservados os aparelhos de dominação do período anterior (VICENTINO; DORIGO,
2010; PRADO JR, 2006).
2.3 “Alimentação racional” e o processo de formação profissional em Nutrição
No Brasil dos anos 1930 e 1940, durante o Estado Novo, a alimentação do
brasileiro – assumida como problema, cuja solução deveria compreender as suas
dimensões fisiológica, dietética, higiênico-sanitária e social – converteu-se em objeto
de interesse para pesquisadores da nascente ciência da nutrição, produzindo-se uma
expressiva quantidade de estudos sobre carências nutricionais e outros temas
relacionados. Muitos intelectuais, atuantes no serviço público, entre eles Josué de
Castro, buscavam alinhar seus interesses científicos com as políticas estatais
desenvolvimentistas, voltadas à integração nacional, que marcaram a história política
do Brasil nesse período (RODRIGES, 2011; CHAVES, 2009; PRADO, 1993;
LINHARES; SILVA, 1979).
Foi um período no qual a alimentação teve destacada importância, tanto que
se criou no serviço público e na iniciativa privada (com incentivo fiscal) um conjunto
de órgãos e divisões especializados em fomentar ações de “alimentação racional” –
incluindo-se, além da educação alimentar, a regulação da produção agropecuária e
da comercialização de alimentos, com vistas a superar o “subdesenvolvimento”.
Nessa tarefa, destacaram-se a Seção de Nutrição da Divisão de Organização
Sanitária do Departamento Nacional de Saúde e o Serviço Técnico de Alimentação
Nacional da Coordenação da Mobilização Econômica, de onde partiram políticas
sociais, articuladas a setores empresariais, resultando na criação, dentre outras
estruturas, de restaurantes populares, do Serviço Central de Alimentação, da
Delegacia Executiva de Produção Nacional (Ministério da Agricultura) e do Serviço
Social da Indústria (Federação Nacional da Indústria) (RODRIGES, 2011; LIMA,
1997; CASTRO, 1946; SILVA, 1996; PRADO, 1993).
No mesmo cenário histórico, motivado por uma visão higienista atrelada ao
poder de polícia sanitária (e sua função tributária), o estado de São Paulo criou o
41
Serviço de Policiamento da Alimentação Pública, junto ao Departamento Estadual de
Saúde, dirigido a fiscalizar locais de venda e produção de alimentos (SÃO PAULO,
1938).
O campo profissional em nutrição no Brasil surgiu no contexto das mudanças
econômico-político-sociais e culturais do país 1930-1940, junto com sua afirmação
como disciplina implicada com tal cenário em transformação. A formação de
nutricionistas no país começou em São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 1939 e
1940. Os primeiros Cursos de bacharelado foram criados na Universidade de São
Paulo, em 1943 (a partir do curso de nutricionista técnicos do Serviço Central de
Alimentação do IAPI – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários) e na
Universidade do Rio de Janeiro (inicialmente vinculado ao SAPS – Serviço de
Alimentação da Previdência Social) (VASCONCELOS, 2001).
Durante a segunda guerra mundial, em meio às severas dificuldades de
logística comercial com o mercado externo, a ciência da nutrição foi frquentemente
empregada pra justificar o interesse empresarial de ampliar o consumo interno de
determinados alimentos, prejudicados pela redução da pauta de exportação, como
ocorreu com a laranja.
A conjuntura da produção de laranjas, em 1940, possibilitava uma tentativa
de intervenção pela via educativa. Paula Souza fora aos microfones da
Rádio Educadora para inaugurar a Campanha da Laranja. (...) os produtores
paulistas estavam às voltas com dificuldades de exportação do produto para
a Europa, tradicional mercado de consumo dessa fruta. (...) o que denota
uma articulação de interesses entre a promoção da saúde pública (no caso,
dos bons hábitos alimentares) e a ampliação do mercado consumidor
interno para itens da lavoura nacional (no caso, a laranja). (...) Comer
laranjas passaria a ser, a partir de então, um ato patriótico e parte do
esforço de manutenção da produção econômica brasileira, diante da
situação de guerra na Europa (RODRIGUES; VASCONCELLOS, 2007).
De 1933 a 1939, em virtude da emergência da proteção social, o governo
federal, através do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) criou
diversas caixas e institutos de aposentadorias e pensão (CAP e IAP) específicas
para coletivos de trabalhadores, reunidos em categorias. Na sequência, foram
contemplados os marítimos, os bancários, os aeroviários, os trabalhadores em
trapiches e armazéns (passando, em 1936, a denominar-se de empregados no
transporte de cargas), os industriários, os operários estivadores (IBRAIM, 2005;
42
LINHARES, 2009b; GOES, 2012).
Em 1940, foi criado o SAPS, autarquia federal mantida pelos IAPs e CAPs,
componente importante da política de assistência social em pleno governo ditatorial
de Getúlio Vargas (BRASIL, 1940; BEZERRA, 2009).
Somando-se ao esforço nacional de autonomia em tempos de guerra, o
SAPS desenvolveu-se rapidamente administrando atividades (...) de gestão
de restaurantes, (...) medidas educativas, práticas de merenda escolar e de
assistência em geral às populações urbanas. Tornou-se um marco na
história das políticas de educação alimentar e nutrição no Brasil (MUNIZ,
2010, p. 1).
O Decreto-lei que instituiu o SAPS definiu como propósito a ser perseguido por
esse órgão: a garantia de condições “favoráveis e higiênicas à alimentação” dos
segurados dos diversos institutos e caixas de aposentadoria e pensão subordinados
ao governo federal. A justificativa da aludida criação, conforme expressa na mesma
norma é:
...melhorar a alimentação do trabalhador nacional e, conseqüentemente,
sua resistência orgânica e capacidade de trabalho, mediante a progressiva
racionalização de seus hábitos alimentares (BRASIL, 1940).
O SAPS foi idealizado e inicialmente presidido por Josué de Castro. Nos 27
anos de sua existência o órgão investiu, sobretudo, na distribuição de alimentos
(cestas básicas) e comida (restaurantes populares, inclusive universitários) a
determinadas categorias de trabalhadores (e suas famílias), justamente aqueles
valorizados pelo sistema corporativo então vigente (LIMA, 1997; PESSANHA, 2002).
Sobre a nomeação de Castro para o SAPS, Andrade (1997, p. 175) observa:
A ação política de Josué de Castro desenvolveu-se a partir de 1940, quando
o governo Getúlio Vargas criou o SAPS (...) que ele instituíra com a vitória
da Revolução de 1930. Além de Geografia Humana na Faculdade de
Filosofia, Josué de Castro lecionava Nutrição e Alimentação no curso de
pós-graduação da Faculdade Nacional de Medicina e foi designado primeiro
diretor do SAPS. Era a oportunidade que passava a ter o professor e
cientista de por em prática os seus conhecimentos teóricos.
Para Prado (1993) a criação do SAPS inaugura, no contexto populista do
Estado Novo, a institucionalização de uma política nacional de alimentação e
43
nutrição. Seu antecedente histórico imediato, que lhe conferiu o fundamento no
binômio alimentação/educação, foi a implantação, um ano antes, do Serviço Central
de Alimentação junto ao IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
(PELIANO, 2010).
Investido de uma lógica marcadamente desenvolvimentista, coube ao SAPS o
propósito de “melhorar a alimentação do trabalhador e, consequentemente, sua
resistência orgânica e capacidade de trabalho, inclusive mediante a progressiva
nacionalização dos seus hábitos alimentares.” (BRASIL, 1940; grifos nossos). Acerca
desse propósito, Peregrino (1950, p. 7) destaca a iniciativa do governo Vargas de
“proporcionar alimentação cientificamente planejada a operários, no seu local de
trabalho”.
O plano de “propiciar aos trabalhadores alimentação adequada e barata”
norteava as medidas atribuídas ao SAPS na perspectiva do Estado do Bem-Estar
Social, destacando-se na área da nutrição (ou mais especificamente na seara da
educação alimentar), “a formação, na coletividade, de uma consciência familiarizada
com os aspectos e problemas da alimentação”. Para tanto, foram produzidas
cartilhas, treinadas visitadoras domiciliares (BRASIL, 1940) e técnicas dietéticas
“cientificamente validadas” como “padrão SAPS” – conforme ressaltado por
Peregrino (1950) em referência ao trabalho do pesquisador Dante Costa.
Basta referir que a mesa tipo SAPS, em uso em todos os Restaurantes
Populares dessa Instituição, e que fora criação de Paulo Seabra para o
restaurante do seu Laboratório particular, foi por este patenteada em nome
do SAPS para que fosse adotada, como o foi em todos os seus
Restaurantes Populares (PEREGRINO,1950, p. 8).
Quanto ao contexto histórico no qual se entendeu necessário um modelo de
Estado voltado a confortar e proteger aqueles em condição marginal ao modo de
produção capitalista, porque limitados severamente das relações de consumo por
insuficiência de renda, Ibraim (2005) explica:
Sabe-se que o Estado do Bem-Estar Social surgiu muito mais como um
contraponto necessário ao crescimento do comunismo, do que propriamente
pela conscientização dos dirigentes mundiais pela importância da proteção
social. A farta oferta de benefícios foi feita, frequentemente, de modo
irresponsável, e visando unicamente rivalizar com o leste europeu.
44
Araújo, Costa-Souza e Trad (2010), com base no pressuposto relatado por
Rodrigues (2007) – na análise da práxis discursiva subjacente à política pública de
alimentação popular em São Paulo (1920 a 1950) –, de que naquela época a
“ignorância” do indivíduo (em relação a sua própria alimentação) era apontada como
causa de má nutrição, sustentam que as ações educativas, desenvolvidas pelo
SAPS, no sentido de promover a racionalidade em matéria de educação alimentar
(em contraponto à aludida ignorância) omitiam as causas da problemática da fome
no país.
A disseminação da idéia de "alimentação racional" como base de políticas
públicas na área rendeu inúmeras páginas em estudos feitos principalmente
durante o Estado Novo – tema que ainda se ressente de uma análise mais
detida pelos historiadores da alimentação no Brasil (ARAÚJO; COSTASOUZA; TRAD, 2010).
A oferta de diversas modalidades de refeições aos empregados em fábricas e
em outras empresas inscritas no SAPS, e de uma refeição matinal aos seus filhos
são, respectivamente, apontadas como precurssores, do Programa de Alimentação
do Trabalhador (PAT) e do (hoje denominado) Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) (PRADO, 1993; VASCONCELOS, 2005b; BRASIL, 1976).
De acordo com Silva (1995), a maior expansão das ações do SAPS ocorreu
no Rio de Janeiro, através de serviço próprio em seis restaurantes populares, além
da fiscalização de outros quarenta e dois, como também fornecendo refeições
transportadas a mais de cinquenta empresas.
...o primeiro restaurante foi instalado na Praça da Bandeira, em um prédio
vizinho ao corpo dos bombeiros, o SAPS impunha já em sua fachada
alegorias simbolizando a indústria, o comércio e a refeição, ícones do
refeitório operário ali em funcionamento. Utilizando as instalações do extinto
Serviço Central de Alimentação do IAPI (Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Industriários), em novembro de 1940 surgia um serviço que
mais do que servir refeições para trabalhadores tinha como meta baratear e
diversificar os gêneros que compunham a alimentação nacional (MUNIZ,
2010, p. 2).
Vasconcelos (2005) observa que a permanência das ações da SAPS –
compreendendo o intervalo entre a sua criação, em 1940, pelo presidente Vargas e a
extinção, em 1967, por Castello Branco –, em seguidos governos, passando por
45
Gaspar Dutra (a contar de 1948) e João Goulart (até 1967), denota a materialização
de uma política pública continuada, e desse modo, uma duradoura intervenção do
Estado em matéria de alimentação e nutrição.
2.4 A configuração da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no contexto
da “Guerra Fria”
Em 1945, momento do pós-segunda guerra, a coordenação da PNAN foi
transferida para a CNA – Comissão Nacional de Alimentação, no âmbito do Conselho
Federal de Comércio Exterior, competindo sua função executiva ao Serviço Técnico
de Alimentação Nacional do Ministério da Saúde. Tal comissão estabeleceu os
princípios norteadores dos programas de alimentação do país, se notabilizando por
eleger a questão da desnutrição como prioridade da área de saúde pública do
governo2. (BRASIL, 1945; FROZI; GALEAZZI, 2004; PELIANO, 2010).
A partir de 1946, o Brasil do pós-guerra, por influência dos Estados Unidos,
empreendeu uma experiência isolada (e logo fracassada) de planejamento: o Plano
SALTE, em cujo desenho normativo a alimentação figurava no elenco de prioridades
do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946/1951) na perspectiva de estímulo à
produção nacional. Contudo, é da discussão da fome como urgência política nos
anos seguintes que nascem na década de 1950 as políticas de nutrição de caráter
nacional (BOSI, 1988; LUZ, 1988; HAMILTON; FONSECA, 2003).
A década de 1950 é reconhecida como um período no qual foram
empreendidos em muitos lugares no mundo (especialmente no ocidente) programas
de alimentação e nutrição harmonizados com a ideologia desenvolvimentista,
prevalente na época. A “melhoria nutricional” da população era um objetivo a ser
alcançado, tanto com medidas de proteção específica (suplementação alimentar e
aumento da oferta “proteínas de alto valor biológico”), quanto por ações em nutrição
clínica (serviços de recuperação nutricional). Em ambos os sentidos, o Instituto de
Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, dirigido por Nelson Chaves, é
2
De 1972 a 1987, coube ao INAN, também na área de saúde, dar segmento ao processo de
elaboração e coordenação de diversos programas de alimentação e nutrição.
46
referenciado como exemplo de boas práticas, inclusive em inquéritos dietéticos e
nutrição experimental (LIMA, 1997; CHAVES, 2009; VASCONCELOS, 2001).
A propósito do debate sobre os enfoques dos discursos “científicos” em
nutrição, presentes nos programas e projetos a ele relacionados, e na formação de
pessoal qualificado para atuar nesse campo, Bosi (1988, p. 45), ao destacar o
número e diversidade de estudos “científicos” (especialmente na primeira metade do
século XX) que apontam uma relação direta entre a suplementação alimentar em
trabalhadores e a melhoria da produtividade das empresas, faz alusão a um trecho
do
clássico
“Nutrição
Básica
e
Aplicada”,
de
Nelson
Chaves,
nutrólogo
pernambucano apontado como criador do Curso de Nutrição da UFPE, em 1956.
Fatos como esse vêm confirmar o papel fundamental da nutrição na produtividade
do ser humano, do qual depende inteiramente o desenvolvimento global... de um
país.
O destaque acima pode ser reconhecido como uma interessante expressão
da ideologia desenvolvimentista, tantas vezes reproduzida na literatura – da qual
aquela obra é referência – dirigida à formação de profissionais nutricionistas. Na
sequência, por alusão ao mesmo autor, Bosi (1988, p. 54) critica o distanciamento
(talvez um paradoxo) entre as soluções, cientificamente legitimadas, em nutrição (ao
menos no discurso) e a realidade sensível daqueles que vivem à margem do
processo social mediado pela economia de mercado.
É interessante notar como, através de categorias do tipo “etiologia
dietética”, o discurso consegue deter o raciocínio causal e justificar a
implementação de projetos ou práticas de Educação Nutricional para
prevenir o Kwashiorkor (ou seja, desnutrição grave)! E vai mais além,
propondo o “encorajamento” para o consumo de “proteínas de alto valor
biológico”, que tem fontes principais alimentos de origem animal (...)
totalmente inacessíveis às classes subalternas, na lógica distributiva do
modo de produção capitalista, no entanto, esta é uma das soluções
científicas legitimadas.
Essa discussão traz à tona a teoria crítico-reprodutiva de Louis Althusser
(1985), filósofo francês que viveu no período supra-mencionado, pautada na
denuncia do caráter ideológico de diversas instituições, com destaque à escola, uma
vez voltadas à legitimação da cultura dominante, ao multiplicarem conceitos e
práticas coerentes ao modo de produção e consumo capitalista. Assim, frente às
contradições inerentes a esse modelo, as instituições de ensino superior,
47
responsáveis pela formação de nutricionistas e outros técnicos, podem ser (como
tem sido) úteis como aparelho ideológico (em oposição ao aparelho repressivo),
direcionando, sutil e “conscienciosamente”, estudantes no sentido da formatação de
profissionais reprodutores do discurso hegemônico.
É com a dominação dos aparelhos ideológicos de Estado que a elite (...)
reproduz sua lógica de dominação excludente e desigual. E o faz
principalmente através da escola, (...) Não basta, contudo, assegurar à força
de trabalho (trabalhadores) as condições materiais para sua reprodução. A
reprodução deve-se dar contando com um elemento fora do processo
produtivo, qual seja, (...) a escola (...) ensina o “know-how” sob a forma de
assegurar a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua “prática”
(ALTHUSSER, 1985, p. 58-59).
O Serviço Nacional de Merenda Escolar, precursor do PNAE, foi criado no
governo do presidente Café Filho – em momento de transição com intensa agitação
política (entre o suicídio de Getúlio Vargas e o processo eleitoral que elegeu
Juscelino Kubitscheck) – na forma do Decreto n° 37.106, de 31 de março de 1955. A
idéia, sugerindo continuísmo de práticas assistencialistas, é consentânea com as
políticas sociais empreendidas por Getúlio Vargas, criticadas por seu viés populista,
interessante aos interesses econômicos dos Estados Unidos no cenário de disputa
capitalismo/socialismo com a União Soviética (Guerra Fria) (MOYSÉS et al., 1986;
PEDRAZA; SOUSA, 2006).
Todavia, nos anos que se seguiram, o PNAE evoluiu gradualmente até ser
reconhecido como um amplo programa estatal, adotando uma diversidade de
denominações, estruturas institucionais e modelos de gestão (BELIK; CHAIM, 2009),
mantendo uma rara continuidade no universo das políticas sociais do País.
Antes de seguir a descrição e a análise das políticas públicas de alimentação e
nutrição no Brasil dos anos 1950, saltaremos agora para 2008 com o intuito de
ressaltar que apenas nesse ano, com a edição da Medida Provisória 455/08, a
seguir convertida na Lei n° 11.947 (BRASIL, 2009a), a alimentação (na escola)
passa a ser direito subjetivo dos alunos da educação básica pública e,
simultaneamente, dever do Estado. Essa última norma inova ao estabelecer a
obrigatoriedade do gasto mínimo de trinta por cento do dinheiro repassado pela
União (no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar) para compra direta
de alimentos originários da agricultura familiar, de empreendedor familiar rural ou de
suas organizações, inclusive com dispensa de licitação.
48
Retomando a década de 50 do século XX, ocasião em que foi criado o
Programa de Metas (1958) na administração do presidente Juscelino Kubistchek3.
Tal iniciativa trouxe objetivos no setor de alimentação, e o fez com fundamento em
uma lógica desenvolvimentista (sustentada com investimentos diretos de capital
estrangeiro na produção nacional), tudo isso em um contexto internacional de
oportunidade em razão da demanda de mercado induzida pela recuperação
econômica europeia do pós-guerra (CAPUTO; MELO, 2009; MOREIRA, 1998).
No Brasil do governo João Goulart (iniciado em 1961), o desafio de erradicar a
fome figurou no Programa de Reformas de Base, abortado pelo golpe militar de
1964 (BETTO, 2003). Anos mais tarde, com a crise mundial de oferta de alimentos
entre 1972 e 1974, renova-se no país a discussão da fome. No bojo daquele evento
crítico, o então governo ditatorial cria o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
(INAN), adstrito ao Ministério da Saúde, voltado para a formulação da política do
setor (BRASIL, 1972; CAPUTO; MELO, 2009).
O advento de 1967, no governo Castello Branco, assinala a extinção do SAPS,
que sofreu um processo de esvaziamento progressivo, tendo suas funções sido
transferidas para a COBAL – Companhia Brasileira de Alimentos (PELIANO, 2001),
instituição essa responsável por regular o abastecimento e, ao mesmo tempo, ofertar
produtos com baixo peso, através de uma rede oficial de supermercados (BRASIL,
1962).
Na década de 1970, finalmente o governo institui incentivo fiscal para
patrocinar uma parte da alimentação do trabalhador urbano, dando segmento a
medidas nessa direção a partir do SAPS. No entanto, ainda que o regulamento do
PAT tenha sido modificado diversas vezes desde sua criação em 1976, assumindo
distintas estratégias de distribuição do benefício, continua a ser um programa muito
limitado, uma vez que deixa de fora o grande contingente de trabalhadores do
mercado informal (BRASIL, 1976; ARAÚJO; COSTA-SOUZA; TRAD, 2010).
Contudo, ainda hoje, na lógica materialista do PAT, como revelam Araújo
3
Tendo sido produto do recém-criado Conselho de Desenvolvimento, órgão controlador da economia,
diretamente ligado à Presidência da República, diretamente ligado à presidência da república, que
recorria a especialistas dos diversos setores previstos no Plano de Metas.
49
Costa-Souza e Trad (2010, p. 983), “a alimentação não é tida como um direito do
trabalhador, mas sim como um 'combustível' necessário ao 'trabalhador-máquina' e,
inclusive, deveria custeá-la em parte”. Relativo à eventual questionamento quanto à
concepção apontada por esses autores, podemos verificar que o regulamento do
programa não deixa quaisquer dúvidas.
O PAT é um programa de complementação alimentar no qual o governo,
empresa e trabalhadores partilham responsabilidades e tem como princípio
norteador o atendimento ao trabalhador de baixa renda, melhorando suas
condições nutricionais e gerando, conseqüentemente, saúde, bem-estar e
maior produtividade (BRASIL, 2013a)
A criação do INAN, como parte do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento
(I PND, 1972/74) trouxe, de forma explícita, a questão alimentar para o elenco das
preocupações estatais. Na burocracia estatal do governo militar, coube a essa
autarquia a missão de sintetizar distintas linhas de ação em curso (materializadas
em experiências isoladas e descontínuas) em planos e programas de alimentação e
nutrição (BOSI, 1988).
Através do INAN foram empreendidas algumas iniciativas para combater à
fome, destacando-se duas versões do Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
(PRONAN I e II) (SILVA, 1995), sendo seus desdobramentos dificultados pela
configuração político-institucional do INAN, extinto em 1997, inclusive em razão de
limitações na articulação intersetorial no âmbito do executivo federal por força de sua
adstrição ao Ministério da Saúde (MOREIRA, 1988; BRASIL, 1997; BURLANDY,
2009).
É durante esse período histórico que a fome se torna uma opção
institucional de combate ao estilo das campanhas sanitárias das primeiras
décadas do século (XX). Opção que se traduzirá em política nutricional, com
características acentuadamente biomédicas ao nível do discurso técnico e
dos programas (LUZ, 1988).
Sobre a efervescência da discussão em torno da nutrição social nas décadas
de 1970 e 1980, Bosi (1988, p. 16-17) assevera:
Mas não é só no MEC, INAN e outros aparelhos estatais que a questão
nutricional aparece. O conjunto da sociedade se mobiliza de diferentes
formas em torno da questão: frente aos projetos e programas nutricionais,
há a resposta da população; no meio acadêmico, os movimentos estudantis
e a produção científica inovadora; no meio profissional a luta por melhores
50
condições de trabalho e pela organização da categoria. Enfim, um período
em que a nutrição do ponto de vista social entra em cena.
No curso da ditadura militar (de 1964 a 1985), as áreas de Saúde e Nutrição
no Brasil, embora entendidas como um plexo de produtos e serviços, passam a
revelar diferentes faces das iniquidades socioeconômicas, a exemplo da insuficiência
do salário mínimo para as despesas essenciais. A despeito do discurso oficial que
enunciava um “milagre econômico”, a inflação combinada com as seguidas perdas
remuneratórias registradas no período comprometeu severamente o poder aquisito
da grande massa de trabalhadores, relegando-os aos limites da sobrevivência
material. Com efeito, nos anos 1970 e 1980 a situação, de tão crítica, fez com que “o
salário mínimo ficasse tragicômico” (BOSI, 1985, p. 13).
2.5 Movimentos sociais e mudanças na pauta em alimentação e nutrição
Na década de 1990 reacendem no Brasil importantes ações de mobilização
política e articulação institucional, impulsionadas por movimentos sociais de luta por
ética na política e pela urgência na superação da pobreza e da fome aguda, até
como pressuposto de desenvolvimento equilibrado da economia. Dentre essas
iniciativas, a “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, a criação do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), além de programas
lastreados como de renda mínima: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e
Bolsa Renda (BRAGA; PAULINO, 2010).
Com efeito, nas últimas décadas do século XX, os sistemas alimentares do
terceiro mundo passaram gradualmente a se constituírem como realidades
complexas, cada vez mais dependentes de importações que inviabilizam o pequeno
produtor rural pelo critério da competitividade econômica do livre mercado, espaço
competitivo esse no qual a produção para o consumo doméstico vai cedendo espaço
aos novos padrões de demanda definidos por grandes interesses econômicos
(GARCIA, 2003).
Nesse cenário, um quadro de sensível pobreza no meio rural brasileiro,
especialmente no semiárido nordestino, pode ser verificado junto às famílias
51
classificadas como produtoras familiares que, em sua maioria, sequer tem acesso a
instrumentos de política agrícola capazes de assegurar o mínimo essencial ao seu
autoconsumo. Constitui-se, dessa forma, um significante contingente de pessoas em
situação de insegurança alimentar (SILVA, 2006a). Quadro esse que não é
novidade, posto Josué de Castro, a contar da década de 1930, haver se notabilizado
justamente por discutir tal questão em um contexto político marcado por uma forte
luta contra um modelo econômico gerador de escassez e miséria, alertando que a
fome sempre existiu enquanto fenômeno social (CASTRO, 1946).
No século atual, não obstante o modelo neoliberal, os combates à pobreza e à
exclusão social constituem imperativos éticos que integram a denominada questão
social, positivando nos sistemas jurídicos o poder-dever estatal de erradicar suas
causas (ARZABE, 2008), bem como seus nefastos efeitos, dentre eles a fome.
Nesse
prisma,
os
efeitos
estão
invariavelmente
presentes
nas
causas,
compreendendo-se, como propõe Spinosa (2002) – rompendo um raciocínio
linear/unidirecional – que o conhecimento dos efeitos depende do conhecimento das
causas e o implica; ou como observa Engels (2004, p. 54), percebendo tratar-se de
dois polos inseparáveis de uma antítese e, ao mesmo tempo, penetráveis
reciprocamente:
Causa e efeito são representações que somente regem como tais, em sua
aplicação ao caso concreto, mais que examinando o caso concreto em sua
concatenação como imagem total do universo se juntam e se diluem na
idéia de uma trama universal de ações e reações em que as causas e os
efeitos mudam constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é
efeito adquire em seguida ou ali o caráter de causa, e vice-versa.
Todavia, a exclusão social não é fenômeno recente, a novidade é a tentativa de
transformá-la em uma categoria que represente um sem número de problemas, tanto
mais porque se criam continuamente no capitalismo novas formas de exclusão e
inclusão social, com reintegração dos excluídos ao apetite do mercado (MARTINS,
2007).
Intrinsecamente relacionado à acentuada transição demográfica observada
nos países em vias de desenvolvimento a contar da segunda metade do século XX –
com deslocamento na configuração dos grupos etários em direção a uma maior
expectativa de vida combinada com redução expressiva de nascimentos – tem-se
52
uma correspondente transição epidemiológica através da redução proporcional na
frequência de doenças de origem infectocontagiosa e parasitária, em detrimento do
aumento daquelas identificadas com processos crônico-degenerativos (BATISTA
FILHO; MIGLIOLI, 2006; PONTES et al., 2009).
Nesse período, o Brasil vem experimentando acentuadas mudanças na
trajetória dos problemas de saúde e nutrição, caracterizando um notável processo de
transição epidemiológica, marcada pela mudança de sinais em dois polos
antagônicos de distúrbios da nutrição mediados pelo padrão de consumo alimentar e
por outros componentes do estilo de vida (PONTES et al., 2009). No âmbito da
alimentação e nutrição, a busca por mais mercado consumidor também faz crescer o
desenvolvimento e a produção de novos alimentos, com notável crescimento da
linha dos dietéticos, bem como de uma miríade de serviços voltados ao
emagrecimento, à medida que aumenta o número de pessoas com sobrepeso, em
um aparente mecanismo de retroalimentação (PINHEIRO; CARVALHO, 2008).
Por tais e quais razões, Frenk (1994) qualifica o termo transição
epidemiológica
como
acumulação
epidemiológica,
visto
que
os
agravos
infectocontagiosos e parasitários de ontem ainda persistem, mas agora ao lado da
maior prevalência e/ou emergência de outros males (câncer, viroses inespecíficas,
etc.) e, inclusive, do conhecido ressurgimento, com maior força, de doenças tidas
como controladas, a exemplo da tuberculose pulmonar e da dengue.
Nesse
cenário
epidemiológico
de
acumulação,
mudanças
no
perfil
epidemiológico do brasileiro são percebidas no campo da alimentação e nutrição,
haja vista a gradual alteração na dimensão dos problemas associados à insegurança
alimentar/nutricional; conquanto, ao longo do período compreendido entre os anos
1950 e os dias atuais, a desnutrição energético-proteica, anemia e outras carências
nutricionais vêm perdendo visibilidade, embora reconfiguradas e fortemente
presentes, para agravos à saúde decorrentes justamente do incremento do consumo
de alimentos quantitativa e qualitativamente inadequados. Não por acaso a
prevalência de sobrepeso/obesidade tem crescido, sobretudo a partir dos anos
1990, na medida em que cai a frequência de desnutrição energético-proteica
(PINHEIRO; CARVALHO, 2008; PONTES et al., 2009).
53
No terceiro milênio, a agenda nacional de intervenções para reduzir a
insegurança alimentar passa a incluir a preocupação com o excesso do consumo de
alimentos, com destaque ao Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
2012/2015 (PLANSAN), ao adotar o desafio de “reversão das tendências de
aumento das taxas de excesso de peso e obesidade” (BRASIL, 2011b, p. 34).
Com o PLANSAN finalmente se verifica no Brasil a institucionalização de uma
política do setor. Essa situação atende ao comando do artigo 6º da Constituição da
República (direito social à alimentação), é coerente com a concepção de SISAN na
LOSAN e, especialmente, guarda consonância com as diretrizes, objetivos e metas
do Plano Plurianual (PPA) do governo federal para o mesmo quadriênio (BRASIL,
2011b).
O PLANSAN prevê a implicação de diferentes setores da administração
federal na realização e monitoramento de ações voltadas para a produção, o
abastecimento e a educação alimentar, com ênfase ao fortalecimento da agricultura
familiar e a promoção da alimentação saudável e adequada. Sua concepção
envolveu consulta ao CONSEA como parte de um processo de discussão e
aprovação com representantes de dezenove ministérios reunidos na Câmara
Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) (BRASIL, 2011b).
No documento de lançamento do PLANSAN, o governo da presidente Dilma
Rousseff assume que a iniciativa tem o propósito de se constituir em uma
“ferramenta poderosa para o alcance da meta de superação da extrema pobreza no
país, retirando 16,2 milhões de brasileiros da extrema pobreza em quatro anos” (p.
10). Ao mesmo tempo, informa que o plano pretende se consolidar como uma política
estruturante permanente de garantia do direito humano à alimentação adequada e
saudável, dentre outros direitos fundamentais (BRASIL, 2011b).
Contudo, no cenário de transição demográfica brasileira enquanto o governo
evidencia que cerca da metade de sua população com mais de vinte anos, entre
2008 e 2009, encontra-se em situação de sobrepeso (BRASIL, 2010a),
paradoxalmente, no mesmo período, a mesma fonte oficial estima em um terço a
proporção de brasileiros que admite passar fome "às vezes" ou "normalmente".
54
Nesse ambiente de iniquidades e mudanças no âmbito da (in)segurança
alimentar/nutricional, é razoável presumir ainda que a superação da fome clássica,
caracterizada pelo baixo consumo de alimentos, estaria apontando para outra
modalidade de fome, relacionada com a qualidade dos alimentos no mundo
tendenciosamente globalizado: a fome oculta (ANGELIS, 1999), a qual esconde um
sem número de carências nutricionais.
2.6 Segurança alimentar/nutricional no Brasil: uma meta republicana articulada
à pauta de direitos humanos
Nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar implantada em 1964, no
contexto da luta pela (re)democratização
no Brasil, o termo cidadania ganha
evidência consolidando-se como ideal perseguido com entusiasmo. O cenário de
mudança então prevalente favoreceu a tomada de consciência em favor da justiça
social e da melhoria das condições de vida no país. Não obstante tal movimento,
logo se perceberia que a convergência de liberdade com participação popular não
conduziria a uma rápida resolução dos problemas sociais (CARVALHO, 2011).
Ainda na segunda metade do século XX, a adesão do Brasil a uma série de
cartas internacionais de direito humanos impulsionaram o sentimento nacional de
solidariedade, pautada na ética e na moral, favorecendo a chamada consciência
cidadã. Nessa perspectiva, o direito à alimentação, inserido na ótica dos direitos
humanos, demanda zelo e séria observância para sua efetividade, cabendo exigi-lo
como preceito de cidadania e não como dádiva (PIOVESAN, 2007).
O alinhamento do direito à alimentação com o princípio da cidadania plena
delimita um campo científico de saberes, discursos e práticas interdisciplinares,
ambiente esse favorável para a crítica às políticas públicas adstritas à concepção de
justiça social e ao alcance da segurança nutricional. Tais fenômenos se desdobram
no contexto sócio-histórico do qual este mesmo campo se estrutura, com mútuas
interferências, dinâmicas e conflitos (BOURDIEU, 2009).
As atrocidades cometidas nas grandes guerras mundiais constituíram
anomalias suficientemente impactantes para mudanças de paradigmas, legítimas
55
revoluções no pensamento científico, conforme acepção de Thomas Kuhn (2004). O
desabastecimento alimentar como parte de estratégias militares que, além dos
custos sociais e econômicos absurdos, vitimaria milhões de pessoas, vulnerou
nações inteiras à morte e a doenças ligadas a fome. O clamor público daí decorrente
foi um forte catalisador para inovações na abordagem da alimentação como questão
de segurança, ora considerada como um novo marco no interior do campo científico:
a SAN.
Delimitar a concepção de alimentação e nutrição como questão de segurança
não é tarefa das mais simples; de inicio, requer a consideração ontológica do
humano, sua implicação com o meio ambiente, remetendo, ainda, ao processo
histórico de luta pela afirmação dos direitos e garantia de necessidades
fundamentais. Somente nesse contexto de construção hermenêutica, no sentido de
uma idealizada condição de bem viver, pressupondo relativa estabilidade para com o
mínimo existencial e a diversidade que se expressa no âmbito do que se denomina
como "necessidades", é coerente sustentar a pertinência do uso da expressão SAN.
Ainda no escopo da discussão (teórica e política) acerca do conceito de SAN,
coletivamente imaginado e processualmente construído, podemos assinalar
movimentos sociais articulados em um verdadeiro campo de disputa, de modo que
estão presentes interesses os mais diversos em uma única definição, a exemplo da
perspectiva (ambientalista) de sustentabilidade (PORTO; MILANEZ, 2009), mas que
também assumem caráter polissêmico ao incorporar as ordens cultural, econômica e
política (PINHEIRO; CARVALHO, 2010; BURLANDY, 2009; KEPPLE; SEGALLCORREA, 2011).
O debate atual acerca dos objetivos prioritários para o planejamento e
construção de políticas sociais tem, crescentemente, envolvido a SAN. Reconhecese o caráter amplo que possui uma política nesse campo, posto que além de
procurar promover a justiça social através do direito à alimentação, situa-se como
um dos eixos estratégicos de desenvolvimento nacional, capaz de associar
crescimento econômico e equidade social (BOSI, 2010; BRASIL, 2012a).
Com suporte nas Declarações de Havana (2001)
4
4
e Nyélény (2007) 5, a
Fórum mundial sobre soberania alimentar. Declaración de Havana, Cuba, 7 de setembro de 2001.
56
soberania alimentar deve ser assumida como o direito-dever dos povos de decidir o
que vai comer, compreendendo os processos de criação, cogestão e avaliação das
políticas e ações relacionadas com alimentos e nutrição, de acordo com direitos,
necessidades e interesses (sobretudo quando criticamente refletidos); ações estas
não comprometidas com a lógica da economia de mercado e capazes de valorizar o
protagonismo dos produtores familiares na dinâmica dos sistemas alimentares,
implicando na garantia da alimentação em seu contexto multidimensional
(nutricional, cultural, econômico, político, social, ético).
O paradigma da SAN vincula-se organicamente ao reconhecimento do direito
enquanto construção de e para a pessoa humana, compondo uma relação jurídica
com o dever estatal no campo da alimentação e nutrição. Nesse prisma, é
moralmente intolerável a convivência social com a realidade sensível da fome (e
seus nefastos efeitos), inclusive a propalada ameaça à paz social.
Uma leitura atenta do conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA) reproduzido na versão de 2012 da Política Nacional de Alimentação e
Nutrição (PNAN) – por referência ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), de vinte anos antes (janeiro de 1992) – revela a
abrangência (multidimensional) da questão, indo até a garantia da paz e do bem
viver.
O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas
as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, (...) a
alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que
garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e
mental, individual e coletiva (BRASIL, 2012b, p. 70).
Cabe assinalar que, não obstante sua força instituinte (BAREMBLITT, 2012),
ao propor uma imagem-objetivo de grande apelo social, talvez consentânea com a
ideia mítica da ordem, amparada na “utopia de uma sociedade transparente, sem
conflito e sem desordem” (MORIN, 2005, p. 26), – impõe-se reconhecer a dificuldade
na demarcação do que se concebe por uma vida livre do medo e plena, nas
Disponível em: <http://neaepr.blogspot.com.br/2010/01/declaracao ii.html>. Acesso em: 13 jun. 2013.
5
Foro mundial pela soberania alimentar. Declaração de Nyéléni, Selingue, Malí, 28 de fevereiro de
2007. Disponível em: < http://www.wrm.org.uy/temas/mujer/Declaracion_Mujeres_Nyeleni_PR.html>.
Acesso em: 15 jun. 2013.
57
dimensões física, mental, social e coletiva, o que em si indica que o texto se abre a
distintas interpretações.
No que concerne ao DHAA, este pode ser assumido a partir de um dialógo
pautado na dialética da complementaridade entre norma (lei formal), fato
(insegurança alimentar/nutricional) e valor (dignidade da pessoa humana),
compondo uma modalidade de conjugação compreensiva em polos implicados e
articulados harmonicamente, conforme a sistematização proposta por Reale (1994)
em sua Teoria Tridimensional do Direito, que examinaremos a seguir.
A originalidade das proposições de Reale soa-nos como basilar para o
desvelamento da unidade dinâmica da valoração da alimentação como direito, em
sua expressão no ordenamento jurídico, no contexto da realidade da existência
sócio-histórico-cultural do indivíduo e da coletividade humana.
No entanto, a versão tridimensional do direito – entendida em sua perspectiva
teórica, tendo em vista a conjugação norma/fato/valor de interesse no campo
científico da alimentação e nutrição, pode ser considerada, por alusão a Bobbio
(2008), no plano de seu significado ideológico (tende a afirmar determinados valores
ideais e a promover certas ações) e de seu valor científico (voltado a compreender
uma dada realidade e dar-lhe explicação).
Muito embora o Direito à Alimentação já estivesse relativamente legitimado no
Brasil com a edição da Constituição Federal, em 1988 – com interseção nos
segmentos dos direitos civis, políticos, econômicos e sociais – apenas nos anos
2010 e 2011, a SAN conquistou status de meta republicana articulada à pauta de
Direitos Humanos. Atualmente a alimentação é um direito social fundamental
(consignado no artigo 6º da Constituição Federal através da Emenda Constitucional
nº 64/2010), portanto, uma legítima questão de Estado. O país conta hoje com um
complexo mecanismo de pactuação intersetorial e federativa na forma de um
sistema e de um plano nacional de SAN (BRASIL, 2011a). Trata-se de um modelo
inspirado nos desenhos dos sistemas públicos de saúde (SUS) e ação social (SUAS)
que prevê, como preceito de cidadania, a estruturação de políticas e programas
coordenados nas diferentes esferas de governo e em conjunto com segmentos da
sociedade civil articulados com advocacy (BURLANDY, 2009; SORTE JR, 2012).
58
No entanto, a cidadania, qualquer que seja a concepção adotada, pressupõe a
satisfação dos direitos sociais estabelecidos na ordem jurídica de um Estado, em
vista de sua implicação com a dignidade da pessoa humana (alçada a princípio
fundamental da Constituição Federal brasileira de 1988), entendido como atributo de
valor a todo indivíduo do gênero humano independente de sua condição.
A supramencionada inclusão da alimentação no rol dos direitos sociais
constitucionais consagra a questão multifacetária do acesso à comida e suas
implicações com a nutrição humana no amplo espectro do princípio da cidadania,
princípio
cuja
abordagem
adequada
supõe
a
consideração
conjunta
das
necessidades e interesses individuais e coletivos, incluindo o exercício do direito de
voto como expressão de soberania.
É importante lembrar, entretanto, que nos idos do Brasil Império, o voto, mero
ato de “obediência forçada”, fora frequentemente motivado por gratidão com abrigo
em uma espécie de operação de compra e venda. O pagamento muitas vezes era
realizado com alimentos, sendo comum a manutenção de eleitores “reunidos e
vigiados em barracões, ou currais, onde lhes dava farta comida e bebida, até a hora
de votar” (CARVALHO, 2011, p. 35).
A Constituição Cidadã (consoante designação atribuída pelo deputado Ulysses
Guimarães, presidente da então Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a
Carta de 1988) traz em si, através de dispositivos para a garantia das liberdades
individuais e da participação popular na definição dos rumos da República, uma
maior amplitude nas dimensões civil e política da cidadania no Brasil. Extensão de
tal qualidade não se procedeu, na mesma proporção, no que concerne à dimensão
social, haja vista, mais de duas décadas depois, ainda se verificar a configuração de
um Estado democrático de direito que não dá conta de superar sequer as
iniquidades sociais em matéria de alimentação e nutrição.
59
3. ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO EM MATÉRIA DE SEGURANÇA E DIREITO:
INTERFACES SOCIOPOLÍTICAS NO ÂMBITO DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICOCOMPREENSIVA
O propósito desse capítulo é discutir, como parte de um processo de
compreensão crítico-hermenêutica, a afirmação da Alimentação e Nutrição em
matéria de segurança e direito. Nesse sentido, são exploradas algumas interfaces de
natureza sociopolítica concernentes à alimentação e ao âmbito de sua configuração
no universo jurídico, considerando suas normas e princípios.
Tomando-se o Brasil como cenário sócio- histórico, é problematizada a
efetividade do direito fundamental à alimentação mediante políticas sociais. Para
tanto, são referenciados um conjunto de entendimentos jurisprudenciais e
doutrinários, como também se recupera a evolução do direito positivo, no que
concerne ao propósito de promover a condição, humana e social, de segurança
alimentar/nutricional, esclarecendo-se seu significado. Para tanto, acreditamos que a
essência do fenômeno não está posta explicitamente em sua concretude aparente,
não se revelando de modo imediato, demandando a revelação de suas mediações e
de suas contradições internas fundamentais (KOSIK, 2002).
No processo dialógico de apreensão da configuração do direito constitucional à
alimentação no Brasil, discute-se a valoração jurídica da alimentação e nutrição
humana na vertente social fundamental do direito, explorando-se sua positivação no
ordenamento jurídico pátrio, compreendendo, inclusive, tratados e convenções
internacionais, dos quais o Brasil é signatário, concernentes a direitos humanos,
sociais, econômicos e culturais.
Assim, revisou-se a literatura das ciências sociais e jurídicas, destacando
importante produção legislativa na forma das Leis nº 11.346/2006 e 11.947/2009, do
Decreto nº 7.272/2010 e excertos da Constituição Federal com a Emenda
Constitucional nº 64/2010, que inclui a alimentação dentre os direitos sociais
constitucionais – produto de notável sensibilidade política (ou senso de
oportunidade) do Congresso Nacional.
Nesse debate aberto, considerando a concepção axiológica do Direito Social à
60
Alimentação, partimos da premissa de que, a despeito de contextos regionais
específicos, a velocidade e a intensidade das transformações ocorridas na dinâmica
internacional trazem consigo a exigência de mudanças no desenho e nas funções do
Estado, notadamente de outra configuração das políticas públicas, norteada por uma
nova ordem jurídica para fazer frente à agenda do que se convencionou chamar
globalização (ou mundialização), avançando na direção de modelos contrahegemônicos (SANTOS, 2006).
Valorizamos nesse processo de construção as evidências de que em um
mundo que aprofunda as desigualdades sociais, a consciência humana vai
incorporando gradualmente a solidariedade como categoria ética, resultante de uma
sensibilidade eficaz e transformadora em direção à justiça social (DEMO, 2002).
Nesse sentido, o Estado Constitucional Brasileiro vem adotando salvaguardas e
medidas compensatórias em favor dos segmentos sociais mais empobrecidos,
invariavelmente positivadas em normas jurídicas, como o faz com o Direito à
Alimentação.
Consideramos, nesse esforço compreensivo, que tal empreendimento é
limitado e historicamente situado (PALMER, 2006). Não obstante, julgamos
necessário buscar um entendimento mais elaborado do Direito Social à Alimentação
no Brasil, síntese de múltiplas determinações, concreto pensado no contexto
histórico e de conjuntura nacional, como também no plano das relações humanas,
tangenciando concepções de legitimidade, subjetividade e verdade.
Todavia, o trabalho hermenêutico voltado a entender o sentido de um direito
aplicável na melhoria da condição humana, deve ser buscado também no texto das
leis e em suas relações intertextuais (em face do contexto ampliado do sistema
jurídico e seus determinantes), que lhe conferem relativa autonomia.
Sendo assim, adotamos um percurso de revisão crítica, no qual recuperamos
inicialmente a configuração política do Estado em face da emergência dos direitos
humanos sociais, a seguir procuramos analisar alguns dos principais pressupostos
conceituais e normativos da segurança alimentar/nutricional, para então destacar a
concepção de Direito à Alimentação presente no contexto do modelo neoliberal de
Estado,
passando
pela
transição
demográfica,
a
transição/acumulação
61
epidemiológica com sua vertente alimentar e nutricional e a inclusão da SAN,
demanda de saúde coletiva, na agenda das políticas públicas.
Na sequência, com amparo no ordenamento jurídico brasileiro, situamos a
positivação do Direito à Alimentação no cenário da globalização, ressaltando valores
cambiantes, normas vigentes e os princípios da proibição do retrocesso social e da
reserva financeira do possível, destacados pelo ativismo judicial nesse campo.
Por fim, transitando do campo da positividade jurídica para os sentidos
desvelados a partir da linguagem identificada com os direitos fundamentais,
advogamos pela importância do emprego de métodos qualitativos apropriados e
rigorosos para fazer face ao processo compreensivo do Direito Social à Alimentação
no Brasil, com vista a contribuir para torná-lo tanto mais exigível e efetivo.
3.1 Configuração do Estado democrático em face dos direitos humanos sociais
Os direitos humanos são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais
acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por
isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade,
generosidade ou compaixão.
(PIOVESAN, 2007, p. 26)
O constitucionalismo, fenômeno histórico multidimensional (social, político,
jurídico, ideológico, etc.) voltado a estabelecer uma nova ordem jurídica
constitucional, originou-se por contraposição ao absolutismo, pretendendo a
jurisdicização do liberalismo, de modo a garantir liberdades civis e políticas da
pessoa em face do Estado. Por outro lado, no afã de assegurar uma economia de
livre mercado, sem limites de expansão, os constitucionalistas de então, membros da
burguesia emergente, reivindicavam a segurança jurídica negada pelo regime
absolutista (KELSEN, 2000).
Não por acaso, portanto, no século XVIII, a garantia do direito de propriedade
servia de parâmetro e de limite para a identificação dos direitos fundamentais. Na
época, havia pouca tolerância às pretensões conflitantes com tal direito, daí porque
se argumentava que a exclusão dos não proprietários de terra do processo eleitoral
(voto censitário) era uma forma de legitimar a democracia, haja vista a concepção de
62
que aqueles com menor renda tenderiam a se corromper em busca de propriedade e
outros bens materiais, viciando desse modo as eleições livres (BRANCO, 2002).
No segmento de um gradativo processo de evolução do constitucionalismo, os
princípios e regras constitucionais, com raízes na Declaração dos Direitos Humanos
de 1948, passaram a ser conclamados como obrigação ética superior. Para tanto, ao
longo da história, há inúmeros registros de gradual adequação e coerência do
conteúdo das constituições com as carências e necessidades de cada povo. Dessa
forma e conteúdo, o que antes era uma mera carta política escrita em linguagem
jurídica, artificialmente construída, com fraca eficácia jurídica e social, passou a ser
reconhecida e afirmada como um autêntico dever jurídico na direção de ordens
sociais democráticas e justas, valorando o indivíduo como sujeito de direitos: um
cidadão (DALLARI, 2010).
Nessa acepção de Estado hodierno, a administração pública traz para si a
responsabilidade de realizar o bem comum e de satisfazer as necessidades
materiais de sua população, valorando a dignidade da pessoa humana (sustentáculo
da tese de limitação do arbítrio e do poder do Estado). Constrói-se então um
ordenamento jurídico constitucional em harmonia com propósitos democráticos e
sociais, pactuados em tratados e acordos internacionais de direitos humanos. Tudo
isso em um ambiente econômico no qual grandes corporações transnacionais criam
impasses e, não raro, impedem a realização do bem comum ao determinar funções
do Estado a reboque do modelo econômico neoliberal (MANIGLIA, 2009;
PENTEADO FILHO, 2006).
Àquela altura, verifica-se ainda que, no Estado Liberal, a solidariedade social
deixa o campo da moral para ocupar a ordem jurídica, agora como uma espécie de
dever para com o próximo. Porém, tornar esse dever uma obrigação jurídica elimina
a moral que deve existir como essência da coesão social (SOUTO MAIOR, 2007).
Todavia, a aludida proteção do Estado a certas pessoas, no sentido da
assistência aos mais necessitados em suas carências e necessidades, parecia, na
perspectiva dos então (1948 e anos seguintes) detentores do poder econômico,
romper com a igualdade dos próprios cidadãos perante a lei, interferindo, inclusive,
na livre competição. Além disso, a ajuda do Estado também foi apontada, pelos
63
mesmos agentes hegemônicos, como uma forma de restringir a liberdade individual
do beneficiado, comprometendo assim sua condição de eleitor independente
(CARVALHO, 2011).
Na verdade, foi, sobretudo, a partir da primeira guerra mundial que se
fortaleceu a cidadania enquanto discurso social, de modo que, daí em diante, todas
as constituições contêm dispositivos de direito social, tratando, de forma imediata, de
normas trabalhistas e previdenciárias – causas de tensões no núcleo ideológico do
liberalismo (SOUTO MAIOR, 2007).
Ressalte-se que o renascimento do liberalismo econômico trouxe consigo o
desenvolvimento da cultura do consumo, inclusive para a população mais excluída.
Nesse sentido, a cidadania reivindicada é o direito ao consumo. Se o direito de
comprar um objeto da moda – necessidade artificialmente criada –tem a força de
silenciar ou inibir qualquer modalidade de militância política dos que vivem à
margem da sociedade, as perspectivas de avanço democrático estariam
sensivelmente diminuídas (CARVALHO, 2011).
A propósito da contextualização da condição de vulnerabilidade humana no
polo mais fraco da correlação de forças desiguais da sociedade contemporânea, que
o remete à proteção do Estado provedor, o jurista cearense Paulo Bonavides, com
notável propriedade, assevera:
A circunstância de achar-se o Homem contemporâneo – o homem-massa –,
desde o berço, colhido numa rede de interesses sociais complexos, com a
sua autonomia material bastante diminuída, na maior parte dos casos
irremissivelmente extinta, há concorrido para que ele, em meio a essas
atribulações, como um náufrago em desespero, invoque a proteção do
Estado, esperança messiânica de sua salvação.
(BONAVIDES, 2011, p. 200).
De toda sorte, um direito social é assim chamado, não pela sua dimensão
coletiva – posto esse direito ter como titular, na maioria das situações, pessoas
consideradas individualmente (BRANCO, 2002) –, mas porque existe, sobretudo,
para atender as exigências do bem comum, reivindicadas pelos defensores,
sensíveis e/ou carentes, da justiça social.
Assim, no contexto da crescente tensão dicotômica liberal entre os valores
64
(jurídicos) liberdade e igualdade, a aludida edição da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 trouxe extraordinária inovação em matéria de linguagem
de direitos. Conjugando os discursos liberal e social da cidadania, tal declaração traz
direitos civis e políticos ao lado daqueles econômicos, sociais e culturais, como
também estabelece a premissa da universalidade dos direitos humanos, culminando
por demarcar a concepção contemporânea de cidadania (PIOVESAN, 2003).
Na sequencia, a grande maioria das constituições adotou a cidadania com
fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e outros de índole sóciojurídica, assumindo-se de então o conceito de cidadania contemporânea, como
revelado por Lafter (1997, p. 6) – por alusão ao pensamento crítico de Hannah
Arendt, vale dizer:
Cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direito
dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência
coletiva, que requer o acesso a um espaço público comum. Em resumo, é
esse acesso ao espaço público – o direito de pertencer a uma comunidade
política – que permite a construção de um mundo comum através do
processo de asserção dos direitos humanos.
No entanto, a conquista e a consolidação dessa acepção engajada de
cidadania impõem respeito à constituição, somente alcançado a partir do
compromisso permanente com os seus princípios (expressos ou implícitos), em linha
com a preocupação com a sua efetividade nas relações sociais. Deve-se, ainda,
como parte do processo de concretização dos preceitos constitucionais, considerar a
evolução social dos próprios valores ali consagrados, sobretudo os direitos
fundamentais (DALLARI, 2011, SARLET, 2007). Tal coerência é, sem dúvidas,
essencial para assegurar condições favoráveis à dignidade da pessoa humana e,
também por isso, alcançar uma ordem social justa.
A premissa ideológica, logo consagrada nas constituições contemporâneas a
1948, de que o Estado é sujeito de direitos e obrigações – sendo a pessoa humana,
como tal, sujeito de direitos –, fundamenta o exercício, identificado com a cidadania,
da luta pela exigibilidade (jurídica, e administrativa) dos direitos sociais fundamentais
em face do próprio Estado.
No
Brasil,
dentre
os
vários
caminhos
historicamente
possíveis
de
65
desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais, optou-se na década de 1930,
por esse último grupo, remetendo para frente o implemento e consolidação dos
direitos civis e políticos. Todavia, naquele período notabilizado pelo populismo que
atravessou o governo ditatorial de Getúlio Vargas – a proteção do Estado aos
hipossuficientes fora apontada como uma quebra da igualdade de todos perante a
lei, uma interferência indevida na livre competição e nas relações de trabalho
(CARVALHO).
Além disso, o auxílio do Estado era visto como restrição à liberdade
individual do beneficiado, e como tal lhe retirava a condição de
independência, requerida de quem deveria ter o direito de voto. Por essa
razão, privaram-se, no início, os assistidos pelo Estado o direito do voto. Nos
EUA, até mesmo os sindicatos de operários se opuseram a legislação social,
considerada humilhante para o cidadão. (Op. cit, p. 221).
No processo de redemocratização no Brasil, vigorou um período de transição
política entre a chamada "Nova República" e o anterior Regime Militar Logo após o
fim da ditadura militar, o Brasil estabeleceu uma nova ordem jurídica constitucional, a
Constituição da Nova República ao estabelecer normas identificadas com o Estado
de Bem-Estar-Social, intervencionista e planejador. Prevaleceu a ideia de fortalecer o
Estado para reduzir a desigualdade material no país, assinalando-se assim uma
vertente contra-hegemônica ao modelo liberal de Estado – para o qual não haveria
vítimas, cada um seria autor do seu destino. Ao mesmo tempo, entretanto, criou-se
um arcabouço jurídico-constitucional para consolidação do país no contexto
internacional marcado pela globalização econômica e por políticas neoliberais
(FREITAS JÚNIOR, 2006; SOUTO MAIOR, 2007; PIOVESAN, 2003; STRECK,
2004).
Em matéria de tratados internacionais de direitos sociais, vigora no Brasil,
desde 25 de setembro de 1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em 22 de novembro de 1969. Dessa
forma, o Estado brasileiro assumiu o compromisso internacional de adotar
providências com vistas a alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos
decorrentes, dentre outros, das normas sociais contidas na Carta da Organização
dos Estados Americanos, com a ressalva, de que tal deva ser feito – via legislativa ou
outros meios apropriados – de maneira progressiva, na medida dos recursos
disponíveis (OEA, 1969).
66
Ainda sobre a incorporação dos direitos favoráveis à pessoa humana no
ordenamento jurídico pátrio, é importante destacar que Brasil também aderiu ao
Protocolo de São Salvador – um desdobramento do Pacto de São José da Costa
Rica, vigorando em nível internacional desde 16 de novembro de 1999 (BRASIL,
1999a). Nele, em seu artigo 12, intitulado “Direito à alimentação”, está estabelecido
que “toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade
de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual”. Sem
dúvidas, uma definição legal da vertente nutricional indissociavelmente ligada à
segurança alimentar da pessoa humana, como pressuposto de uma vida digna.
Em geral, nas Cartas Internacionais de Direito humanos nas quais o Brasil é
signatário, é assumido que os direitos dessa ordem – uma vez fundamentados nos
próprios atributos de pessoa humana como premissa de dignidade – são
indispensáveis para a promoção da justiça social (ONU, 1948; OEA, 1969).
Embora não citados nesse texto, cumpre assinalar ainda que o Brasil ratificou
diversos outros tratados internacionais de não menos importância, com vistas a
fundamentar, devidamente, políticas públicas eficazes para garantir a segurança
alimentar/nutricional, como premissa indispensável à justiça social, na direção da
construção da soberania alimentar.
3.2 Pressupostos conceituais e normativos da Segurança Alimentar/Nutricional
Na perspectiva positivista, o direito é concebido como um conjunto de regras,
princípios e procedimentos (ALEXY, 2011). Em tal ambiente de normatividade
jurídica, as necessidades básicas não satisfeitas fundamentam a existência de
direitos à sua efetivação, alguns destes transcritos em leis formalmente escritas, e,
desse modo, positivados. Exemplo disso é o Direito à Alimentação – o qual assume
status de fundamental, natural, elementar, básico, inviolável e indisponível, em
virtude de estar atrelado ao direito à vida, não apenas na acepção de estar vivo,
mas, como critério de justiça, de viver com dignidade.
Com efeito, desde o postulado jusnaturalista que defende a existência de
67
normas transcendentes para assegurar certos direitos fundamentais ou naturais
(TORRES, 2006), passando pelas teses e produtos do positivismo jurídico,
alicerçadas na força normativa do Estado (KELSEN, 2008), sempre haverá espaço
de inegável destaque à alimentação, e por extensão à nutrição, dentre os mais
básicos e sociais direitos.
Nessa arte, a norma jurídica do Direito à Alimentação, a exemplo de qualquer
outro direito social, não pode simplesmente ter estrutura análoga àquelas
apresentadas pelo positivismo, no sentido de relacionar um fato descrito no desenho
normativo, que bem poderia ser a situação de fome, com uma relação jurídica
prevista em lei, a qual, nessa hipótese, corresponderia à (condição de) segurança
alimentar e nutricional. Tal condição, na forma da lei, consiste no acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer
o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base, “práticas alimentares
promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental,
cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006a); convergindo para
um dos objetivos fundamentais do direito, que é proporcionar estabilidade e
continuidade.
A noção de Direito à Alimentação materializada no conceito de Segurança
Alimentar surgiu na Europa devastada pela primeira guerra, associada ao
movimento de internacionalização dos direitos humanos, decorrente de atrocidades
dos regimes totalitários, em singular momento histórico marcado pela crise do
Estado de exceção com índole positivista (ALEXY, 2011; BATISTA FILHO, 2003).
Assim, o conceito de Segurança Alimentar emerge como resposta às sensíveis
demandas sociais de nações incapazes de produzir alimentos suficientes para o
consumo humano, o que, dado o caos configurado em grandes contingentes
populacionais famintos, tem a força de fragilizar a soberania de qualquer país.
Tendo em vista a insuficiência do aporte alimentar, estampada na inanição, a
problemática da dimensão política da insegurança alimentar pode ser compreendida
com a verificação empírica de que a manifestação da fome extrapola a natureza
humana, posto que, como sustentado por Marins (2003), a escassez de alimentos,
enquanto condição coletiva é suficiente para corroer a força moral de uma nação e
contaminar o estado de espírito geral até transformar o país em uma pátria (com
68
predomínio) de famélicos.
Reconhecendo o necessário debate quanto aos limites e significados dos
termos Alimentação e Nutrição (BOSI; PRADO, 2011), ou da interseção que
justificaria num só conjunto as seguranças alimentar e nutricional, merece acolhida a
argumentação de Batista Filho (2003) ao sustentar a inteligência do emprego
unificado de ambos na forma da expressão “Segurança Alimentar/Nutricional” (p. 7),
posto o reconhecimento de que se trata de processos necessariamente simultâneos,
onde com a segurança alimentar a pretensão é alcançar um estado nutricional
adequado, ou seja, uma condição fisiológica satisfatória, que requer, minimamente,
acesso à alimentação saudável.
Todavia, delimitar a concepção de alimentação e nutrição como questão de
segurança não é tarefa das mais simples, requer a consideração da natureza
humana, sua implicação com o meio ambiente, e remete ao processo histórico de
luta pela afirmação dos direitos e garantias fundamentais em face dos paradigmas
de riscos socioeconômicos envolvidos. Somente nesse contexto de construção
hermenêutica no sentido de uma idealizada condição de bem viver, pressupondo
relativa estabilidade para com o mínimo existencial, é coerente sustentar a
pertinência do uso da expressão segurança alimentar/nutricional (SAN).
No âmbito da discussão (teórica e política) em torno do conceito de SAN,
coletivamente imaginado e processualmente construído, podemos assinalar
movimentos sociais articulados em um verdadeiro campo de disputa. A hegemonia
almejada (e conquistada até então) guarda relação com o propósito de fazer
presente interesses os mais diversos em uma única definição, a exemplo da
perspectiva de sustentabilidade originária na corrente ambientalista, mas que
também assume caráter polissêmico ao incorporar as ordens cultural, econômica e
política.
69
3.3 A (In)segurança Alimentar e Nutricional e a força do mercado
Pobreza e miséria são questões sociais e não naturais e
fatais. Elas são produzidas pela forma como se organiza
a sociedade.
(Leonardo Boff)
Em face da problemática da má nutrição no mundo, discute-se a produção e o
consumo sustentável de comida na perspectiva da segurança alimentar/nutricional,
condição essa que, na forma da Lei 11.367/2006, consiste na realização do direito de
todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade
suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais (BRASIL,
2006a).
Nesse contexto, a agenda da sustentabilidade ambiental converge para a
garantia do acesso a uma alimentação adequada e saudável nos sentidos ecológico
e nutricional, integrado as dimensões política, econômica, cultural e social. Têm-se
assim, múltiplas faces e um sem número de instrumentos para a abordagem da
problemática da fome e de outros problemas percebidos no campo da alimentação e
nutrição.
No âmbito do modo de produção capitalista, a quantidade e a qualidade de
alimentos disponíveis para consumo humano são determinadas por processos
complexos, identificados com interesses econômicos daqueles que detêm a
hegemonia do mercado de alimentos, inclusive porque capazes de determinar
hábitos, necessidades e demandas de consumo.
Mudanças verificadas nos padrões de consumo alimentar nos últimos anos
têm influenciando sobremaneira os meios de produção agrícola, sobretudo em
função da notória desvalorização das culturas tradicionais, em um ambiente onde os
produtores familiares, situados em posição marginal no debate acerca da SAN, têm
limitada influência na cadeia de produção e consumo.
O quadro de sensível pobreza no meio rural brasileiro, especialmente no
Nordeste, pode ser verificado junto às famílias classificadas como produtoras
70
familiares que, em sua maioria, sequer tem acesso a instrumentos de política
agrícola capazes de assegurar o mínimo essencial ao seu autoconsumo,
constituindo, dessa forma, um significante contingente de comunidades rurais em
situação de insegurança alimentar (SILVA, 2006).
Não obstante, a existência humana é essencialmente dependente da
satisfação de demandas nutricionais, entretanto, na lógica do mercado global, a
nutrição adequada passou a representar uma expressão de marketing, com valor
simbólico contabilizado em lucro – não raro, legitimada por expoentes cientistas
(ainda que nesse aspecto não caiba generalizar, haja vista a produção contrahegemônica nesse campo) e seus métodos úteis ao sistema alimentar prevalente no
mercado global. O interesse em voga passa a ser a sustentabilidade econômica
pautada em tecnologias apenas acessíveis aos grandes produtores de alimentos, em
detrimento da agricultura de base familiar.
A realidade de insegurança alimentar/nutricional de comunidades rurais no
Brasil desmente a teoria de que o livre comércio, e seu sucedâneo crescimento
econômico, beneficiam aos pobres. Na realidade, o processo de internacionalização
da economia, ao tempo em que limitou a capacidade de regulação estatal, tornou
mais candentes questões relativas à regulamentação e controles de mercado, ao
lado da adoção de salvaguardas e medidas compensatórias em favor das
sociedades mais empobrecidas (KOERNER, 2003).
No nível internacional, grande parte dos sistemas alimentares mundo afora
são
realidades
complexas,
alguns
dos
quais
envolvem
nações
inteiras,
crescentemente dependentes de importações, inviabilizando os pequenos produtores
rurais pelo critério da competitividade econômica do livre mercado. Assim, a
produção para o consumo doméstico tende a desaparecer e, em contrapartida, novos
padrões
de
demanda
são
definidos
por
grandes
interesses
econômicos,
massacrando economias nacionais.
A fome como questão social foi fortemente evidenciada por volta de 1974, em
virtude da inanição (aparentemente decorrente da escassez mundial de alimentos),
face mais cruel da insegurança alimentar, ter vitimado milhões de pessoas,
principalmente na África e na América Latina. Ocorre que, nesse período, a
71
concepção de segurança alimentar restringia-se à realização de armazenamento
estratégico de alimentos e de sua oferta segura e adequada. Apenas nos fins da
década de 1970, com o paradoxo do registro de grande incremento na produção
global de alimentos, ao lado do aumento do número de famintos, o mundo passou a
conceber a realidade da fome e desnutrição como um problema de acesso e não de
produção de alimentos. A partir de então, ao invés do enfoque no alimento, o ser
humano passa, enfim, a ser destacado nas ações estratégicas e táticas dos Estados
(MANIGLIA, 2009).
Haja vista o fato incontroverso de que a crescente hegemonia do modelo de
produção e consumo voltado ao mercado global, sobretudo a partir da década de
1970, desfavoreceu severamente (ou mesmo quebrou) os tradicionais mecanismos e
sistemas alimentares de base local (JONSSON, 1979), depreende-se porque se faz
necessária uma abordagem da fome enquanto fenômeno social praticamente
inseparável da pobreza, com uma expressão grave e óbvia da instabilidade
econômica mundial.
Nessa mesma linha, o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos afirmou, há mais
de três décadas, com notável força visionária, que estaria em curso, em termos
dispersos e incompletos, um processo institucional de transformação na sociedade
que poderia culminar em uma sociedade centrada no mercado (multicêntrica ou
reticular). Tal processo seria moldado a partir dos agentes históricos, através de
duas formas: aceitação passiva das circunstâncias ou exploração criativa das
oportunidades contemporâneas (RAMOS, 1981).
Ao longo de um percurso de desenvolvimento perverso e excludente
assinalado por um modelo centrado no mercado e, por efeito, na concentração de
renda, têm-se a emergência de ações afirmativas do tipo transferência condicionada
de renda com o fito de corrigir distorções históricas. Destaca-se então a abordagem
econômica de problemas nutricionais associados à desigualdade social, visto que o
foco capitalista na lógica da ampliação do mercado de alimentos sobrepõe-se ao
interesse pela condição humana de insegurança alimentar/nutricional.
Noutro sentido, estudos nos campos da genética e fisiologia sustentam
recomendações relativas ao consumo de alimentos transgênicos e funcionais,
72
respectivamente. Trata-se de oportunidade de negócio no campo da alimentação e
nutrição, habilmente manipulada pela indústria do setor. Entretanto, “esquecem” os
inventores de comida com valor agregado (adicional econômico decorrente da
transformação industrial da matéria-prima alimentar), que a condição humana de
segurança alimentar/nutricional não é um bem econômico, valorado com
investimento na compra de alimentos processados, mas, isto sim, um bem da vida,
indissociavelmente relacionado à dignidade da pessoa humana.
Uma alimentação saudável e equilibrada precisa cada vez mais ser
considerada um direito social, sobretudo porque a fome e o direito de comer não se
limitam à insuficiência de comida, mas devem ser estendidos também ao comer mal,
em quantidade e em qualidade. Tal assertiva parece-nos relevante haja vista o fato
de milhões de brasileiros não comerem o suficiente e avançarmos céleres para
outros milhões que, malgrado a desigualdade notável na renda entre ricos e pobres,
comem cada vez pior, sobretudo, mais do que deviam. Nesse contexto do excesso
no consumo, cresce no país uma epidemia de sobrepeso/obesidade, atual e
relevante desafio à saúde coletiva.
3.4 A positivação do Direito à Alimentação no contexto da globalização
Em fins do século XX, com o advento e hegemonia de uma abordagem
econômica supostamente dirigida a unificar a economia mundial, a globalização
(ARNAUD, 1998) – em que pese a redução da importância do Estado-nação e das
economias de base local (o que é bastante para definir a política neoliberal,
inseparável da propaganda econômica que lhe confere força simbólica com sutis
ambiguidades) – emerge uma nova configuração das relações estatais por além da
esfera do direito (BOURDIEU, 2009). Desenho esse aponta para a possibilidade
concreta do direito nacional ser suplantado por novos tipos de regulação global, em
razão da emergência de ordens espontâneas que fogem a ação regulatória Estatal,
em um contexto no qual os direitos fundamentais passam a constituir paradigma de
legitimação de regimes políticos perante a comunidade internacional e, com isso,
cumprem uma função primordial na arquitetura jurídico-política (BALLESTRIN,
2010).
73
No Comentário Geral n 12, adotado em maio de 1999, produto de discussão
no Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Alto Comissariado de
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, o Direito à Alimentação é
definido como: “direito de ter um acesso regular, permanente e livre, (...), à
alimentação suficiente e adequada (...), correspondendo às tradições culturais das
pessoas a quem o consumo pertence, e que assegura uma realização física e
mental, individual e coletiva, de uma vida digna e livre de medo” (ONU, 2009).
No Brasil, em uma perspectiva fundada em princípios jurídicos de inspiração
positivista, o Direito à Alimentação já constituía um imperativo jurídico consignado na
Constituição Federal quando de sua promulgação em 1988 (BRASIL, 1988;
MARINS, 2003) (Tabela 1).
Tabela 1 – Princípios explícitos da Constituição Federal identificados com o Direito
à Alimentação, Brasil, 1988.
Artigo
1°, inc. II
1°, inc. III
3°, inc.III
3°, inc. IV
5°, caput
100°
208°, inc. VII
Princípio Constitucional Identificado
Cidadania
Dignidade da pessoa humana
Dever do Estado para com a alimentação escolar
Promover o bem de todos
Inviolabilidade do direito à vida
Preferência aos créditos de natureza alimentar
Erradicação da pobreza e da marginalização
Interpretação normativa que, ao anunciar princípios constitucionais, configura o
que Streck (2011) propugna como positivação de valores, casuisticamente criados,
por alusão à crença pautada no paradigma de que o Estado Democrático (e Social)
de Direito fosse uma pedra filosofal da legitimidade desses mesmos princípios,
retirando-se tantos quantos necessários para solução dos casos mais complexos ou
mesmo corrigir as incertezas da linguagem. Sendo assim, quando a própria
constituição não basta ou não diz tudo que o intérprete deseja, simplesmente criamse novos princípios.
Talvez, como advoga Mastrodi (2012), o problema central relativo à proteção
dos direitos fundamentais esteja na superação das amarras do positivismo jurídico,
embora paradoxalmente, a forma encontrada de superá-las tem sido a positivação
74
dos valores sociais por via de princípios, que passaram a ser entendidos por além de
pautas morais, agora como verdadeiras normas jurídicas, verdades direcionadas a
conferir sentido ao sistema jurídico, em sua estrutura.
Uma leitura atenta da Carta Magna revela ainda que ao longo de seu texto o
legislador originário trata do Direito à Alimentação, e, via reflexa, da garantia da
SAN, em diversas outras normas (tabela 2).
Desde a edição da Lei Federal nº 11.346 (BRASIL, 2006a) – Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – o Brasil conta com um marco legal de
referencia para SAN. Norma essa coerente com a recomendação do precitado
Comentário Geral n 12, art.11: “os Estados deveriam considerar uma lei, ajustada
ao quadro de referência do direito, como um instrumento importante para a
implementação da estratégia nacional para o Direito à Alimentação” (ONU, 1999, p.
269).
Resulta que, presentemente, a nação brasileira vivencia um ambiente inédito
de positivação do Direito à Alimentação, com a LOSAN prescrevendo Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) – com vistas a políticas e
planos envolvendo governo e sociedade civil, cuja proposta de estruturação,
ressalte-se, também se deve aos movimentos sociais de enfrentamento da miséria e
da fome.
Em agosto de 2010, tendo como marco legal a LOSAN, e na forma do Decreto
nº 7.272, tem-se a instituição de a primeira versão da Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, onde há o estabelecimento de
parâmetros para a elaboração do plano quadrienal do setor, enquanto produto de
um complexo mecanismo de pactuação intersetorial e federativa (BRASIL, 2010b).
Ainda em 2010, digna de nota foi a inclusão da “alimentação” no artigo 6º da
Constituição (Emenda Constitucional n. 64/10), junto com outros dez direitos sociais
ali positivados: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social,
proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
75
Tabela 2 – Normas da Constituição da República Federativa do Brasil implicadas com o Direito à
Alimentação.
Norma
Constitucional
Redação
Art. 5º, inc. L
Preconiza que serão asseguradas as presidiárias condições para permanência
junto aos filhos no período de amamentação;
Art. 6º, caput
Enumera a alimentação entre os direitos sociais, ao lado, dentre outros, da
saúde, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos
desamparados.
Art. 6º, inc. IV
Destaca o salário mínimo com vistas à melhoria da condição social,
cujo valor deve ser capaz de atender, dentre outras necessidades vitais
básicas do trabalhador, a sua alimentação.
Art. 7º, inc. IV
Prescreve a alimentação enquanto necessidade vital básica, individual e
coletiva (grupo familiar), a ser contemplada com o salário mínimo.
Art. 23, inc. VIII
Define que a organização de qualquer modalidade de abastecimento alimentar
e o fomento da produção agropecuária compete cumulativamente a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Art. 203, caput,
inc. I e II
Universaliza a assistência social a todos que dela necessitarem,
objetivando, inclusive, a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice e o amparo às crianças e adolescentes
carentes.
Art. 208, inc. VII,
combinado ao art.
212, § 4º
Prevê o atendimento ao estudante da educação básica mediante programa
suplementar de alimentação, financiados com recursos públicos, inclusive de
contribuições sociais.
Art. 227
Estabelece o dever comum da família, da sociedade e do Estado de assegurar
o Direito à Alimentação da infância até a juventude (o jovem foi acrescentado
pela Emenda Constitucional nº 65/2010), ao lado de outros direitos e com
absoluta prioridade à esses grupos etários.
Art. 79, das
Disposições
Constitucionais
Transitórias.
Instituí, por tempo indeterminado, o Fundo de Combate e Erradicação da
Pobreza, circunscrito ao Governo Federal, com previsão de aplicação de
recursos em ações suplementares de nutrição (com redação dada pela
Emenda Constitucional nº 67/2010).
Ressalte-se que a iniciativa de ampliação daqueles direitos no texto
constitucional não é inédita, tendo sido a moradia incluída doze anos após a
promulgação da Constituição Federal, onde o poder constituinte originário já houvera
estabelecido nove direitos sociais (Emenda Constitucional 26/00) no mesmo preceito
normativo. Vitória do positivismo jurídico, como se vê! E desafio tanto à Dogmática
Constitucional Concretizadora (HESSE, 1991)6 quanto à Hermenêutica Filosófica
6
O jurista alemão Konrad Hesse sustenta que inexiste (em face da realidade) uma norma
constitucional independente, posto que a essência desta reside em sua vigência, vale dizer: a
situação por ela regulada deve (pretensamente) ser concretizada na realidade. Todavia, como
76
(GADAMER, 2008)7.
3.5 Tutela judicial do Direito à Alimentação no Brasil
O direito à alimentação, ao modo de todos os demais direitos sociais, decorre
de problemas, lutas, perdas e conquistas de uma nação politicamente organizada (o
Estado), como também depende de mobilizações e articulações sociopolíticas para a
sua efetiva concretização nas vidas vulneradas pela realidade mais ou menos severa
da insegurança alimentar/nutricional. Políticas nessa direção supõem o esforço de
considerar, em particular, a gênese das históricas iniquidades sociais do Brasil,
explicativas da vulnerabilidade nutricional que ameaça a dignidade humana de
grandes continentes populacionais na diversidade do território nacional.
Nesse cenário sociopolítico, a presença da alimentação no rol dos direitos
sociais da Constituição brasileira (art. 6º) é apontada como um legado capaz de
acelerar a concretização do ideal de um país mais justo. Sendo assim, a não
concretização de políticas públicas nessa matéria sob pretexto do princípio da
reserva financeira do possível, adiante exposto, é reconhecido na prática dos
tribunais como uma forma de inércia qualificada do poder público, em afronta à
ordem jurídica. Tudo isso por força da ausência (ou fragilidade) de medidas capazes
de tornar real a condição humana de segurança alimentar/nutricional, em harmonia
com o conjunto de princípios e garantias fundamentais de justiça social insculpidos
no texto da Constituição Federal. Dentre aqueles, como parte da compreensão
hermenêutica dos direitos individuais e coletivos, destaca-se a proibição do
retrocesso social aplicado à tutela do direito social à alimentação, como uma cláusula
de um conteúdo mínimo de direitos fundamentais, ou ainda, um princípio capaz de
preservar os avanços em matéria legislativa relacionada à garantia da nutrição
adverte o mesmo autor, a pretensão de eficácia de uma norma da Constituição associa-se às
condições de sua realização como elemento autônomo, configurando uma espécie de força ativa
baseada na natureza singular do presente, e não como mera adaptação à realidade dos fatos.
7
A literatura em ciências sociais é assente em afirmar que a hermenêutica filosófica está associada
de modo muito particular ao nome de Hans-Georg Gadamer, inclusive porque esse autor transformou
em precursores seus antecessores, destinando-lhes um lugar no desenvolvimento defendido por ele
próprio. O autor de Verdade e Método contrapõe, com uma radicalidade discreta, o diálogo aberto,
nunca possível de ser concluído, no qual se colocam efetivamente em jogo as supostas certezas
(FIGAL, 2007). Na perspectiva filosófica de Gadamer (2008), a hermenêutica – por carregar sempre
consigo seu próprio presente – é apontada como a gênese da consciência verdadeiramente histórica.
77
adequada de coletividades humanas no Brasil, até como preceito de soberania
nacional.
3.5.1 Reserva financeira do possível
Na hipótese nas quais (por ação ou omissão) os órgãos legislativos ou
executivos comprometem a eficácia e a integridade de quaisquer dos direitos sociais
constitucionais, tem prevalecido em nosso sistema jurídico o entendimento
consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de conferir,
excepcionalmente, ao judiciário o poder de determinar políticas públicas previstas na
Constituição Federal, mitigando assim a questão da reserva do possível.
Em recente julgado do STF acerca de matéria relacionada ao Direto Social à
Educação (desde então tantas vezes referenciado pelos ativistas dos diretos
sociais), o ministro Celso de Melo em sua manifestação acerca da obrigação do
município frente ao atendimento em creche e pré-escola para crianças de até cinco
anos de idade, concluiu:
O administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a
oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas
discriminadas na ordem social constitucional (...). Sendo assim (impõe-se) ao
município de São Paulo, em face da obrigação estatal de respeitar os direitos
das crianças, o dever de viabilizar, em favor destas, a matrícula em unidades
de educação infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de
seus responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida.
(STF, Informativo nº 632, 24/06/2011, grifos nossos)
Contanto, a hermenêutica constitucional brasileira, da lavra da Suprema Corte,
evoluiu ao ponto de inadmitir que por mera discricionariedade da administração
governamental seja o dinheiro público gasto de forma ilegítima, tanto mais com
intuito de inviabilizar (ou fraudar) os direitos sociais. Na hipótese de uma prestação
visar proporcionar condições mínimas de existência não é lícito ao Estado nem
mesmo justificar-se pela precitada teoria da reserva do possível (STF. RE
436996/SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU: 7.11.2005).
No que concerne ao Direito Social à Alimentação, sua efetiva realização
relaciona-se, em grande medida, com a capacidade econômico-financeira do Estado
78
e, nesse ínterim, depende dos limites e possibilidades orçamentárias do governo
(princípio da reserva do possível). Entretanto não seria mesmo razoável, nem
legítimo,
frustrar
o
cidadão
da
garantia
fundamental
da
alimentação,
indissociavelmente vinculada à nutrição como questão de segurança, que remete às
condições materiais mínimas de existência digna, e assim, não pode prescindir de
incorporar dimensões de ordem cultural, social e política.
Assim, tratando-se o direito à alimentação de garantia constitucional
diretamente relacionada ao supraprincípio da dignidade da pessoa humana,
deve ser gozado com prioridade absoluta.
(DJSP 30/10/2012, Judicial – 1ª Instância / Interior, parte II, p. 884).
Decerto, em face da inoperância de uma ampla variedade de políticas públicas
no campo da alimentação e nutrição, supostamente eficazes, embora com pouco ou
nenhum alcance no âmbito da segurança alimentar/nutricional, a omissão estatal é
uma conclusão que se impõe, porque grosso modo o governo deixa de fazer, ainda
que parcialmente, o estabelecido no texto constitucional no que concerne à
concretização da alimentação.
Sendo a alimentação parte indissociável da ordem social constitucional, a não
concretização de políticas públicas nessa matéria caracteriza inércia qualificada do
poder público, em afronta à ordem jurídica, por força da ausência (ou fragilidade) de
medidas
capazes
de
tornar
real
a
condição
humana
de
segurança
alimentar/nutricional, em harmonia com o conjunto de princípios e garantias
fundamentais de justiça social insculpidos na Lei Maior.
Para se ter uma ideia da força de uma norma de direito social na ordem
constitucional do Brasil, basta considerar que os atos do Presidente da República
atentatórios ao exercício dos direitos sociais (incluso a alimentação), por expressa
disposição constitucional (art. 85, inc. III) são tipificados como crimes de
responsabilidade, com previsão, dentre outras sanções, da perda do mandato
presidencial. Punição conquanto de tão extrema em nosso sistema político,
acreditamos só crível em ficção jurídica.
A presença da alimentação no rol dos direitos sociais da Constituição brasileira
é apontada como um legado capaz de acelerar – por analogia aos catalizadores de
79
processos bioquímicos em matéria de nutrição – a concretização do ideal de um
país mais justo. Nesse sentido, pode ser útil para
[...] impulsionar a articulação do governo federal com os governos
municipais, estaduais e do Distrito Federal e com a sociedade civil em
quatro eixos de atuação (...): ampliação do acesso à alimentação com
transferência de renda; fortalecimento da agricultura familiar; promoção de
processos de geração de renda e da articulação, mobilização e controle
social (BRASIL, 2003c).
Frequentemente, os tribunais fundamentam o direito à alimentação no direito à
saúde e à vida, com se extrai do AG 74622-RN, no qual a 4ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, em apertada síntese, fazendo coro a inúmeras
decisões pelo país, em matéria análoga, reconheceu o dever do Estado para com a
alimentação especial de criança com restrição dietética (no caso, tratava-se de um
aminoácido), in verbis:
Constitucional e Processual Civil. Direito à saúde e à vida. Criança
portadora de doença congênita. Alimentação especial. Dever do Estado.
Tutela que se limita ao fornecimento de leite sem tirosina. (...).
(Relator: Des. Federal Lázaro Guimarães. DJ: 02.05.2008, p. 837)
Em recentes julgados, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça teve
oportunidade de enfrentar – determinando providências imediatas – situações de
flagrante omissão estatal em matéria de saúde e nutrição e outros valores
fundamentais, firmando jurisprudência no sentido de que a alegação de reserva
financeira do possível não é um fundamento capaz de contrapor a obrigação estatal
para com a efetivação dos direitos fundamentais. A título de exemplo, seguem três
acórdãos com tal entendimento:
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO.
PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO
POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. (...)
5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador
incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa
humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão
estatal capaz de matar o cidadão de fome (...). O absurdo e a aberração
orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as
fronteiras do bom senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente
sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da
discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio
da separação dos Poderes.
80
(STJ. REsp 1.068.731-RS, Min. H. Benjamin, DJ 08.03.2012; grifos nossos)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL (...) ESCASSEZ DE RECURSOS
COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA. PRIORIDADE DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL (...).
(...)
4. (...) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos
Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público
preteri-los em suas escolhas. (...) Tais valores não podem ser malferidos,
ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da
“democracia” para extinguir a Democracia.
5. (...) a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante,
não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como
tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que
estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em
razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não
é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à
realização do mínimo existencial.
6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo
para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange
também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera
sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na “vida”
social.
(STJ. 2ª T. REsp.1.185.474-SC, Rel. Ministro Humberto Martins. DJ:
29.4.2010; grifos nossos)
(...) DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA.
(...) ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR.
INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.
10. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda
direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera
insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua
implementação.
11. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra
um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário
torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com
repercussão na esfera orçamentária.
12. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública
implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes,
porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano
submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência
entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez
do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa
constitucional.
(STJ. 1ª T. Resp. 753565/MS; Recurso Especial 2005/008658-2, Relator:
Ministro Luiz Fux. DJ 28.05.2007; grifos nossos)
81
Em matéria correlata, tem-se uma interessante manifestação do Conselho
Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) na resposta à consulta (n.º 4856184.2010.5.90), da Associação dos Magistrados do Trabalho da Paraíba. O objeto da
solicitação foi a possibilidade de extensão aos associados (somente juízes federais)
do auxílio-alimentação pago, stricto sensu, aos servidores públicos federais – com
fundamento (pasmem), no artigo 6º da Constituição, ou, mais especificamente, no
texto alterado pela Emenda Constitucional nº 64/2010 (que incluiu a alimentação no
rol de direitos sociais). Resulta que o CSJT negou a pretensão ali anotada, por
entender (com absoluta coerência, ética e bom senso), sem divergência, que:
(...) a mera previsão do direito à alimentação no rol dos direitos sociais não
implica o direito subjetivo dos magistrados a receber parcela de sua
remuneração destinada diretamente à sua alimentação.
A norma constitucional deve ser interpretada como o reconhecimento de
que todos os cidadãos brasileiros devem ter acesso à alimentação, e que o
Estado tem o dever de procurar alocar seus recursos de maneira a
satisfazer as necessidades alimentares de todos, e, em especial, a dos
cidadãos com maior carência de recursos financeiros. Este não é o caso,
evidentemente, dos magistrados.
(DeJT n. 685, data: 10/03/2011, p. 3-4; grifos nossos)
3.5.2 Princípio da proibição do retrocesso social
O significado da Constituição depende do processo hermenêutico que
desvendará o conteúdo de seu texto, a partir de novos paradigmas
insurgentes das práticas dos tribunais.
(Lenio Streck)
No contexto de luta em favor da concretização dos direitos fundamentais, tais
como o direito social à alimentação, o “princípio da proibição do retrocesso social”
(CANOTILHO, 1999, p. 542) tem destacada importância, visto que a sua aplicação
tem por escopo proteger os direitos fundamentais já positivados, contrapondo a
produção legislativa e compreensão hermenêutica que aponte para supressão ou
restrição indevida de tão relevantes direitos.
Coerentes com tal entendimento em matéria de jurisdição constitucional, ao
revelar harmonia entre suas decisões e a concepção de Estado Democrático de
82
Direito, os tribunais em todo o mundo vêm assumindo posições concernentes com a
ética do bem comum ao adotar proibição do retrocesso social como princípio basilar
dos direitos sociais. Nesse sentido, destaca-se o acórdão nº 39/84, do Egrégio
Tribunal Constitucional de Portugal, com a seguinte conclusão:
A partir do momento em que o estado cumpre (total ou parcialmente), as
tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o
respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir
apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a
ser uma obrigação negativa. O Estado que estava obrigado a atuar para dar
satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar
contra a realização dada ao direito social.
(AC 34/84, DRe: 05.05.1984, n. 104, série I, p. 1455-1468)
Noutros termos, a teor do precitado entendimento da suprema corte
portuguesa, uma vez criada uma lei requerida pela Constituição para a realização de
um direito fundamental, o legislador passaria a ser impedido de revogá-la,
retrocedendo a situação anterior. Por tal entendimento, os serviços e institutos
jurídicos consagradores de direitos sociais, uma vez estabelecidos por lei, têm a sua
existência constitucionalmente garantida, admitindo-se alteração ou reforma por
outra norma legal nos limites constitucionais, não se admitindo a sua extinção ou
revogação.
Impende ressaltar que a teor do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PDESC), ratificado pelo Brasil em 1992, no livre e pleno exercício
de sua soberania, o Estado deve observar o princípio da aplicação progressiva, o
que de per si implica justamente no princípio da proibição do retrocesso social
(PIOVESAN, 2007).
No acervo de jurisprudência brasileiro, colhe-se que já há precedentes nos
quais se reconhece o quão fundamental é o direito social à alimentação, a ponto de
justificar a aplicação do entendimento doutrinário que prima pela proibição ao
retrocesso. Ademais, dado o caráter indispensável da alimentação para garantia do
bem viver, é natural que demanda jurídica que envolva matéria dessa magnitude,
reúna os fundamentos para decisão que antecipe o mérito do provimento final, quais
sejam: fumus boni juris (fumaça do bom direito) e do periculum in mora (perigo da
demora), como visto no seguinte julgado:
83
(...) entre nós, está escrito que o princípio da dignidade humana é
fundamento da República, e que os direitos sociais, entre os quais, lógico, o
da alimentação, figuram como limites à atuação de qualquer poder. Se
derrubarmos a ideia de Constituição Dirigente, derrubamos todo o nosso
arcabouço constitucional, é colocarmos ao chão o princípio da dignidade da
pessoa humana. Por isso é que se ensina, em Direito Constitucional, que as
conquistas sociais não podem retroceder. Tudo o que a legislação já
garantiu às classes trabalhadoras não pode ser suprimido. Entendemos,
portanto, e (...) retomando a Canotilho, que se deva aplicar o princípio da
proibição do retrocesso social, de modo que nem uma lei municipal poderia
suprimir o direito das partes-autora à cesta básica - quanto mais um decreto
municipal. Nesse ambiente de interpretação legalista e constitucionalista, é
que a cesta básica deve ser garantida aos servidores públicos de Santa
Albertina-SP. Por fim, como se trata de direito social de alimentação,
inerente à sobrevivência humana, defere-se a tutela antecipada, para que a
cesta alimentação seja imediatamente restabelecida.
(DJSP 09/10/2012, Judicial – 1ª Instância / Interior, parte II, p. 807)
A propósito da evolução legislativa, coerente com o constitucionalismo
contemporâneo, o Projeto do Novo Código de Processo Civil, em tramitação no
Congresso Nacional, em seu artigo 6º prevê que ao aplicar a lei deve o juiz “atender
aos fins sociais a que ela [a lei] se dirige e as exigências do bem comum, observando
sempre o princípio da dignidade da pessoa humana” (grifos nossos).
Por oportuno, tendo em vista a realidade que a grande maioria dos brasileiros
nunca teve assegurados vários dos direitos ditos de cidadania – ressalvando-se
prestações mínimas, por parte de organizações estatais ou não, é razoável sustentar,
como o fazem Agra (2007) e Piovesan (2007), a proibição do retrocesso social como
uma cláusula de um conteúdo mínimo de direitos fundamentais (doutrina
das entrenchment clauses), e, dessa forma, como um instrumento de referência para
impulsionar avanços na solução do problema crônico da exclusão social no país.
Em reforço à idéia de não retorno das conquistas legislativas em matéria de
direitos sociais, deve ser considerado, como lembram Valente, Franceschini e Burity
(2007), que as notáveis desigualdades socioeconômicas (e sua manutenção) no
Brasil refletem a correlação de poder desigual. De fato, no país que é um das
distribuições de renda mais desiguais do mundo, fruto da absoluta prevalência dos
interesses hegemônicos de uma minoria dominante em detrimento de uma maioria
sofrida, que assiste atônita uma sucessão de violações e ameaças aos direitos
sociais, reconhecidos como tal pela Constituição Federal.
84
O atual cenário de crise econômica reforça a relevância das políticas públicas
pautadas nos direitos sociais fundamentais e, nesse processo, é pertinente o
emprego de instrumentos jurídicos voltados à proteção social, inclusos os
mecanismos de controle estatal sobre as pessoas envolvidas (SOUTO MAIOR,
2013).
3.6 Da positividade jurídica à hermenêutica do Direito Social à Alimentação no
Brasil
Inspirado na proposição de que a hermenêutica deve visar o conhecer
existencial (HEIDEGGER, 2006), sustentamos que o Direito Social à Alimentação no
Brasil deve ser compreendido e interpretado enquanto dimensão que é ao mesmo
tempo complementar e indispensável à análise formal ou objetiva da aspiração à
justiça, não como um procedimento especializado, empregado pelo analista na
esfera sócio-histórica, mas antes como uma característica fundamental do ser
humano como tal.
Humano que percebe o direito como integrante de sua experiência sensível,
lastreada pela carga de intersubjetividade, que, movida pela moral, não raro, situa a
superação da miséria social da fome, como dever-ser a ser alcançado pelo Estado
democrático de direito. A propósito, o modo ocidental de vincular as dimensões
biológicas e simbólicas constitutivas do ser humano faz de cada um de nós um homo
juridicus, onde o direito une a infinitude de nosso universo mental com a finitude de
nossa experiência física (SUPIONT, 2007).
Partindo-se de tal racionalidade hermenêutica para o campo da positividade
jurídica, o Direito Social à Alimentação está relativamente legitimado no Brasil, com
interseção nos segmentos dos direitos constitucionais, civis, políticos, econômicos e
sociais. Há dessa forma importante, embora discutível, base jurídica para sua
exigibilidade (judicial e administrativa), haja vista o reconhecimento de que, a
despeito de haver uma série de princípios e normas que positivam a alimentação
como direito social na história recente do Brasil, ainda não foi alcançado um grau
satisfatório no que concerne à sua efetividade.
85
É notório que a legislação relativa à alimentação enquanto direito destaca-se
como expressão da intensificação das discussões sobre SAN, de onde também
partem recomendações. Tem-se então uma importante vinculação à produção e
inovação
científicas (BOSI, 2010), circunscrevendo um campo que demanda o
fortalecimento das ações e o aumento de necessidades de informações sistemáticas
e confiáveis (PRADO et al, 2010). Campo científico (BOURDIEU, 1994) esse cujo
enfoque intersetorial requer um olhar interdisciplinar, e, assim, a formação de grupos
de pesquisa provenientes de variados campos e instituições (ANJOS; BURLANDY,
2010).
Na seara do Direito Positivo, sustenta-se que a recente inclusão do termo
alimentação no rol dos direitos sociais expressos no art. 6º da Constituição Federal
representa uma oportuna cautela político-legislativa contra interpretação que negue
efetividade ao Direito à Alimentação, ao tempo que reforça as políticas públicas,
presentes e futuras, de SAN. Na realidade, quando a questão diz respeito às
políticas públicas constitucionalmente previstas, o Supremo Tribunal Federal, órgão
máximo do judiciário brasileiro, firmou entendimento no sentido de que o princípio da
reserva do possível – assinalado pela negação do direito por ausência material ou
indisponibilidade jurídica de recursos financeiros – não tem o condão de afastar a
exigibilidade judicial dos direitos fundamentais (MARTINS FILHO, 2010).
O fato é que explicitar, no sentido afirmativo, o Direito à Alimentação no topo da
hierarquia normativa amplia a base político-estatal desse direito, consignando assim
a concepção axiológica do Direito Social à Alimentação, coerente com uma
constituição democrática, onde as valorações jurídicas são estratégicas para ampliar
a efetividade dos direitos fundamentais e de cidadania na direção do justo. O sentido
de tal inclusão evidencia problemas relativos à racionalidade-validade e à
legitimidade do direito, porque remete à exploração do elemento hermenêutico de
base em qualquer experiência empírica que se manifeste numa decisão judicial ou
político-administrativa, como se depreende do pensamento de Streck (2009).
Dito de outra forma, muito embora a alimentação esteja no rol dos direitos
sociais constitucionais, é fato que assegurar a comida, desde a questão do acesso
até a soberania alimentar, permanece como um desafio a ser superado no Brasil, ao
menos na perspectiva dos direitos humanos. Em tal contexto, caracterizado por um
86
hiato entre norma e decisão politica, marcado pela negativa da efetividade do direito
à alimentação, destacam-se no contexto das políticas públicas, a ineficiência dos
programas de renda mínima e o fracasso no trato da proteção ao meio ambiente.
Noutra dimensão, a partir da premissa de que a exigência de direitos sociais é
um produto da crítica das teorias igualitárias para se opor à concepção e a prática
liberal do Estado (BOBBIO, 2004), é coerente sustentar que a concepção estatizante
da garantia do Direito à Alimentação no Brasil está fundada no ideal de
solidariedade e justiça em um Estado de desiguais que reconhece a emergência da
proteção social.
Nesse sentido, as iniciativas políticas que propõem ações intersetoriais para
promoção da SAN, e por extensão de solidariedade orgânica e justiça social, são
fruto de construções que exigem um arcabouço jurídico institucional e uma base
científica tão interdisciplinar quanto possível, capaz de compreender as multiplicas
faces do problema, inclusive a dimensão subjetiva da desigualdade, entendida como
significações e sentidos simbolicamente construídos pelas vítimas da desigualdade
social, dialeticamente vinculados à concretude das relações sociais em que tal
produção subjetiva emerge.
Naturalmente, promover a segurança alimentar/nutricional é, sobretudo, um
desafio de todos que remete ao necessário cuidado e zelo com o meio ambiente,
prevenindo ou mitigando, tanto quanto possível, o impacto da ação humana sobre o
clima, o solo, a água, a fauna, a flora e outros fatores da natureza imprescindíveis ao
equilíbrio vital. Nessa linha, por além do direito positivo, impõe-se o desenvolvimento
de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e economicamente justos, em
harmonia com a universalização do direito à alimentação.
É forçoso reconhecer que no contexto da atual crise do modelo econômico
hegemônico desse início de século, incluindo o mercado de alimentos baseado no
agronegócio, são notórias as ameaças à promoção do direto à alimentação no
mundo. Diversas organizações não governamentais, a exemplo da FoodFirst
Information & Action Network (FIAN, 2011), vêm denunciando a expropriação
desmedida de terras e seu impacto deletério no clima e nos recursos naturais
renováveis, bem como a exploração absurda do trabalho de pequenos agricultores e
87
pecuaristas,
pescadores
artesanais,
dentre
outras
pessoas,
que
embora
majoritariamente responsáveis por alimentar à comunidade humana, sequer
conseguem o que se faz necessário para cobrir as necessidades alimentares e
nutricionais de suas famílias.
Também é importante incluir a discussão dos programas que se investem no
propósito de promover o Direito à Alimentação, envolvendo a estrutura e os
resultados almejados, como também, em especial, a percepção da segurança
alimentar em famílias envolvidas em tais ações governamentais (CASEMIRO et al.,
2010; ROCHA, 2011).
Albuquerque (2009) propugna pela importância de se planejar pesquisas
capazes de avaliar o impacto acerca da situação e da percepção da segurança
alimentar em famílias partícipes de determinados programas sociais. Na mesma
trilha, Casemiro et al. (2010) observam que compreender a forma como os agentes
sociais avaliam e (res)significam sua realidade, envolvendo preceitos de justiça,
ética, participação política e intersetorialidade, pode constituir um bom começo com
vistas à efetivação do propalado Direito Social à Alimentação.
Contudo, o direito à alimentação, ao modo de todos os demais direito sociais,
decorre de problemas, lutas, perdas e conquistas de uma nação politicamente
organizada (o Estado), como também depende de mobilizações e articulações
sociopolíticas para a sua efetiva concretização nas vidas vulneradas pela realidade
mais ou menos severa da insegurança alimentar/nutricional. Por tais razões, Beurler
(2008) propugna pela importância de questionar a omissão estatal em realizar
plenamente o direito à alimentação, conforme enunciado pelo nosso ordenamento
jurídico constitucional.
No atual estágio da democracia brasileira, não obstante a relevância política
atribuída
ao
Direito
Social
à
Alimentação
enquanto
matéria
formalmente
constitucional, a concretização de um valor material dessa ordem de essencialidade
para o bem maior da vida – dada a sua singularidade, requer algo mais que uma
expressão de fetiche constitucional ao modo do princípio da dignidade da pessoa
humana, ou de mero elemento de normatividade positivista, mas, isto sim, um
processo factível de concretização, no sentido de norma-decisão essencialmente
88
dinâmica e relacional com a realidade.
Certamente que tornar efetivo o Direito Social à Alimentação na práxis
inerente à globalização, em um país marcadamente desigual, é um grande desafio
do governo e da sociedade, que sugere, em nível interno, uma ampla mobilização
social e articulação política; e, nas relações internacionais, a afirmação da soberania
alimentar e da cooperação internacional. Daí a importância das cartas internacionais
de direitos sociais e econômicos nesse contexto.
Outrossim, em um cenário onde há poucos estudos empíricos tratando do
Direito
Social
à
Alimentação,
reconhecemos
na
hermenêutica
uma
base
epistemológica apropriada para a construção de uma teoria crítica (FIGAL, 2008;
SANTOS, 2010), tendo em conta a compreensão linguística por processo de fusão
de horizontes (GADAMER, 2006) dos discursos significativos da praxis das políticas
sociais no campo da alimentação e nutrição; notadamente a complexidade semântica
revelada na fala do cidadão envolvido como beneficiário, o modo como se percebe
(ou não) implicado com um programa relacionado à promoção da SAN, bem como as
tensões e condicionamentos presentes ao lado do paradigma assistencialista,
historicamente orientador da condução de políticas compensatórias de renda, sob
pretexto de aplacar a miséria social da fome.
Por último (embora não menos importante), entendendo o social como a
essência do direito, como prescreve Souto Maior (2007), e tendo em vista a sensível
implicação da alimentação e nutrição humana com a dinâmica da vida em sociedade,
se impõe relevante aos operadores do direito assumir a segurança alimentar como
um compromisso social em favor de uma nação mais justa. Políticas nessa direção
supõem o esforço de considerar, em particular, a gênese das históricas iniquidades
sociais do Brasil, explicativas da vulnerabilidade nutricional que ameaça a dignidade
humana de grandes continentes populacionais, na diversidade do território nacional.
No entanto, além de assumir a dignidade humana como princípio, conforme
perspectiva fundada no reconhecimento jurídico dos direitos humanos, as políticas de
Estado no campo da alimentação e nutrição, precisam fortalecer os mecanismos de
accountability
– isto é, envolver, a um só tempo vias de responsabilidades
integradas em um sistema nacional de segurança alimentar/nutricional, deveres de
89
transparência na prestação de contas dos programas sociais, democracia no trato
das decisões e sistemas de controle eficientes do gasto público.
90
4.
ALIMENTAÇÃO,
CONSUMO
E
NECESSIDADES
HUMANAS:
UMA
APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CRÍTICA
O propósito deste capítulo é analisar, sob uma perspectiva histórico-crítica, a
construção social da alimentação como bem de consumo e, em tal contexto, analisar
sua expressão na consciência humana como uma necessidade. Para tanto, assumese a história enquanto fenômeno em permanente construção, que se atualiza em um
tempo saturado de acontecimentos, cuja compreensão pressupõe revisitar o
passado, indo e vindo ao presente (BENJAMIN, 2005; FOLCAULT, 2008).
Nessa perspectiva de análise, aludindo à concepção dialética da história em
Gramsci (1978) e à premissa materialista de que os homens constroem a história
procurando atender àquilo que eles reconhecem como necessidades (PLEKHANOV,
2003), revela-se a trama das relações sociais que envolvem interesses em disputa,
ambiente no qual cada indivíduo singular ou agrupamento humano se depara
permanentemente com contradições.
Tomamos como cenário o campo da saúde coletiva, visitando a literatura em
ciências sociais e humanas (BOSI, 2012) e elegendo a alimentação e nutrição como
tema
transversal.
Para
tanto,
considera-se
a
noção
do
devir
histórico,
problematizando-se a associação das necessidades humanas com a força da
economia de mercado, explorando-se o viés da insegurança alimentar/nutricional
como fenômeno de interface. Na sequência, dentre outros aspectos críticos, focalizase a reprodução do modelo de desenvolvimento alicerçado no agronegócio (voltado à
exportação e naturalizado pela grande propriedade), negligente para com a saúde de
produtores e consumidores.
4.1 Necessidades humanas, mercado e devir histórico
Marx
e
Engels
(2009)
concebem
o
indivíduo
como
resultante
do
desenvolvimento histórico; um produto social, cuja interpretação requer compreensão
de suas relações e vínculos. Dessa forma, as condições concretas de existência
(humana e social) são mediadas por um processo de apropriação do acúmulo
91
histórico (socialmente produzido) que, nesse contexto, determinam uma consciência
histórica, constituída por ideias, representações e juízos.
No entanto, a assertiva de que a natureza humana deve ser entendida como
conjunto de relações sociais inclui a ideia do devir histórico: o homem transformandose em compasso com as mudanças nas relações sociais, aqui concebidas como
expressões de agrupamentos humanos, compondo uma unidade dialética e não
formal (GRAMSCI, 1978).
É pertinente assinalar, contudo, que toda tentativa racional de pensar a
existência humana e seu sentido deve refletir criticamente sobre a capacidade
humana em articular o sentido intersubjetivo e indagar sobre suas condições de
possibilidade e validade (COSTA, 2002).
Em 1887, ao criticar a implicação da sociedade humana com a então
economia política de base capitalista, Marx (2003) já asseverava que nesse modelo,
a dinâmica da vida é processualmente determinada pela dialética da produção
capitalista, movimento esse que alça o sujeito à condição de agente daquilo que ele
identifica como sua “vontade”, para a qual demanda uma necessidade e, por efeito, a
reveste de valor econômico.
É fato que vivemos em uma sociedade de consumidores, na qual o labor e o
consumo são dois estágios de um mesmo processo, impostos ao homem pelas
necessidades de sua vida: “o que quer que façamos, devemos fazê-lo a fim de
ganhar o próprio sustento” – sentencia a sociedade, com cada vez menos pessoas a
contestar (ARENDT, 2009, p. 139).
Atualmente, sob a égide da subserviência da sociedade ao dinheiro que
movimenta a economia no rumo das necessidades humanas socialmente
construídas, reificadas, mexer no sustento é também mexer na vontade, no modo de
viver, na condição de consumidor de bens e serviços supérfluos e até perigosos,
mas, não raro, julgados necessários por indução de mensagens publicitárias. Tal
movimento se dando no complexo processo de construção da hegemonia, conforme
tematizado por Gramsci (1978).
Para Adorno e Horkheimer (1985), a lógica de atrelamento da sociedade ao
92
mercado compõe uma civilização técnica, movimentada por necessidades
produzidas em larga escala. Nesse prisma, Arendt (2009) adverte que quanto mais
fútil se tornar a vida em uma sociedade de consumidores, mais difícil será preservar
a consciência das exigências do que ela define como (reais) necessidades.
Sabendo-se que os elementos potencialmente capazes de satisfazer as
necessidade humanas, uma vez relacionados a cada pessoa ou realidade
singularizada, são identificados nas dimensões emocional, material e simbólica, a
civilização humana atrelada ao mercado impõe – através dos agentes detentores do
poder econômico – o consumo de produtos e serviços ditos úteis e necessários,
habilmente manipulados por estratégias de propaganda e marketing (FREITAS,
2007), igualmente transformadas em produto/serviço de alto valor no mercado,
instalando-se um ciclo em que vários interesses se superpõem.
Ademais,
as
rápidas
transformações
socioculturais
no
mundo
tendenciosamente globalizado, notadamente os efeitos das modificações sensíveis
nas noções de tempo e de espaço, têm favorecido o consumismo e o individualismo.
Cada vez mais os produtos disponíveis ao consumo passam a atuar como precárias
matrizes de identidade, confundido a percepção do que seja necessidade ou desejo
(CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2006).
Sendo assim, no capitalismo não há espaço para a produção em função das
necessidades humanas, haja vista o foco ser gerar produtos, em ritmo e variedade
crescentes, que se imponham como objetos de desejo, com força de se
apresentarem como necessidades, induzindo o consumo de bens e serviços, não
sendo a esfera alimentar exceção.
4.2 Comércio de alimentos, consumo e a questão da (in)segurança
alimentar/nutricional
Ao longo da história das civilizações humana, é possível verificar que os
agrupamentos sociais reúnem modos próprios de alimentação, representado uma
viva expressão das relações sociais em seu conjunto. Todavia, as revoluções e o
desenvolvimento histórico global, uma vez criados hábitos, costumes e crenças
93
alimentares, têm a força de modificar a alimentação humana (não sendo a recíproca
verdadeira). O fim do nomadismo8 não foi consequência da colheita regular de trigo,
antes pelo contrário, decorreu de condições opostas a ela, motivando o
desenvolvimento de técnicas de cultivo desse cereal e, por conseguinte – além da
novidade do sedentarismo – trouxe adaptações nos modos de armazenamento,
preparo e consumo (GRAMSCI, 1978).
Na realidade contemporânea – construída como tal mediante relações sociais
ao longo da história (BERGER; LUCKMANN, 2009) – o desenvolvimento tecnológico
da agricultura (fortemente vinculada ao gênero masculino) afastou do comum dos
homens em sociedade a primitiva função caçadora. Nesse contexto, o “trabalho”
passou então a ser a forma primária de sustento alimentar, mantendo-se, entretanto,
o deslocamento regular entre a habitação e o “local de caça” (MORRIS, 2010).
A despeito da exploração desmedida do meio ambiente e da falta de
legitimidade social do mercado livre, o modo de produção capitalista expandiu de tal
ordem que seu tamanho, ao determinar e expor iniquidades sociais em saúde,
passou a ser ameaça à sua própria perspectiva de reprodução. Contexto análogo ao
verificado na primeira fase da revolução industrial, momento em que as péssimas
condições e a jornada exaustiva de trabalho deram causa a muito sofrimento e a
inúmeras mortes (GALLO, 2012), ameaçando o segmento do modelo e motivando
ajustes no modo de exploração do labor humano.
Sabe-se
que,
além
do
sedentarismo,
a
convergência
de
práticas
agropecuárias contemporâneas (baseadas no extenso uso de insumos químicos)
com mudanças de hábitos alimentares urbanos (pautadas na globalização do
consumo de alimentos impróprios à sadia qualidade de vida) tem favorecido um
aumento, sem precedentes, na incidência de doenças crônico-degenerativas (várias
das quais associadas à nutrição), como revelam indicadores epidemiológicos já nos
anos 1990 (VALENTE, 2002). Naquela década, conforme lembra Vasconcelos, se
configurou uma forte tendência à massificação dos hábitos e práticas alimentares em
escala planetária, reproduzindo padrões dietéticos ocidentais notabilizados por serem
8
Na Pré História, comunidades humanas inteiras movimentavam-se em busca de espaços onde
encontrassem alimentos e outras condições materiais essenciais à vida, os nômades, demorando-se
pouco em cada lugar. Acredita-se que o desenvolvimento da agricultura foi determinante para fixação
do homem em um dado território.
94
ricos em gorduras (sobretudo as saturadas) e açúcar (principalmente a sacarose) e
pobres, dentre outros nutrientes, em vitaminas e sais minerais.
O modelo de produção pautado no monocultivo irrigado de frutas para o
mercado externo induz e impõe mudanças sensíveis no espaço territorial e na vida
humana, uma vez que afeta severamente a saúde do trabalhador rural, vitimado por
precárias condições de trabalho em razão da absurda exposição a agrotóxicos nos
campos de plantios (PESSOA; RIGOTTO, 2012). Além disso, faz-se necessário
produzir novas tecnologias em substituição aos clássicos sistemas agrícolas,
impostos pelo poder hegemônico (PORTO; SOARES, 2012).
Na realidade, a economia contemporânea, norteada pela força de grandes
conglomerados financeiros, também especula artificialmente com o comércio de
alimentos, ao negociá-los na forma de commodities agrícolas em bolsa de
mercadorias e futuros. Nesse ambiente financeiro, cuja circulação e transferência de
valores ocorrem em tempo real, os alimentos são cotados conforme os preços a eles
atribuídos em função da dinâmica do mercado. Nessa lógica, a dicotomia entre a
produção de comida para seres humanos ou a geração de combustíveis para
máquinas é reduzida a uma questão de preço, sendo a inflação de alimentos que
limita o aporte de nutrientes às famílias mais empobrecidas (RICARDO; CLARO,
2012) mero efeito das tensões presentes no mercado.
O mercado de alimentos, em franca expansão na atualidade, revela-se
indiferente aos efeitos nefastos dos produtos que negocia sobre a saúde humana,
quer pela ingestão elevada de calorias ou de componentes sabidamente prejudiciais,
uma vez que seu foco é o aumento do consumo. Não por acaso, portanto, assiste-se
o aumento da prevalência, incidência e intensidade dos problemas nutricionais em
todo o mundo, tornando a questão alimentar/nutricional um permanente e crescente
desafio no âmbito da saúde coletiva.
O incremento do consumo de alimentos processados, altamente calóricos,
pobres em nutrientes, impregnados de agrotóxicos e aditivos de efeitos duvidosos
ou francamente nocivos, dá a dimensão do viés de insegurança alimentar/nutricional
da movimentação econômica baseada no aumento do consumo. Tal movimento se
apoia no crédito fácil e incentivo fiscal, a pretexto de promover o crescimento
95
sustentado do mercado e, nesse passo, gerar mais emprego e renda. O caos da
mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras, o sedentarismo e os estilos de
vida não saudáveis levando à obesidade e a outros males nutricionais, também
podem ser apontados com resultantes dessa linha oblíqua do consumo desmedido.
Quanto a esse modelo, vale lembrar que nos anos 2007 e 2008, os Estados
Unidos protagonizaram uma crise de dimensões globais, notabilizada pela
instabilidade da economia nacional (maior do planeta), fortemente baseada no
consumo. À época, o mundo foi surpreendido por uma perda dramática da
credibilidade do sistema financeiro norte, decorrente da especulação associada à
inadimplência no setor imobiliário, crise esta com efeitos que ainda se multiplicam.
Nesse cenário, caiu a oferta de crédito ao consumidor, e, por conseguinte, o poder
de consumo das famílias. A solução encontrada envolveu a edição de medidas
econômicas para recuperar o consumo, como também o saneamento de bancos para
recuperação do crédito (BUENO, 2008).
No que concerne ao Brasil, ao analisar a possibilidade de existência de uma
“bolha” no mercado imobiliário nacional, economistas do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) revelam que a insistência do governo em aquecer ainda
mais o (já aquecido) mercado imobiliário (para citar apenas uma esfera do mercado),
sabendo-se que a maioria dos contratos de financiamento habitacional no país é
indexada por juros pós-fixados, só tende a piorar o quadro já vulnerável às
oscilações das taxas de juros (BRASIL, 2012c).
No mesmo estudo, os autores
sustentam que as atuais políticas fiscal e monetária do país são inflacionárias,
tendentes a elevar o custo de vida, dificultando ainda mais o acesso econômico aos
bens, dentre eles, os alimentos. Esses, uma vez demarcados como mercadorias
(commodities), cabe lembrar, têm produção, oferta e preço variáveis em função de
especulações de toda ordem no mercado financeiro internacional, movimentadas no
mundo do agronegócio (agrobusiness).
4.3 A pertinência de uma teoria crítica
Por tais considerações, compreender a determinação presente do consumo
alimentar no contexto de uma análise das transformações sociais que permeiam o
96
comer e a própria comida, passa, recorrendo à crítica de Foucault (2008), pela
superação da história como empreendimento estruturado, vale dizer: sistema
ideológico do tipo linear e justificador do poder hegemônico. Somente valorando a
perspectiva dialética dos fatos e as possibilidades de mudanças, rompendo com a
abordagem da história restrita à linearidade do tempo e, por conseguinte, o passado
situado em uma escala evolutiva, acreditamos ser viável discutir criticamente os
acontecimentos
associados
à
condição
humana
de
(in)segurança
alimentar/nutricional.
Assim, respeitando as posições em contrário, consideramos que, na pauta da
saúde coletiva, a produção intelectual do materialismo-histórico, notadamente a
filosofia da práxis e o devir histórico (em oposição ao mecanicamente dado)
(GRAMSCI, 1978; PLEKHANOV, 2003; MARX; ENGELS, 1999), continua sendo
referência importante – ainda que se imponha revisão de certas ortodoxias e um
diálogo com outras contribuições afins. Sem dúvida, várias das categorias de base
da teoria marxista da sociedade, tais como: contradição, mediação, autonomia,
reificação e alienação (MARX, 2003; GRAMSCI, 2005; KOSIK, 2002) oferecem
importantes pressupostos para a construção de conhecimentos a serviço da melhoria
da condição de vida no âmbito da alimentação e nutrição (sem negligenciar ou
comprometer outras necessidades igualmente vitais). Adicionalmente, o conhecido
fundamento de aliviar a miséria da existência humana que dá sentido à ciência, como
sustentado por Brecht (1977), já justificaria a práxis acadêmica nessa direção.
Contudo, a pretensão de uma existência digna ou, simplesmente do bem viver,
pressupõe
a
garantia
da
condição
(humana
e
social)
de
segurança
alimentar/nutricional em uma perspectiva contra-hegemônica ao atual modelo
econômico, com sua vertente consumista. Daí porque entendemos que a pauta das
políticas públicas deve favorecer: (1) o fomento da agricultura de base familiar (ou
campesina) ecologicamente sustentável, inclusive livre de agrotóxicos; (2) a
multiplicação do comércio justo fundado na economia solidária; e (3) o
desenvolvimento de uma educação alimentar/nutricional desde que articulada a um
acesso ao consumo consciente e saudável.
Qualquer destas iniciativas seria impensável com base em uma abordagem
linear, evolutiva e integrativa da história. É imperativo, portanto, investir em modelos
97
críticos que, considerando a historicidade dos processos, subsidiem a superação do
malfadado progresso econômico, às custas da
desestabilização de
alimentares nos diferentes estratos ecológicos
e seus graves desfechos na
existência humana, nos planos individual, comunitário e planetário.
sistemas
98
5. VALORAÇÕES E JUÍZOS DE MÉRITO DO BOLSA FAMÍLIA NA PRÁXIS EM
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
O objetivo deste capítulo é discutir o preceito do investimento em capital
humano com vistas à superação da pobreza estrutural, conforme fundamento
enunciado no PBF. Na exploração desse tema fazemos remissão ao senso comum,
a ciência e a ideologia, tomadas como manifestações do esforço propriamente
humano de compreender, uma vez que cada um desses, a seu modo, conhece e
transmite concepções acerca da realidade. Por seu turno, ciência e senso comum
constituem espaços propícios para a expressão de diferentes ideologias em face da
aparente realidade do mundo vivido.
É questionado o PBF na aproximação interpretativa da crítica que o aponta
como incentivo à ociosidade e à acomodação, pois estaria induzindo à condição de
dependência do aporte mensal em dinheiro sem a contrapartida de trabalho. A
análise é pautada na percepção da realidade sensível configurada na implicação de
famílias, reconhecidas pobres, com direitos e interesses subjacentes à transferência
condicionada de renda, patrocinada pelo Estado.
Propugnando pela superação da concepção da realidade ao que ela parece
ser, questiona-se a premissa da autonomia sustentada das famílias em sua lógica
desenvolvimentista, com forte componente de biopoder (na acepção de Foucault)
em vistas da combinação de investimentos em práticas higienistas e de pedagogia
empreendedora.
São criticamente explorados os fundamentos ideológicos que apontam a
pessoa humana como um bem de capital – fundada no preceito do investimento em
capital humano para superação da pobreza estrutural, passível por isso de
investimento e controle estatal através de moldes e pacotes de serviços públicos
consignados na Constituição Federal como direito-dever.
Consideramos nesse esforço compreensivo que o Bolsa Família, sendo um
programa de transferência condicionada de renda focada na pobreza em curso por
mais de uma década, constitui uma realidade concreta de ações políticas,
motivações,
valores,
sentimentos,
crenças
e
atitudes.
Conhecer
tamanha
99
complexidade requer uma abordagem qualitativa da compreensão acerca do mérito
das contrapartidas impostas às famílias em saúde, educação e assistência social.
Movimento dessa natureza não pode negligenciar o conhecimento do senso comum
presente no sentimento de solidariedade e justiça social para com a superação da
crueza da miséria e sua incômoda realidade de privação e insegurança no âmbito da
alimentação e nutrição do sujeito humano.
5.1 Senso comum e ideologia na esteira do conhecimento científico
O senso comum e a ideologia não são propriamente ciência, posto ser o
primeiro conhecimento caracterizado pela falta de rigor lógico, nada especializado,
porque genérico, qualquer do povo, em geral, desconhece até mesmo quando o está
utilizando, ou como revela Gadamer (2008), o sentido que institui a comunidade; ao
passo que a ideologia, cujo papel na produção da história é inegável, traz como
critério distintivo seu caráter justificador de posições sociais vantajosas.
Gramsci (2005), embora considere o senso comum como algo difuso,
incoerente e limitado a uma compreensão superficial da realidade, atribui a ele uma
qualidade (essencialmente humana) de filosofia implícita de vida. O conhecimento
que pertence ao senso comum é nesse prisma tido como verdade, contudo, ao
lançar mão do rigor na pesquisa, do debate e da crítica de opiniões, a ciência
procura afastar-se do senso comum, embora, paradoxalmente, o cientista costuma
se apropriar de conceito originário do cotidiano até convertê-lo em científico,
acreditando assim romper com o senso comum (FRANCELIN, 2004).
Na realidade, o senso comum, uma vez apreendido de modo reflexivo é
capaz de produzir a sua própria transformação. Essa necessariamente passa pela
crítica do conhecimento tido como evidente porque recebido sem maiores
estranhamentos (PATY, 2003).
Do mesmo modo, o conhecimento do senso comum refere fenômenos
imediatos do cotidiano, compreensíveis por seu caráter aparente de certeza, o
mundo da falsa concreticidade ou da realidade reificada (KOSIK, 2002), permeada
de ideologia, visto que embora sustentada por um conjunto de ideias dirigidas à
100
elaboração e a sistematização de uma determinada compreensão da realidade, a
dissimula conforme os interesses de seu proponente (KIPNIZ, 2005), não raro
travestindo-a de cientificismo ou outras formas deturpadas de interpretação a
depender de quem dela faz parte.
No contexto pós-moderno da segunda ruptura epistemológica (BACHELARD,
2002; SANTOS, 2008), marcado pela reaproximação e interpenetração da ciência
com o senso comum (recusado na primeira ruptura), emergem novos campos
científicos, requerendo senso crítico mais aguçado para com as correntes
ideológicas do conhecimento, destacando-se a importância da aproximação de
abordagens qualitativas em pesquisa com o entendimento do senso comum.
O senso comum, a despeito de seu caráter difuso, impreciso e não rigoroso,
contém (admitindo-as como certas) uma diversidade de interpretações pré e quase
científicas acerca da realidade cotidiana (BERGER; LUCKMANN, 2009). Trata-se,
por conseguinte, de um saber fundado em experiências concretas. Nesse sentido é
um saber popular que está em estreita relação com as condições sociais variadas e
por isso serve como norma de conduta para regular (ou conservar) um modo de vida
socialmente aceito. Não obstante, muitos entendem que o senso comum com
requinte e disciplina passa a assumir status de ciência (MYRDAL, 1965; DEMO,
2009; SAVIANI, 2007).
Contudo, a ciência é antes de tudo uma questão de crença, e assim como o
senso comum, sua maior preocupação (digamos ideológica) tem sido buscar a
compreensão (e muitas vezes manutenção ou estabilização) da ordem do que está
posto, até como maneira de contribuir para a superação de dilemas da existência
humana e buscar a pacificação de conflitos sociais de diferentes ordens, lugar de
onde emerge o direito.
Acerca do saber comum, convém trazer à baila ensinamento de Paulo Freire
(1986, p. 34):
Não há para mim, na diferença e na distância entre a ingenuidade e a
criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos
procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação.
A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade
ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser
curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então (...) curiosidade
epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao
101
objeto, conota seus achados de maior exatidão. Na verdade, a curiosidade
ingênua que, ‘desarmada’, está associada ao saber do senso comum, é a
mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez
metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade
epistemológica. Muda de qualidade mas não de essência.
Para aquele designo educador pernambucano, uma posição que se pretenda
crítica não pode dicotomizar o saber do senso comum daquele científico – mais
sistemático, de maior exatidão –, mas, isto sim, buscar uma síntese dos contrários
(FREIRE, 2001), movimento esse marcadamente dialético. Entendendo aqui que tal
movimento tem de ir além do nível das aparências, instrumental-designativo na
linguagem, alcançando o nível hermenêutico das relações, no qual se desocultam os
juízos prévios condicionantes de toda interpretação (CUSTÓDIO, 2002).
Com efeito, sem a pretensão maliciosa de travestir ideologia – subjacente a
dimensão política do Bolsa Família – em ciência, ou negar o senso comum – no trato
do direito condicionado ao benefício em dinheiro, entendemos oportuno considerar
em primeiro plano que essas categorias são historicamente situadas.
A propósito, não há como fugir do caráter ideológico da ciência em nome de
uma hipotética neutralidade, porque, como discutido por Gramsci (2005), a ciência é
marcadamente ideológica, posto resultar do processo histórico, e não acima da
história. Nesse prisma seria insubsistente buscar promover uma contraposição rígida
entre ciência e ideologia, mesmo porque todo procedimento de investigação está
assentado em pressupostos teóricos e práticos, variáveis em razão de interesses
ideológicos em voga no ato de conhecer; tal premissa sustenta ser o fenômeno
humano irredutível a eventos objetivamente verificáveis, considera inexistir (ou ser
falsa) a neutralidade, ao tempo em que concebe a realidade como relativa por
representar conhecimento social construído por sucessivas aproximações às
perspectivas transformadoras ou de manutenção (SAVIANE, 2007; HABERMANS,
2009), sabendo-se que transformação muitas vezes representa um modo de
deslocar uma perspectiva no sentido da não mudança de uma relação de
dominação.
De certo, é inegável o potencial crítico inerente à interpretação da ideologia
subjacente a uma política pública, porque, conforme preleciona Thompson (2009),
102
no caso, trata-se de um movimento intelectual capaz de contribuir para o processo
de autoformação e autocompreensão, não necessariamente coincidente com o
senso comum presente no mundo social, podendo até mesmo provocar as pessoas
no sentido de perceberem as formas simbólicas diferentemente, e, por efeito,
verifiquem mudanças significativas em si mesmas.
O sentido daquilo que se apresenta à nossa interpretação, sob pena de nos
chegar mascarado ou deformado por uma ou outra ideologia, só se revela
verdadeiro ou real com mediação dirigida a descobrir o verdadeiro significado do que
não é aparente (GADAMER, 2008). Para tanto, é preciso interpretar a ideologia no
bojo de uma análise sócio-histórica das relações estruturadas de poder, discutindose o papel e a organização interna das formas simbólicas concebidas pelo poder
hegemônico e inscritas no senso comum.
A concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de
sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou obter o
consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer,
logrou converter-se em senso comum.
(SAVIANE, 2007, p. 2)
Nesse diapasão, o estudo da ideologia subjacente ao Bolsa Família exige uma
investigação do modo como o sentido (significado) é construído e usado pelas
formas simbólicas de vários tipos, desde os documentos oficiais que estruturam o
programa até as falas linguísticas de seus beneficiários, envolvendo ainda contextos
sociais e políticos dentro dos quais essas formas simbólicas são empregadas e
articuladas, notadamente para sustentar (e mesmo mascarar) relações de
dominação permeadas por interesses de mercado, ou, noutro sentido, subverter a
hegemonia presente nesse mesmo modo de produção capitalista.
Processo compreensivo dessa ordem pressupõe a consideração das
expressões de poder hegemônico e suas contestações, inclusive a dinâmica de
dominação neoliberal, bem como os vieses da dominação por trás das
representações de interesses que atribuem significado às coisas como verdade.
Mas a verdade não existe fora do poder ou sem ele, cada sociedade
desenvolve e sanciona modalidades de discursos verdadeiros e mecanismos
103
distintivos dos enunciados falsos, valorizando o modo de dizer o que deve funcionar
como verdade (FOUCAULT, 2008).
A “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que
o produzem (...), está submetida a uma constante incitação econômica e
política (...), é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas
dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (...),
enfim, é objeto de lutas “ideológicas”.
(FOUCAULT, 2008, p.13)
Aliás, coerente com a receita neoliberal que aponta para intervenções
focalizadas e compensatórias aos desequilíbrios concebidos pela economia de
mercado, as condicionalidades do Bolsa Família assumem forma de discriminação
positiva em favor da equidade na garantia de direitos universais básicos
(TREVISANI et al., 2012).
Contra o poder hegemônico expresso nas entrelinhas do Bolsa Família,
desafiando o senso comum e o conhecimento científico de inspiração positivista,
fascina o caminho rumo à emancipação social, assim como o pressuposto de que
existe toda uma ordem de interesses por trás do conhecimento, mas não aquele
linear e limitado à esfera da produção, convertendo interesse em ideologia, como
sustentado por Marx (2001), em um cenário no qual os conflitos de interesses são
reduzidos à luta de classes. Preferimos nesse campo interpretativo uma reflexão
fundada nos pressupostos teórico-conceituais da hermenêutica e da dialética.
5.2 Hermenêutica e dialética: convergências à realidade empírica do Bolsa
Família
A hermenêutica, ao tempo em que assume a missão de compreender
sentidos, constitui um pressuposto teórico-metodológico de interpretação dirigida a
entender formas e conteúdos da comunicação humana, sua complexidade e
simplicidade. Nesse passo, a hermenêutica deve equilibrar capacidade formal e
percepção política na medida em que cada coisa tocada pelo sujeito humano deixa
de ser tão somente dada e passa a representar referência histórica permeada de
sentido (DEMO, 2009).
104
Nessa indução criativa o cientista deve estar permanentemente preocupado
com o abuso do cientificismo e sua pretensão totalizante (MERLEAU-PONTY, 2006),
como também com a ideologização da verdade e seus propósitos marcadamente
políticos, tanto mais quando basicamente prescrevem medidas econômicas
supostamente para aplacar demandas sociais resultantes de desarranjos no sistema
econômico.
Na prática, os programas de transferência de renda condicionados e
focalizados na pobreza, desenvolvidos na America Latina a partir dos anos 1990
são, em seu conjunto, expressões de importantes transformações das políticas
sociais, razão pela qual devem ser compreendidos no contexto da crescente
reestruturação produtiva da economia norteada pela ideologia neoliberal, e, também
por isso, na contramão do processo histórico de luta pela universalização dos
direitos sociais, alimentando o pseudomoralismo da dependência, do desestímulo ao
trabalho e da obrigação do cumprimento de condicionalidades pelas famílias
carentes de recursos financeiros (SILVA, 2007).
Por força da abrangência centralizadora e da indefinição do tempo de duração
das políticas compensatórios de renda, Marques (2008) entende que programas
dessa natureza, tal como o Bolsa Família, negam qualquer exercício emancipatório e
ainda se constituem como espécie de política de institucionalização da mendicância.
Ademais, o paternalismo estatal manifesto em seu discurso de compensar a pobreza
tende a, sutilmente, induzir no beneficiário a adoção de um caráter deformado de
conduta, investindo-se na conveniente condição de dependente.
Os meios de comunicação social têm pautado com muita frequência o caráter
assistencialista, eleitoreiro e de ócio remunerado das políticas de transferência de
renda. Nesse passo, Castro et. al. (2009) revelam que na ótica do senso comum a
transferência de recursos traz em si efeitos deletérios na inserção ao mercado de
trabalho, acomodação e toda sorte de subterfúgios com o fim de perpetuar o
benefício em dinheiro, ainda que para isso seja preciso gerar mais filhos. Além disso,
o noticiário de fraudes relativas à inclusão de quem não preenche os critérios
comprovariam uma percepção (identificada como senso comum) de facilidades para
desviar o dinheiro do programa em desfavor daqueles que mais precisam (CASTRO
et. al., 2009).
105
Por outro lado, discutir os meandros compreensivos das proposições do Bolsa
Família desde seu entendimento como política/programa, e suas controvérsias e
convergências com os fatos narrados pelos sujeitos nele implicados, pode envolver
propósitos bem interessantes, a exemplo de buscar o sentido e o alcance de tais ou
quais proposições (linguagem normativa) e fatos (percebidos, comunicados e
expressos na linguagem de agentes sociais) no contexto do Direito Humano à
Alimentação
Adequada,
destacando
a
idealizada
condição
de
segurança
alimentar/nutricional como elemento nuclear de uma política pública compensatória
com vistas a alcançar a emancipação sustentada das famílias, e não apenas
proporcionar o mínimo existencial que o dinheiro pode comprar.
Porém, enunciar o Bolsa Família como uma política pública meramente
compensatória aos efeitos da pobreza é, sobretudo, assumi-lo nesse sentido como
proposição verdadeira, em que pese os dissensos nesse campo interpretativo
baseados nos fatos e acontecimentos a eles relacionados.
Na alegoria da caverna, Platão (2006) nos impulsiona a refletir sobre o dilema
da condição humana: o homem preso a uma caverna desde o nascimento, na qual
ele, desconhecendo a origem da luz que vem de trás, só vê, inerte, sombras
projetadas na parede a sua frente (domínio das coisas sensíveis). Na sequencia, ao
conseguir olhar em outras direções e se permitir desvencilhar das amarras que o
prendem na caverna passa a enxergar um mundo novo, diversamente iluminado
(domínio das ideias), cujas imagens têm outras cores e sentidos. Transitaria então
do conhecimento do senso comum como visão de mundo até a explicação da
realidade através do conhecimento filosófico, superando sua ignorância quase cega.
Kafka (2009), dando azo a diversas interpretações, não raro controversas,
incursiona por aspectos da natureza humana e da crueza da sociedade, desvelando
o desespero do indivíduo ante o absurdo da existência, como se vê em seu conto “O
artista da fome”, no qual é explorado, com rara sutileza, o descontentamento do
homem consigo mesmo ante o espetáculo da sobrevivência física e social. Trata-se,
em nosso entendimento, de uma alegoria da correlação de forças que tensiona à
emancipação do homem na sociedade, o que nos remete a uma reflexão da
condição de existência do sujeito relacionado ao Bolsa Família por critério de
pobreza material.
106
Na ficção kafkiana tem-se o fastio existencial de um jejuador que, embora
insatisfeito, assume essa condição em uma dada circunstância de sua vida. A
decisão de passar fome, assim, é parte espontânea da luta para ser socialmente
reconhecido, situação essa absolutamente contraposta à realidade daqueles
beneficiários do Bolsa Família, cuja sociedade, personificada no Estado, resolveu
assegurar (por entender dever moral) meios materiais para malferir o problema da
fome, de modo que não passar fome em um contexto de vulnerabilidade econômica
assume então uma condição justificadora de reconhecimento social, sem luta, em
um sistema gerador de indisfarçável satisfação dos beneficiários de transferência
compensatória de renda (um direito público subjetivo) porque materialmente pobres.
Lavergne (2012) identifica no Bolsa Família uma nova modalidade de jogo de
poder, cujas condicionalidades funcionam estrategicamente para conduzir (ou
motivar) a conduta humana em um contexto de necessidade e desejo de consumir.
Nesse prisma, para o mesmo autor, a escola, o posto de saúde e o centro de
assistência social operam, via mecanismos de controle aos beneficiários, na fixação
dos membros da família e induzem formas de subjetivação em harmonia com o
universo simbólico, essencialmente político, que interessa aos detentores do poder.
Embora considere que alguns comem por causa do Bolsa Família, o
sociólogo Francisco de Oliveira, qualifica esse programa como assistencialista,
focado na carência, assentado na irrelevância da política, apontando uma sutil
identificação daquela iniciativa com a premissa do biopoder em Foucault,
materializada em uma espécie de controle sobre os corpos dos miseráveis: uma
espécie de regressão no desenho das políticas públicas (SILVA; CARIELLO, 2006).
Silva (2007), ao tempo em que reconhece entender a exigência das
condicionalidades do Bolsa Família com o fito de potencializar impactos positivos na
autonomização das famílias atendidas, aponta, dentre outros problemas, a realidade
objetiva da inoperância dos municípios brasileiros em matéria de oferta de serviços
sociais básicos, a exemplo de educação, para esse mesmo coletivo. Nesse contexto
de exclusão, aquela autora sugere que, ao invés das famílias carentes, as
condicionalidades deveriam ser exigidas dos gestores públicos no sentido de
proporcionar expansão e melhoria da qualidade das ações em saúde, educação e
trabalho.
107
Lavergne (2012), com amparo na sobredita racionalidade biopolítica de
Foucault, lembra a perspectiva disciplinar e higienista das condicionalidades do
Bolsa Família, dirigidas a intervir no núcleo familiar para prevenção dos riscos de
anormalidades ou degenerescências sociais, notadamente da marginalidade
socioeconômica. Dessa forma, o ideário de futuro saudável, sustentável e
responsável, não prescinde de preocupações de ordem gerencial, inclusive da
limitação dos gastos governamentais em educação.
Ao conceder subsídios mínimos para satisfazer o desejo de consumir e,
assim, manter os seus beneficiários no jogo do mercado, o Programa Bolsa
Família induz a ideia de que, a quem tiver coragem e vontade de
empreendimento, ainda permanece a possibilidade de mudar o curso do
seu destino.
(LAVERGNE, 2012, p.340)
A categoria emancipação social (Freire, 2008; Santos 2010) nos parece
apropriada para entender a construção de identidades discursivas junto àqueles que
renunciaram ao dinheiro do Bolsa Família, importando também para compreensão
dos sentidos que revelariam um nascente empoderamento, ou mesmo um
desvencilhar do cárcere da falsa consciência; talvez uma sutil libertação, nos moldes
propostos por Dostoiéviski (2003) no romance “Crime e castigo”, rumo a uma nova
realidade, ignorada até então, constituindo-se daí o começo de uma história de
progressiva renovação de um homem, transitando de um mundo para outro.
A proposição, expressão da linguagem, mostra as condições de uma verdade
(WITTGENSTEIN, 1999), e é justamente no campo da linguagem – e em função da
palavra – que o sujeito como tal se constitui. Para interpretá-la (buscar o sentido da
linguagem) cabe um olhar reflexivo ancorado na hermenêutica, para onde converge,
em primeiro plano, a realidade percebida pelos beneficiários do Bolsa Família.
Em uma investigação qualitativa acerca de percepções sobre o Bolsa Família,
Castro et. al. (2009) revelaram uma interessante diferença entre os que conhecem
beneficiários e aqueles que os desconhecem; os primeiros, mesmo conhecendo
dificuldades operacionais do programa, expressaram-se de modo tanto mais positivo
quanto a adequação de seus resultados e foram mais ponderados nas críticas.
Cumpre observarmos, entretanto, que no universo empírico que subjaz uma
108
política compensatória de renda, como de resto em qualquer outra realidade coletiva
vivida, ao se fazer o uso da palavra numa determinada situação discursiva, o
indivíduo, como parte de um grupo social, ocupa a palavra, porém, essa não lhe
pertence, porque já contém uma expressividade que vem, não raro, do senso
comum.
Relativo à mencionada fala do sujeito comum implicado com o interesse
público, a abordagem qualitativa intenta desvelar dimensões interpretativas da
realidade percebida no plano de seu pensamento, e nessa condição, realidade
essencialmente humana, constituída por aquilo pelo qual o ser se desvela como
mundo (SARTRE, 2005), em suas possibilidades de existência histórica,
notadamente, em tudo que entende ser verdade.
De acordo com Pareyson (2005), o adequado conhecimento da verdade pode
ser reduzido na interpretação. Nela a pessoa funciona como instrumento de
organização e antena captadora, como faro revelador e meio de penetração da
linguagem. Em tal sentido, a interpretação não acrescenta à verdade nada de
estranho e nada que não lhe pertença, já que a sua tarefa consiste precisamente no
revelá-la, no possuí-la.
Assim, embora conscientes, como adverte Demo (2009), de que a prática
científica realiza-se somente através de uma visão historicamente possível da
realidade (e não a sua verdadeira interpretação), importa o pensar reflexivo acerca
da realidade empírica do Bolsa Família a partir dos discursos de sujeitos envolvidos,
valorando suas marcas de tradição, cultura e conjuntura, na ótica (hermenêutica) de
um saber compartilhado com o intérprete no processo dialógico da investigação.
Na perspectiva do bem viver, da plenitude da cidadania como pressuposto de
uma vida saudável, conhecer cientificamente uma dada realidade social requer
estudar as suas dimensões qualitativas. Nesse horizonte, como parte de um esforço
hermenêutico, deve-se almejar, dentre outros propósitos, a apreensão de
representações simbólicas do movimento da realidade percebida, pauta essa
circunscrita dentre os mais relevantes interesses da pesquisa qualitativa em saúde,
cujos pontos de vista dos atores sociais, conforme observa Camargo Jr. e Bosi
(2011) são valorados na busca da compreensão dos complexos processos
109
subjetivos e simbólicos subjacentes aos desfechos, ditos objetiváveis, mas não
reduzíveis à simples mensuração. Nada obstante, o estatuto científico do enfoque
qualitativo no âmbito da saúde coletiva enfrenta desafios para sua plena afirmação
junto aos vários domínios do campo científico (BOSI, 2012).
5.3 Práxis em alimentação e nutrição no contexto da transferência de renda
para demanda por comida
Muitas são as evidências de que o bem viver requer uma relação harmoniosa
homem/alimento. Comer é, sobretudo, ato indispensável à existência humana, que
corresponde, também, a uma forma de realizar a vida em sociedade, um jeito de
viver no contexto da práxis em Alimentação e Nutrição. Nesse ambiente de
significados, funções e relações, as possibilidades de interpretação do mundo vivido
devem envolver a singularidade da percepção humana sobre o lugar da comida em
nosso universo simbólico.
Com efeito, ao situarmos o alimento no mundo social, é forçoso reconhecê-lo
como carregado de significados, assumindo a comida a qualidade de mediadora de
relações e de funções muito além dos processos fisiológicos, afirmando nesses
termos sua importância para o bem viver do indivíduo humano (BOSI, 2011).
Os significados do que e porque comemos constam na trama complexa das
relações sociais e econômicas; contudo, no modo de produção capitalista, poucos
dispõem de terra e insumos agrícolas para vivenciar a recompensa de colher e
comer o que plantou, justificando o prazer e outras significações sensíveis no
saborear o produto que brota do campo. À maioria, concentrada nos núcleos
urbanos, resta a alternativa de reproduzir a força de trabalho perante a economia de
mercado para ter acesso à comida enquanto bem de consumo. No Brasil.
determinados segmentos, desde que reconhecidamente pobres, podem ainda, ter
possibilidade de acesso a uma renda mínima, providenciada pelo governo.
Analisando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada
no Brasil no início dos anos 2000, Segall-Correa et al. (2008) revelam que o fato de
as famílias beneficiárias da transferência de renda residirem em meio rural favorece
a realização da condição de segurança alimentar, o que contrasta com a situação
110
em
áreas
urbanas
metropolitanas,
ainda
que
estas
ultimas
recebam
proporcionalmente mais dinheiro. A provável explicação desse acontecimento,
segundo os mesmos autores, estaria relacionada aos reduzidos gastos das famílias
do campo com itens de vestuário, transporte, e, devido à produção agrícola local.
Por alusão ao sertanejo em sua culinária da fome (como parte da luta
cotidiana de convivência com o semiárido) e da novidade do dinheiro transferido
pelo governo a título de política compensatória aos efeitos estruturais da pobreza
que flagela as famílias do meio rural, Almeida (2012, p. 3) conclui:
O dinheiro dos planos sociais não resolve, pois não poupa a capivara, nem
o mocó. É destinado à inclusão dos excluídos dos bens de consumo, é para
dar crédito, permitir que comprem a prestações nas lojas da cidade, a
geladeira, a tão sonhada televisão, a antena parabólica e o sofá.
Nesses termos, para o homem do sertão, em meio à diversidade dos recursos
naturais e à riqueza de sua cultura alimentar, mesmo face às dificuldades impostas
pela própria natureza e à influência nefasta da economia de mercado, parece não
fazer muito sentido o pressuposto de partida do então Projeto Fome Zero9 de que a
insuficiência da renda é fator limitante do consumo de alimentos em quantidade
adequada (BRASIL, 2001). No caso, a dialética que permeia a troca entre campo e
cidade, mediada pelo dinheiro, impõe novos modos de perceber o mundo em
sociedade; sem muita resistência, o universo simbólico rural da comida vai perdendo
espaço para a noção urbana de consumo.
Adicionalmente, as mudanças climáticas e econômicas verificadas na história
recente do planeta ocasionam graves riscos à segurança alimentar/nutricional dos
países em desenvolvimento, como o Brasil, afetando sobremaneira o pequeno
agricultor por força de dificuldades de conciliar as demandas do mercado de
alimentação com os complexos processos de conservação e uso sustentável dos
recursos ambientais, já combalidos pelas dramáticas variações de temperatura e
umidade.
9
Proposto pelo Instituto Cidadania (ligado ao Partido dos Trabalhadores) e transformado em
programa do governo Lula (janeiro de 2003), a partir do qual nasceu (após nove meses de gestação),
o
o PBF, através de Medida Provisória (n 132/2003), convertida na sequencia (três meses depois) em
o
Lei (n 10.836/2004).
111
5.4 O lugar das condicionalidades: oposição ou situação em face da política de
direitos humanos sociais
Beccaria (2002) adverte que, em coletivos humanos, pode-se observar a
tendência contínua de concentrar privilégios, poder e felicidade em um menor
número de indivíduos, e deixar à maioria miséria e fraqueza. O mesmo autor
sustenta ser somente possível impedir abusos dessa natureza com base em valores
que apontem para a premissa de que as vantagens produzidas pela sociedade
devem ser distribuídas equitativamente entre os seus membros, sendo a miséria e a
debilidade socializadas com a mesma equidade.
Distribuição equitativa essa que evoca a concepção de igualdade entre os
homens, brilhantemente satirizada na fabulosa paródia orwelliana ("A revolução dos
bichos", de 1945), onde a recém-fundada República dos Animais declarava, no
caput do seu primeiro artigo, que “todos os bichos são iguais”, para em seguida
ressalvar, em parágrafo único, que “alguns bichos são mais iguais do que os outros”
(ORWELL, 2007, p. 106).
Embora atual, o ideal de igualdade junto à invocação do propósito de realizar o
justo remonta ao direto romano, onde a justiça passou a significar igualdade perante
a lei, preceito logo incorporado ao ideário político-constitucional do Estado de direito
moderno (VASCONCELOS, 2006).
No mundo contemporâneo, com a passagem do dever estrito e das obrigações
para a seara da reivindicação de direitos e garantias, o poder e a lei passaram a ser
representados como emanação da própria sociedade, donde nascem, em
conjunturas de desigualdade e correlação de poder, os direitos públicos subjetivos
ou direitos sociais, a exemplo do direito à alimentação conjugado à finalidade de
segurança alimentar/nutricional.
Existe, no entanto, uma oposição dialética (GRAMSCI, 1978) entre a
concepção
de
segurança
alimentar/nutricional,
enquanto
condição
humana
amparada na esfera do direito incondicional de cidadania, e as condicionalidades
sociais impostas como contrapartidas positivas. No caso do PBF, devem os
112
beneficiários buscar junto à rede de serviços públicos, quando for o caso, (1)
assistência pré-natal e ao puerpério, (2) vacinação das crianças de acordo com o
cronograma das autoridades sanitárias, (3) atividades educativas de promoção da
alimentação saudável (a partir do aleitamento materno), (4) ações de vigilância
alimentar e nutricional (aos menores de 7 anos) e (2)
matricula e garantia da
frequência escolar mínima de 75% (6 a 15 anos) (BRASIL, 2005a).
Muito embora reconhecendo o mérito da transferência direta de renda às
famílias de baixo poder aquisitivo, concretizada na Bolsa Família, como uma
compensação
aos
efeitos
imediatos
das
limitações
socioeconômicas
que
comprometem o bem viver, como também, sem desconhecer que tal solução, como
regra, não prima pela permanência, vários autores (MONNERAT et al., 2007; SILVA,
2007; BURLANDY, 2007) propugnam pelo acerto da prestação continuada desse
benefício em dinheiro vinculada ao acesso aos serviços públicos, materializando a
sobredita contrapartida positiva. Mas afinal de que relações sociais implicadas com a
condição humana tratam as políticas limitadas a compensar a pobreza material com
distribuição condicionada de dinheiro? Quais dimensões simbólicas e subjetivas são
trabalhadas, e em que perspectiva de devir histórico o Estado e o mercado projetam
o bem viver?
A lógica dialética que sustenta a exigência de contrapartidas nos programas
sociais pode também ser identificada no argumento contratualista, em favor de uma
ordem social mais justa, articulando direito e obrigação, com o estabelecimento de
sanções que podem culminar com o desligamento das famílias do programa.
Ressalte-se que a teor do ordenamento jurídico brasileiro qualquer acordo de
vontades, desde que capaz de criar, modificar ou extinguir direitos (como
expressamente previsto no regulamento do PBF, de livre adesão), vincula
juridicamente as partes.
Duramente criticado como incentivo à ociosidade, uma vez que, mediante
discursos que procuram desqualificá-lo por “remunerar” independente do exercício
de trabalho produtivo, cumpre, nessa linha argumentativa, indagar: Qual a porta de
saída do PBF (na direção da emancipação sustendada das famílias)?
113
5.5 Condicionalidades e a perspectiva do investimento social em capital
humano
No PBF, um dos objetivos básicos é estimular a emancipação sustentada das
famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, como também promover o
acesso permanente à rede de serviços públicos enquanto condição para o repasse
mensal de dinheiro ao grupo familiar. Nessa lógica, têm-se os programas ditos
remanescentes (Bolsa Escola, Vale Gás e Bolsa Alimentação), isto é, aqueles de
transferência de renda, cujos procedimentos de gestão e execução foram unificados
na Bolsa Família (BRASIL, 2005a).
No regulamento do Bolsa Família, de aplicação nacional, o governo federal
conceitua as exigências a serem cumpridas pelas famílias para que possam ser
beneficiadas com uma renda mensal, nos seguintes termos:
As condicionalidades são contrapartidas sociais que devem ser cumpridas
pelo núcleo familiar para que possa receber o benefício mensal.
(BRASIL, 2005a)
Relativo à educação, a teor da mesma norma disciplinadora, as famílias com
crianças e adolescentes de 6 a 15 anos de idade se obrigam a mantê-los na escola
com no mínimo 85% de assiduidade verificada por apuração mensal da frequência
escolar, consolidada bimestralmente, como também cumpre ao responsável legal
pela família informar à escola, de imediato, a justificativa para eventual
impossibilidade de comparecimento do aluno à aula e até mesmo a transferência
deste para outra escola (BRASIL, 2005a).
Para famílias beneficiárias que tenham em sua composição gestantes, nutrizes
ou crianças menores de sete anos se impõe a obrigação do cumprimento da agenda
de nutrição como condição indispensável à continuidade da transferência mensal de
renda, constituindo condicionalidades: (1) participar de atividades educativas de
incentivo ao aleitamento materno e outras de promoção da alimentação saudável,
(2) levar a criança ao serviço público de saúde para, entre outras ações
preconizadas pelas autoridades do setor, ser submetida ao acompanhamento do
estado nutricional e do desenvolvimento (BRASIL, 2005a).
114
No entanto, a partir do entendimento de que a cobertura dos elegíveis de
políticas compensatórias de renda é um direito social, o que, grosso modo, implicaria
caráter incondicional, tem sido objeto de recorrentes polêmicas a legitimidade da
exigência coercitiva de contrapartidas dos beneficiários do Bolsa Família, ou mais
especificamente, discute-se o quão legítimo é (ou não) condicionar a correspondente
transferência de dinheiro a obrigações (por responsabilidade legal) de assiduidade
escolar até a idade adolescente, ainda quando tais contrapartidas não são
suportadas a segmentos outros beneficiários de diferentes auxílios.
Assim, o Bolsa Família mais do que proporcionar um equivalente monetário ao
beneficiário, decidiria por ele (CRUZ; PESSALI, 2011), em outras palavras, não
restaria à família envolvida outra possibilidade razoável que não cumprir as
condicionalidades.
Nesse contexto de permanente disputa, o Bolsa Família consiste, dentre outros
componentes subjetivos, de protagonistas capazes de receber, produzir e
compreender as formas simbólicas enquanto parte integrante de sua vida cotidiana,
seu modo de ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2001), tornando inseparáveis as noções
de mundo e realidade humana (SARTRE, 2009). Em face desse cenário de
interpretação, aquele programa de governo deve ser entendido na tessitura de
relações intersubjetivas e da apreensão de fenômenos do cotidiano, constituindo
assim um campo objetivo permeado, sobretudo, de ideologia.
No modo de produção pautado na economia de mercado sobrevive uma
sociedade com foco na acumulação capitalista e nas possibilidades de consumo,
prevalece então uma cultura da mais-valia, da esperteza, identificada como a Lei de
Gérson: “o importante é levar vantagem em tudo”. Trata-se de uma norma
consagrada pelo costume, legitimada por um discutível senso comum, e mesmo
referenciada como “jeitinho brasileiro”, enfim, uma demonstração inequívoca da
brutalidade do espírito humano.
Nesse diapasão, a honestidade é um valor ignorado ou tido como atributo de
pessoa boba ou ingênua, tal qual frequentemente acontece com aqueles que
devolvem o cartão do Bolsa Família, renunciando ao benefício em dinheiro por
entender que o programa já cumpriu seu papel de contribuir para a autonomia
115
sustentada de sua família. O que, como no caso, poderia ser entendido como uma
lição pública de cidadania, não raro se desdobra em chacota, com pessoas
passando a debochar e tratar aquela família com desdém, uma verdadeira barbárie.
Fatos desta natureza evidenciam a importância da investigação qualitativa
dirigida à compreensão do universo empírico do Bolsa Família, oportunizando
reflexões e a interpretação de significados da experiência humana em meio ao
horizonte de expectativas, respostas, consciência histórica e implicações políticas
das famílias envolvidas, motivadas em grande parte por promessas oficiais de
redenção social.
Cumpre lembrar, como mencionado anteriormente, que no Estado de Direito o
propósito de proteção social requer políticas públicas para minimizar as históricas
desigualdades estruturais do modelo econômico, socializando o acesso a serviços
de qualidade nas áreas de educação, saúde e assistência social e quiçá, favorecer a
sustentabilidade, inclusive a necessária distribuição de benefícios sociais.
Na busca de expandir a lógica do mercado até domínios antes tidos como não
econômicos, a racionalidade neoliberal constituiu, a partir da década de 1960, a
concepção de capital humano. A hipótese proposta por Schultz (1961) é de que o
investimento na melhoria das capacidades das pessoas como produtores e
consumidores
constitui o fator básico para a redução da desigualdade na
distribuição de renda e para o desenvolvimento econômico de uma nação.
No Brasil, a partir da década de 1970, alguns consagrados economistas
(LANGONI, 1973; BARROS; CAMARGO, 1993) passaram atrair políticos da
esquerda e da direita ao sustentarem, através de modelos matemáticos, o papel da
educação na gênese do fenômeno da desigualdade na distribuição de renda. Dessa
forma foi propagada uma equação que aponta a relação direta entre a renda de
cada individuo e as diferenças quanto as suas habilidades e capacidades, refletidas
na qualificação para o trabalho, renda familiar, e, por extensão, na economia
nacional. Assim, deve-se investir na educação, na perspectiva de maximizar as
possibilidades futuras de qualidade de vida, conforme a lógica do modo de produção
e consumo da economia capitalista (SCHEINKMAN, 2002; BARROS; HENRIQUES;
MENDONÇA, 2000).
116
Scheinkman et al. (2002) enfatizam que as gerações mais velhas, com menos
educação, sofrem nos primeiros anos uma redução relativa de sua renda em
comparação com as geração de seus filhos, com mais tempo de escolaridade,
aprofundando assim a desigualdade de renda entre gerações que coexistem no
mercado de trabalho. No médio prazo, entretanto, uma vez se completando a
transição no mercado de trabalho entre a velha e a nova geração, a desigualdade de
renda tende a diminuir. Os mesmos autores afirmam que há evidencias empíricas de
que educar os mais velhos impacta pouco no seu ganho salarial, por outro lado,
investimentos em educação de crianças e jovens refletem fortemente no aumento
futuro do salário, mas apenas quando da inserção dessa nova geração no mercado
de trabalho (Op. cit, p. 20).
Noutras palavras, o desenvolvimento de capacidades humanas a partir de
boas condições de educação (aumenta a produtividade), pressupondo também o
cuidado em saúde/nutrição (corpos sadios potencializam o investimento em
educação), de modo a promover o trabalho produtivo. Uma espécie de cultura
empreendedora (forjada na educação formal) com atributo de investimento futuro de
capital. Afinal, como prescreve o senso comum: “É preciso estudar para ser alguém
na vida”.
Para além da educação formal, o sentido de capital humano agrega virtudes
pessoais, competências não necessariamente atribuídas à aprendizagem sistêmica,
atitudes e inclinações sociomotivacionais. A mensuração de seu valor (como
proposta em meados do século XX), mediante ganhos e salários já não faz muito
sentido (BOURDIEU, 2011).
Todavia, a concepção instrumental do homem como fonte potencial de capital
estabelece uma relação de poder sobre um corpo, disciplinando e regulando a
conduta humana, sem negligenciar as práticas higienistas e o cuidado com a saúde,
na perspectiva de fomentar a acumulação de competências e habilidades de
interesse para produção de sua renda, e consequente capacidade para o consumo
(BECKER, 1962; FOUCAULT, 2008).
Prescrevendo uma necessária parceria entre a família e o Estado, a cartilha
neoliberal destaca o propósito moral de reduzir as vulnerabilidades sociais,
117
garantindo inclusive um crescimento infantil adequado mediado por uma alimentação
saudável na idade pré-escolar e a gestão do risco da repetência, do fracasso e da
evasão escolar.
Para tal lógica desenvolvimentista, a transferência condicionada de renda
opera essencialmente no sentido de dirigir e conformar um processo claramente
implicados com a gestão da vida das pessoas, em especial de mulheres-mães e de
suas crianças, gerando e acumulando capital humano desde os primeiros anos e
com validade definida até a velhice (FOUCAULT, 2008; KLEIN; DAL'IGNA, 2012;
SCHULTZ, 1961).
Sabe-se que povos que vivem em algum lugar afastado do modelo de
organização da sociedade contemporânea, desconhecem pobreza e riqueza, tal
como materializadas no sistema capitalista de produção e consumo. Tudo o que
aqueles grupos humanos são capazes de produzir, conforme seu modo de vida são,
em geral, socializados sem restrições (STOTZ, 2005).
Cruz e Pessali (2011), com base em uma teoria microeconômica descritiva
pautada na compreensão do comportamento do indivíduo, acreditam que o Bolsa
Família tende, no longo prazo, a avançar com mecanismos eficazes para estímulo da
independência dos beneficiários para com a transferência de renda.
Contudo, modelos baseados na econometria (técnica de avaliação econômica
apoiada na análise matemática), ou mesmo na antropometria (técnica de avaliação
nutricional fundamentada em parâmetros estatísticos) – como de resto qualquer outro
conjunto de ferramentas baseado em parâmetros objetivos com abrigo na precisão
numérica – são verdadeiramente limitados para avaliar a (complexidade da) condição
de pobreza e insegurança alimentar/nutricional.
Diversos estudos suscitam questões no âmbito de uma abordagem
instrumental do desenvolvimento econômico por indução de políticas sociais. Muito
se
discute
acerca
da
real
ou
verdadeira
motivação
da
exigência
de
condicionalidades em face do preceito da emancipação – ao menos na acepção
econômica – do cidadão lastrado por seu acervo de capital social, na direção de
superação
da
condição
de
dependente
da
transferência
de
renda
118
(KERSTENETZKY, 2009; SENNA et al., 2007; SILVA, 2007; OLIVEIRA, 2006;
CASTRO, 2009).
No Brasil, o economista José Márcio Camargo
propugna que
as
condicionalidades, enquanto investimentos sociais, representariam o diferencial do
Bolsa Família, superando a índole assistencialista quando comparado àqueles
programas restritos à transferência de renda (ARPON, 2004). O fundamento aqui
estaria relacionado à assertiva de que o baixo nível de capital humano limita a
ascensão socioeconômica das famílias pobres.
Todavia, é bastante controverso o debate acerca do potencial atribuído, no
longo prazo, às políticas compensatórias de renda para a ruptura do ciclo vicioso da
pobreza. A polêmica maior reside na discussão da “porta de saída” da situação de
beneficiário, questão essa sobremodo desafiante no âmbito científico (CASTRO et
al, 2009).
O objetivo do Bolsa Família é investir no futuro. Sendo respeitadas as
condicionalidades, educação e saúde, o programa cria condições para que
a próxima geração tenha mais capital humano que a de seus pais, seja mais
produtiva e, portanto, consiga empregos de maior qualidade, com melhores
salários, saindo definitivamente da condição de pobreza.
(CAMARGO, 2008, p. 17)
Na versão de Camargo (2008), portanto, o programa busca alcançar a
equidade e a qualidade no acesso à educação em articulação com a realização das
condicionalidades, compensando os mais pobres com uma renda mínima, através
do patrocínio de uma relação do tipo custo-benefício para motivar os pais a manter
seus filhos no sistema escolar, catalisando a geração de crescimento sustentado de
longo prazo.
Cumpre observar que há um sensível problema na perspectiva instrumental da
(condicionalidade em) educação para melhorar a oferta de mão de obra qualificada
com vistas à ascensão social e econômica, vale dizer, o absurdo de considerar o
homem primordialmente como elemento ou coisa destinada a operar tecnologias
cada vez mais dependentes da especialização do trabalho.
É cediço o incômodo e o desconforto manifestado no senso comum quando da
denuncia do viés de acomodação eventualmente presente no comportamento dos
119
beneficiários do dinheiro do Bolsa Família, tudo porque a não exigência de
contrapartida de trabalho, seria, conforme o comum dos homens, uma premiação ao
ócio com requinte de desestímulo a saída da condição de dependente.
120
6. METODOLOGIA
Uma crítica bem sucedida é a que explica os fenômenos sob investigação
com mais sucesso do que as teorias aceitas até o momento. E ao fazer isto,
ela deve desafiar pressupostos que até o momento tinham sido aceitos
acriticamente.
(Habermas)
6.1 Pressupostos teóricos e metodológicos
Tratando-se de um estudo fundamentado na tradição hermenêutica, na
sequencia, procuramos recuperar alguns elementos referentes a essa vertente
filosófica e base para a análise compreensiva empreendida nessa tese. Mas antes
entendemos pertinente descrever a triangulação de métodos empreendida ao longo
do processo de análise das informações qualitativas.
6.1.1 Triangulação de métodos: arte e ciência
Partindo do princípio de que nenhum método de produção e análise de
informações/dados se esgota em si mesmo, resolvemos combinar diferentes destes,
processo esse reiteradamente recomendado por Minayo (2010) e Flick (2009), sob a
égide de triangulação, abordagem útil para aprofundar o conhecimento obtido
através de métodos qualitativos.
A triangulação de métodos nesse trabalho (Figura 1) é parte de nosso firme
propósito de aprimorar a análise das observações empíricas em conjunto
informações quantitativas e qualitativas apreendidas nos documentos consultados,
integrando-as, conferindo validade interna aos achados da própria pesquisa. Nesse
ínterim, Cellard (2010, p. 421) aponta que a validade reside, essencialmente, na
“exatidão e pertinência da ligação estabelecida entre as observações empíricas e
sua interpretação”, valorando o sentido como lugar central na análise dos
fenômenos humanos.
Porém, a análise de informações qualitativas não deve ser ingênua a ponto de
eleger a pretensão de empregar um enfoque “correto” ou selecionar a técnica (ou
121
conjunto delas) “apropriada”. Diante da complexidade e das limitações da própria
compreensão, tal labor científico requer competência e rigor intelectual, bem como
um relativo conhecimento epistemológico e metodológico, abertura ao diálogo
acadêmico (COFFEY; ATKINSON, 2003), e, em especial, à criatividade e à
reflexividade. Movimento do pensamento por tal sentido compreensivo passa pela
ousadia de combinar, com rigor, aprendizado científico e o desenvolvimento de
múltiplas dimensões de análise (artística, intuitiva, dialógica, etc.), mas que não se
coaduna com “aventuras” (BOSI, 2007) ou apegos ideológicos.
Figura 1 - Espirais de bases de dados inter-relacionadas por triangulação de métodos
Diante da diversidade de dimensões analíticas – assumindo uma postura que
buscou articular reflexividade e dialética – optou-se nesse trabalho pelo uso da
triangulação
de
interdisciplinar.
métodos
Para
na
tanto,
perspectiva
nosso
de
uma
empreendimento
estratégia
analítico
de
diálogo
valorou
o
entrelaçamento entre o discurso sobre o PBF e seus desdobramentos no contexto
envolvido, considerando com primazia o ponto de vista dos beneficiários em
contraste com a linguagem técnica dos documentos oficiais, especialmente normas
jurídicas e administrativas, agregando-se na discussão uma diversidade de
formulações teóricas sobre os temas destacados.
Por tal enfoque metodológico partimos da consideração de que são tensas e
122
complexas as relações entre o informalismo da linguagem comum e o formalismo da
linguagem técnica, especialmente a jurídico-estatal, sobretudo porque essa última
tem o condão de criar uma atmosfera de oficialidade e, por coseguinte, se reveste de
uma função instrumental na retórica institucional e casuística dos agentes políticos
(SANTOS, 2006), não raro estranhas ou distanciadas dos anseios populares, a
exemplo da vontade comumente manifesta no discurso dos beneficiários de uma
política compensatória de renda.
Cumpre assinalar, portanto, que por tal emprego da triangulação de métodos
– atento à advertência de Coffey e Atkinson, (2003) – não se buscou a acumulação
de estratégias analíticas distintas (análise documental + entrevista dialógica) com o
fito de elaborar uma imagem coerente e completa da realidade empírica estudada,
mas, isto sim, explorar facetas distintas dos nossos dados, especialmente em face
da complexidade neles presentes conforme a nossa própria compreensão, construir
versões de mundo coerente com a realidade estudada, e, nesse sentido, uma forma
de arte.
Igualmente es importante saber que la combinación de diferentes técnicas
de investigación no reduce la complejidad de nuestra comprensión. Mientras
más examinamos nuestros datos desde puntos de vista diferentes, más
podemos revelar - – o em realidad construir –, acerca de su complejidad
(COFFEY; ATKINSON, 2003, p. 17).
Sobre arte e ciência, pode-se traçar um paralelo entre fins e meios distintivos
dos domínios de atuação de artistas e cientistas, conforme representados em
notável síntese pelo físico e historiador alemão Thomas Kuhn.
O cientista, à semelhança do artista, é orientado por considerações
estéticas e guiado por modos estabelecidos de percepção. (...) O que quer
que signifique o termo ‘estética’, o objetivo do artista é a produção de
objetos estéticos, os enigmas técnicos são o que eles têm de resolver a fim
de produzir esses objetos. Para os cientistas, os enigmas técnicos
resolvidos são o objetivo, e a estética é um instrumento para sua
consecução. Quer no domínio das produções, quer no das atividades, os
fins dos artistas são os meios dos cientistas e vice-versa (KUHN, 2009, p.
364).
Conquanto longe da certeza assumidamente egocêntrica de Nietzsche (2010,
p. 12), manifestada na segunda metade do século XIX, no aforismo: “que a gente se
torne o que a gente é pressupõe que a gente não saiba nem de longe, o que a gente
123
é”, preferimos nesse processo hermenêutico, que também é de autoconhecimento, a
estranheza do processo de revelação, suposto por Heidegger (2006), pelo qual o
sujeito ganha existência, mediada pela palavra em seu sentido mais fundo.
Reconhecer a importância do sentido na análise é, sobretudo, considerar o
papel da subjetividade na ação humana como pressuposto de validade interna da
pesquisa qualitativa, bem como da complexidade de sua implicação no contexto
natural. Para tanto, é indispensável investir na qualidade das interações entre
pesquisador e sujeitos da pesquisa, com emprego de abordagens discretas,
valorando
o
conhecimento
aprofundado
do
contexto
pesquisado
e
dos
posicionamentos dos atores sociais e do investigador, enfim, realizar uma escuta
simultaneamente crítica e empática aos sujeitos pesquisados, ponderando uma e
outra de acordo com as posições epistemológicas assumidas (CELLARD, 2010).
Ademais, na pesquisa qualitativa, as subjetividades e intencionalidades do
pesquisador são reconhecidas como parte integrante da produção do conhecimento,
e não uma variável a interferir no processo investigativo. Tornam-se dados em si
mesmos e constituem material para a interpretação as reflexões do pesquisador
qualitativo suas atitudes, irritações e sentimentos (FLICK, 2009).
Assis, Njaine e Minayo (2008) observam ser possível imprimir maior validação
interna em uma pesquisa qualitativa quando as categorias conceituais empregadas
tem significado mútuo e partilhado entre os participantes e o pesquisador. Assim, no
contexto da pesquisa, a implicação do pesquisador e o envolvimento comprometido
do sujeito pesquisado são pré-condições importantes para conferir rigor e
verossimilhança em uma investigação que toma, por exemplo, a entrevista como
base de dados.
Na análise das informações (expressas ou não) a partir das entrevistas,
tomamos como referência uma máxima basilar do pensamento de Schleirmercher
(2005) que impõe testar com procedimentos críticos, em relação a uma possível
inverdade, a legitimidade da certeza de um entendimento efetivamente inserido na
linguagem.
Aliás, como explica Frank (2005), determinado contexto de interpretação
124
apenas proporciona entendimento e compreensão porque os interlocutores
(intérprete e interpretado) pactuam uma aproximação de suas representações, e não
porque tivessem acesso a um modo de validação absolutamente independente. A
compreensão bem sucedida nunca chegará a ser evidente e não obtém da certeza
singular daqueles que compreendem nenhum tipo de garantia metafísica para a sua
correção (Op. cit.).
6.1.2 Articulação da hermenêutica com a dialética do concreto
Essa pesquisa tem como veio condutor lançar um olhar sobre a condição
humana na perspectiva dos envolvidos na transferência de renda do Bolsa Família,
em confronto com a idealização política da Segurança Alimentar/Nutricional em sua
convergência com o discurso científico do direito à alimentação, expressados em
documentos oficiais e textos a ele relacionados.
Contudo, sabe-se que o processo hermenêutico não advém de explicação
científica limitada ao conteúdo de textos. Ele é, em essência, originário do
pensamento, através do qual o significado desvenda o que não está explicitamente
presente (THOMPSON, 2009), a exemplo da trama de dominação escondida nas
políticas compensatórias de renda, em suas lógicas econômica e eleitoral.
Nesse contexto interpretativo, o processo de análise de dados realizado nesse
trabalho consistiu basicamente em extrair sentidos de textos em falas e documentos
pertinentes ao PBF, valorando dimensões do direito (humano e social) à alimentação.
Também buscamos refletir acerca das condições de produção e apreensão dos
significados desses mesmos discursos.
Para Kosik (2002), a partir do movimento de partida-retorno – contínuo,
ininterrupto, indo e vindo à direção fenômeno-essência e totalidade-contradição –
mantém-se a realidade em todos os seus planos e dimensões como dinâmica
permanente entre sujeito e objeto para a construção da totalidade concreta.
A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano
(sensível) para outro plano (racional): é um movimento no pensamento e do
pensamento (Op. cit., p. 30).
125
Nesse ínterim, a dialética é empregada nesse texto como um método da
investigação que compreende três etapas (Figura 2):
Figura 2 – Etapas do método de investigação dialético
(1)
(3)
Minuciosa apropriação do
material
Investigação da
coerência interna
(2)
Análise de cada forma de
desenvolvimento do
material
Adaptado de Kosik (2002, p. 30-31)
A primeira etapa (Figura 2) envolveu uma apropriação meticulosa com vistas a
alcançar, tanto quanto possível, o domínio do texto, nele inclusos os detalhes
históricos (aplicáveis) disponíveis. Em seguida, foi realizada uma análise de cada
forma de desenvolvimento desse mesmo texto. Na sequência, empreendemos uma
investigação da coerência interna, vale dizer, uma determinação de unidades de
significação consoante à perspectiva filosófica da dialética do concreto (KOSIK,
2002).
Cumpre assinalar que a dialética do concreto foi desenvolvida por Kosik
(2002) na vertente do materialismo histórico, teoria essa que – diferente do “Era uma
vez...” e outras abordagens atribuídas ao historicismo – considera o passado como
uma experiência única. Sendo assim, ao romper com a versão que aponta para o
contínuo da história, aquela abordagem teórica toma o passado como referência
singular para a análise crítico-compreensiva do presente, sobretudo por entendê-lo
como o momento no qual o acontecido, a despeito do tempo não parar (o que
eternizaria o passado, o tornado rígido), permanece (BENJAMIN, 2012; FOUCAULT,
2006). Por assim dizer, muitos dos movimentos do pensamento filosófico originários
da Grécia Antiga fundamentam as ideias e as concepções de mundo no presente.
126
6.1.3 Hermenêutica na vertente da tradição da teoria crítica
Conhecimento só se “conhece”
questionador e inovador.
se
for
(Pedro Demo)
Na medida em que é necessária a admiração ante a tarefa de pesquisar, do
esforço de realizar a compreensão do ser humano e de suas inter-relações, é
preciso discernimento para evitar confundir conhecimento científico com razão
instrumental, e, no mesmo passo, valorizar a razão argumentativa, originária dos
ideais iluministas, inclusa a verdade possível e negociada, procurada na direção de
um horizonte normativo apto a conduzir a uma racionalidade dialógica, em um
processo de produção de consensos necessários, concretos e provisórios
(VERONESE; GUARESCHI, 2006).
A análise das formas simbólicas foi feita com base no marco referencial
metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP), na convergência do
pensamento de Theodor Ludwig Adorno, Max Horkheimer, Pierre Bordieur, Pedro
Demo, Jürgen Habermas, Paul Ricoeur, e, sobretudo, na sistematização de John
Brookshire Thompson, fundada na premissa de ser o objeto de análise uma
construção simbólica significativa que exige a interpretação/reinterpretação,
movimento esse que entendemos de suma importância para compreensão do
contexto dialético das políticas públicas circunscritas no campo da Saúde Coletiva.
A HP de Thompson (2009), como referencial metodológico, prioriza o estudo
da produção de sentido e recomenda que o intérprete deva ater-se às formas
simbólicas produzidas por sujeitos e reconhecidas pelos próprios na qualidade de
construções significativas. Trata-se de um processo interpretativo, complexo,
fundado
na
razão
argumentativa,
dialógica
e
composto,
além
da
interpretação/reinterpretação acima aludida, por outros dois outros estágios
antecedentes e sequenciados, quais sejam: (DEMO, 2009; THOMPSON, 2009;
RAMALHO; RESENDE, 2011; VERONESE; GUARESCHI, 2006).
127
(1) análise sócio-histórica: possibilita a compreensão e a contextualização das
condições espaço-temporais pré-existentes;
(2) análise formal ou discursiva: voltada à temática e à identificação de formas
simbólicas, inclusive das maneiras como o significado é construído no interior
das formas quotidianas do discurso;
(3) interpretação/reinterpretação: toma a construção criativa do significado com a
perspectiva de algo que é representado ou dito.
A interpretação/reinterpretação assenta na premissa de que a interpretação
não se esgota em si mesma, porque ela transcende para aquilo que o mesmo autor
chama de reinterpretação (uma vez que o objeto já é pré-interpretado). Desta forma,
considera-se que tal reinterpretação compõe uma postura assumida pelo
pesquisador em face da possibilidade de reinterpretar com base na exploração das
análises sócio-histórica e discursiva (THOMPSON, 2009).
Nessa arte, uma vez assumida a pretensão de aproximação com o que précompreendemos existir de verossímil no fenômeno em estudo, acreditamos que a
técnica
de
interpretação/reinterpretação
da
linguagem,
última
etapa
da
Hermenêutica de Profundidade (THOMPSOM, 2009), tensiona a pré-compreensão
junto à abertura para transformação ao conhecer em essência (profundamente) a
realidade em estudo, uma vez identificada sua relação dialética, indo e vindo,
trajetória essa conhecida como círculo hermenêutico (GADAMER, 2008), justamente
por propor a dialeticidade entre partes e o todo, em um arranjo de confirmações e
negações a todo tempo.
Adorno e Horkheimer (1985), no trato da dialética da razão (ou do
esclarecimento) ensinam que na sua origem a razão teria sido concebida como um
processo emancipatório de cunho humanista, capaz de conduzir o homem à
autonomia e à autodeterminação, mas que para Freitag (1994), logo se atrofiou ao
se transmutar em racionalidade reduzida à dimensão técnico-instrumental. Contudo,
uma firme contraposição teórica não tardou. Assim, Coll (1991) atribui a Habermas o
caráter antipositivista de fazer ciência voltada a superar criticamente (ou seria
frankfurtianamente) tal concepção da razão, em favor de uma hermenêutica de
profundidade.
128
O esclarecimento, que provoca uma compreensão radical, é
constantemente político. Naturalmente, a crítica também permanece ligada
ao contexto tradicional que ela reflete. (...) Para interpretação hermenêutica
profunda, não há nenhuma ratificação além da autorreflexão de todos os
participantes, uma ratificação que chega a termo e acontece no diálogo
(HABERMAS, 2009, p. 335).
Na mesma direção, conforme observa Lawn (2007), Gadamer teria feito da
razão uma função do diálogo, abolindo a idéia de uma racionalidade universal.
Todavia, sendo a própria razão um instituto do sentido, não pode ela desconsiderar
a
compreensão.
Exatamente
por
isso,
a
não
compreensão
precisa
ser
fundamentalmente sustentada como caso regular do encontro com um sentido por
outrem constituído, de forma que “as regras de interpretação – se for possível
descobrir algumas (...) – são funções de concepção de racionalidade segundo a qual
se procede” (THOREAU, 2010, p.29). Nada obstante, todo sentido só pode ser
compreendido através do contexto, tessitura não linear e complexa (complexidades
polarizadas) da realidade (DEMO, 2008).
Retomando a compreensão que Adorno e Horkheimer (1985) fazem do
homem no contexto de sua história e racionalidade, vê-se ali a indicação da trajetória
de primazia do sujeito como a verdadeira conquista da emancipação humana. Para
os mesmos autores, a lógica cultural é instrumentalizada no atrelamento da
sociedade ao mercado, compondo assim uma civilização técnica movimentada por
absurdas necessidades produzidas em larga escala, uma verdadeira indústria
cultural (Op. cit.).
A interpretação é o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o
sentido escondido no sentido aparente, em desdobrar os níveis de
significado na significação literal. (...) há interpretação onde existe sentido
múltiplo e, é na interpretação que a pluralidade dos sentidos se manifesta
(RICOEUR, 1978).
Com Ricoeur (1978) a compreensão ou a interpretação (alvo de algum
esquema explicativo) se move a partir de uma pré-compreensão para uma
compreensão mais profunda: um entendimento ampliado, dialeticamente mediado
pela explicação em face de introduzir um dado momento objetivo crítico.
Para Gadamer (2008) é somente quando se apoia em um conhecimento
129
prévio das realidades que a pesquisa pode fazer surgir as realidades que o
pesquisador deseja com ela registrar. Entretanto, interpretar não é um caso
particular de compreensão, pois a interpretação aplica-se a todo processo que
abrange a explicação e a compreensão. Para tanto, inicia-se com a compreensão
superficial e através da explicação, considerada como o momento metódico do
estudo, se chega a uma interpretação. Desse modo, cumpre à explicação ser o
caminho obrigatório da compreensão, a lógica ordenatória das condutas (RICOEUR,
1978; 2008a).
Segundo Bourdieur (2011) ainda que o conhecimento prévio possa
proporcionar o equivalente teórico do conhecimento pratico associado à proximidade
e à familiaridade, o conhecimento mais aprofundado seguiria incapaz de conduzir a
uma verdadeira compreensão, caso essa não correspondesse a uma atenção com o
outro.
Embora seja frequente a referência da tradição teórica originária pela Escola
de Frankfurt como sendo a teoria crítica, para Mclaren e kincheloe (2006), nenhum
dos teóricos dessa tradição jamais assumiu o desenvolvimento de uma abordagem
unificada para a crítica cultural. Os mesmos autores entendem que uma teoria social
crítica deve ocupar-se com as questões associadas ao poder e à justiça, bem como
com as diferentes maneiras pelas quais “a economia, as ideologias, os discursos e
diversas outras instituições sociais e dinâmicas culturais interagem para construir um
sistema social” (Op. cit., p. 283).
Os pesquisadores críticos, como de resto qualquer ser humano, fazem história
e vivem no interior de estruturas de significado não necessariamente por eles
preferidas. Cabe ao hermenêuta crítico fundamentar sua pesquisa na relação entre
as experiências cotidianas dos sujeitos pesquisados e as representações culturais
dessa mesma experiência no contexto das questões públicas do poder, da justiça e
da democracia (MCLAREN; KINCHELOE, 2006).
Para Kosik (2002), ainda que possamos apreender o todo a partir das
representações e experiências, isso por si só não é suficiente para que possamos
conhecer e compreender a realidade, pois ela se apresenta de forma compreensível
tão somente pela mediação das partes.
130
Realizar uma pesquisa qualitativa com base em uma abordagem crítica e
reflexiva é, sobretudo, pautar-se nos fundamentos de uma hermenêutica crítica, em
um movimento para dar conta das dinâmicas do poder. Mas, é também, conforme
indicado por Mclaren e Kincheloe (2006), deslocar-se em direção ao que eles
denominam de hermenêutica normativa, no sentido de levantar questões acerca das
finalidades e dos procedimentos relativos à interpretação.
Por tal contexto compreensivo, entendemos que a tarefa de interpretar
pressupõe análise crítica, e não pode prescindir da contextualização histórica do
tema, tendo claro que nossa implicação com a noção de direito à alimentação não é
basicamente uma dada categoria hermenêutica, justamente porque assumimos no
desenvolvimento de nossa tarefa compreensiva uma atitude fenomenológica com
designo crítico-interpretativo, ao apontarmos diversas representações daquele direito
no âmbito da concretude do Programa Bolsa Família (a partir dos preceitos
subjacentes ao Fome Zero), fundamentalmente possíveis, e, mesmo do ponto de
vista lógico, não necessariamente incompatíveis entre si.
Longe de forçar uma indevida comparação, ousamos revelar, como o faz
Balzac (2006) no romance Eugénie Grandet, que nossa modesta intenção nesse
texto foi assegurar o direito de demorar-nos nas divagações exigidas pela
complexidade do tema, a partir do qual nos permitimos se mover quase sempre
preocupados com a arte do fazer científico e, por tal designo, provocados por
interrogações situadas na convergência de uma dupla trajetória acadêmicoprofissional: direito e nutrição. Nesse caminhar, simpático às reflexões teóricas do
marxismo e seduzido pelos fundamentos filosóficos da hermenêutica, acreditamos
haver desenvolvido uma proposta de estudo cunhada em uma abordagem crítica e
reflexiva.
6.1.4 Compreendendo a representação da realidade: linguagem e comunicação
É mesmo necessário procurar entender a realidade humana, interpretar o
mundo, nisso a palavra escrita tem muita importância. Segundo Dilthey (2010), a
vida não nos é dada imediatamente, ela nos é explicada pela intermediação objetiva
do pensamento, na qual cada visão de mundo tem seu caráter histórico e, ao mesmo
131
tempo, se articula com a historicidade propriamente dita de seu movimento dialético.
Cabe lembrar que a fidedignidade da investigação qualitativa no sentido de
representação coerente da realidade é uma questão sensível, objeto de recorrentes
questionamentos dentro e fora da Saúde Coletiva. Nesse contexto de disputas no
campo científico, acreditamos que importa buscar e “manter uma atitude reflexiva e
aberta, admitindo-se que outras interpretações possam ser sugeridas, discutidas e
igualmente aceitas” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 52); mesmo porque a codificação é
um processo multifacético que requer um elaborado esforço criativo e consistente
embasamento teórico, ambos implicados com o sujeito epistêmico investido da
tarefa de investigador, atento aos termos significativos que emergem do universo
empírico através de recursos linguísticos.
Sem embargo, a linguagem condiciona o nosso pensamento, ao mesmo
tempo em que constitui meio para representar a realidade e, além disso, se
apresenta (na perspectiva do conhecimento) como um elemento “formativo de
realidades” (GRACIA, 2004). Por sua vez, “as relações de linguagem são relações
de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de
discurso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2012, p. 21).
Nesse prisma, têm-se diversas dimensões e possibilidades interpretativas, em
face das quais cumpre ao hermeneuta, como também ao poeta, decodificar a
palavra, nomeando-a, interpenetrando criador e criatura por fusão de horizontes
(GADAMER, 2008), e, porque não dizer, um momento dialético de sensível traço
poético, ainda mais quando empregadas sutis metáforas para expressar a essência
imaterial da consciência humana, compondo uma alegoria prenhe de significados
científicos.
Nesse ponto, é oportuno citar Merleau-Ponty (2006), que ao tempo de sua
resignação contra o abuso do cientificismo e sua pretensão totalizante, denuncia
outra forma de poder, agora tipificado em uma forma de literarismo pautado na
premissa positivista de que o dito pela ciência passa a ser interessante e profundo
quando transcrito para uma linguagem literária permeada pelo sentido conotativo.
Para esse autor, em tal projeção as metáforas são aparentemente dirigidas a
autorizar e desculpar um sem número de imprecisões interpretativas (Op. cit.), não
132
raro, à semelhança de um processo fisiopatológico (para usar uma metáfora),
avançando por analogias facilmente controversas.
Contudo, a idéia de conhecimento metafórico indica uma relação com
componentes da realidade concreta ou objetiva (fora do ser), da qual não se tem
propriamente controle (DEMO, 2009). Cabe então ao hermeneuta o conhecimento
teórico em vista de um mundo já devidamente formatado pela linguagem: o conhecer
teórico (ERNEST, 2011).
Ademais, por força da capacidade de acesso à dimensão simbólica, o
discurso e as metáforas nele manifestadas cumprem o papel de conduzir o
pesquisador à compreensão de construções sociais pertinentes às racionalizações,
às representações, às normas e aos valores (PALASSI et al., 2007). Nesse caminho
do pensamento, procurar as estruturas metafóricas que trazem significados não
literais constitui um caminho para chegar à compreensão do que não dito quando se
expressa algo (WIKLUND et al., 2002).
Interessante mencionar ainda o movimento sensacionista, originário da teoria
poética de Fernando Pessoa por alusão à idéia de que não existe a realidade em si,
mas somente sensações (conscientes na arte) do que seja realidade. Assim, a
própria compreensão deve ser explorada por conjugações e implicações com
antíteses fundamentais do conhecimento: subjetivo/objetivo, espiritual/material,
interior/exterior (MATOS, 2007; PESSOA, 2011). Desse modo, mediado pela
palavra, assume-se uma sutil tensão dialética dos contrários no ato propriamente
humano de compreender, processo esse que no âmbito da tradição hermenêutica
requer disciplina.
A propósito, o termo disciplina, conforme ensina Coffey e Atkinson (2003) traz
em si conotação de rigor e cuidado, não se confundindo, em absoluto, com “castigo”,
resiliência ou oposição à criatividade. Para os mesmos autores, a partir de tal
premissa basilar de análise dos dados qualitativos, deve o pesquisador sustentar a
consistência dos procedimentos analíticos, com abertura para reflexão do tipo:
“É possível ganhar muito quando se ensaiam diferentes ângulos analíticos nos
dados. Se geram novas luzes, e às vezes uma se pode escapar das perspectivas
analíticas que se tornaram estereotipadas e estéreis” (Op cit, p. 16).
133
Assim, compreender pressupõe uma transformação pessoal (SAINTEXUPÉRY, 2000), não aquela descrita por Kafka (2000) na obra metamorfose, por
designação à transmutação extrema e irreversível do homem (em uma “barata”) –
entendida como a tentativa de levar ao limite uma inadequação (SCHWARZ, 1981),
mas transformação como uma necessidade de busca e retomada permanente do
sujeito ao longo de sua própria vida em direção à conversão em si mesmo (como
pressuposto para haver verdade), o que não implica, necessariamente, em se
constituir como objeto e domínio do conhecimento (FOUCAULT, 2006).
6.1.5 Matriz do estudo
Conforme foi aludido, este estudo inscreve-se na tradição da pesquisa
qualitativa fundada em uma abordagem crítica e reflexiva articulada com a
compreensão hermenêutica, na qual assumimos como matriz de estudo um conjunto
textos relacionados ao PBF, seus antecedentes e contextualização histórica, e o
produto da comunicação intersubjetiva orientada por um roteiro guia de entrevista
junto a beneficiários desse programa.
A opção por essa modalidade de estudo é fundamentada no reconhecimento
deste como uma estratégia de investigação que tem como problema central as
significações e os sentidos do ideal político de zerar a fome no Brasil a partir de um
programa estatal que se pretende de SAN, associado a uma concepção de
solidariedade orgânica, em um contexto de iniquidades socioeconômicas.
Por esta concepção, procuramos analisar o entrelaçamento de temas e
dimensões analíticas pautadas por pressupostos teóricos e conceituais que
amparam a Análise Crítica de Discurso (ACD), e, nesse processo hermenêutico, a
partir do confronto com a empiria, estabelecer a solução do problema pesquisado.
A análise de discurso empreendida nessa pesquisa está identificada com uma
postura reflexiva frente aos princípios metodológicos de uma abordagem pautada na
tradição da teoria crítica, seus limites e possibilidades, demandando uma discussão
epistemológica ancorada no lugar da pesquisa qualitativa em saúde coletiva.
134
Nesse processo hermenêutico, buscamos desenvolver eixos temáticos
relacionados ao objeto de estudo a partir de uma imersão aprofundada na literatura
de ciências sociais e humanas em sua interface com o campo da Saúde Coletiva,
valorando a análise documental das fontes de direito positivo que tratam do direito
humano e social à alimentação.
No cerne de um esforço compreensivo, aderimos à ideia de fenomenologia
em Husserl, no ponto em que ela concebe as coisas na profundidade de suas
essências, em seus “verdadeiros” significados, sendo as mesmas referidas como se
apresentam, por apelo à experiência da consciência (intencionalidade) (HUSSERL,
1990). Por tal atitude fenomenológica, entendemos que a crítica reflexiva e coerente
da experiência de beneficiário do PBF requer a consideração das possibilidades e
limitações do próprio conhecimento no contexto de nossa implicação com o objeto
pesquisado, como também abertura ao desvelar da linguagem, consoante processo
indutivo descrito por Gadamer (2008, p. 497):
Costumamos dizer que “levamos” uma conversa, mas na verdade quanto
mais autêntica uma conversação, tanto menos ela se encontra sob a
direção da vontade de um ou outro dos interlocutores. Assim a conversação
autêntica jamais é aquela que queríamos levar, ao contrário, em geral é
mais correto dizer que desembocamos e até que nos enredamos numa
conversação. (...) Nela não são os interlocutores que dirigem; eles são os
dirigidos. O que “surgirá” de uma conversação ninguém pode saber de
antemão. (...) a linguagem que empregamos ali carrega em si sua própria
verdade, ou seja, “desvela” e deixa surgir algo que é a partir de então.
Partindo-se do entendimento de que “com o seu agir o homem inscreve
significados no mundo e cria a estrutura significativa do próprio mundo” (KOSIK,
2002, p. 241), nosso compromisso nesse trabalho envolveu também a valoração dos
fenômenos como eles se nos apresentam, conforme a vivência dos envolvidos nas
entrevistas, muito embora atento ao que não é imediatamente perceptível.
Aliás, considerando que a hermenêutica dirige-se a compreender formas e
conteúdos da comunicação humana, sua complexidade e simplicidade (DEMO,
2008), a análise dos diálogos e documentos de interesse nesse estudo – em meio a
categorias como contradição, reificação, oposicionalidade e mediação – foi aqui
assumida como um instigante exercício dialético.
Figal (2007) ensina que a hermenêutica pode ser caracterizada, de maneira
135
sintética, como uma tentativa de reconciliar conhecimento e história em meio à
relação de oposição entre aquele que conhece e o modo de ser das coisas, a
oposicionalidade. Sendo assim, o hermenêutico indica um estado de coisas
complexo, ao qual pertence a compreensão e a interpretação (Op. cit.). Na
experiência hermenêutica lidamos com aquilo que nós mesmos não somos, com
algo que se acha contraposto (HABERMAS, 2009).
Não faz sentido buscar a cientificidade por ela mesma porque método é apenas
instrumento. Faz sentido sim fazer ciência para conseguirmos condições
objetivas e subjetivas mais favoráveis de uma história sempre mais humana. É
um absurdo sarcástico jogar fora da ciência o que não cabe no método. Se a
ciência se der a isto, não passará de algo mesquinho (SEIFFERT apud DEMO,
1998, p. 260).
Para Schleiermacher (2005), as regras hermenêuticas precisam ser mais um
método para driblar as dificuldades do que indicações para solucioná-las. Todavia,
como revela Gadamer (2008), inexiste um método apropriado para ensinar a
perguntar, capaz de ensinar a ver o questionável. Métodos naturalmente sucedem e
são função da pergunta de partida. Nesse ínterim, a pesquisa qualitativa, dado que
não valora quaisquer respostas fechadas, oferece a abertura das perguntas (DEMO,
2009; PATTON, 2002).
Destarte, a compreensão buscada nessa pesquisa deve ser situada enquanto
premissa indispensável da hermenêutica (DEMO, 1995) visto que, como preleciona
Ricoeur (2008), faz-se necessário procurar compreender os sentidos (expressados e
não expressados) no discurso, tudo coerente com a ideia de Hans-Georg Gadamer
de que a hermenêutica é o saber do quanto fica de não dito quando se diz algo
(CUSTÓDIO, 2000), e mesmo o que a pessoa talvez nunca venha a dizer, trata-se,
portanto, de uma difícil tarefa de ausculta que requer muita aplicação.
Colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com
que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de
outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz,
mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras (ORLANDI,
2012, p. 59).
Quando se escuta alguém não se faz necessário esquecer as opiniões
prévias (correspondentes ao elemento da tradição), antes pelo contrário, a abertura
para a opinião do outro requer colocá-la em alguma relação com o conjunto das
136
próprias opiniões (GADAMER, 2008, p. 358), e, além disso, considerar as nossas
implicações com os pontos de vistas expressos no discurso.
Conforme a perspectiva filosófica sustentada por Gadamer (1987; 2008), a
elaboração da situação hermenêutica interessante à interpretação metódica começa
pela disposição de admitir a infinitude dessa tarefa e segue com a consciência de
que só é possível compreender os enunciados que nos preocupam ou nos motivam
se reconhecermos neles nossas perguntas. Contudo, procurar elucidar, tanto quanto
possível, algo que se encontra na base de nossos interesses é sempre uma tarefa
legítima (Op. cit., 1987).
Nessa indução criativa, por força da entropia de nosso ambiente (sistema)
aberto, marcado por preconceitos, ideias, projeções e desconfianças, é mister
assumir um desafio de fazer pesquisa preocupado com a cientificidade e a
ideologização da verdade, com propósitos marcadamente políticos, tanto mais
quando basicamente prescrevem medidas econômicas supostamente para aplacar
demandas sociais resultantes de desigualdade social e fome.
O nosso desafio nesse estudo também passou pela delimitação de um campo
científico de saberes, discursos e práticas interdisciplinares, ambiente esse favorável
para discutir criticamente o PBF como uma política anunciada como compensatória
dos efeitos estruturais da pobreza e, nesse passo, adstrita à concepção de justiça
social e alcance da segurança nutricional.
6.2. Análises do material discursivo
Em face das informações qualitativas na forma de corpus de pesquisa foram
construídos (como será detalhado em seguida) eixos temáticos, estruturados em
dimensões analíticas, espécies de unidades de significação, com as respectivas
categorias empíricas. Nesse labor, interessou na presente pesquisa as instâncias de
discurso e o discurso estendido que, como os símbolos, significam mais de uma
coisa ao mesmo tempo.
Contudo, no curso na análise do material discursivo, em vista da relevância
137
dos números para caracterização do PBF no contexto de sua cobertura, por vezes
entendemos oportuno agregar informações de natureza qualitativa de textos oficiais,
a exemplo de indicadores sócio-demográficos e econômicos.
6.2.1 Tecendo caminhos entre a teoria e a empiria: Análise de Discurso e suas
implicações epistemológicas para o estudo dos textos/documentos
O trabalho simbólico do discurso está na base da
existência humana.
(Eni Orlandi)
Optamos nesse trabalho por adotar a técnica de Análise de Discurso (AD), em
sua singularidade, por entender que esse caminho representa uma abordagem
metodológica apropriada para um estudo com amparo nos pressupostos teóricos de
uma adequada hermenêutica da linguagem, visto sua missão de compreender
sentidos. Noutras palavras, a AD busca o conteúdo caracteristicamente humano
presente em um dado contexto histórico, algo mais do que fatos dados ou
acontecimentos externos, posto envolver também significação, percepções e valores,
em um movimento marcado pelo caráter significativo do fenômeno do entendimento
entre o intérprete e o objeto por ele interpretado (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p.
682).
Curso é a forma arcaica do particípio do verbo correr, e dis é prefixo que indica
“em todas as direções”, portanto, etimologicamente, discurso significa correr em
todas as direções (MELO et al., 2013). Diante de tão variadas possibilidades e
posturas
interpretativas,
mormente
considerando-se
a
heterogeneidade
e
dialeticidade de abordagens desdobradas em múltiplas relações interdisciplinares,
assumimos para essa tese uma atitude reflexiva pertinente à AD.
Preferimos não enveredar pela construção de significados por meio de signos
de um texto, como pretende (latu sensu) a metodologia de análise de conteúdo (AC),
de maneira acrítica e linear (ROCHA; DEUSDARA, 2005). Sendo assim, no nosso
entender, a AC tem o fito de cercear a necessária mediação da comunicação que
viabiliza a compreensão dos sentidos atribuídos a uma fala em um dado contexto,
138
invariavelmente influenciados por correlação de forças assimétricas (DEMO, 2009),
contraindicando, desse modo, tal abordagem analítica para um estudo de índole
crítico-interpretativa.
O texto na qualidade de corpus de pesquisa é o discurso acabado para fins de
análise, um objeto completo. Mas, enquanto objeto teórico, aquele é inacabado, com
múltiplas possibilidades interpretativas (MINAYO, 2008), desde que – como
acreditamos – assumidas com rigor e coerência metodológica, essenciais à
abordagem qualitativa em pesquisa, notadamente quando se busca fundamentação
nas tradições da hermenêutica e da dialética.
Demo (2009), ao propugnar que em metodologia de investigação qualitativa –
inclusa a abordagem crítico-compreensiva – todo dado deriva fundamentalmente de
uma elaboração subjetiva a partir da combinação de vários elementos, sustenta que
as possibilidades de entendimento derivam da variação interpretativa e, portanto,
não se coadunam com padronizações únicas ao modo prescrito pela objetividade
positivista.
O dado empírico é um construto resultado de múltiplas
determinações teóricas e ideológicas. A informação qualitativa, além
de nunca negar isso trata de fazer disso uma vantagem em termos
de captação mais flexível da realidade. Não se trata de evitar o efeito
reconstrutivo de toda análise, mas de fazê-lo criticamente, de modo
que possa ser sempre questionado abertamente, refeito e rediscutido
(Op. cit., p. 33).
Também por isso, o esforço propriamente humano de compreender deve
também partir da consideração de que sempre há algo no discurso não entendível,
quer seja em função da limitação do intérprete (sobretudo nosso mecanismo
cerebral que conduz à padronização mental, captando recorrências nas dinâmicas,
vale dizer: interferindo na realidade tal como percebida) (VYGOTSKY, 1991), de
problemas da própria comunicação ou mesmo por conta do sujeito que fala não
saber exatamente o que diz. Por evidente, em seu conjunto, problemas dessa
natureza prejudicam a análise contextualizada e situada do momento discursivo.
O que alguém queria de verdade dizer em seu depoimento permanece
mistério indevassável, porque nem o analista consegue deslindar de todo as
entranhas da fala, nem o depoente sabe totalmente de si pra garantir o que
disse o que realmente queria dizer (DEMO, 2009, p. 34).
139
Tendo a ciência como pano de fundo, Boff (2001) adverte que compreender
não é descortinar o nexo entre os dados de modo a identificar a estrutura oculta
recolhida em um nível mais profundo. No ponto de vista desse expoente teólogo, o
processo do verdadeiro conhecimento envolve um ir e vir nos fatos para lhes
compreender.
Movimento
o
qual
entendemos
necessário
para
o
pleno
desenvolvimento de uma abordagem crítico-compreensiva, tal como proposta nesse
estudo. Para tanto, a análise (de discurso), em sua dialeticidade, tem de ir além do
nível das aparências, instrumental-designativo na linguagem, alcançando o nível
hermenêutico das relações, no qual se desocultam os juízos prévios condicionantes
de toda interpretação.
A inteligência do raciocínio que valora tal rigor terminológico nos remete, de
logo, a reflexões acerca de conceitos e premissas teóricas não muito bem resolvidas
na proposta preliminar de pesquisa, mormente quando se constituem em expressões
de construções discursivas que, sabe-se, podem assumir variados e, por vezes,
imprecisos sentidos, tanto mais quando atravessados por um esforço hermenêutico
de que atravessa nossa implicação com o exercício profissional no campo da
alimentação e nutrição.
Aquele que compreende já está sempre incluído num acontecimento, em
virtude do qual se faz valer o que tem sentido (GADAMER, 2008, p. 490).
Emerge assim a demanda por um pensar crítico, o qual Paulo Freire, com
notável sabedoria, há muito ensina:
É na minha disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro,
pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em
minha relação com o contrário de mim. E quanto mais me dou à experiência de lidar
sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo
meu perfil (FREIRE, 1987, p. 152).
140
6.2.2 A análise documental
Investigar é um processo que assume, simultaneamente, forma de produto e
produtor de uma objetivação da realidade, bem assim como a objetivação do
investigador se transmuta em produto de seu processo de elaboração (MINAYO,
2008). Nisso o sujeito nunca dá conta do real e o objeto é sempre também um objeto
sujeito (DEMO, 1998, p.10). Por tais premissas, entendemos pesquisa como um
diálogo inteligente e crítico com a realidade, atento as suas sutis representações,
inclusive no que concerne à implicação sujeito-objeto.
A propósito, na Saúde Coletiva, enquanto campo científico emergente,
produzir conhecimento novo com fundamento no questionamento sistemático de
temas convergentes é tarefa árdua que requer zelo metodológico e coerência
epistemológica.
No curso da pesquisa procuramos empreender uma análise críticohermenêutica em múltiplas fontes documentais, cientes de que essas são
potencialmente capazes de representar evidências empíricas úteis para, conforme o
contexto investigado, fundamentar nossas afirmações. Nessa esteira, analisamos
normas jurídicas e administrativas, dentre outros documentos técnicos disponíveis
em diferentes sítios eletrônicos da internet, com destaque a planos e programas de
governo, relatórios de acompanhamento, avaliação e fiscalização, dados estatísticos
oficiais, exposição de motivos, pareceres, informes operacionais e o Cadastro Único
para Programas Sociais (CadÚnico).
Tal como aludido nas referências ao final dessa tese, foram consultados
documentos dos seguintes órgãos e instituições da União Federal: Presidência da
República, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC), Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tribunal de Contas da
União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público da União
(MPU), bem como coletados dados junto à Coordenação municipal do Bolsa Família
em Sobral. Nesse último órgão priorizamos dados atualizados para os meses de
março a maio de 2013, correspondentes ao período de realização das entrevistas.
141
Muito embora não tenha sido nossa pretensão nesse trabalho aprofundar a
discussão do PBF no campo da comunicação, mas dado o apelo midiático de tal
programa, atravessando todo o período de produção desse texto, resolvemos que o
corpus de análise também deveria envolver (pontualmente) textos jornalísticos com
essa pauta, sobretudo aqueles identificados por repercutir e/ou criticar o discurso
oficial. Nessa direção, reportagens, artigos e outras matérias foram selecionados no
ambiente de internet por critério de aproximação às dimensões analíticas alinhadas
à contextualização teórica e, particularmente, aos achados do trabalho de campo,
isto é conforme o vivenciado pelos beneficiários.
6.2.2.1 Análise preliminar
Antes de iniciada a análise propriamente dita, entendemos prudente proceder
a uma aproximação preliminar da documentação disponível, vale dizer: normas (leis,
decretos, regulamentos, portaria e instruções normativas) e outros textos de
interesse para a pesquisa (discursos, projetos, exposição de motivos, pareceres,
relatórios, etc.) do PBF, processo esse com fundamento em pressupostos teóricos e
conceituais da hermenêutica filosófica (MCLAREN; KINCHELOE, 2006; GADAMER,
2008), com base em livre adaptação do roteiro proposto e dimensões sistematizadas
por Cellard (2010), como segue:
Figura 3 – Passos da Análise preliminar
Fonte: Baseado no modelo proposto por Cellard (2010, p. 299-303)
142
Por tal contexto analítico, impulsionado pela tradição da teoria crítica
(HORKHEIMER, 1990; MCLAREN; KINCHELOE, 2006; SANTOS, 2006), buscamos
abrigo em uma análise hermenêutica para elaborar uma crítica política e social das
dinâmicas do poder dentro dos textos em análise, abordando inclusive o objetivo (do
Bolsa Família) de emancipação sustentada das famílias em situação de pobreza e
extrema pobreza, em face da compreensão que Adorno e Horkheimer (1985) fazem
do homem no contexto de sua história e racionalidade, indicando a primazia do
sujeito na trajetória da conquista de sua emancipação.
Nesse agir, com vistas a uma interpretação elaborada em bases científicas
para construção de conhecimento novo, procuramos nortear nossa postura conforme
a vertente da reflexividade reflexa proposta por Bordieur (2002), sempre coerente
com o papel do pesquisador como agente ativo na realidade social, potencialmente
capaz de identificar e resistir à ideologia hegemônica.
A propósito, na perspectiva da ACD, tomada como abordagem metodológica
que se articula com o escopo dessa tese, “a concepção de poder em termos de
hegemonia implica uma inerente instabilidade, um equilíbrio instável” (RAMALHO;
RESENDE, 2011, p. 24).
6.2.2.2 Análise propriamente dita
O passo seguinte consistiu em reunir todas as sobreditas dimensões,
exploradas na análise preliminar das normas e outros documentos do Bolsa Família,
com o fito de estabelecer conexões crítico-interpretativas rigorosamente coerentes
com diferentes concepções hermenêuticas do direito humano e social à alimentação,
na
perspectiva
do
Estado
Constitucional
Brasileiro
e
dos
(cidadãos)
envolvidos/beneficiários.
As informações coletadas foram sistematizadas na forma de análise e
discussão do tema proposto, notadamente no contexto do ordenamento jurídico
pátrio, onde a legitimação do DHAA é discutida à luz da jurisprudência, doutrina,
143
costumes, normas e princípios do direito, bem como da dinâmica do processo
político, social e econômico, embora compreendendo que dessa forma os dados são
indiretamente obtidos, posto ter como referência um conjunto de material
bibliográfico do tipo impresso ou eletrônico (MINAYO, 1994; WITKER, 1987).
Partimos da compreensão de que no processo de análise propriamente dito o
analista é fundamentalmente um intérprete, ao qual cumpre realizar uma leitura
também discursiva influenciada, dentre outros fatores, por suas experiências e
vivências,
seus
posicionamentos
ideológicos
e
interesses,
enfim,
sua
individualidade, como ensina Caregnato e Mutti (2006, p. 682) “a interpretação
nunca será absoluta e única, pois também produzirá seu sentido”.
Na análise do discurso oficial do Programa Bolsa Família entendemos
pertinente a singularidade de uma abordagem fundada no questionamento político
propriamente dito, capaz de abranger as relações de poder envolvidas, inclusive
aquelas de cunho clientelista, movidas por propósitos eleitorais escusos.
Na análise dos dados bibliográficos tomamos de empréstimo categorias do
materialismo histórico dialético, a exemplo da reificação e da contradição, na
compreensão e apreensão da dinâmica em que se está constituindo o PBF em
Sobral.
O princípio da contradição, presente neste marco teórico, indica que para
pensar a realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o
que dela é essencial. Neste percurso compreensivo, movimentar o pensamento
significa refletir sobre a realidade partindo do empírico, isto é, a realidade a ser
estudada, assim como ela se apresenta ao intérprete (HABERMAS, 2001).
Gadamer (2011) observa que a compreensão é também o alcance de uma
autocompreensão ampliada e profunda. Assim, a atitude hermenêutica passa pela
consciência de suas implicações na filosófica prática, e, nesse sentido, uma reflexão
acerca daquilo que deve ser a constituição da vida humana (Op. cit.).
Trata-se de uma atitude teórica frente à práxis da interpretação, da
interpretação de textos; porém, também, das experiências interpretadas
neles e nas orientações do mundo, que se desenvolvem
comunicativamente. (GADAMER, 1983, p. 76).
144
Assim, por meio de abstrações (elaborações do pensamento, reflexões,
modelos), buscou-se chegar ao concreto, isto é, compreensão mais elaborada de
significações e sentidos do PBF, síntese de múltiplas determinações, concreto
pensado no contexto da exigibilidade do direito (humano e social) à Alimentação.
A diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado)
corresponde às abstrações (reflexões) do pensamento (KOSIK, 2002), que nesse
estudo, tornam mais completa a realidade de uma política pública que se pretende
de segurança alimentar/nutricional.
6.3 Fazendo o campo: Diálogo com os protagonistas do estudo
Nossas perguntas não têm outro motivo que não ensinar o que queremos
aquele a quem perguntamos.
(Santo Agostinho)
Preocupados em apreender informações qualitativas a partir da perspectiva
dos beneficiários do PBF, empregamos a técnica de entrevista dialógica com vistas a
construir um ambiente de confiança com as pessoas envolvidas. Procuramos assim
fazer o campo – conforme assertiva sustentada por Bourdieu (2011) – como um
processo compreensivo de permanente descoberta.
No fazer o campo, cientes dos desdobramentos dos diálogos empreendidos e
longe das certezas de inspiração positivista, assumimos uma postura de reflexividade
atenta ao rigor (não à rigidez) e zelo metodológico que, conforme a tradição da teoria
crítica, precisa nortear a análise de discursos. Por tal designo interpretativo seguimos
atentos à advertência de Gadamer (2009) ao ressalvar, como premissa da
hermenêutica filosófica, a verdade apesar do método.
Nos diálogos de campo buscamos a apropriação de parte das singularidades
da experiência de estar beneficiário da renda com foco na privação material, e, por
conseguinte, pressuposta condição de insegurança alimentar (ao menos no nível do
discurso que sustenta o mérito de medidas compensatórias aos efeitos estruturais
145
da pobreza). Nesse sentido, “o vivenciado” pelas entrevistadas constituiu um corpus
privilegiado de análise, referência indispensável para compreensão das significações
e sentidos do Programa Bolsa Família.
Na exegese de Gadamer (2008) o termo “vivenciar” designa o momento
imediato de se conhecer algo real, prévio a toda interpretação, em oposição ao que
se acredita saber. Nesse sentido, não inclui a credencial da vivência própria do “ouvi
dizer” ou o recebido a partir de outra pessoa, inclusive suposto ou deduzido. Porém,
a expressão “o vivenciado”, embora parta da transitoriedade do vivenciar, indica o
conteúdo permanente do que é vivenciado.
Ambas as direções do significado encontram-se na base da formação da
palavra “vivência”, tanto a imediaticidade que precede toda interpretação,
elaboração e transmissão, e que oferece apenas o suporte para a
interpretação e a matéria para a configuração, quanto o rendimento
transmitido por ela, seu resultado permanente (Op. cit., p. 105-106).
Contudo, como premissa hermenêutica do diálogo com o outro – indo e vindo
com nossos (pré)juízos de interpretação, através de um movimento circular de
reinterpretação,
na direção de novos horizontes compreensivos – entendemos
pertinente a assertiva de Gadamer (2008, 497) de que “compreender o que alguém
diz é pôr-se de acordo na linguagem e não transferir-se para o outro e reproduzir
suas vivências”.
O contexto vivenciado no campo implicou no pesquisador, dentre outras
mudanças epistemológicas, a resignificação das categorias temáticas inicialmente
pensadas, e, ainda, a inclusão de novas que emergiram das narrativas de
experiências com a transferência direta e condicionada de renda, tais como
empregabilidade e liberdade. Ambas assumidas na perspectiva do desvencilhar das
amarras
socioeconômico-culturais
para
fazer
face
ao
efetivo
acesso
às
oportunidades, tais como almejadas pelas mães de famílias em situação de pobreza,
destacando-se a conquista de bens imateriais implicados com dignidade da pessoa
humana.
A construção de categorias não é tarefa fácil. Elas brotam no primeiro
momento, ao arcabouço teórico em que se apoia a pesquisa. Esse conjunto
inicial, no entanto, vai se modificando ao longo do estudo, num processo
dinâmico de confronto constante entre teoria e empiria, o que se origina
novas concepções, e, consequentemente, novos focos de interesse (LÜDKE
e ANDRÉ, 1986, p. 42).
146
6.3.1 A entrevista qualitativa na perspectiva de oportunizar o diálogo franco e
aberto
Cumpre, assim, à entrevista apontar para a construção de um precioso
material sobre versões, opiniões, descrições peculiares, criadas na interação do
entrevistador e o seu entrevistado (DESLANDES, 2008). Nesse diapasão, optamos
pelo uso da entrevista dialógica ou participativa, por considerá-la útil para estabelecer
um relacionamento tanto mais aberto e franco com as informantes, com vistas de
buscar informações qualitativas para esclarecimento e análise dos problemas postos
na pesquisa.
Diferente da entrevista tradicional – na qual o papel do entrevistador é ativo ao
tempo que cumpre ao entrevistado função passiva, fornecendo informações
condizentes com o que se pretende na pesquisa – na entrevista dialógica ambos
participam ativamente. Nessa última é empregado um roteiro tentativo de entrevista
(que pode mudar conforme a técnica se desenvolve) e o entrevistado é cientificado
sobre os objetivos da pesquisa nos sentido de despertar o seu interesse em
participar de maneira ativa e crítica (SORIANO, 2004).
A entrevista pessoal um a um, do tipo face a face, que remete à participação
ativa dos locutores, é reconhecida como vantajosa nas hipóteses nas quais não é
viável que os participantes sejam observados diretamente, muito embora tenham o
limite de fornece informações indiretas, pois oferecem uma perspectiva dos pontos
de vista dos entrevistados (MONTERO, 2003).
Acerca da metodologia de entrevista qualitativa, Gaskell (2007, p. 65) aponta o
pressuposto que o mundo social é
ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob
condições que elas mesmas estabeleceram. Assume-se que essas
construções constituem a realidade essencial das pessoas, seu mundo
vivencial.
O uso da entrevista qualitativa com vistas a compreender o mundo da vida dos
sujeitos participantes, constitui ponto de partida de esquemas interpretativos
voltados a compreender as narrativas em termos mais conceituais e abstratos,
147
inclusive em relação a outras observações (GASKELL, 2007).
A entrevista qualitativa requer a compreensão do mundo da vida dos
entrevistados, processo social esse no qual entrevistado e entrevistador estão
envolvidos, embora diferentemente, na produção de conhecimento por meio da
exploração/desenvolvimento de realidades percebidas. Trata-se então de “uma
interação ou um entendimento cooperativo em que as palavras são o meio principal
de troca, uma troca de ideias e de significados.” (GASKELL, 2007, p. 73).
Na perspectiva de dar conta dos propósitos definidos nesse estudo,
elaboramos um instrumento do tipo Tópico Guia (Apêndice A) para as entrevistas,
com perguntas pautadas por temas fundamentados na contextualização teórica da
pesquisa. Dessa forma acreditamos haver estabelecido um referencial útil para
progressão sistemática ao longo da exploração de dimensões analíticas inicialmente
projetadas.
Em um primeiro momento, realizamos um pré-teste do Roteiro Guia junto a três
(3) beneficiárias do PBF, resultando em algumas sutis modificações para melhor
adequação da abordagem das questões, principalmente no trato da delimitação das
perguntas conforme os temas destacados em articulação com os objetivos da
pesquisa. Ao fim desse processo, chegamos a um conjunto de questões articuladas
a três (3) eixos temáticos (Apêndice A), quais sejam:
(A) Alimentação e Nutrição
no contexto da proteção social; em matéria de segurança/saúde; necessidades
(assumidas como tal); como questão de direito/advocacy.
(B) Experiência com a transferência direta de renda
conhecimento da origem do programa; entrada (vivência); significados atribuídos
ao aporte mensal em dinheiro (simbolizado no cartão); importância na vida
familiar e comunitária; mudanças na situação alimentar do grupo familiar, saída
(perspectiva); dependência/acomodação (risco).
(C) Condicionalidades
Forma(s), conteúdo(s) e sentido(s); direito em face do estado (motivado pela
pobreza) versus obrigações das famílias (no ambito de serviços sociais); capital
humano / autonomia.
148
6.3.2 Cenário do estudo
Tem-se como perspectiva focal o vivenciado na experiência de beneficiário da
transferência de renda do PBF no município de Sobral (Figura 4) e sua inter-relação
com os discursos oficiais do governo federal que
sustentam o programa, particularmente o propósito
Figura 4 - Mapas de localização
de Sobral no Ceará e no Brasil
assumido na perspectiva do direito humano e social
à alimentação.
Sobral é um município cearense com sede
situada às margens do rio Acaraú, em um ambiente
semiárido (Imagem 1)10. A cidade é atravessada pela
Rodovia BR 222 (no trecho que liga Fortaleza e
Teresina), sendo reconhecida como polo econômico
e cultural da Região Noroeste do Ceará. Dados do
censo de 2010 (BRASIL, 2011c) mostram 188.233
pessoas residentes no município, dos quais 22.211
(11,8%) vivendo na extrema pobreza (renda per
capita abaixo de R$ 70). Em 2012, a estimativa
populacional para a mesma localidade foi de 193.134
habitantes (BRASIL, 2012d).
Imagem 1 - Imagem do Alto do Cristo Redentor,
ponto mais alto da cidade de Sobral-CE
O braço esquerdo da estátua
do Cristo Redentor (Imagem 2)11, em
Sobral, aponta para o local onde foi
realizado o estudo, o bairro D. José –
situado na periferia urbana da sede
10
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sobral
11
Fonte: http://monumentoarquiteturaearte.blogspot.com.br/
149
municipal12, dividido em I (Alto Novo) e II (Sem Terra), ambos resultantes de
ocupações de terra por “famílias sem teto”, nos anos 1970 e 1990, respectivamente.
Imagem 2 - Imagem de satélite dos bairros D. José I (“Alto Novo”) e D. José II (“Sem Terra”)
O bairro D. José fica situado ao sul da cidade, notabilizado pela presença de
pessoas de baixa renda, com a maioria das casas situadas entre a linha férrea e o
Canal do Mucambinho. Toda a área é coberta pela rede pública de água, mas a
despeito de ali ficar situada uma lagoa de estabilização (Imagem 2, ao centro), não
há sistema de esgotamento sanitária na ampla maioria das casas.
6.3.3 O momento das entrevistas dialógicas
Realizamos
as
entrevistas
dialógicas
com
nossas
informantes
predominantemente no fim da tarde e início da noite, entre 16 e 19h, na maioria das
vezes na casa (n=8) da família beneficiária, e outras (n=4) na Sociedade de Apoio à
Família Sobralense (SAFS). Ajudou o fato de conhecermos previamente as principais
ruas, becos e ladeiras daquela comunidade.
Os diálogos tiveram tempo de duração variável de 42 a 73 minutos. Muitas
delas
trouxeram
informações
que
impactaram
profundamente
nossa
pré-
compreensão da realidade vivenciada pelo PBF, tais como as narrativas que
12
Disponível em: < https://maps.google.com.br/>. Acesso em 12 jul. 2013.
150
expressam o constrangimento e inquietação das mães ao simularem situações
relativas à dinâmica familiar para permanecerem recebendo o benefício.
Por ocasião das entrevistas realizadas nos espaços de moradia das famílias
beneficiárias tivemos mais facilidade – comparada àquelas feitas na SAFS – para
apreender uma diversidade de informações qualitativas de interesse da pesquisa.
Em casa (conforme decisão das mulheres), além da boa vontade manifestada
(regra geral) para colaborar conosco, a singularidade do ambiente doméstico e de
seu entorno influíram bastante em nossa compreensão, contribuindo sensivelmente
para formularmos convicções e melhorar a precisão da análise dos discursos.
No curso da entrevista, a beneficiária fez referência por diversas vezes,
sempre com muita emoção (por vezes chorando), ao filho que perdeu para
o “mundo das drogas”, que aqui também deve ser entendido em sua
implicação com a miséria. Em um dos trechos narrou que naquele momento
o seu primogênito “andava por ai à toa, parando nas esquinas para pedir ou
roubar”. Nesse instante lembramos que ao passar na esquina do beco onde
fica localizada a casa de PÊNIA, na qual em seguida fomos recebidos (já
éramos esperados) para entrevista, nos deparamos com um jovem rapaz de
pés descalços, vestindo apenas um short sujo e rasgado, deixando
transparecer um corpo franzino e muito sujo. Mesmo à distância, era
perceptível seu “olhar perdido”, parecia assustado (Diário de Campo,
26/04/2013).
A propósito, através de anotações no Diário de Campo nos permitimos
registrar informes de suma importância sobre o lugar e as circunstâncias em que
vivem os informantes da pesquisa. Nossa presença junto ao cotidiano daquelas
famílias, embora modificando a rotina, possibilitou vivenciar momentos bem
interessantes, a exemplo de uma criança que ao chegar a sua casa trazia alimentos
distribuídos na escola (duas caixinhas de suco e um pacote de biscoito salgado). De
acordo com a mãe tratava-se da merenda do Programa Segundo Tempo13.
Fundamentado na importância do registro útil da conversação para a análise
dos discursos em momento oportuno e posterior, realizamos as entrevistas, que
duraram em média 52 minutos. As vozes das participantes, precedida de autorização
expressa, foram gravadas em áudio no formato Mp3, tendo sido posteriormente
transcritas na íntegra (com notas breves).
13
O Programa Segundo Tempo (PST), administrado pelo MEC, conta com a gestão local da
prefeitura de Sobral. Envolve uma proposta pedagógica na perspectiva da educação em tempo
integral, que agrega atividades esportivas e alimentação (cujo valor per capita é o dobro do
repassado pelo PNAE) no contraturno das aulas convencionais.
151
Logo depois, em um lugar reservado (distinto da casa das informantes)
dedicamos cerca de 30 minutos para anotações no diário de campo. Desse modo,
preferimos não intercalar com anotações em papel o curso natural das entrevistas, o
que nas palavras de Gaskell (2007, p. 82), “permite ao entrevistador concentrar-se
no que é dito em vez de ficar fazendo anotações”.
Realizamos o registro de ocorrências relevantes no Diário de Campo, e, por
vezes, consultamos e referenciamos dados quantitativos coletados junto ao
CadÚnico, disponibilizados pela coordenação local do PBF de Sobral ou por acesso
ao portal da transparência do governo federal, tornando possível traçar um perfil das
famílias beneficiárias, inclusas as titulares do cartão de benefício.
6.3.4 Rede de contatos: mediações necessárias
Para facilitar a entrada no campo investigativo, entendemos prudente envolver
a mediação de pessoas capazes de identificar mulheres elegíveis para as
entrevistas, conforme o perfil inicialmente pensado (35 anos, dois filhos, inscrita no
PBF há no mínimo dois anos), e, ao mesmo tempo, que fossem da esfera de
confiança destas, no sentido de motivá-las a participar da pesquisa, dialogando
conosco. A ideia foi procurar, tanto quanto possível, desvencilhar aquelas mulheres
do receio de perder o benefício, em razão da suspeita de (possível) ação
fiscalizadora. Em outras palavras, adotamos uma postura de cautela, que deve ser
compreendida como um esforço com vistas a “exorcizar” o medo de deixar escapar a
“zona de conforto” proporcionada pela transferência mensal de dinheiro, por entender
que tal situação de insegurança poderia, como notório, influir na fidedignidade das
narrativas.
Antes, porém, percebemos que o recrutamento de beneficiárias para a
entrevista não seria tarefa fácil, tendo em vista dificuldades no trato da aproximação
inicial, cuja qualidade da abordagem é vital para pactuação de uma relação de
confiança. Mas, onde e como começar a tratar uma questão tão sensível, visto que
envolve dinheiro para sustento de uma família, sabendo-se ser natural a estranheza
de uma titular desse direito com a atitude curiosa e, porque não dizer invasiva, de
152
terceiros.
A propósito, avaliamos a possibilidade de abordar beneficiárias ao acaso,
chegamos inclusive a estabelecer contatos iniciais com o proprietário de uma
agência lotérica ligada à Caixa Econômica Federal, lugar onde é pago grande parte
dos benefícios do PBF. Todavia, abandonamos a idéia por avaliar de antemão que
nossa presença naquele local poderia transparecer ameaça (golpe ou roubo),
assédio (moral e sexual) ou outro viés.
Dentre outras soluções de encaminhamento para recrutar beneficiárias,
cogitamos a possibilidade de partir dos dados relativos às famílias dos alunos da
educação infantil e/ou ensino fundamental de uma determinada escola, bem como
das informações contidas em certa unidade do Programa Saúde da Família (PSF) ou
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Entretanto, logo descartamos
esse caminho, posto envolver equipamentos públicos relacionados ao controle das
condicionalidades em educação, saúde e assistência social, respectivamente. Pela
mesma razão, preferimos não partir das indicações do staff da “Casa do Cidadão” de
Sobral.
No afã de buscar informantes a partir de um local que não tivesse implicação
direta com as condicionalidades, optamos pela Escola de Artes e Ofícios de Sobral,
espaço público voltado à qualificação profissional (gratuita) de jovens e adultos de
baixa renda. Assim, a partir de contatos com a direção da Escola chegamos até uma
Educadora Social residente no mesmo bairro (D. Expedito, situado na periferia
urbana) que, tão logo cientificada dos propósitos da pesquisa e tendo conhecido o
instrumento da entrevista, aceitou a tarefa de colaborar conosco na fase de pré-teste
do Roteiro Guia, com a missão adicional de identificar no cadastro da escola três
mulheres de 35 anos beneficiárias do Bolsa Família e com 2 filhos inscritos no
programa há pelo menos dois anos (naquele momento os dados de inscritos no PBF
apontavam 726 mulheres nessa situação no município – Apêndice B) e, ato contínuo,
convidá-las para uma entrevista.
O processo de recrutamento acima descrito demorou três semanas, tendo
sido relatadas dificuldades de localizar mulheres com exatos 35 anos e que,
satisfeitas as outras condições exigidas no perfil indicado, aceitassem participar da
153
entrevista. Na oportunidade, a Educadora Social relatou haver encontrado resistência
e desconfiança quanto ao mérito da pesquisa, no sentido de que poderia ser uma
fiscalização de algum agente do governo, motivo pelo qual elas preferiam não
participar.
Retornamos então à Educadora Social para detalhar os objetivos do pré-teste
e analisar com ela as questões propostas no sentido de esclarecer eventuais mal
entendidos, que poderiam estar dando causa à hesitação das beneficiárias quanto à
participação voluntária na pesquisa. Na mesma articulação, analisando em conjunto
a dificuldade em localizar uma mulher de 35 anos completos e a distribuição por ano
de idade das titulares do PBF em Sobral (Apêndice B), resolvemos alterar o perfil
etário alvo das entrevistas, de modo a abranger o intervalo de 30 a 39, justamente a
idade em anos com maior frequência, visto os dados oficiais.
Duas semanas depois, finalmente nos foi oportunizado o acesso a três
mulheres (dentre quatro convidadas) para entrevista, conforme grupo etário ampliado
de um ano para uma década, como acima mencionado. Dessa feita realizamos as
primeiras entrevistas com o propósito definido de aperfeiçoar o instrumento para
esse fim específico, (Roteiro Guia, Apêndice A), bem como o equipamento de
gravação.
Por tais motivos, procuramos nos cercar de algumas cautelas para, senão
afastar, minimizar resistências e desconfianças quanto à real ou suposta
intencionalidade do pesquisador. Tanto mais considerando as dificuldades relatadas
em campos investigativos análogos, as quais destacam o medo da perda do
benefício do PBF como limitador importante.
Tivemos a dificuldade de fazer com que as mães beneficiárias falassem
espontaneamente e aceitassem se envolver com a pesquisa, talvez pelo fato
de o PBF impor condicionalidades e estabelecer punições, como, por
exemplo, o cancelamento do recurso, as mães de demonstraram receosas e
constrangidas durante as entrevistas (MOREIRA, 2011, p. 70).
Surgiram algumas dificuldades para a realização das entrevistas, pelo fato
de que as pessoas a serem entrevistadas pensaram tratar-se de uma
fiscalização do programa, em vez de um estudo. (...) Houve resistência à
gravação das falas pelo medo de comprometer o benefício por meio das
declarações prestadas (BORGES, 2009, p. 54).
154
Nossa experiência no exercício do trabalho de nutricionista junto a SAFS, no
período de 1996 a 2008, facilitou por demais os contatos com as famílias da
comunidade. Nesse processo, cinco agentes comunitárias de saúde (ACS) e duas
lideranças locais aceitaram de pronto colaborar e recrutaram beneficiárias com o
perfil traçado para a investigação. De modo que, nossa incursão no campo contou
com uma Rede de Contatos.
Sendo assim, a história de nossas relações profissionais e afetivas firmadas
ao longo de doze anos em torno das famílias e alguns atores sociais que compõem a
comunidade dos bairros Alto Novo I e Alto Novo II, facilitou sobremaneira o
estabelecimento um pacto de confiança, indispensável no que tange ao sigilo das
informações expressadas nas entrevistas, conforme as razões antes expostas.
Contudo,
também
contamos com
informantes-chaves relacionados à
condução do PBF em Sobral, pessoas essas responsáveis pela gestão do programa,
cadastro e operacionalização das inclusões e exclusões de beneficiários e comando
das ações de campo junto às famílias inscritas. A partir da colaboração desses
sujeitos tivemos acesso à base de dados local.
Optamos pelo apoio das ACS por força de estarmos seguros da relação de
confiança historicamente construída entre aquelas profissionais e a comunidade da
área, tomando como referência o que testemunhamos de perto em anos anteriores.
Adicionalmente, não identificamos qualquer implicação prática daquelas agentes com
a possibilidade de bloqueio do benefício por desconformidade da conduta da família,
seja em relação à vacinação, assistência pré-natal ou outra contrapartida exigida das
famílias no campo da saúde. Nessa linha, não apuramos nenhum registro em Sobral
de bloqueio ou corte do benefício em dinheiro do PBF por conta de descumprimento
das condicionalidades em saúde, diferente do que ocorre na Educação, como será
adiante exposto.
Na sequência, com a intermediação de nossa Rede de Contatos constituída
por cinco ACS, um instrutor da Banda Musical sediada no bairro (na SAFS) e uma
liderança do tipo carismática residente há 34 anos no bairro, foram progressivamente
surgindo beneficiárias com o perfil previamente definido, e, nesse processo,
agendadas entrevistas com dia hora e local, conforme a conveniência de cada
155
pessoa convidada a participar. Cumpre ressalvar que as mulheres da comunidade
reservam a manhã e o início da tarde para o trabalho, inclusive o doméstico.
6.3.5 Beneficiário tipo
Uma vez considerando o extenso universo de inscritas do PBF no município de
Sobral, como também por força das razões acima referidas, optamos por traçar um
perfil de beneficiário tipo, tomando-se como referência os registros do CadÚnico do
município, em 31 de março de 2013.
A partir da exploração do banco de dados supramencionado, muito embora a
média de idade das titulares do cartão resulte em 38,4 anos, preferimos a moda (35
anos) para tal indicador como referência mais significativa de medida de tendência
central da distribuição etária, notadamente porque observamos (Apêndice B) que,
uma vez estratificadas por anos de idade, os grupos de 30 a 39 anos (com discretas
variações numéricas) foram aqueles com maior número de pessoas dentre todas as
faixas existentes.
Em suma, a partir da consideração da estratificação do universo amostral – de
acordo com a idade das titulares do cartão e dos demais beneficiários que compõem
o grupo familiar inscrito no PBF em confronto com os critérios de composição do
valor transferido – chegamos a seguinte “beneficiária tipo” para entrevista: Gênero
feminino, idade entre 30 e 39 anos (“balzaquiana” 14), 2 filhos e benefício no valor de
R$ 138,00. No segmento do trabalho de campo, por critério de saturação teórica,
chegamos a 11 entrevistadas (Tabela 3), todas com dois filhos inscritos no PBF e
cujas idades variaram de 31 a 39 anos na ocasião do diálogo.
Todas elas beneficiárias no PBF, ou dos programas de transferência de renda
antecedentes, com tempo variável de 9 a 13 anos. Acreditamos tratar-se de um
tempo significativo que, inclusive, na maioria dos casos, remete à memória de
transição dos programas remanescentes (Bolsa Escola, Auxílio Gás e Cartão
14
A expressão "balzaquiana" é aqui empregada para designar a mulher na faixa de 30 anos, por
referência a Honoré Balzac, autor da obra “a mulher de 30 anos”, publicada inicialmente em 1832 na
França.
156
Alimentação) para o Bolsa Família, fato esse que constituiu um interessante
parâmetro de análise.
Tabela 3 - Perfil etário e tempo de permanência em programas de transferência
condicionada de renda das famílias beneficiárias do PBF objeto das entrevistas
IDADES DO BENEFICIÁRIO
(anos)
Filhos
Titular do Cartão
(2)
NOME FICTÍCIO
TEMPO (anos) como
(entrevistada)
beneficiária da Transferência
“DEUSA
de Renda*
PERSONIFICAÇÃO
GREGA”
31
13
03
IRENE
Paz
12
32
10
07
HERA
Casamento
09
33
09
15
14
13
14
16
07
12
10
10
10
10
34
35
36
38
39
07
12
13
08
10
09
17
EUFROSINA
Alegria
ÍRIS
Arco-íris
PÊNIA
Pobreza
TÊMIS
Justiça
FEBE
Mistérios e segredos
ÉRIS
Discórdia
Cuidado nutricional
(Responsável pela
14 ADASTREIA
Nutrição do bebê
Zeus)
14
DEMETER
Maternidade
14
05
11
17
ELPIS
Esperança
13
13
Informante Chave (Renunciou ao benefício do PBF)
34
10
16
METIS
SABEDORIA
Recebeu entre 1999 e 2008
* inclui o período de aos programas remanescentes ao Bolsa Família, quais seja: Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, Auxílio Gás e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil)
Para preservar a identidade e garantir o anonimato das mulheres
entrevistadas, trocamos seus nomes verdadeiros por fictícios. No caso, utilizamos
nomes de “deusas gregas”, por critério de aproximação entre a narrativa de cada
entrevistada e a personificação de uma dada deusa, conforme o conhecimento de
mitologia que tivemos acesso (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2003; RUSS, 1994). A
opção por tal designação se deve em particular à escolha da hermenêutica filosófica
como principal referencial teórico nesse estudo, sabendo-se que etimologicamente a
palavra hermenêutica (do grego hermeneutike) é uma derivação do nome de
Hermes, deus grego, a quem competia transmitir a mensagem entre homens e
deuses (GADAMER, 2010).
157
6.3.6 Roteiro Guia e saturação teórica
Na
perspectiva
da
abordagem
compreensiva
da
produção
subjetiva
apreendida no campo, optamos pela criação de um Roteiro Guia com enfoque na
técnica de entrevista dialógica (apêndice A), compondo dessa forma uma matriz
norteadora das questões abordadas no campo investigativo. Assim, as perguntas
foram preliminarmente orientadas conforme as dimensões de análise fundamentadas
na teoria (explorada nos capítulos antecedentes), em direção à saturação teórica dos
principais temas de interesse para essa pesquisa.
Uma vez realizada uma série de entrevistas dialógicas, sequenciamos as
informações obtidas em dois polos cronológicos:
(1) Pré-análise - leitura flutuante do material constituinte do corpus da pesquisa;
(2) exploração do material: codificação e recortes dos elementos constitutivos do
objeto de estudo em categorias empíricas, agrupadas em unidades (ou dimensões)
de análise.
Na sequência, apresentamos os resultados como segmento do processo de
formulação teórica que culminou com a construção de uma Rede Interpretativa,
procurando avançar na análise e discussão das informações qualitativas, distribuídas
em tópicos que refletissem os eixos temáticos (desdobrados em categorias
empíricas) e conceitos referenciados na literatura, intercalando com (1) os textos dos
documentos consultados e (2) as vozes das beneficiárias.
Empregamos um critério de amostragem não probabilístico intencional,
coerente com a tradição da pesquisa qualitativa, cujo número de entrevistados deve
alcançar o limite preconizado como saturação teórica (FONTANELA et al., 2011),
vale dizer, critério que determina a inclusão na pesquisa de tantos sujeitos quantos
necessários para que o conjunto dos informantes se mostre suficiente e denso para a
análise pretendida.
Sendo assim, na construção do corpus de análise utilizamos o critério da
saturação teórica para selecionar informações qualitativas diretamente das
entrevistas ou indiretamente dos textos. Nesse labor, em vista do adensamento dos
dados, adotamos o procedimento descrito por Bauer e Gaskell (2007, p.512).
158
O processo de seleção é interrompido quando se torna claro que esforços
adicionais não irão trazer mais nenhuma variedade. Unidades adicionais
dão lugar a retornos decrescentes.
No processo de análise dos discursos das beneficiárias dedicamos particular
atenção às redundâncias nas informações qualitativas, no ponto em que
reconhecíamos a suficiência dos dados qualitativos obtidos nas entrevistas, atentos
ao limite (empírico) a partir do qual já não mais encontrávamos inovações. Nesse
passo, sempre buscando articulações e implicações dos dados obtidos com a
precitada Rede Interpretativa (pautada nos referenciais teóricos explorados),
acreditamos haver atingido o critério de saturação teórica preconizada por Glaser e
Strauss (1967), em cuja amostra é delimitada pela variedade de dimensões
analíticas, e suas respectivas categorias, contidas nos dados e não pela
representatividade numérica destes.
6.4 Processo de codificação das informações qualitativas consoante a Análise
Crítica de Discurso
Nosso trabalho com as informações qualitativas envolveu a coleta e
tratamento dos componentes mais significativos das informações qualitativas. No
trato das entrevistas dialógicas, tomamos o cuidado de transcrevê-las logo após a
sua realização, ainda com a memória recente das impressões de maior impacto em
nosso entendimento. Utilizamos o editor de texto Word Office 2010, momento a partir
do qual, indo e vindo nas leituras, fomos selecionando trechos e atribuindo notas
breves (comentários ou lembretes) baseados em nossa pré-compreensão –
conforme assinalada por Gadamer (2008) –
e nos pressupostos teóricos e
conceituais antes referidos, mas sempre com zelo para evitar etiquetas deterministas
e simplistas.
El proceso analítico de escribir marcha paralelo al de leer. Así como escribir
es un acto positivo para encontrar sentido, también lo es leer (o ló debería
ser). Un acercamiento activo y de tipo analítico a la “literatura” es parte
importante del proceso recurrente de reflexión e interpretación (COFFEY;
ATKINSON, 2003, p. 130).
159
O ponto de partida de nosso exercício hermenêutico nessa pesquisa foram os
eixos temáticos, as dimensões interpretativas e as categorias preliminares baseadas
na teoria, as quais foram sendo resignificadas e reelaboradas no processo de
codificação, seguido da análise dos discursos, à medida que emergiam categorias
novas no campo investigativo. Todas elas apreendidas nos textos dos discursos
obtidos para então serem destacadas na composição reformulada da Rede
Interpretativa, com vistas a destacar temas e conceitos capazes de cumprir funções
importantes, inclusive, nos permitir revisar rigorosamente o que disseram as vozes
consignadas em nossos dados.
As categorias inicialmente emergentes da base teórica que estruturou a
pesquisa foram reformuladas e reajustadas com o avanço do trabalho de campo, no
interior de um diálogo entre teoria e evidência empírica. O ponto de partida desse
processo complexo de categorização, que nos exigiu muito na etapa de análise do
material empírico, foi o esforço criativo para identificação de temas e dimensões
relevantes e significativas – pertinentes aos objetivos da pesquisa e a dialética do
desenvolvimento do projeto – surgidas nos discursos com alguma regularidade e
coerência (LÜDKE e ANDRÉ, 1986; BOSI; UCHIMURA, 2010). Toda essa dinâmica
no curso do estudo provoca, dentre outros movimentos, um revisitar da literatura
antes consultada.
Gadamer (2008), por alusão a Heidegger, ressalta a importância da revisão
dos projetos prévios de sentido em vistas da compreensão, notadamente na
perspectiva de antecipar um novo plano de sentido. Sendo assim, criam-se as
condições subjetivas para que também projetos rivais sejam postos lado a lado na
construção de sentido, até alcançar uma unidade. Para aquele autor, todo esse
movimento de sentido do compreender e do interpretar deve começar com conceitos
prévios que, no curso desse processo, cederão lugar a outros mais adequados.
Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão
logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um
sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta
porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na
perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está
posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto
prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado
com base no que se dá conforme se avança na penetração do
sentido (Op. cit., p. 105).
160
Ao lado das recorrências, procuramos igualmente evidenciar nos discursos
analisados aqueles que se diferenciaram por expressar opinião notoriamente
inovadora e, por vezes, oposta às demais. Foi interessante verificar ao longo desse
processo hermenêutico que várias das vozes e experiências nelas presentes
produziram insights, surpresas e outros impactos de viva importância em nosso
esforço criativo, no encontro de uma tese de natureza acadêmica. Portanto,
desenvolvemos nossa pesquisa conscientes de que o
nosso conhecimento é,
particularmente, função de interações com o mundo social que nos cerca, sendo
também modelado pelos métodos de investigacão e tratamento dos dados que
elegemos ou produzimos, não como um conjunto independente de procedimentos
aplicados e resultados obtidos, mas como trabalho que foi adquirindo existência
conforme nossas próprias vidas e processos analíticos.
Realizamos a condensação do grosso de nossas informações qualitativas em
unidades analisáveis – e o fizermos à semelhança da codificação descrita por Coffey
e Atkinson (2003), como o processo de compilação dos dados na perspectiva de
expandir, transformar e recontextualizar os mesmos, ampliando assim as
possibilidades analíticas no sentido de reconstruirmos diversas facetas das
experiências das beneficiárias do PBF na forma de um texto analítico,
intrinsecamente relacionado a um processo de teorização. Trabalho intelectual esse
que, sabe-se, além de exigir uma leitura ativa da literatura de ciências sociais e
humanas, requer uma interação criativa e disciplinada com a produção subjetiva.
Nesse prisma, a codificação foi empregada para interagir com as informações
qualitativas até alcançar categorias mais gerais e simples e, adicionalmente,
selecionar e recombina-las com vistas à formulação de novas perguntas e níveis de
interpretação.
Percorrendo e integrando as informações qualitativas no processo de
codificação criamos categorias com elas e a partir delas estabelecemos vínculos de
várias classes, destacando excertos significativos por nós reunidos para identificar,
criativa e criticamente, categorias estreitamente relacionadas às diretrizes analíticas
e aos eixos temáticos, sempre buscando unidades significativas, como parte do
empreendimento indutivo guiado pelas mesmas informações, coerentes com os
161
objetivos traçados para essa pesquisa.
A codificação das informações qualitativas – ao exigir a leitura e releitura e
realizar uma série de ações que ajudam a seleção, o recorte, a fragmentação e a
categorização – possibilita ao investigador obter uma visão (recontextualizada) em
perspectiva do conjunto de informações reunidas. Nada obstante, a interpretação
requer a transcendência os dados “fáticos” como parte de um processo analítico
norteado por zelo e rigor (COFFEY; ATKINSON, 2003; NEVES, 1996). Para tanto,
nesse trabalho, buscando o alinhado com a tradição hermenêutica, optamos pela
técnica de análise de discurso identificada com a vertente crítica.
Na perspectiva de uma análise crítica, o discurso – uma vez reconhecido
como prática social (nas dimensões reprodutiva e construtiva) – deriva da interface
dialética entre as estruturas e as relações sociais. Por tal óptica, a Análise de
Discurso abrange também algumas dimensões implicadas com o contexto de quem
fala em um dado tempo e lugar (ROJO, 2004). Sendo assim, no caso concreto dessa
pesquisa, importou conhecer a representação dos processos comunicativos
implicados com a condição de privação material, particularmente do modo
expressado (e apreendidos como códigos em nosso esforço hermenêutico) pelos
titulares do cartão do Bolsa Família, ao lado da intervenção política a ela relacionada
ou focalizada.
Os códigos frequentemente representam categorias de distintas abordagens,
não necessariamente contraditórias, mas sempre complexas, algumas das quais já
implicam referências interpretativas ao vincularem pressupostos teóricos e
conceituais a questões críticas que emergem do campo de investigação. Nesse
passo hermenêutico, a decisão que tomamos nesse trabalho ao longo do processo
de codificação – focalizando relações sistemáticas entre eixos temáticos, diretrizes
analíticas e categorias empíricas – implicou em uma estratégia analítica, aqui
assumida como uma Rede Interpretativa.
Todo el proceso de investigación debe estar condicionado por la conciencia
de lãs posibilidades del análisis. La investigación bien informada y diseñada
y la recolección de datos siempre deben conducirse comprendiendo cuáles,
seguramente, van a ser lãs estrategias analíticas (COFFEY; ATKINSON,
2003, p. 14).
162
O processo de codificação realizado possibilitou a identificação de fenômenos
instigantes, representando, por conseguinte, informação qualitativa para análise
crítica dos discursos. Os códigos, tomados como princípios organizadores
favoreceram ainda o reordenamento das informações qualitativas, provocando-nos a
discutir os mesmos de modos distintos de muitas de nossas ideias de partida nesse
trabalho.
Desse modo, em nossa incursão no campo investigativo protagonizado por
beneficiárias da transferência de uma renda mínima, nos permitimos analisar os
discursos em termos de como eles se desenvolvem ou como constroem sentidos e
significados. Por tal premissa hermenêutica, buscando-se problematizar a relação do
sujeito com o sentido em face da determinação histórica do processo de
significação, foram estabelecidas corelações entre fontes documentais e algumas
das situações narradas ou os argumentos mais ou menos expressos pelas
entrevistadas.
Quem escuta deve estar disposto a ouvir pra lá das evidências e
compreender, acolhendo a opacidade da linguagem, a determinação dos
sentidos pela história, a constituição do sujeito pela ideologia e pelo
inconsciente, fazendo espaço para o possível, a singularidade, a ruptura, a
resistência (ORLANDI, 2012, p. 59).
Na busca da compreensão da constituição do sujeito, em função das
ideologias que o implicam no âmbito de suas funções e relações sociais,
particularmente aquelas associadas à sua inserção como beneficiário do PBF,
adotamos uma versão analítica de discurso também inspirada na teoria crítica
identificada com o materialismo histórico. Por tal enfoque reflexivo, valoramos a
vertente interpretativa que considera as produções discursivas na qualidade de
componentes de formações ideológicas – contexto no qual o sujeito que fala toma
posição em meio às representações das quais ele é o suporte em um determinando
momento histórico (MALDIDIER, 2003).
Dito de outra forma, as narrativas
individuais estão situadas dentro de interações particulares e no interior de discursos
sociais específicos.
Para a identificação dos temas e conceitos pertinentes ao objeto em estudo
tomamos como referência as informações qualitativas coletadas nas entrevistas para
pensar com e a partir deles, prestando atenção não apenas na semântica do
163
discurso, mas também na maneira como se expressa algo, as conexões com outras
passagens discursivas, o conjunto de cada fala individual e, ainda, o que foi referido
sobre o mesmo assunto por outros entrevistados.
6.5 Rede Interpretativa
No afã de procurar sentidos no ato interpretativo, buscamos com a análise da
entrevista através da lente hermenêutica, em um movimento reflexivo, focar algo
mais que a mera aceitação do real aparente, alcançando sobremodo valores
sensíveis da história e cultura daqueles partícipes do estudo, não verificáveis
objetivamente.
Na vida cotidiana sei, ao menos groseiramente, o que posso esconder de
cada pessoa, a quem posso recorrer para pedir informações sobre aquilo
que não conheço e geralmente quais os tipos de conhecimento que se
supõem serem possuídos por determinados indivíduos (BERGER;
LUCKMANN, 2009, p. 65).
Em nossa espiral compreensiva ao longo da presente investigação,
assentado na teoria crítica, muitas vezes foi necessária a resignificação (ou mesmo
mudanças) dos pressupostos teóricos e conceituais apreendidos a partir da literatura
pertinente ao núcleo de ciências sociais e humanas do campo da Saúde Coletiva.
Também por isso, em nosso esforço propriamente humano de compreender
partimos da consideração de que sempre há algo no discurso não entendível – quer
seja em função da limitação do intérprete (sobretudo nosso mecanismo cerebral que
conduz à padronização mental – captando recorrências nas dinâmicas, vale dizer:
interferindo na realidade tal como percebida) (VYGOTSKY, 1991), de problemas da
própria comunicação ou mesmo por conta do sujeito que fala não saber exatamente
o que diz. Por evidente, em seu conjunto, dificuldades dessa natureza prejudicam a
análise contextualizada e situada do momento discursivo.
O que alguém queria de verdade dizer em seu depoimento
permanece mistério indevassável, porque nem o analista consegue
deslindar de todo as entranhas da fala, nem o depoente sabe
totalmente de si pra garantir o que disse o que realmente queria dizer
(DEMO, 2009, p. 34).
164
Para nortear nosso exercício de compreensão hermenêutica a partir de
leituras exaustivas das entrevistas, optamos por “tecer” uma Rede Interpretativa
(LÜDKE E ANDRÉ, 1986), baseada em um conjunto entrelaçado de dois eixos
temáticos, estruturados em igual número de dimensões analíticas, cada uma destas
desdobradas em uma série de dezesseis categorias empíricas. Tal arranjo teórico,
que traz consigo a ideia de “rede”, representa um esforço didático no sentido de
facilitar o processamento das informações apreendidas no curso do trabalho
(GODOY; BOSI, 2007; KANDEL, 1987), conforme a perspectiva teórica adotada.
Tabela 4 - Rede Interpretativa
EIXOS TEMÁTICOS
(A) Transferência de
renda focalizada na
pobreza material
DIMENSÕES ANALÍTICAS
(A.1)
Segurança alimentar/nutricional na
15
aproximação da vertente do bem viver
(A.2)
Ideologias e relações assimétricas de
poder
(B) Política
compensatória na
perspectiva de
investimento no
capital humano
(B.1)
Serviços públicos mediados por
condicionalidades
(B.2)
Projeção de futuro às famílias
beneficiárias
CATEGORIAS EMPÍRICAS
Mínimo existencial
Bem viver
Solidariedade orgânica
Consumo
Accountability
Advocacy
Dissimulação da dominação
Reificação da realidade
Funcionalização da miséria
Liberdade
Dádiva
Direito de cidadania
Acomodação
Empregabilidade
Emancipação
Entendemos por “solidariedade orgânica”, nos limites desse estudo, como um
movimento em favor do equilíbrio de uma sociedade incomodada pela pobreza e a
fome, algo como um construto que envolve as iniquidades sociais mediadas pelo
trabalho ao lado das demandas socioeconômicas voltadas à sobrevivência material.
É contrário à lei da natureza que um punhado de homens seja abarrotado
de superfluidades, enquanto faltam à multidão faminta as necessidades
15
As mais recentes constituições latino-americanas, a exemplo da Venezuela e Bolívia, inovam na
configuração política do Estado (diferenciado dos ordenamentos jurídico-constitucionais europeus,
fonte de inspiração de todas as Constituições no curso da História do Brasil) ao apontarem para uma
transição paradigmática em direção à vertente do bem viver, voltado à proteção da vida nas suas
diferentes manifestações e, nesse sentido, aberto a abordagens de direitos que valoram a
convivência harmônica com o meio ambiente, sobretudo a partir de novas formas de participação
democrática e de controle social das políticas públicas.
165
básicas (ROUSSEAU, 1762, p. 288).
Nesse contexto, os indivíduos se aproximam entre si e do Estado pela
necessidade de troca de serviços e bens, função de uma relação de
interdependência, vital para a organização de uma sociedade complexa do tipo
capitalista. Na solidariedade orgânica, como revela Durkheim (2010), a diferenciação
social dá azo a um sentimento de liberdade individual, mormente quando a
consciência coletiva perde a rigidez, abrindo espaço à consciência individual, na
qual cada um tem autonomia de juízo e de ação.
Acreditamos que, ao destacar o direito social à alimentação no arranjo
político-constitucional do Brasil ao lado do direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, caput) e da dignidade da pessoa humana
como princípio fundamental de um Estado Democrático de Direito (CF, art. 1ª, inc.
III), nossa nação assumiu a meta de promover a segurança alimentar/nutricional na
perspectiva do bem viver. Nesse sentido, consignou a obrigatoriedade de políticas
públicas no campo da alimentação e nutrição, ao tempo que favorece a emergência
de dinâmicas construtivas legitimadas por novos sujeitos participativos.
Bem viver entendido como um uma condição humana e social tendente à
harmonia com o meio ambiente e articulada com transformações paradigmáticas,
que envolvem processos sociais em permanente movimento. Tal abordagem da
dinâmica da vida se opõe à idéia de qualidade de vida – pressuposta pelo
paradigma da globalização – como objetivo a ser alcançado pelos seres humanos.
Por outro lado, discute o impacto na sociedade e na natureza da crise cultural
contemporânea de inspiração liberal-capitalista, particularmente a determinação das
relações assimétricas de poder e da lógica de consumo.
166
7. PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ÉTICOS
A forma de agir na relação que estabelece com o objeto de estudo, bem
como os meios utilizados para estudo e a reflexão desenvolvida, deve ser
acima de tudo uma atitude ética.
(Hans-Georg Gadamer)
Seduzido por aconselhamento em prosa de Luis Fernando Veríssimo, em “A
pessoa errada”, resolvemos adotar nesse trabalho o desígnio interpretativo por ele
proposto, qual seja:
Compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças,
brindar as descobertas, buscar a evolução. (VERÌSSIMO, 1986).
E o fazemos por concordar que no relacionamento conosco e com outro humano,
como parte de uma investigação científica pautada na exploração/interpretação do
estar-no-mundo (HEIDEGGER, 2006), sem falsas verdades. Daí, minha missão
nesse trabalho passa por compreender o universo empírico daqueles partícipes da
trama desse estudo, rechaçando o pensamento meramente sistemático.
Aliás, como parte do nosso labor compreensivo com vistas a esboçar um
processo de comunicação significativa com o objeto da pesquisa, projeto empregar
uma
abordagem
qualitativa
instrumentalizada
em
um
rigor
metodológico
permanentemente integrado ao cuidado e zelo éticos.
Por outro lado, uma vez definida nesse trabalho a reflexividade como postura
epistemológica, optamos por assumir com zelo ético práticas de análises,
questionamentos e, quando entender necessário, me reposicionar em temas e
situações porventura identificadas fora do lugar na práxis pesquisada.
Assim, movido por uma abordagem reflexiva, assumimos por todo o tempo de
realização desse trabalho o compromisso de sopensar e rever nossas ações e
procedimentos técnicos empregados em cada etapa processo de trabalho
investigativo, mormente na entrevista dialógica. A ideia foi assegurar que a coerência
epistemológica e o exame atencioso de todos os achados reflitam também nossa
visão de mundo.
167
Nesse passo, com primazia sobre a missão desdobrada no pragmatismo de
nosso ato de pesquisar – consentâneo natural de um curso de doutorado nas hostes
da Capes, observamos no trato cuidadoso com os sujeitos envolvidos na
investigação os seguintes aspectos éticos: o anonimato, a confidencialidade e o
consentimento livre e esclarecido.
Por via de responsabilidade, acreditamos haver cumprido o compromisso
integralmente as disposições éticas definidas pelas normas vigentes no âmbito da
pesquisa com seres humanos, inclusive com observância dos princípios da bioética
(autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça), positivados na resolução
196/96 do CNS – Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1998). Procurando sempre
contextualizar cada procedimento envolvendo pessoas no âmbito da dimensão
altruística, porventura identificada, no campo da Saúde Coletiva.
Os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos que possuem livre arbítrio para
decidir participar ou não da pesquisa, sempre de forma voluntária, inclusive negar a
responder quaisquer dos questionamentos ou desistir da pesquisa, ficando esses
termos evidenciados na forma de um instrumento: Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).
Cada pessoa entrevistada foi cientificada da importância de sua
participação nesse trabalho, admitindo-se que ela possa ampliar a informação ou
expor fatos por ela julgado relevantes para o pesquisador melhor compreender a
situação ou fenômeno em estudo (SORIANO, 2004).
Em atenção ao prescrito na Resolução n o 196/96 a presente pesquisa foi
cadastrada (14 de novembro de 2012) no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa
(SISNEP), através da Plataforma Brasil, e recebeu do Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal do Ceará parecer (nº 108.635, em 4 de outubro de 2012)
favorável à sua realização.
168
8. O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS
A diversidade de fontes documentais relacionadas, direta e indiretamente, ao
PBF, incluso sua origem no bojo do FZ, envolvendo normas administrativas e
jurídicas que tratam do direito humano e social à alimentação – inclusive o extenso
rol de documentos técnicos disponibilizados (na internet) por diferentes ministérios e
órgãos de planejamento e de controle interno (CGU) e externo (TCU) da União
Federal – constituíram um rico material que, ao lado das informações coletadas junto
à coordenação municipal do Bolsa Família em Sobral no período de março a maio
de 2013, nos permitiram avançar na compreensão do objeto de estudo, como a
seguir será apresentado.
8.1 O Fome Zero com o Bolsa Família
Uma vez considerada a segurança alimentar e nutricional no eixo central das
políticas públicas do Brasil, é pertinente abordar as movimentações em favor do
ideal de zerar a fome no país, destacando motivações no âmbito da moral social e
da economia política. As reflexões apresentadas são originárias de pesquisa
bibliográfica e documental da trajetória do Fome Zero, assumido-o como uma
política pública com vistas à promoção do DHAA.
Conforme discurso oficial, tal iniciativa corresponde ao implemento e
articulação
de
programas
sociais
focalizados
no
alcance
da
segurança
alimentar/nutricional e, nessa condição, a inclusão social e a conquista da cidadania
daqueles mais vulnerável à fome (INSTITUTO CIDADANIA, 2001; BRASIL, 2011d).
Reconhecendo-se como tal, o Fome Zero seria uma estratégia em
permanente movimento, desfecho incompleto no qual quaisquer tentativas de
promover uma análise conclusiva encontra limitações prejudiciais por força da
carência de uma maior substancialidade reflexiva no universo de inúmeras
controvérsias e polarizações reducionistas, bem como em virtude da fragilidade da
produção empírica nesse campo temático (BRAGA; PAULINO, 2012).
Todavia, desde o seu lançamento em 2003, na cidade de Guaribas, no
semiárido piauiense, até alcançar os 5.564 municípios do Brasil ao longo de 10 anos
169
de sua implementação, o Fome Zero passou por uma série de transformações e
cresceu em amplitude de ações, cobertura e complexidade no processo de gestão
intersetorial nas diferentes esferas da federação, todavia,como antes mencionado,
hoje o Bolsa Família é o programa que prevalece na ótica de promoção da SAN.
Considerando-se a relevância e a extensão do tema no âmbito da saúde
coletiva, nosso compromisso nesse trabalho passa também pela exploração de
significações e sentidos dos discursos e da práxis em alimentação e nutrição no
universo simbólico do Bolsa Família, uma vez declarado como estratégia nacional
capaz de integrar ações intra e intergovernamentais na perspectiva da promoção
socioeconômica de famílias e, nesse processo, voltado a mitigar a possibilidade de
fome e, por extensão, qualquer outra expressão de pobreza material que o dinheiro
pode afastar.
Nesse contexto em movimento cabe a analise das distintas dimensões
presentes no discurso oficial e na práxis em alimentação e nutrição do Bolsa
Família. Optou-se então por explorar os principais aspectos históricos que delineiam
essa estratégia governamental em face da lógica do modo de produção e consumo
do mercado capitalista e das movimentações políticas pautadas no DHAA.
Contudo, compreender as razões e o porquê da convergência de variados
programas de governo, presentes e passados, circunscritos no Fome Zero remete à
análise do processo sócio-histórico do país, sobretudo a partir da década de 1990,
materializado na mobilização nacional pela valoração da miséria social da fome
como questão a ser combatida, conforme consenso de agentes sociais e políticos
envolvidos.
Ao longo desse percurso, entendendo-se a fome como forma de violação ao
direito à alimentação, é pertinente discutir o mérito da transferência direta e
condicionada de renda na forma do Bolsa Família. Nessa perspectiva são
explorados significações e sentidos dos discursos e da práxis em alimentação e
nutrição no universo empírico desse programa. Para tanto, confronta-se a dualidade
dialética entre emancipação sustentada e acomodação em face da transferência
condicionada de renda às famílias em suposta condição de insegurança
alimentar/nutricional por recorte econômico.
170
8.2 “Programa” Fome Zero: Do projeto político à estratégia de governo com
objetivos em alimentação e nutrição
Reunião de preparação do Fome Zero no gabinete do ministro Graziano.
Queremos evitar o assistencialismo: Como se sabe que uma política pública
é ou não assistencialista? Depende da resposta a questão: se o provedor
desaparecer, o beneficiário avança ou regride?
(Frei Betto)
O Projeto Fome Zero (BRASIL, 2001), formulado por técnicos e colaboradores
do Instituto Cidadania, com o envolvimento de organizações não governamentais em
uma série de seminários e debates ao longo do Brasil, foi efetivamente apresentado
à sociedade em 16 de outubro (Dia Mundial da Alimentação) de 2000, como
proposta de política nacional participativa de segurança alimentar e combate à fome,
fundada basicamente em análises técnicas desenvolvidas na Universidade Estadual
de Campinas - UNICAMP com indicação de ser a problemática da fome no país
função da insuficiência de renda, e não da falta de alimentos.
A análise de conjuntura nacional no bojo do Fome Zero fundamentava a
necessidade premente de empreender, naquele momento histórico, políticas em três
grandes eixos (Figura 5), quais sejam: (1) ampliação da demanda efetiva de
alimentos, (2) barateamento do preço dos alimentos e (3) programas emergenciais
para atender aquela parcela da população excluída do mercado (BRASIL, 2001).
Betto (2007) revela que testemunhou anos antes – início da década de 1990,
no Instituto Cidadania – a indicação (feita por Lula) do bispo dom Mauro Moreli e do
sociólogo Betinho para levar às ruas uma proposta de segurança alimentar
elaborada pelo agrônomo José Gomes da Silva, coordenador do Plano de
Segurança Alimentar do Governo Paralelo do PT (gabinete informal criado após a
derrota na eleição presidencial de 1989 para Fernando Collor, com o propósito
elaborar planos setoriais de governo e que, ato contínuo teria sido formalmente
estabelecido como o Instituto Cidadania, presidido por Lula). Para a mesma fonte,
Betinho, identificado com o PDT de Brizola,
[...] ao assumir a proposta como sua, evitou que a campanha da fome fosse
partidarizada. Deu-lhe caráter cívico, acima de partidos e credos, e facilitou a
mobilização nacional. Teve o mérito de sensibilizar toda a nação para o problema,
171
projetando-o como questão política. (BETTO, 2007).
Figura 5 - Principais eixos de ação políticas projetadas para serem desenvolvidos
conforme concepção inicial do Projeto Fome Zero
Fonte: Instituto Cidadania, 2011.
Silva et al. (2010), em artigo dirigido aos críticos do Fome Zero, reclamam que
até a edição dessa iniciativa, os programas de transferência de pequenos valores
monetários – por eles denominados de “Bolsa-Esmola” – eram insuficientes para
alterar o quadro de miséria e desnutrição.
...Por isso é que a proposta do Fome Zero envolve três grandes eixos
simultâneos: ampliação da demanda efetiva de alimentos, barateamento do
preço dos alimentos e programas emergenciais para atender a parcela da
população excluída do mercado. (Op. Cit, p. 41)
Na eleição presidencial de 2002, o então Projeto Fome Zero passa a fazer
parte do conjunto de propostas do vitorioso candidato Lula, em cujo discurso de
posse – texto onde a palavra fome figura doze vezes – anunciou o combate à fome
como prioridade de governo: “se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros
tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a
missão da minha vida” (SILVA, 2003). Tornar real aquela projeção, conforme seu
discurso, representaria a culminância de sua missão histórica. Tal declaração viria a
172
motivar um amplo apoio da sociedade e de segmentos do mercado àquele programa
(BETTO, 2003).
Ato contínuo, mesmo antes de iniciado, o agora Fome Zero (FZ) já fora citado
como referência mundial no combate à fome, uma vez que o inédito propósito de,
mediante políticas estruturais, específicas e locais (Figura 6), garantir o Direito à
Alimentação como prioridade de governo, se coaduna(va) com a luta de diversos
movimentos sociais do país no sentido de fortalecer a abordagem dos direitos
humanos na discussão sobre SAN (VALENTE, 2003; ZIMMERMANN, 2004), em
harmonia com uma articulação internacional de segmentos importantes da
sociedade civil com vistas à construção de um sistema democrático favorável à
consecução plena (ou no mínimo satisfatória) dos direitos humanos (SARAMAGO,
2002).
Figura 6 - Esquema das propostas do Projeto Fome Zero
Fonte: Instituto Cidadania, 2011.
173
Em um primeiro momento, a operacionalização do Fome Zero foi centrada no
repasse de um crédito de R$ 50 a 250 reais mensais (variável à razão da quantidade
de filhos) para compra de alimentos, mas não na forma de dinheiro vivo e sim na
modalidade de vale-alimentação, uma espécie de “moeda” de troca por produtos
alimentícios previamente listados pelo governo federal, com indicação de consumo
pelos beneficiários do projeto.
Em troca da ajuda, as famílias beneficiadas deveriam cumprir algumas
exigências do programa, como a de participar em programas para a
comunidade local, como a construção de viadutos, ampliação da rede
elétrica e coleta de lixo. Também, ‘cada família terá que indicar que um
adulto se comprometerá a construir um banheiro em sua casa’, enquanto
em outros casos deveriam realizar tarefas agropecuárias, de turismo ou de
serviços (...). Para receber a ajuda concedida no mês seguinte sucessivo,
as famílias beneficiadas deveriam mostrar o ticket ou a fatura dos alimentos
que compraram no mês precedente. (COGGIOLA, 2007, p. 12)
Antecipando a polêmica em torno da proposta do FZ, Batista Filho (2003)
sustentou, no ano do lançamento da iniciativa (2003), que o seu campo de
proposições constituía um marco de referência capaz de mudar o curso da história
política, econômica e social do Brasil, com novas diretrizes éticas voltadas à
correção das distorções estruturais da sociedade brasileira. Quatro anos mais tarde,
o Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) considerou que a
iniciativa do FZ de complementar um conjunto de ações compensatórias com outras
de geração de renda configurava um acerto estratégico digno de ser replicado
noutros países (TUBINO, 2007).
Na linha diametralmente oposta, Francisco de Oliveira, um dos fundadores do
Partido dos Trabalhadores (PT), sustentava que programas como o Fome Zero
seriam instrumentos de funcionalização da miséria, isto é, tornariam a miséria
suportável e funcional. Aquele referenciado sociólogo advertia que tais iniciativas
constituem um tipo de "ajuda humanitária" para garantir a sobrevivência dos mais
pobres sem alterar a condição social destes e a estrutura de distribuição de riquezas
no Brasil (OLIVEIRA, 2006). Nesse sentido se fragiliza o caráter inovador e
emancipatório
eventualmente
sustentado
pelos
entusiastas
das
compensatórias.
O desafio maior do FZ, quando de seu início, estaria relacionado às
políticas
174
Mediações políticas entre o mundo social e o universo público dos direitos e
da cidadania. Essas mediações, a serem construídas e reinventadas,
circunscrevem um campo de conflito que é também de disputa pelos
sentidos de modernidade, cidadania e democracia.
(YASBEK, 2004, p. 111).
Valente (2003) observa que no primeiro mandato do governo Lula foi
assinalado com pioneirismo a priorização do combate à fome como eixo norteador
das políticas econômicas e sociais - e não só enquanto objeto de políticas
estritamente compensatórias - articulado a um novo modelo de desenvolvimento.
Com referência à mensagem publicitária do FZ: "Brasil que come ajudando o
Brasil que tem fome", Freitas e Pena (2007, p. 77) destacam que tal abordagem
reproduz um discurso reducionista que associa a problemática da fome aos objetivos
de atenuação da pobreza, minimizando o processo político-econômico gerador de
desigualdade social e fome.
Noutro sentido, partindo-se da premissa teórica de que as identidades são
construções sócio-discursivas e cambiantes, Cruz (2010) sustenta que o FZ, quando
de seu anúncio, representou uma interessante estratégia de marketing, no sentido
de buscar um inimigo comum (a fome) para auxiliar no processo de construção da
identidade nacional e favorecer a governabilidade.
Ainda na última década do século passado, o sociólogo Herbert de Sousa
(Betinho) defendia que “a alma da fome é política” (SOUZA; RODRIGUES, 1993, p.
22). Enquanto que, mais recentemente, Yasbek (2004), com base na conjuntura
político-eleitoral, sustentou que para a compreensão do significado político do FZ
para a sociedade é preciso ter como referência a amplitude das relações sociais,
bem como o significado da eleição de Lula no contexto de interesses do capitalismo
contemporâneo. Fato esse que, dadas as circunstâncias históricas, em tese,
significou um lócus privilegiado para ação de sujeitos-políticos potencialmente
capazes de superar a realidade reificada, coisificada, conforme sentido convergente
dos conceitos atribuídos por Habermas (1987) e Lukács (2009) em favor de uma
nação conscientemente mais justa: ética, econômica e socialmente.
Sob o pretexto de melhorar a gestão operacional e aumentar a efetividade do
175
gasto social, superando o caráter fragmentado e pouco eficaz dos (até então)
programas de transferência de renda, e sem admitir finalidade político-eleitoral, o
governo Lula resolveu unificá-los na forma do Bolsa Família, logo reconhecido pelo
impacto na redução da desigualdade de distribuição de renda (MARMOT, 2007) e
que, a seguir, passa a se confundir com (ou suceder) o FZ.
8.3 O Bolsa Família e a erradicação da pobreza
Com o propósito definido de promover o envolvimento contínuo do Sistema
Único de Saúde (SUS) na gestão do PBF, o PPA 2004-2007 reitera a importância do
protagonismo do setor saúde na condução de medidas relacionadas ao “combate à
fome” (sob coordenação do recém-criado Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome). Nesse particular, está consignado naquele plano o compromisso
do governo para com o cumprimento da agenda de compromissos em saúde –
representados pelo “pré-natal, vigilância alimentar e nutricional, acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento e a vacinação em dia de crianças e gestantes” – na
forma de condicionalidades do Bolsa Família (BRASIL, 2004b, p. 17).
Na sequência, o PPA “Desenvolvimento com inclusão social e educação de
qualidade” (2008-2011), que destaca desenvolvimento com inclusão social, reforçou
a medida de transferência direta de renda com condicionalidades, mas inova 16 ao
delimitar o foco de intervenção para “famílias em situação de pobreza extrema”
(BRASIL, 2007b, grifo nosso).
No quadriênio que vai até 2015, o PPA Mais Brasil, traz a meta de ampliar o
impacto do PBF na “erradicação e/ou na diminuição da pobreza e da extrema
pobreza” (BRASIL, 2011b, grifo nosso). Para tanto prevê esforços com vistas a incluir
800
mil
famílias
em
extrema
pobreza
como
beneficiárias
do
programa,
compreendendo, inclusive, o desenvolvimento de metodologias, instrumentos e
sistemas de informações socioeconômicas (atreladas ao CadÚnico) com o propósito
16
O PPA anterior (2004-2007) refere “pobreza e outras formas de privação das famílias”, sem fazer
referência à extrema pobreza.
176
de subsidiar a gestão das políticas de enfrentamento da pobreza e da desigualdade
social (Op. cit., p. 16).
Passada mais de uma década, o município de Sobral conta com cerca de
15.000 pessoas diretamente abrangidas pelo PBF, que antes (em outubro de 2003)
foram beneficiárias do Bolsa Escola, conforme registros atualizados para março de
2013 (MAPA, 2013).
40,03% (12.605) das 31.486 famílias sobralenses inscritas no CadÚnico 17 em
março de 2013, posto terem informado possuir uma renda per capita de até R$
70,00, compõem as estatísticas oficiais de famílias em situação de pobreza extrema.
No mesmo banco de dados consta que 26,34% (8.293) das famílias ali domiciliadas
têm renda per capita entre R$ 70,00 e R$ 140,00 reais, as quais são consideradas
pobres, porém acima da linha de extrema pobreza (BRASIL, 2013b).
Tabela 5 - Comparativo entre o número dos moradores de domicílios particulares permanentes em
situação de extrema pobreza e a quantidade de beneficiários do PBF, Sobral, Ceará, Nordeste,
Brasil.
BRASIL
N
%
NORDESTE
N
%
CEARÁ
N
%
SOBRAL
N
%
Domicílios
em Extrema
Pobreza*
16.267.197
100,00
9.609.803
59,07
1.502.924
9,24
22.290
0,137
Famílias
Beneficiárias
do PBF**
13.581.604
100,00
6.833.740
50,31
1.069.393
7,87
19.070
0,140
Fontes: *CadÚnico 2013, MDS; **Censo Demográfico 2010, IBGE
O ritmo acelerado da expansão do PBF em 2004 veio junto com uma série
extensa de exigências aos responsáveis nos diferentes níveis, ao tempo que as
estruturas locais e a logística operacional não respondiam devidamente ao
processamento de quem já tinha o benefício e, ao mesmo tempo, a nova demanda
com cerca de um milhão de famílias que antes não tinham acesso a programas de
transferência de renda. Toda essa situação motivou uma grande pressão nas
17
Estimativa baseada na metodologia elaborada pelo IBGE para produção dos Mapas de Pobreza a
partir da combinação dos dados do Censo Demográfico 2000, da PNAD 2006 e de outros indicadores
socioeconômicos das famílias com renda per capita de até meio salário mínimo mensal.
177
gestões locais, que cresceu muito nos anos que se seguiram até alcançar 13,6
milhões de famílias inscritas em 2013 (Tabela 6).
Tabela 6 - Famílias inscritas no PBF, Sobral, Ceará, Nordeste, Brasil, 2004-2013.
Ano
BRASIL
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
6.571.839
8.700.445
10.965.810
11.043.076
10.557.996
12.370.915
12.778.220
13.352.306
13.902.155
13.581.604
NORDESTE
CEARÁ
SOBRAL
3.320.446
4.245.574
5.442.567
5.573.605
5.445.428
6.207.633
6.454.764
6.825.997
7.049.046
6.833.740
572.730
742.454
882.220
891.418
870.153
947.720
1.022.259
1.076.764
1.107.009
1.069.393
8.480
15.177
18.317
17.194
15.769
18.258
18.112
17.728
18.699
19.070
Fonte: CadÚnico / MDS.
Em março de 2013 Sobral apresentava 0,14% dos beneficiários do PBF de
todo país, em 2004 eram 0,13%. O total de 19.070 famílias beneficiárias em março
de 2013 representa uma cobertura de 95,7 % da quantidade estimada de unidades
familiares em situação de pobreza no município de Sobral. Assim, existiriam 857
destas fora do programa. No mesmo município, o acompanhamento das
condicionalidades em saúde atingiu 83,82% (14.068) em dezembro de 2012, de um
total de 16.784 beneficiários do PBF, distribuídos entre crianças com idade menor de
7 anos e mulheres entre 14 e 44 anos. Na educação, o segmento da frequência
escolar alcançou 67,43% (16.752) de um total de 24.842 alunos matriculados com
idades variando de 6 a 17 anos.
Todavia, a imposição de contrapartidas das famílias é uma questão que
incomoda várias das beneficiárias, dando azo a um questionamento quanto ao mérito
de tal medida no que concerne ao condicionamento do comportamento dos pais por
agentes externos à dinâmica familiar.
Em
2009,
os
resultados
da
economia
nacional
foram
impactados
negativamente (PIB caiu 0,3 em relação ao ano anterior) por força da crise
econômica mundial. Naquele ano, o PIB brasileiro apresentou queda em volume de
0,3% em relação ao ano anterior (BRASIL, 2011e).
178
É evidente o impacto econômico capitaneado pelo Programa Bolsa Família,
perceptível especialmente através do aumento real no PIB per capita dos municípios
de baixa atividade econômica e com significativa proporção de beneficiários.
Tabela 7 - Evolução do Produto Interno Bruto, 2006-2008, Sobral, Ceará, Brasil.
2006*
2007*
2008*
2009*
2010**
Brasil
2 369 483 546
2 661 344 525
3 032 203 490
3 239 404 053
3 770 085 000
Ceará
46 303 058
50 331 383
60 098 877
65 703 761
77 865 000
Sobral
1 516 531
1 751 595
1 715 272
1 964 743
2 348 207
Fontes: * Produto Interno Bruto 2005-2009, IBGE (2011e)
** Contas regionais do Brasil 2010, IBGE (2012e)
O tamanho da economia medido pelo PIB tem avançado sistematicamente nos
últimos anos em Sobral, todavia esse resultado “positivo” não vem acompanhado da
redução do número de pessoas em extrema pobreza no município, visto o aumento
do número de pessoas do município no CadÚnico elegíveis para o Bolsa Família,
sobretudo aquelas com renda inferior a R$ 70,00.
Assumindo o propósito de mobilizar e promover uma articulação federativa
para a superação da extrema pobreza, o governo federal criou em 2011 uma
Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza (Sesep), ligada à
Presidência da República, cujo “foco de atuação são os 16 milhões de brasileiros
cuja renda familiar per capita, é inferior a R$ 70,00 mensais, visando sua inserção na
cidadania” (sic) (SECRETARIA, 2012).
Nesse sentido, a presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano Brasil sem Miséria,
envolvendo 18 ministérios que prevê ações nacionais e regionais, estruturadas em
três eixos: (1) garantia de renda, (2) inclusão produtiva e (3) acesso a serviços
públicos (DILMA, 2013a). Uma das 100 iniciativas previstas nesse plano é Ação
Brasil Carinhoso, que, para o município, amplia em 50% a transferência de recurso
financeiro na proporção de cada vaga em creche ocupada por criança do PBF, e,
para as famílias beneficiárias mais pobres (aquelas com pelo menos um filho de até
179
15 anos, desde que com renda familiar mensal de até R$ 69,99) aumenta em R$
70,00 o valor da renda mensal transferida18.
O Bolsa Família ainda não chegou pra muitas das famílias pobres que eu
conheço. Se um tem direito, todos têm direito, eu acho que os direitos tem
ser iguais. Todos têm de ser tratados igual(mente).
HERA
Eu vejo também aqui no Alto Novo que tem muita agente ainda carente que
não recebe o Bolsa Família.
ÍRIS
Para Rocha (2010) o único critério admissível para transferência do benefício
do PBF deveria ser a condição de vulnerabilidade do grupo familiar por conta do
baixo poder aquisitivo. Todavia o programa prevê uma série de critérios de seleção
de famílias, vinculando-a para definição do valor do benefício.
As famílias atendidas pelo programa devem receber uma renda mensal que
pode variar de R$ 70,00 a R$ 306,00, voltada a famílias com renda per capita mensal
de R$ 70,00 (famílias de extrema pobreza) a R$ 140,00 (famílias pobres). Esta renda
é repassada através de três tipos de benefícios: Básico, Variável e Variável Vinculada
ao Adolescente (BVJ). Famílias extremamente pobres recebem um beneficio básico
de R$ 70,00, e família pobres podem receber um Benefício Variável por criança de 0
a 15 anos, ou gestante, no valor de R$ 32,00 por pessoa com limite de até cinco
benefícios, além do benefício variável jovem de R$ 38,00 por jovem de 16 e 17 anos
com limite de até dois jovens por família (BRASIL, 2012f). As tabelas 7 e 8 mostram a
distribuição desses benefícios.
A seleção das famílias participantes é feita de forma automatizada pelo
Governo Federal e leva em consideração, como antes detalhado, as informações
contidas no Cadastro Único para Programas Sociais, bem como a estimativa de
famílias pobres de cada município (BRASIL, 2012f).
18
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013.
180
Tabela 8 - Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme critério de
composição das famílias com renda familiar de até R$ 70,00 (extremamente pobres)
Número de gestantes,
nutrizes, crianças e
adolescentes > 15 anos
Número de
jovens de 16
e 17 anos
Tipo de benefício
Valor do
benefício
R$
0
0
Básico
70,00
1
0
Básico + 1 variável
102,00
2
0
Básico + 2 variáveis
134,00
3
0
Básico + 3 variáveis
166,00
4
0
Básico + 4 variáveis
198,00
5
0
Básico + 5 variáveis
230,00
0
1
Básico + 1 BVJ
108,00
1
1
Básico + 1 variável + 1 BVJ
140,00
2
1
Básico + 2 variáveis + 1 BVJ
172,00
3
1
Básico + 3 variáveis + 1 BVJ
204,00
4
1
Básico + 4 variáveis + 1 BVJ
236,00
5
1
Básico + 5 variáveis + 1 BVJ
268,00
0
2
Básico + 2 BVJ
146,00
1
2
Básico + 1 variável + 2 BVJ
178,00
2
2
Básico + 2 variáveis + 2 BVJ
210,00
3
2
Básico + 3 variáveis + 2 BVJ
242,00
4
2
Básico + 4 variáveis + 2 BVJ
274,00
5
2
Básico + 5 variáveis + 2 BVJ
306,00
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dezembro/2012.
Com frases de efeito do tipo: “Por não termos abandonado o nosso povo a
miséria está nos abandonando” e “Nenhum (ato editado pelo Palácio do Planalto no
atual governo) têm a força simbólica, a marca histórica e o efeito imediato desse ato
que eu hoje assino”, Dilma Rousseff autorizou em fevereiro de 2013 recursos
complementares ao Programa Bolsa Família para alcançar (através de busca ativa)
2,5 milhões de beneficiários com renda familiar inferior a R$ 70,00 mensais: “É
necessário encontrá-los. O Estado não deve esperar que esses brasileiros batam a
nossa porta para que nós os encontremos” (DILMA, 2013a). Na ocasião, ao afirmar
que nos últimos dois anos foram retirados 22 milhões de brasileiros da extrema
181
pobreza, a presidenta afirmou que o Brasil vira ali uma página decisiva da exclusão
social (Op. cit.).
Dois anos antes, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) apresentou números tanto mais modestos sobre o impacto do PBF na
redução da extrema pobreza, o atribuir ao programa a retirada de três milhões de
pessoas da extrema pobreza no ano de 2009 (BRASIL, 2011f).
Tabela 9 - Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme critério de
composição das famílias com renda per capita de R$ 70,00 a R$ 140,00
Número de gestantes,
nutrizes, crianças e
adolescentes de até 15 anos
Número de
jovens de 16 e
17 anos
Tipo de benefício
Valor do benefício
0
0
Não recebe
-
1
0
1 variável
R$ 32,00
2
0
2 variáveis
R$ 64,00
3
0
3 variáveis
R$ 96,00
4
0
4 variáveis
R$ 128,00
5
0
5 variáveis
R$ 160,00
0
1
1 BVJ
R$ 38,00
1
1
1 variável + 1 BVJ
R$ 70,00
2
1
2 variáveis + 1 BVJ
R$ 102,00
3
1
3 variáveis + 1 BVJ
R$ 134,00
4
1
4 variáveis + 1 BVJ
R$ 166,00
5
1
5 variáveis + 1 BVJ
R$ 198,00
0
2
2 BVJ
R$ 76,00
1
2
1 variável + 2 BVJ
R$ 108,00
2
2
2 variáveis + 2 BVJ
R$ 140,00
3
2
3 variáveis + 2 BVJ
R$ 172,00
4
2
4 variáveis + 2 BVJ
R$ 204,00
5
2
5 variáveis + 2 BVJ
R$ 236,00
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dezembro/2012.
A Ação Brasil Carinhoso prevê a implicação direta do gestor municipal com o
acompanhamento a cobertura do Cadastro e do Bolsa Família no município,
182
competindo a eles, com base em estimativas oficiais da quantidade de famílias
extremamente pobres, promover (tomando-se como meta de cobertura) a busca ativa
daquelas não incluídas no CadÚnico, e, por conseguinte, no PBF19.
De acordo com dados divulgados no único jornal impresso de circulação local,
pelo próprio prefeito de Sobral, o município contava em 2012 com ao menos oito mil
famílias vivendo em condição de pobreza extrema. Estimativas daquele gestor
público, recém-eleito para o segundo mandato20, indicam que no município existiriam
aproximadamente 32 mil pessoas vivendo na miséria21 (CERCA, 2012). Tais
indicadores divergem daqueles disponibilizados pelo governo federal, contendo a
estima de 12.605 famílias em extrema pobreza no município, portanto, bem maior do
que a quantidade referida pelo alcaide municipal.
Muito embora em março de 2013 houvesse 20.898 famílias inscritas no PBF, o
cruzamento desse número com a estimativa do total de famílias com renda per capita
de até R$ 140, revela que haveria cerca de 1.990 unidades familiares elegíveis fora
desse programa. Tal conjunto passou a ser considerado público alvo de um trabalho
de busca ativa no sentido de “identificar e incluir as famílias de baixa renda no
CadÚnico” (BRASIL, 2013b, p. 54).
Interessante observar que conforme dados do IBGE, atualizados para janeiro
de 2013, a população de Sobral gira em torno de 193.134 habitantes – 88,35 destes
residentes em área urbana22 –, representando aproximadamente 0,1% dos
193.946.886 residentes no Brasil. Porém, considerado a estimativa oficial que aponta
a proporção de 12.605 famílias sobralenses em situação de pobreza extrema (0,2%
do total nacional, 16 milhões), estes representariam um número 37% maior quando
comparado à média nacional (Op. cit.). Vale dizer – mesmo concordando ser
bastante questionável na perspectiva da epistemologia qualitativa a natureza
aritmética dessa informação – cerca de 1 em cada 1.000 famílias que moram no
19
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013.
“Quero ampliar a base econômica de Sobral e quero trabalhar para garantir salários dignos, uma
boa qualidade de vida financeira. (...) Quero ser Prefeito para fazer de Sobral uma cidade que não
tenha famílias na extrema pobreza.” (VEVEU, 2012).
20
21
Interessante observa que por todo o ano de 2012 até março de 2013 o recurso do Programa Bolsa
Família representou a única transferência de outro ente federativo ao município de Sobral para
aplicação na área de assistência social (BRASIL, 2013c).
22
Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 27 ago. 2013.
183
Brasil reside em Sobral, ao passo que no mesmo município sobre(vive) 1 em cada
630 brasileiros extremamente pobres.
Mas, paradoxalmente, Sobral é referenciada como integrante do seleto grupo
dos municípios que mais se desenvolveram no Brasil nos últimos dez anos e, ainda,
como uma das trinta melhores cidades desse país para morar, trabalhar e estudar.
Não bastasse toda essa projeção – diga-se de passagem, na contramão dos dados
que indicam o elevado contingente de famílias vivendo em extrema pobreza no
mesmo lugar – a cidade é destacada no contexto regional das três Américas como a
9ª cidade de pequeno porte mais indicada para receber investimentos estrangeiros
(GOMES, 2011; SOBRAL; 2013).
Desde janeiro de 2013, o município de Sobral conta com um órgão
responsável por coordenar ações no âmbito da proteção social e da promoção do
trabalho e renda, a “Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Extrema
Pobreza” (VEVEU, 2013). Coube a esse órgão governamental promoveu seleção de
260 estudantes para a realização de trabalho (voluntário) de busca ativa de famílias
de baixa renda, compreendendo visitas domiciliares com vistas à localização
(informação para georeferenciamento) e identificação (coleta de dados cadastrais),
ambos ligados ao Cadúnico23. A idéia é incluir as famílias mais pobres na rede de
proteção social, oportunizando o acesso ao conjunto de ações socioassistenciais
disponíveis no município (SELEÇÂO, 2013).
Interessante observar ainda que o Censo Demográfico de 2010 mostra a
população de Sobral constituída por 91.462 homens (42,6%) e 96.771 (57,4%)
mulheres, correspondendo a 188.233 habitantes. Por sua vez, os registros do
CadÚnico de 2013, atualizados para março de 2013 revelam uma maioria menos
acentuada do gênero feminino, ao revelar que há 50.168 (45,63%) homens e 58.903
(54,37%) mulheres. Talvez a existência de população mais jovem e equânime
(quanto ao gênero) no CadÚnico, posto a presença majoritária de famílias com filhos
menores – quando comparada a população geral, universo no qual é notória á maior
expectativa de vida das mulheres – explique essa diferença.
23
A prefeitura informa que pretende montar um banco de informações na forma de mapa de
coordenadas cartográficas (integrado ao GPS - Sistema de Posicionamento Global), como parte de
um sistema informatizado de localização de famílias que integram o CadÚnico no município.
184
8.4 A propósito da porta de saída do Bolsa Família (se é que há alguma)...
Certo é que, em cenário político pautado no calendário eleitoral dos agentes
públicos, dificilmente estes sutentariam uma tese que responda tal pergunta de
modo a reduzir o contigente de mais de treze milhões de famílias brasileiras
beneficiadas, cujos eleitores recebem ajuda em dinheiro do governo (o benefício
médio em junho de 2013, dez anos após lançamento do programa, foi de R$ 152) 24,
independente da demonstração de esforço laboral, ainda que obrigados a
contrapartidas em saúde, educação e assistência social. Considerada a lógica
política eleitoral que sustenta esse processo, tem-se então uma virtual tendência à
acomodação política, em favor da manutenção daquele modelo de proteção social, e
mais ainda, favorável à ampliação da cobertura e do valor do benefício em dinheiro.
Para o governo federal, ou pelo menos para a ministra da Casa Civil à época,
Dilma Rousseff (oito meses antes de eleita presidenta da República), o PBF tem
uma saída dos beneficiários materializada na redenção financeira das famílias
beneficiárias, competindo ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento (por
ela gerenciado no governo Lula) criar mecanismo de distribuição de renda PBF.
O programa (PAC) é, na verdade, o compromisso do governo com um
crescimento com distribuição de renda. Isso é fundamental para incorporar
os milhões de brasileiros do Bolsa Família. É uma porta de saída porque, ao
ocorrer, gera uma quantidade muito significativa de emprego e renda.
(PAC, 2008)
A perspectiva desenvolvimentista aludida pela então dirigente do PAC é
importante para uma análise compreensiva de uma pretensão assumida como
estratégica pelo governo federal: a expansão da renda nacional atrelada à inclusão
socioeconômica de famílias com baixo poder aquisitivo, ou pelo menos daquelas
beneficiárias do PBF.
24
Informe do Governo Federal, de jul/2013. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2013/06/19/bolsa-familia-repassa-beneficios-ate-28-de-junho>
Acesso em: 10 ago, 2013.
185
Cocco (2010) discorda do discurso que aponta tão somente a entrada no
mercado de trabalho como “porta de saída” do PBF, e, nesse sentido, indicativo da
eficácia do programa. Isso em um contexto do sistema (capitalista contemporâneo)
preocupado em incluir os excluídos, reconhecidos como pobres – incluídos na
produção, mas excluídos dos direitos. Para a mesma fonte, a transferência de renda
àqueles mais pobres deve ser reconhecida muito além do combate darwinista
(seleção dos mais aptos) à pobreza, alcançando o terreno da mobilização produtiva
como expressão da cultura.
Difícil entender como sendo uma política de proteção social um programa que
reproduz (e amplia gradualmente) uma espécie de modelo de bolsa-cidadaniacondicional, especialmente em virtude de sua vertente de compensação aos efeitos
da pobreza, conforme foco da economia de mercado. Não convence, ademais, o
argumento de que tal iniciativa de governo contribuiria para valorar as dimensões
produtivas da vida dos brasileiros tidos como pobres, a exemplo (por paralelismo) do
incentivo à livre expressão da cultura popular mediada por políticas públicas,
independente da indústria cultural subjacente à lógica do mercado.
A julgar pela natureza eminentemente econômica do PBF, é forçoso deduzir
que nesse programa, a ética capitalista reinventou a fome como déficit econômico na
lógica científica das políticas compensatórias de renda. Dessa forma, a
monetarização do bem estar nutricional – tal como a concepção de monetarização
do risco de agravos à saúde do trabalhador, com os adicionais remuneratórios de
insalubridade e periculosidade (BONIFACIO, 206) – passou a ser o foco central,
onde aquela modalidade de política compensatória com condicionalidades ganhou
status de medida primordial de combate à pobreza.
Nesse diapasão, a partir do entendimento de que a cobertura dos elegíveis de
políticas compensatórias de renda é um direito social, o que, grosso modo, implicaria
caráter incondicional, tem sido objeto de recorrentes polêmicas a legitimidade da
exigência
coercitiva
de
contrapartidas
dos
beneficiários
do
PBF.
Mais
especificamente, discute-se o quão legítimo é (ou não) condicionar a correspondente
transferência de dinheiro a obrigações (por responsabilidade legal) de assiduidade
escolar até a idade adolescente e de frequência do grupo materno-infantil a serviços
de saúde, ainda quando tais contrapartidas não são impostas a segmentos outros,
186
também beneficiários de diferentes auxílios.
Ao tempo que a responsabilidade legal é apontada como postulado básico do
positivismo jurídico, essa mesma escola não reconhece a liberdade moral, corolário
da tese do livre arbítrio (MARQUES, 2008). Para tal premissa, no caso, não se trata
de punir alguém tido como moralmente irresponsável, mas titular do Direito à
Alimentação. Entende-se assim que a medida administrativa de excluir o benefício
da transferência de renda não tem propriamente caráter de sanção, mas, isto sim, de
um ato de defesa social; sendo, nesse ponto, injusta em relação aos que
descumprem as condicionalidades previstas no regulamento do PBF, e, por tal
fundamento, justa para a sociedade.
Mesmo admitindo-se as contrapartidas como ponto focal no desenho do PBF,
não nos parece razoável o entendimento que, a pretexto de propugnar pela melhora
da condição econômica (do grupo familiar à nação), prega o acerto da medida de
vincular a transferência de uma renda mínima à valoração (positivada com coerção)
da obrigação dos beneficiários (sabidamente vulneráveis) de acessar serviços
sociais inerentes à cidadania plena.
Tampouco convence a redução dessa discussão a uma mera questão de
projeção do custo social e econômico de crianças e adolescentes fora da escola ou
de mulheres sem assistência pré-natal que, na lógica desenvolvimentista,
invariavelmente seria suportado pelas famílias, a sociedade e o Estado. Na hipótese,
tem-se a configuração artificial de uma “indesejável” ameaça ao modelo de
qualidade de vida pautado no consumo, comprometendo sobremaneira o
crescimento econômico, via expansão de mercados, consoante o prescrito no ideário
neoliberal da globalização.
Em nossa compreensão, não deve prevalecer tal premissa do investimento na
formação de capital humano, inspirada no pensamento econômico neoliberal
(SCHULTZ, 1961), dado o absurdo que seria negar a necessária e continuada
responsabilidade estatal de proporcionar incondicionalmente o acesso a unidades de
saúde e escolas, bem como aos serviços de assistência social, ao cidadão titular de
direitos sociais fundamentais.
187
Tal reconhecimento insere o risco e o perigo de os beneficiários da
transferência direta de renda, porque pobres, assumirem justamente essa “aparência
objetiva”, do modo proposto por Lukács (2003), como consciência falsa e invertida
da realidade – reificação, retroalimentando a condição de dependente do programa,
vale dizer, um "desejo de pobreza (ou acomodação) sustentada" (Op. cit., p. 197).
Para melhor compreensão, basta partirmos do discurso recorrente que se ouve dos
sujeitos que recebem dinheiro na modalidade Bolsa Família, do tipo: “recebo porque
sou pobre, se eu sair da pobreza, perco a bolsa” (BUARQUE, 2007, p. 8). Isso
porque o regulamento do PBF prevê a exclusão daquelas famílias capazes de
prover o seu sustento alimentar, monetarizado em valores per capita superiores ao
estabelecido para a inclusão nesse programa (BRASIL, 2005a).
É conhecido o caso da dona de casa paranaense, que mesmo sacrificada pela
burocracia estatal (a família esperou nove meses pela BF), virou celebridade
nacional por ter devolvido o cartão de benefício alegando que não era certo receber
o Bolsa Família porque seu marido já havia conseguido um novo emprego. Tal gesto
a fez receber carta de agradecimento do Presidente da República e até ganhou os
prêmios “Faz diferença”, e “Personalidade do ano de 2004”, onde foi destacada
como exemplo de solidariedade e ética. Todavia, aquela lição pública de cidadania
viria a se desdobrar em chacota para dezenas de vizinhos e moradores de Maringá,
que passaram a debochar e tratá-la com desdém (EXEMPLO, 2005; SODRÉ, 2005).
Fatos desta natureza sugerem a necessidade de investigar o cotidiano
daqueles beneficiários do PBF, oportunizando reflexões a partir do universo empírico
desse programa, interpretando significados da experiência humana em meio ao
horizonte de expectativas, respostas, consciência histórica e implicações políticas
das famílias envolvidas, motivadas em grande parte por promessas oficiais de
redenção social.
De tão profundas as desigualdades econômicas entre as famílias brasileiras,
a ponto de comprometer o acesso ao mínimo existencial da maioria das famílias, o
propósito de assegurar uma renda básica articulada à promoção da SAN –
distribuindo uma parte do orçamento federal com os pobres entre os mais pobres –
tem sido largamente aceito. Assim, a iniciativa do PBF é simpática, sobretudo,
porque focaliza famílias de menor renda, apontando para melhoria da condição de
188
vida presente e, mais ainda, para um futuro redentor para as crianças e
adolescentes beneficiadas.
Contudo, conforme procuramos evidenciar, o PBF, posto seu caráter
meramente compensatório aos efeitos do ajuste estrutural que vulnera (no sentido
econômico do termo) a sociedade, não entra no mérito da complexa singularidade
do problema da miséria social e, muito menos, considera a produção subjetiva
inerente à condição humana de (in)segurança alimentar, centrando o foco em
abordagens fragmentadas da pobreza e da fome, na contramão de perspectivas
efetivamente emancipatórias, ao favorecer a trajetória oblíqua da acomodação sob a
égide da funcionalização da pobreza, tal como denunciado por Oliveira (2006).
Assim, as construções sócio-discursivas do PBF são basicamente dimensões
integrantes da luta pela hegemonia do poder, traduzindo ideias não restritas a uma
esfera cultural supostamente isolada, mas materializadas nas práticas sociais e nas
instituições em geral, particularmente no governo e seus fins políticos atrelados à
lógica econômica prevalente e ao poder.
Compreender tamanha complexidade, que envolve o sujeito de direito à
alimentação, demanda trabalho hermenêutico, o qual, sem a pretensão de se
esgotar no virtuosismo técnico ou em amarras ideológicas, requer procedimentos
qualitativos rigorosos e apropriados a uma aproximação da verdade, reivindicando-a
por vias de interpretação (PAREYSON, 2005).
Entendemos, por fim, que trabalho hermenêutico de tal ordem, deve incursionar
de e para a peculiar dimensão da intersubjetividade humana, questionando normas
e valores vigentes no mundo reificado. Para tanto, se faz necessário discutir a
opacidade do discurso dominante, sustentado pela idéia de uma sociedade sem
sujeitos, submetidas a determinismos de toda ordem, sobretudo econômica
(TOURAINE, 2009). Em processo de tal significação crítica, como prelecionam
Gadamer e Frucchon (2006), merece destaque o papel da consciência histórica no
processo compreensivo.
189
9. A VOZ DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO PBF
Em certo sentido toda pergunta é igualmente uma resposta, responde a
uma necessidade. Sem uma tensão interna entre nossas expectativas de
sentido e as concepções amplamente difundidas, e sem o interesse crítico
nas opiniões dominantes, não existiria qualquer pergunta.
(Hans-Georg Gadamer)
9.1 Demandas de necessidades aos reconhecidamente pobres e a inflação de
alimentos
A insegurança alimentar grave no Ceará, medida pelo IBGE em 2010,
corresponde a 10,3%, significando mais que o dobro do verificado no Brasil e no
mesmo período (5,0%)25. Nesse cenário de pobreza, as entrevista realizadas junto a
mulheres-mães de beneficiárias do PBF em Sobral revelam algumas das faces da
insegurança alimentar local, mitigadas pela renda transferida no programa.
Tem muitas famílias que não têm muito que fazer. Não têm muito de onde
tirar. Tem dia que a gente chega na casa – é dez horas, dez e meia – a
pessoa não tem nem colocado o feijão no fogo e muitas delas as vezem tem
vergonha. Aquelas famílias, são muitas, tem vergonha de dizer que naquele
dia ela tão tem o que botar no fogo.
METIS
Tem mãe que não tem nada pra comer, mas chega aquele mês, aquele dia
do Bolsa Família que a gente recebe, então a gente compra, dá pra fazer
um bom mercantil. E ai o pai vai se virando, arrumando um biscate, pra
trabalhar, e a mãe se vira também.
ELPIS
Tem dias que tem, tem dias que não tem. Hoje não tem, mas minha vó
recebeu o ganho dela e estão tudim lá (4 filhos), porque eu só recebo o
Bolsa família dia 31 (entrevista realizada dia 25).
PÊNIA
Do ponto de vista da estrutura econômica, a pobreza é considerada uma
25
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013.
190
condição na qual vivem aqueles com renda inferior ao mínimo necessário para cobrir
os gastos inerentes à vida em um mundo capitalista. Por outro lado, a linha da
miséria (indigência ou extrema pobreza) representa o limite, abaixo do qual não se
ganha o suficiente sequer para garantir aquela que é a mais básica das
necessidades: a alimentação (GOMES; PEREIRA, 2005).
Monteiro (2003) observou que no ano de lançamento do Bolsa Família já se
fazia notar no Brasil o impacto do implemento de programas de transferência direta e
condicionada de renda às famílias reconhecidamente pobres na redução dos
indicadores de desnutrição, e que, do mesmo modo, o combate à fome ataca a
pobreza.
Em meados dos anos 1990, Suplicy e Buarque (1997) fundamentaram a
necessidade de empreender no Brasil um programa de garantia de renda mínima
por inspiração no preceito aristotélico de que para alcançar a justiça política se faz
necessário primeiro promover a justiça distributiva. Nesse diapasão, os autores se
reportam a uma espécie de bandeira de luta contida na crítica de Karl Marx ao
Programa de Gotha, em carta escrita em 1875: "De cada um de acordo com sua
capacidade, a cada um de acordo com a sua necessidade!" (Op. cit., p. 80).
Ao longo dos últimos 60 anos, modelos de crescimento econômico clássico
(voltados às necessidades de consumo e acumulação capitalista) vêm apontando
para a óbvia associação entre problemas nutricionais e a baixa renda. No afã da
busca do desenvolvimento nacional procura-se identificar variáveis ligadas à inclusão
social, de populações vulneráveis. Contudo, ao longo da história, os governos vêm
demonstrando não apenas desconhecer características dessas pessoas em situação
de pobreza material (foco preferência da proteção social) que possam ser
modificadas por políticas específicas a elas orientadas (CASTRO, 1946; SAMPAIO,
1979).
Na realidade, a despeito da importância do fomento ao crescimento
sustentado da economia, para erradicação da pobreza no Brasil faz-se necessário
políticas públicas que priorizem a redução da desigualdade social (BARROS;
HENRIQUES; MENDONÇA, 2000).
191
Posto a fragmentação da intervenção na vertente da transferência direta de
renda (simplificação que não faz jus a natureza polissêmica da questão alimentar e
nutricional), os governos “não conseguem operacionalizar uma concepção ampliada
de pobreza” (AZEVEDO; BURLANDY, 2010, p. 207), que remete aos princípios da
dignidade e igualdade da pessoa humana, reclamados nas entrevistas.
Quando eu falo em pobreza não é assim o negocio de carro, moto, de luxo,
falo da chance que uma pessoa mais ou menos tem de chegar num canto,
por exemplo, uma consulta, uma pessoa de mais recursos vai e marca; mas
o pobre, na mesma hora, ouve que não tem vaga hoje, venha daqui a um
mês. (pausa de 4 segundo) Eu não acho certo isso! (pausa de 4 segundo).
Por que eu penso que todo mundo é igual. Não importa se é aquela pessoa
que tem isso, que tem aquilo.
TÊMIS
Acho que (minha família foi incluída no PBF) pela necessidade, a carência
(pausa). O pessoal, a gente né, pela pessoa que é pobre né... Pobre no
sentido assim, de não ter muito recurso, nem trabalho (...) de não ser
respeitada como pessoa, tratada com indiferença.
ÍRIS
Mesmo reconhecendo-se o mérito da abordagem quantitativa da pobreza, um
olhar atento na versão de uma dona de casa sobralense, que demonstra conhecer de
perto a luta pela sobrevivência em face do enfretamento de distintos níveis de
privação material, ajuda a compreender a experiência de pobreza extrema em sua
implicação com a alimentação e nutrição do grupo familiar.
Pobreza pra mim é a pessoa que não tem um trabalho, que não tem uma
renda, que não tem como se virar pra ter uma alimentação. Extrema
pobreza eu acho que é quando uma família se encontra dentro de casa e
que nenhum tem uma renda, nem pra alimentação, vive assim de fazer um
biscate aqui outro acolá pra sobreviver. Tem deles que não tem nem
condições de arrumar um biscate, vivem só na mãos dos outros.
ADASTREIA
Mas sobre a pobreza, acho que só a pessoa não ter onde morar eu acho
que é a pior pobreza, porque trabalhar para arranjar o que comer, a gente
estando com saúde, a gente trabalha e arranja.
FEBE
No sentido material, a casa própria foi apontada como o principal desejo a ser
alcançado na perspectiva de superar a condição de pobreza. No mesmo sentido,
192
Dias e Silva (2009) também evidenciaram a importância da casa própria como
elemento definidor da condição de pobreza.
Só sei que quando eu sair do aluguel é que vou me sentir livre dessa vida
de pobreza. É muito duro pagar sem comer nem beber.
ÉRIS
O que eu gostaria de realizar até pra mim e eles mesmo, que eu tenho
vontade é ter uma casa.
TÊMIS
A formulação de intervenções adequadas a cada contexto de insegurança
alimentar e nutricional não pode prescindir de uma compreensão da lógica
subjacente à utilização intrafamiliar de recursos e às escolhas alimentares,
principalmente em razão do fato de que os perfis de consumo refletem aspectos
simbólicos e fatores como praticidade e tempo de preparo de alimentos, superando
preceitos estritamente nutricionais ou econômicos (BURLANDY, 2007).
Meus filhos são assim, eles não são muito comedores, o negócio deles é
coisa assim: danone, suco, fruta; comida assim como a gente come eles
comem muito pouco. Eles são muito ruim pra comer, eles se alimentam
mais é com mingau, Nutrilon, Nescau. Exatamente as coisas mais caras,
comem maça.
EUFROSINA
Porque o que eu mais compro pra minhas filhas é uma fruta, também, se
faltar, compro o caderno, mas não compro roupa com esse dinheiro.
FEBE
Com o Bolsa Família a alimentação aqui em casa mudou muito. O que eu
não podia comprar agora eu posso. Quando eu recebo o dinheiro eu
compro uma fruta melhor para eles (os filhos).
ELPIS
A ênfase à compra de frutas com a renda extra do Bolsa Família, expressa no
discurso das entrevistadas, embora aponte para a satisfação das preferências de
seus filhos, tal como observado por Menezes e Santarelli (2008), Saldiva et al (2010)
e Cotta e Machado (2013), opõe-se aos achados, dos mesmos autores, no que
concerne a verificação de consumo relativamente insuficiente de vegetais em
contrapartida ao de alimentos de alta densidade calórica. Cumpre ressalvar que,
nesse caso, a literatura apontada é coerente com os dados das pesquisas nacionais
193
de orçamento familiar, realizadas pelo IBGE nos biênios 2002-2003 e 2008-2009,
com base na disponibilidade domiciliar de alimentos (BRASIL, 2004a; 2010c).
As entrevistadas, confirmando com diversas outras observações empíricas
(DUARTE et al., 2009; SALDIVA et al., 2010; ÁVILA, 2011; PINZANI; REGO, 2013),
afirmam que com o dinheiro do Bolsa Família priorizam basicamente a compra de
alimentos, sobretudo para os filhos.
Eu compro de tudo com o dinheiro dos bicos que eu faço, mas o Bolsa
Família eu só emprego na comida aqui em casa.
FEBE
O Bolsa Família vai para a necessidade, a precisão que a criança tem. (...) A
necessidade que eu compro pra eles assim é alimento, compro alimento:
arroz, feijão e o tempero (ou) mistura (carnes) que eles necessitam todo dia,
e a merenda de 9 horas da manhã e a tarde.
TÊMIS
Do dinheiro do Bolsa Família eu compro as coisas para as minhas filhas, eu
nunca comprei com isso aquilo, nunca estraguei com nada assim que me
interessasse, só com aquelas coisa que eu preciso para o comer delas
DEMETER
Mesmo reconhecendo-se a importância do PBF em proporcionar alimentos e
outros mínimos essenciais em matéria de consumo, sabe-se que esse programa não
promove a superação estrutural da pobreza e da fome (ou outras expressões de
insegurança alimentar/nutricional). Na realidade, a gênese dessa problemática está
indissociavelmente relacionada à concepção de desenvolvimentista do sistema
capitalista, que aprofunda a desigualdade e vulnera os de menor renda, situação
essa severamente agravada pela inflação atual dos alimentos. Nesse prisma a
superação da miséria social da fome supõe, entre outras medidas, maior sinergia das
políticas sociais com as políticas macroeconômicas consentâneas à geração de
emprego e renda. Para tanto, é preciso romper com a lógica de intervenção residual
do Estado na questão social (OLIVEIRA, 2012; SOUSA, 2012).
Uma vida livre de medo é um dos pré-condições para segurança
alimentar/nutricional, como também diz respeito ao direito social à segurança (ao
194
lado do direito social à alimentação), mas que parece distante na experiência de vida
de algumas das entrevistadas.
O que tá acontecendo é violência e a gente tem medo. Eu que já tenho um
filho no mundo da droga, a gente sofre.
PÊNIA
Eu acho muito natural uma criança querer um brinquedo para brincar assim
de qualquer coisa (uma vez um chegou pra mim e pediu um videogame),
porque (para) muitas crianças de 7, 10, 6 anos lá fora o brinquedo que tem
é uma arma de verdade, uma arma que mata!
TÊMIS
A análise do contexto atual de insegurança alimentar/nutricional no Brasil não
pode prescindir de considerar os avanços sensíveis nos indicadores de inflação de
alimentos e, pior, a economia dá sinais de que a variação nos custos da alimentação
seja algo estrutural, capaz, inclusive, de impactar ainda mais no longo prazo
(SOUSA, 2012). O fato é que salta aos olhos o aumento recente nos preços dos
alimentos de primeira necessidade, desafiando a política de metas do governo e
vulnerando ainda mais as famílias de baixa renda, algo que as entrevistadas – como
verificado nos anos 1970 e 1980 – identificam como “carestia”.
Gostaria de comprar mais frutas para alimentação de minhas filhas, mas
com a carestia que tá não dá, pois o dinheiro do Bolsa Família é pouco, só
vem por mês e acaba em dois dias, mas fruta tem de comprar é todo dia.
(grifo nosso)
ADASTREIA
Tá faltando ter mais condições de comprar o que elas precisam. As coisas
tão muito caras, um quilo de feijão ou farinha é 7,50 (reais).
(grifo nosso)
FEBE
Antes as coisas eram mais baratas, Hoje a gente pega nas coisas e é num
sei quanto, uma carestia, mas tem que comprar, tem de comer sempre.
(grifo nosso)
DEMETER
Na realidade o valor real do Bolsa Família não vem acompanhando a variação
da inflação. Durante os dez anos de existência do programa o benefício acumulou
um reajuste de 40% ao passo que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
195
(INPC) para o mesmo período correspondeu a 52%. Considerando-se ainda que a
inflação de alimentos teve um expressivo peso nesse índice, pode-se inferir que
“cada vez menos alimentos cabem no Bolsa Família”. No caso do Rio de Janeiro, no
mesmo intervalo de tempo, a alta da cesta básica foi de 107%, conforme dados do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) (BARROS,
2013).
Da situação que nós estamos, as coisas subindo, ficando mais difícil, acho
que família nenhuma sem o Bolsa Escola (Bolsa Família) não vai ter jeito
não, tem que ter ajuda.
ELPIS
A família que diz que vive só do Bolsa Família (...) tá mentindo. Se fosse só
isso eu tenho certeza que a gente tava com um saquinho no meio da rua
pedindo.
HERA
Sem dúvidas a inflação de alimentos, que limita o aporte de nutrientes às
famílias mais empobrecidas, está fortemente relacionada às tensões dos mercados
(RICARDO
e
CLARO,
2012).
Entretanto,
talvez
mais
grave
à
dinâmica
socioeconômica seja o fenômeno da “inflação nutricional”, conforme adverte Pollan
(2008) – com base em estudos de Still Halweil26 junto à competitiva agroindústria dos
Estados Unidos – ao denunciar um viés na relação ecológica homem/alimento, algo
que ele situa no âmbito nutricional por analogia ao desequilíbrio inflacionário. Na
hipótese, trata-se de uma redução significante da qualidade nutritiva da alimentação
humana em razão de uma série de ações obstinadas do homem, com emprego da
sofisticação tecnológica, para imprimir ganhos de produtividade. Por efeito, cumpre
ao homem comer maior quantidade de alimentos (com cada vez menos
micronutrientes) para suprir suas demandas nutricionais, algo absolutamente
pertinente aos interesses do mercado.
26
In: HALWEIL, B. Still. No Free Lunch: Nutrient levels in U.S. food supply eroded by pursuit of high
yields. The Organic Center, Washington, p 1-6, 2007. Disponível em:
<http://www.organicagcentre.ca/Docs/OrganicCenterUSA/Still_No_Free_Lunch_sept07.pdf> Acesso
em: 12 de jun. 2013.
196
9.2 A dimensão econômica da pobreza, planos de governo federal e o cadastro
único de programas sociais.
Em maio de 2012, ao anunciar a prioridade de superação da extrema pobreza,
a presidente Dilma criou – como parte do Plano Brasil sem Miséria – um benefício
extra aos inscritos no Bolsa Família, com vistas a assegurar que a renda per capita
mensal em cada unidade familiar supere o valor de R$ 70,00. Todavia, em um
primeiro momento, tal ganho adicional ficou restrito à primeira infância, sob o
fundamento de ampliar a oferta da educação infantil. Assim, foram inicialmente
contempladas apenas as famílias com crianças de até seis anos de idade (BRASIL,
2012e).
Ouvi dizer que ia ter aumento (para as famílias com crianças) de zero até
dois ou seis anos, só que não veio aumento ainda. Eu queria um aumento
porque R$ 134 é pouco.
IRENE
Na televisão a Dilma falou que ia ter um aumento das crianças do Bolsa
Escola, e até agora, com dois filhos, nunca recebi o aumento.
EUFROSINA
Na sequência, o governo federal ampliou, a partir de março de 2013, de seis
para quinze anos a idade para concessão daquele aporte de dinheiro (mantendo-se,
cumulativamente, a exigência de renda per capita declarada menor que R$ 70,00)
(BRASIL, 2013c). Sendo assim, cresceu significativamente a quantidade de unidades
familiares beneficiárias do PBF elegíveis ao recebimento do benefício financeiro para
superação da extrema pobreza. Na exposição de motivos ao Congresso Nacional da
norma que criou esse direito-dever27, subscrita por cinco ministros, é estimado que
27
“A medida ora apresentada a Vossa Excelência tem como objetivo eliminar a principal característica
da extrema pobreza no Brasil, que é o fato de atingir desproporcionalmente as crianças e
adolescentes de até quinze anos de idade (...). De 2,21 milhões de famílias que, estima-se,
receberiam o benefício de superação da extrema pobreza na primeira infância em dezembro de 2012,
saltar-se-ia para um número de aproximadamente 3,88 milhões de famílias, com a implementação da
nova medida. (...) Estima-se que o custo do benefício ampliado seja de três bilhões e novecentos e
sessenta milhões de reais por ano.” (exposição de motivos da medida provisória nº 570, de 14 de
maio de 2012; posteriormente convertida na Lei nº 12.722, de 3 de outubro de 2012).
197
com o seu implemento a extrema pobreza deva diminuir em 54,8% no Brasil (Op.
cit.).
Assim, a existência de mais ou menos pobres – considerando-se a dimensão
do acesso a bens materiais – em sentido amplo ou estrito (extrema pobreza) é
também, como na física newtoniana, uma questão pertinente ao referencial adotado.
De certo, mexer com os números a reboque da objetividade matemática, interessante
às conveniências políticas dos governantes de plantão, tem, por evidente, o condão
de impactar nas estatísticas oficiais, a exemplo dos números que supostamente
apontam a redenção socioeconômica daqueles antes considerados miseráveis
porque, dado o recorte econômico por decisão (ou seria dissimulação?) política,
estavam situados abaixo da linha de pobreza.
A prioridade de governo ao enfretamento da extrema pobreza, no sentido
estritamente econômico do termo, é coerente com a abordagem focalizada através
de programas de transferência de renda. Todavia, a definição política nesse sentido,
implica na preterição do movimento pelo enfoque universal dos direitos sociais
(SOUZA et al., 2013).
A propósito da decisão política que define quem seja pobre no foco da
transferência direta de renda do Bolsa Família, o governo federal estabeleceu há
algum tempo, no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, que as famílias em situação de
pobreza deveriam ter renda per capita de até R$ 100,00 (BRASIL, 2004b), ao passo
que para o PPA atual (2012-2015) pobres são aquelas famílias com renda inferior a
R$ 140,00 (BRASIL, 2011b).
Tomando-se como referência janeiro de 2004, mês cuja renda per capita de
corte para delimitar a pobreza fora estabelecida em R$ 100,00, verifica-se que esse
valor nominal, monetariamente atualizado para junho de 2013, corresponde a R$
175,0228. Tal variação representa uma defasagem relativa de 25%, significando, por
conseguinte, que as famílias cuja renda média por pessoa estiver no intervalo entre
R$ 140 e 175, na lógica atual do governo, não são consideradas pobres atualmente,
mas seriam se essas cifras fossem ajustadas para o correspondente monetário de
9,5 anos atrás. Dai a dizer que temos menos pobres, há uma grade diferença.
28
Cálculo realizado com base na planilha eletrônica disponível em http://drcalc.net/
198
Voltando novamente no tempo, no PPA 2000-2003, intitulado “Avança Brasil”,
o governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso (em segundo mandato)
já assumia como meta a construção de um modelo de desenvolvimento voltado ao
atendimento das necessidades básicas do cidadão, projetando uma “melhor
distribuição dos frutos do crescimento econômico entre os brasileiros.” (BRASIL,
2008, p.13). Nessa linha, ficou estabelecida uma série de metas e objetivos
norteadores de políticas públicas compensatórias, com destaque para os programas
de transferência de renda associados a um conjunto de diretrizes estratégicas, dentre
as quais: combater a fome e reduzir a mortalidade infantil (BRASIL, 1999). Até junho
de 2002, conforme dados do CadÚnico, o governo federal havia incluído 8,6 milhões
de crianças no Bolsa Escola, o que corresponderia a 5,1 milhões de famílias
residentes em 5.536 municípios brasileiros (99,55%) (BRASIL, 2008).
Em Sobral, o lançamento de dados das famílias no CadÚnico29 foi iniciado em
outubro de 2001 com foco nos beneficiário do Programa Bolsa-Renda30, do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)31. Em maio de 2002, surgiu a
demanda do Programa Bolsa-Alimentação32, inicialmente contempladas apenas as
famílias com crianças menores de seis anos e, cumulativamente, identificadas com
“algum grau de desnutrição”.
Posteriormente, acabou essa última exigência,
passando a admitir-se a inclusão de todas as famílias com crianças em idade préescolar (MESQUITA, 2010).
A minha família foi incluída no Bolsa Escola lá em 2002 por causa que eles
(atendimento do CadÚnico no município) acharam que eu era assim... como
se diz... eu era tipo assim de família carente, necessitava mesmo, porque
(...) não tinha uma renda certa.
ADASTREIA
29
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal é um banco de dados nacionalmente
integrado, que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como aquelas com
ganho mensal de até meio salário mínimo per capita ou cujo somatório das rendas de todos os
membros da família é inferior a três salários mínimos.
30
Instituído pelo governo federal em 2002 para atender aos agricultores familiares atingidos pelos
efeitos da estiagem, residentes nos Municípios em estado de calamidade pública ou situação de
emergência.
31
Criado pelo governo Federal em 1996, inicialmente como o nome de Programa Vale Cidadania
(sic.), posteriormente denominado PETI (atualmente vigente) com vista a eliminar qualquer forma de
trabalho infantil.
32
Instituído pelo governo federal em 2001 com o propósito de melhorar as condições de saúde e
nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de seis meses a seis anos e onze meses de idade, através
da complementação da renda familiar para melhoria da alimentação.
199
A partir de novembro de 2003, foi processado no CadÚnico em Sobral o
recadastramento das famílias que recebiam Bolsa-Escola, agora ampliando o público
de beneficiário para todas as crianças de 6 a 15 anos matriculadas nas escolas que
compõem as três redes de ensino de Sobral. No ano seguinte, nos meses de
setembro e outubro, o município processou a atualização dos dados das unidades
familiares beneficiárias dos programas de transferência direta de renda então
existentes no sentido de operacionalizar a unificação na forma do cartão do Bolsa
Família (MESQUITA, 2010).
Disseram que no posto tava colocando o nome para ganhar o Bolsa
Alimentação, lembro que primeiramente era Bolsa Alimentação. Fiquei
esperando dois meses para poder receber o cartão. Quando chegou o dia,
foi um mês 30 e 15 reais no outro. (...) depois tiraram o Bolsa Alimentação
e botaram o Bolsa Família.
(grifos nossos)
ÍRIS
Ao incorporar o Bolsa Escola e outros programas de transferência direta de
renda focalizados na pobreza, a exemplo do Vale Gás – e, nesse prisma voltados a
promoção do capital humano – o PBF manteve a exigência de garantir a presença
da criança na escola como contrapartida do grupo familiar para a continuidade do
aporte mensal em dinheiro.
Ressalte-se que o processo de unificação de quatro programas federais (Bolsa
Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil) na forma do Bolsa Família foi, em um primeiro momento, projetado para
acontecer até o fim de 2005, prazo esse posteriormente estendido para dezembro de
2006.
Contudo, passados quase dez anos desde a edição da Medida Provisória
132, de 20 de outubro 2003 que redenominou o Bolsa Escola – agregando o Auxílio
Gás e o Bolsa Alimentação – para Bolsa Família (BRASIL, 2003a), seguida da
reprodução de cartões eletrônicos com a logomarca do novo (embora em sua maior
parte velho) programa, o Bolsa Escola continuo vivo na memória dos beneficiários.
Antigamente eu conhecia como Bolsa Escola, até hoje eu só conheço
como Bolsa Escola. Bem, dá época que eu sou cadastrada é de 2003, eu
comecei receber um mês sim e outro não... Chegou o cartão azul, o Vale
200
Gás, foi aumentado quando eu cadastrei minha neném, e eu continuo
recebendo.
(grifos nossos)
EUFROSINA
Hoje o Bolsa Escola é uma ajuda que pras pessoas que não tem condição,
e é muita gente!
ELPIS
Antes do Bolsa Escola eu dependia da minha vó, ela que me assumia, eu e
meu menino (que nasceu em 1998). Ela dava leite, frauda descartável... Eu
vivia do aposento dela (...) Nesse tempo o pai dele, que vivia naquela vida
(crime), não mandava nada, só vivia preso!
IRENE
9.3 Dignidade e autonomia da pessoa humana em face da superação da
pobreza
O condicionamento social do homem pelas circunstâncias, de que nos fala
Marx e Engels (1999) e Gramsci (2005) não significa, como esclarecem os mesmos
autores, ter uma relação passiva com o preexistente, adaptar-se ou conformar-se ao
dado. Nesse prisma, o homem é, sobretudo, um ser de criação, em busca da
conquista de sua liberdade, protagonizando um movimento histórico tendente à sua
emancipação.
Aliás, considerado o homem no contexto de sua história e racionalidade,
torna-se possível compreender a indicação da trajetória de primazia do sujeito como
a conquista de sua emancipação, em sentido amplo, posto que uma vez investido de
poder (empowerment) esse mesmo homem se reconhece capaz de contestar a
ordem social que aliena e daí assumir o protagonismo da transformação de si e do
contexto de vida a ele relacionado.
Contudo, ser reconhecido como uma pessoa pressupõe a construção da
dignidade como autonomia (Beyleveld e Brownsword, 2002). Nesse sentido, a
primeira questão relacionada à dignidade humana é a do empowerment, assumida
201
(nos limites desse trabalho), sobretudo, como autodeterminação da pessoa humana
em sociedade, e nessa acepção, titular de eventual direito de auxílio e assistência
para assegurar as condições objetivas ao bem viver, tais como a segurança
alimentar/nutricional. Posto isso, o reconhecimento da dimensão material da
dignidade humana passa pela compreensão de que se faz necessária a
concretização de uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada como prérequisito material de nossa existência com dignidade.
É razoável inferir que seria pouco provável a conciliação de diferentes pontos
de vista sobre o que se entende como pobreza em um único conceito. Também por
isso é impensável um consenso em torno do perfil de quem deva ser reconhecido
como beneficiário de uma política voltada à combatê-la. O primeiro governo Lula, por
exemplo, adotou a fome como o critério de pobreza extrema, tomando aqueles tidos
como incapazes, por recorte econômico, de assegurar a sua própria subsistência
alimentar como foco para transferência de benefício na forma de uma política
compensatória de renda (STOTZ, 2005; BETTO, 2004).
Porém, o enfoque de uma política social não deve ser reduzido aos serviços
realizados pelo Estado, visto que iniciativas nesse campo envolvem um amplo
conjunto de meios e canais (administrativos, jurídicos e políticos) relacionados à
positivação dos direitos de cidadania e à prevalência dos interesses sociais coletivos
e individuais indisponíveis, tal como a participação social através de mecanismos de
controle externo no sentido da promoção da segurança alimentar/nutricional.
Contudo, a perspectiva ampliada de política social na ótica das sociedades
capitalistas, longe do propósito altruísta para com o bem viver e para com a
igualdade social, é, sobretudo, um campo de permanente tensão e oposicionalidade,
por vezes confusão, envolvendo o entrelaçamento entre interesses públicos e
privados. Nesse contexto dialético destacam-se lutas em favor da exigibilidade dos
direitos coletivos acompanhadas, em outro polo, do uso instrumental do Estado em
benefício de uma ordem econômica comprometida com a reprodução das
desigualdades sociais e da pobreza material (ALGEBAILE, 2005).
Sabe-se, entretanto, que a pobreza, uma vez notabilizada pela não realização
pessoal do modo de vida alcançado por uma coletividade humana em um dado
202
momento histórico, constitui um fenômeno complexo e, ao mesmo tempo, um
sentimento de múltiplos sentidos. Em geral, a situação de pobreza daqueles que não
conseguem prover o próprio sustento (e de suas famílias) com o trabalho, suscita
obrigações da sociedade nação, norteadas pela concepção de cidadania plena e dos
direitos sociais.
A pobreza, considerada em sua complexidade, não se resolve simplesmente
através do PBF, por maior que seja o impacto econômico desse. Entretanto, no caso
das mulheres envolvidas como titulares do benefício, a transferência direta de renda
favorece mudanças sensíveis na moral (no sentido de dignidade), implicando em
reconhecimento social de sua capacidade financeira por força da conquista de certo
grau de liberdade e autonomia para com o gerenciamento das compras da família
(PINZANI; REGO, 2013), ainda que tal poder seja mitigado pelo pouco, embora
significante, dinheiro disponível.
O Bolsa Família não dá pra encher a barriga de uma criança o mês todo,
aqueles R$ 134 não dá mesmo, mas pelo menos com esse pouco eu posso
escolher o que trazer pra casa.
TÊMIS
Antes de eu receber o Bolsa Família era mais difícil, agora com esse
trocadinho dá pra comprar uma calça, um caderno, uma chinelinha. (...) Mas
tem de organizar, juntar o dinheiro pra ir comprando as coisas que as
minhas filhas necessitam.
ÍRIS
Opondo discursos em contrário, as mulheres ouvidas anseiam muito além de
um mínimo de “ajuda” em dinheiro transferido a partir do governo (ou de quem quer
que seja), com regularidade mensal. Todas elas demonstraram convicção de
quererem com primazia um trabalho regular, melhor ainda, um emprego com carteira
assinada para não passar “necessidade” ou “precisão” – termos esses recorrentes
nas entrevistas, por referência a carências e privações (alimentares e outros bens
que o dinheiro pode comprar). Discursos esses análogos aos transcritos por Pinzani
e Rego (2013) ao estudarem, entre 2006 e 2011, o comportamento de mulheres a
partir do momento em que passaram a contar com o auxílio na forma do Bolsa
Família.
203
No que concerne ao descompasso entre a condução das políticas públicas e
os anseios do cidadão brasileiro, cumpre destacar que no momento da produção
desse texto houve a efervescência, com muita força, de uma série mobilizações
sociais espontâneas e difusas pelo país, marcadas por um sentimento de pertença a
uma
comunidade
nacional.
Muito
embora,
a
consideração
crítica
de
tal
acontecimento fuja em grade medida do escopo de nossa tese, entendemos
pertinente discuti-lo a seguir, como fenômeno historicamente situado e adstrito a
alguns dos temas e dimensões analíticas que circunscrevem esse trabalho.
9.4 Advocacy e a perplexidade com as mobilizações de junho de 2013
O movimento das ruas registrado em junho de 2012 no Brasil foi, inicialmente
pacífico, marcado pela insatisfação com o aumento dos preços e a baixa qualidade
dos transportes públicos, mas logo se estendeu para insatisfação com a insuficiência
de investimentos em setores essenciais ao bem viver, tais como: mobilidade urbana,
segurança pública, saúde coletiva e educação. Foi inclusive alvo de protestos a
inversão de prioridades materializada em gastos financeiros vultosos junto à FIFA
(Federação Internacional de Futebol) e o COI (Comitê Olímpico Internacional) para
realização de espetáculos mundiais do esporte. No entanto, logo as mobilizações
foram potencializadas e multiplicadas (a moda de um genuíno “efeito dominó”) em
decorrência do despreparo e da truculência de muitos dos agentes de segurança do
Estado33 no trato com aqueles que expressam abertamente seu desalento com a má
gestão de recursos públicos.
Acossados pelas mobilizações das ruas, os membros do Senado e a Câmara
Federal se apressaram em votações simbólicas, para enfim aprovar, com a urgência
que demanda a pressão popular, reivindicações históricas adormecidas em
diferentes comissões das duas casas, tais como: (1) a destinação da receita da
exploração de petróleo do pré-sal para educação (75%), saúde (25%), (2) a
tipificação da corrupção como crime hediondo, e o (3) fim do voto secreto para
33
Os acontecimentos de 2013 podem ser tomados por analogia ao que se verificou no Brasil dos
anos 1980 quando da reação violenta das Polícias Militares e do Exército às marchas do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), visto que, ao invés de inibir, a reação do Estado na
realidade favoreceu o fortalecimento da mobilização.
204
cassação de mandato (JUNGBLUT, 2013; BRITO; ÁLVARES, 2013; MATTOS,
2013).
Foi notável nesse processo de luta a perplexidade dos agentes políticos
(titulares de mandato) com a demonstração de poder dos manifestantes (articulados
através de redes sociais na internet) ao conclamarem que não se reconhecem
representados por tais detentores de cargos eletivos, ao tempo em que questionam o
mérito da condução política por meio das “instituições democráticas”. Assim, o povo
nas ruas contesta duas teses clássicas do pensamento liberal: “soberania popular
apurada em sufrágio universal e partidos políticos como meio de institucionalizar e
canalizar a vontade política do povo” (MACEDO, 1997 p. 24).
Nesse ambiente de tensão e incertezas políticas com o rumo dos
acontecimentos puxados pelas mobilizações, o governo e seus agentes procuram
ajustar suas práticas, iniciando por responder as pressões com discursos e gestos
habilmente formulados por profissionais de marketing34. Nesse particular, é
pertinente a ponderação de Dias (2011) ao sustentar que a essência do objetivo do
marketing político residiria na falsificação das vontades.
O contexto provocado pelo movimento das ruas foi, em seu primeiro momento,
particularmente propício ao emprego de mecanismos de democracia direta, como o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis e planos de governo. Nesse giro,
cumpre ao povo protagonizar, diretamente, uma reforma política capaz de mudar a
lógica perversa do toma lá da cá, sustentada por óbvios mecanismos de corrupção,
que notabilizam a “base parlamentar” no Congresso Nacional adstrita à estrutura de
um “governo de coalização”, em nome do paradigma da “governabilidade”.
A coalizão em favor da governabilidade – conforme a base lógica do sistema
eleitoral brasileiro – é retroalimentada por uma ampla maioria de eleitores que
entendem os parlamentares eleitos como meros intermediários de favores pessoais
perante o (todo poderoso) Executivo. O voto no candidato ao legislativo em troca de
favores pessoais é a ponta de uma cadeia na qual os eleitos buscam barganhar
cargos e dinheiro público para cooptar o apoio de seus eleitores. Nesse cenário
34
A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, teria recorrido ao marqueteiro baiano João Santana
para elaborar e, posteriormente, analisar o posicionamento dela sobre as manifestações pelo país
(DILMA, 2013c).
205
político-eleitoral permeado de vicissitudes, como adverte Carvalho (2011), “cria-se
uma esquizofrenia política, os eleitores desprezam os políticos, mas continuam
votando neles na esperança de benefícios pessoais”.
Por outro lado, visto o preceito da legalidade na base dos programas de
governo, conforme mandamento constitucional, não é ocioso observar que nenhuma
das beneficiárias do PBF entrevistadas recorda o nome do legislador (deputado
federal ou senador) por ela votado nas últimas eleições. Sem embargo, com uma
única exceção, todas as outras mantinham vivo na memória o nome votado para
Presidente da República no mesmo pleito. A presença na memória somente do voto
para a chefia do executivo reforça a tese que indica a maior importância atribuída a
esse cargo, muito provavelmente por força da hipertrofia do poder executivo no
modelo político-administrativo brasileiro.
Muito embora o modelo de sistema representativo remonte à doutrina de
tripartição de poderes no século XVIII – no âmbito da teoria geral do Estado
desenvolvida por Montesquieu (2000), na obra O Espírito das Leis (1748) – a
concepção de harmonia e independência entre o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, presente naquele conjunto de princípios liberais, está distante de ser
realidade no Brasil contemporâneo, bem assim nos países que adotaram diferentes
variações do mesmo desenho de estrutura política.
No caso da configuração política do modelo brasileiro de Estado democrático
de direito, a própria Constituição Federal – ao tempo que estabelece direitos sociais
como alimentação e assistência aos desamparados – define os limites e
possibilidades da pactuação federativa: União, Estado e Município. Tem-se então um
ambiente político-normativo fértil ao fortalecimento de programas de caráter nacional,
a exemplo do Bolsa Família.
Sabe-se, entretanto, que o Bolsa Família não é uma política de Estado, mas
um programa de governo, e como tal, a dinâmica de seu implemento está sujeita à
análise de conveniência e oportunidade dos representantes eleitos para o exercício
do poder executivo. Pode inclusive cessar a transferência de dinheiro sem aviso
prévio aos interessados. A propósito dessa última possibilidade, as beneficiárias do
Bolsa Família entrevistadas, ao serem provocadas sobre o que fariam no caso, muito
206
embora concluindo que daí em diante precisariam trabalhar mais tempo ou buscar
outra fonte de recurso, em breve síntese, responderam: “nada”, denotando uma
maior aproximação com a compreensão do benefício como uma concessão do
Estado, da qual constituem o polo passivo.
Eu ia sofrer, ia sofrer (visivelmente constrangida) porque que eu ia sofrer?
Porque eu tava comprando as coisas para minhas filhas e diminuiu. Eu ia
ter que trabalhar mais ainda.
FEBE
Eu não faria nada, eu ficaria satisfeita do mesmo jeito de quando eu recebi.
Eu não ia brigar com o pessoal lá em Brasília. Mas também eu ficaria triste,
mas tranquila, daí a gente iria correr atrás de outro recurso, a gente não vai
esmorecer não.
ÍRIS
Ai... O que eu faria? (pausa de 3 segundos) entregaria a Deus! Não podia
fazer nada. Porque Deus tinha me dado até aquele tempo todim (pausa de
4 segundos). Ai eu agradeci muito até hoje, até o dia que eu receba.
ELPIS
Cumpre assinalar que depois de onze entrevistas já realizadas, ao ouvirmos
da última entrevistada a afirmação de que “[...] tinha que aceitar numa boa. A gente
não faria nada” (caso o PBF acabasse hoje), interrogamos “será que não?”, tendo
obtido uma resposta nos seguintes termos:
Não (pausa de 3 segundos), a não ser que o povo se reunisse, um grupo de
mães e corresse atrás do direito dos nossos filhos...
HERA
A rigor não é possível afirmar ou negar que a fala acima mencionada reflita a
percepção do conjunto das mulheres entrevistadas, nem tão pouco que seja uma
opinião isolada, visto que provocação e resposta nesse sentido apareceram no
momento final do trabalho de campo, portanto, inconcluso nesse estudo em termos
de saturação teórica.
Tratando-se de um estudo historicamente situado, cumpre consignar, que
cerca de um mês antes das mobilizações supramencionadas (iniciadas em junho de
2013) o país foi surpreendido – em um fim de semana, 18 e 19 de maio – com a
mobilização de grandes contingentes de beneficiários e muita confusão nas agências
207
e postos de atendimento da Caixa Econômica Federal dos estados de Alagoas,
Amazonas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio de Janeiro. Também nesse caso,
houve perplexidade das autoridades governamentais, porém dessa vez, o movimento
não se coadunava com ativismo por transformações políticas. A corrida aos caixas
eletrônicos teria sido motivada por boatos (de origem desconhecida) do tipo: "a
história que chegou pra mim é que até a meia-noite de hoje quem não receber o
dinheiro da bolsa não receberá mais. Falaram isso quando eu estava em casa e eu
vim correndo pra cá"35 (BOATO, 2013).
Criou-se uma situação de instabilidade, uma verdadeira comoção em diversos
postos de atendimento da Caixa Econômica Federal (CEF). Vozes do governo
responsabilizaram a oposição, a política federal entrou em campo, e, em meio às
interrogações, os dirigentes da CEF admitiram que o fato de ter havido uma
antecipação do pagamento dos benefícios (segundo o banco, por força de uma
mudança operacional) deve ter sido a causa primeira da corrida para o saque de
dinheiro do PBF (CAIXA, 2013). Por seu turno, a Presidenta da República, logo se
apressou para desfazer os boatos: “[...] Queria deixar claro que o compromisso do
meu governo com o Bolsa Família é forte, profundo e definitivo” (DILMA, 2013b, grifo
nosso).
Ficou evidente nesse episódio o quão sensível é a questão do pagamento
regular do benefício do PBF para a estabilidade (ou não) da hegemonia política do
governo no contexto da conjuntura nacional. Portanto, a julgar pela fala da
presidenta, mesmo a necessidade de medidas de ajustes fiscal que apontem para o
contingenciamento de gastos públicos (como ocorre a cada ano) não deve afetar a
transferência direta de dinheiro para os pobres, justamente a maior proporção de
eleitores do país.
35
Tivemos a oportunidade de observar, pessoalmente, centenas de pessoas que se amontoavam em
uma agência bancária de Fortaleza, no bairro Messejana, por volta de 23h30min de sábado
(20/05/2013) procurando sacar o benefício, apressadas para fazê-lo até meia noite. Na ocasião
ouvimos esse mesmo boato.
208
9.5 “A gente” ante “eles” no contexto da dimensão imaterial da experiência de
pobreza
Gadamer (2008) afirma que através da comunicação elaborada na linguagem
o homem tem a representação de um mundo de si mesmo, diferenciando-lhe de
outro qualquer ser vivo. Para esse autor, o jeito humano de existir com autonomia e
liberdade se exprime no modo de apreender e dominar esse mundo propriamente
humano, tal como se verifica no esforço de buscar a verdade através da interlocução
mediada pelos símbolos da linguagem (Op. cit.).
Todavia, como revela Gadamer (1983), a linguagem, considerada a energia
que movimenta o círculo hermenêutico, não pode ser reduzida a elemento
comunicativo, de mero caráter instrumental, visto que representa o próprio
conhecimento materializado; tanto que deixa de fazer parte do interlocutor ao
desvelar novas perspectivas de mundo ou mesmo assumir um sentido de
apropriação do coletivo em primeira pessoa do plural. Desse modo, foi interessante
observar
recorrencia
nas
falas
das
entrevistadas
–
ao
reportarem
o
autoconhecimento da experiência de pobreza – o emprego da expressão “a gente”
(“a gente sofre”, “filho da gente”, “a gente diz”...) como identidade discursiva. Noutro
polo, também com muita reiteração nos discursos, referem os governantes como
“eles”.
Tem muita coisa que a gente se pergunta por que não seria diferente
(grifo nosso)
ADASTREIA
Eu acho que eles devem botar mais serviço, não sei.
(grifo nosso)
.
FEBE
Acho que a gente deve cobrar mais deles (os gestores públicos), mais
melhoria pra gente, melhoria no posto (de saúde), de não haver dificuldade
quando uma pessoa quiser fazer uma compra em uma loja, porque tem
muita burocracia e eles devem olhar mais pelos pob... pela gente!
(grifos nossos)
TÊMIS
Pra gente continuar recebendo o Bolsa Família a gente tem de ir no CRAS,
passar três dias lá para pegar uma senha para ser atendida, pois é muita
gente. Ai quando a gente é atendida, as vez(es) nem dá certo porque o
209
sistema é lento, não dá tempo atender todo mundo, ai volta outro dia, é
outro sacrifício. Quando a gente é atendida, no dia que dá certo, elas dizem
que vai ter uma visita na casa. A gente passa mais um mês para esperar
essa visita e depois mais dois meses ainda para ser desbloqueado o cartão.
Eu já estou com mais de quatro meses que não recebo, só nesse
sofrimento pra lá e pra cá, atrás. É muita burocracia em cima da gente.
(grifos nossos)
ÉLPIS
O emprego da expressão “a gente” ante “eles” é produto de uma construção
discursiva das ações e das representações sociais que parece desvelar (na ótica das
entrevistadas) uma apropriação do incômodo e da resignação coletivas com
obstáculos ao bem viver, por vezes expressos na linguagem como interrogação ou
proposição. Corroborando com esse entendimento, a forma pronominal “a gente” é
apontada por Lopes (1998) como possibilidade linguística utilizada para expressar o
“eu-ampliado".
Sendo assim, as representações dos atores sociais – notadamente a quem se
atribui a responsabilidade por seus próprios destinos e sobre quem são projetadas as
consequências da situação de pobreza – observada em nosso estudo é, sobretudo,
produto de “dinâmicas de oposição e polarização” (ROJO, 2004, p. 216) entre os
beneficiários, coletivamente considerados (“a gente”), e os agentes políticos (“eles”)
que representam a vontade do Estado pelos pobres.
Por seu turno, a expressão “muita burocracia”, mencionada por duas vezes
nos discursos supra, remete aos obstáculos que emperram o exercício dos direitos
sociais, nesse sentido não se confunde com a designação de burocracia atribuída
por Weber (2004) ao reportar um tipo ideal de organização, todavia pode ser
identificada como disfunção dessa mesma burocracia (weberiana).
De imediato, o Bolsa Família materializa-se como aumento da capacidade
financeira com vistas à satisfação de algumas das necessidades de consumo
(entendidas como tal pelos beneficiários). Dessa forma, assume-se uma perspectiva
economicista de intervenção do Estado por critério de (baixa) renda, focalizando,
portanto, a dimensão material da pobreza. Mas há uma segunda dimensão do
fenômeno da pobreza, trata-se da imaterial, que embora articulada à primeira na
produção da subjetividade, é comumente negligenciada nas políticas públicas.
210
Um pobre sofre muito, (...) ele não tem condições de muitas coisas, sofre
muito. (...) O pobre se acha humilhado, se acha rebaixado, porque tem
muita coisa que outras pessoas têm e os pobres não têm.
TÊMIS
É muito ruim a gente ser pobre, não ter assim como ajudar o filho da gente
que pede uma coisa e não tem como ter. Muita mãe chora (...), eu sou
uma... Teve uma época que me deu vontade de arrancar os cabelos tudim.
ELPIS
Em sentido análogo as experiências de privação que se depreende dos
excertos acima transcritos, Ávila (2011), em estudo no qual tratou dos avanços e
limites do Bolsa Família, observa que a pobreza seria, essencialmente, expressão da
repressão, ou ainda resultado da discriminação no âmbito das vantagens, vale dizer,
a não posse de dinheiro e poder, dois bens raros.
No que concerne à análise das relações de poder desiguais, é preciso
considerar que especialmente no Brasil, a desigualdade material é profundamente
entrelaçada à desigualdade não material, notadamente na seara das oportunidades e
capacidades para organizar interesses e, mais além, na conquista da autonomia em
processos de tomada de decisões significativas (SANTOS, 2006).
A face simbólica da condição de pobreza desvela o quão sensível é a
experiência de se reconhecer pobre em meio às relações sociais e suas implicações
com legados culturais e posturas políticas. Assim sendo, questões complexas como
liberdade surgem nas entrevistas.
O governo não vai acabar com a pobreza das famílias apenas fazendo
chegar dinheiro ou casa pra elas, é preciso mais porta para o emprego, o
trabalho, dar mais chance para essas pessoas, mais liberdade. (Liberdade
pra mim) é a pessoa ter alguma chance na vida, a pessoa perseguir o que
quer, é ir à luta sem ter muita dificuldade, nada de burocracia.
(grifo nosso)
TÊMIS
Uma pessoa pobre tem uma liberdade de tudo ter, e ao mesmo tempo de
não ter. De tudo aquilo ser oferecido ali nas palavras e quando na realidade
nada acontece.
(grifo nosso)
ADASTREIA
211
Vale destacar aqui que a liberdade e a consciência desta mesma liberdade,
entendidas como a essência da natureza humana (CHOMSKY, 2008), uma vez
tomadas como uma unidade de experiência na perspectiva de uma vida ética de
constituição individual e do ser no mundo, concretiza-se verdadeiramente no
encontro com o outro (SAMPAIO, 2011).
Contudo, como lembram Uchimura e Bosi (2004), com base na experiência
dos programas Mercadão Popular e Armazém da Família (ambos em Curitiba-PR) as
políticas públicas que visam proporcionar alimentação adequada ao favorecerem o
atendimento de um direito fundamental como tal não podem prescindir dos aspectos
qualitativos inerentes à subjetividade, presentes nas bases da personalidade, da
autonomia e da liberdade das pessoas envolvidas, nos programas sociais.
Para Gramsci (1978), embora a possibilidade não seja propriamente a
realidade, ela o é, tendo em vista que o ser humano pode, socialmente, determinarse (com liberdade) se faz ou não alguma coisa, conforme as alternativas possíveis
(em um horizonte ampliado) e o valor de suas decisões. O mesmo autor assevera:
...que existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que,
mesmo assim, se morra de fome é algo importante, ao que parece. Mas a
existência de condições objetivas – ou possibilidade, ou liberdade – ainda
não é suficiente: é necessário conhecê-las e saber utilizá-las. Querer utilizálas. (Op. cit., p. 47).
Assim, uma maior amplitude na liberdade/oportunidade de escolhas, desde
que referenciada não apenas na desigualdade de renda e no difícil acesso
(quantitativa e qualitativamente) a uma diversidade de bens e serviços, é
reconhecida como elemento nuclear de uma estratégia de combate à pobreza. Por
esse entendimento, nas basta investir em políticas de fomento ou transferência de
renda; deve-se assegurar que intervenções nesse campo sejam integradas com o
acesso aos serviços sociais e, em seu conjunto, às políticas públicas.
A exemplo dos achados de Dias e Silva (2009) e Silva e Rodrigues (2011) no
interior dos estados do Maranhão e Paraíba, respectivamente, as falas dos
entrevistados, as seguir transcritas, nos rementem à compressão de que para as
famílias beneficiárias do Bolsa Família pobreza é:
(1) privação do mínimo para uma vida digna, remetendo a frustração por não prover
212
necessidades elementares por meio de ganhos com o trabalho, tais como:
alimentação suficiente e saudável e outros bens de consumo;
Se tivesse emprego para todo mundo trabalhar, o direito dos filhos os pais
já dariam.
HERA
Esse mês eu dei um dinheiro pro meu filho comprar um celular, que custou
R$ 40. Eu recebo R$ 134, e sei que tem um tanto que é meu e outro parte é
dos meus dois filhos. (...) mas, acontece que esse dinheiro do governo mais
outro tanto que recebo pelos bicos que faço num dá pra nossas
necessidades.
IRENE
Eu acredito se tivesse uma condição melhor através do trabalho, poderia
oferecer as minhas filhas uma alimentação com é pra ser, ter um almoço,
uma merenda, ter aquele momento que ela as vezes como criança deseja
ter, de ter uma boa fruta, de tomar um suco. Tudo isso alimenta uma
criança, deveria ter uma boa fruta. O corpo necessita de uma boa
alimentação, porque senão lá na frente vai ficar com alguma consequência.
ADASTREIA
(2) é o desalento pela falta de resolubilidade dos serviços de saúde, sobretudo
porque o comum dos homens não se sente devidamente considerado e respeitado
como pessoa humana (ou titular de direitos de cidadania) nos serviços públicos de
saúde;
Eu tava precisado muito do posto, meu filho levou um acidente, ai cortou
isso aqui dele por dentro (na face, próximo do olho direito), ficou só um
buraco, ai ele tinha de fazer uma cirurgia. Depois que foi feita a cirurgia na
Santa Casa, mas pra fazer ele ainda ficou doze dias lá... (pausa de 3
segundos) porque não tava tendo vaga na agenda do médico. Ai tudo bem,
o médico fez a cirurgia dele e nós viemos embora, ai o médico disse que no
retorno eu ia ter de pagar R$ 60, ou então ia ter de levar para o posto
marcar, mas que isso ia demorar. (...) Eu tive que pedir ajuda a outras
pessoas pra poder conseguir o dinheiro do retorno com o medico.
TÊMIS
(3) é viver um cotidiano de insegurança no contexto do “mundo das drogas”;
(Meu filho) usa aquela (droga) que o pessoal chama de pedra... crack, mas
também ele cheira cola, toma comprimido. Ele é bem magrim. Já foi preso,
ele assalta, rouba as coisa dos outros. (As pessoas roubadas por ele) iam
naquela casa que eu morava pra mim pagar as despesas, as vezes
chegavam a ameaçar me matar. É uma vida sofrida pra uma mãe. Se eu
213
deixar ele dentro de casa, ele leva as coisas pra vender e comprar droga.
(...) Mudei pra uma casa que é só dois cômodos, bem pequenininha, mas lá
eu sou mais feliz porque não estou arriscando a minha vida como lá onde
eu morava.
PÊNIA
Tem mãe que pensa assim, será que é melhor eu tirar ele (do mundo das
drogas) ou seguir junto com ele. Tem muita família da gente mesmo que no
início elas tentaram, mas que não conseguiram e entraram no mesmo
barco. E ai elas vão se envolvendo, se envolvendo, e acabam fazendo o
que os chefes do tráfico querem, consomem drogas, traficam e envolvem os
filhos... Ai vai virando uma bola de neve, que vai aumentando e, quando
pensam que não, elas não tem mais como sair. É tipo assim: vai cavando
um buraco e entrando, mas a terra não tem fim.
METIS
Tem muita gente que vive nessa viva por ai roubando, muito novim
morrendo...
IRENE
Fica o traficante todo tempo ameaçando, como ela não tinha dinheiro para
pagar, só achou o cartão para dar pra ele (...) empenhar até terminar de
pagar a dívida.
TÊMIS
(4) é ser vítima de sutis preconceitos por sua limitação financeira.
Uma coisa que aconteceu comigo quando meu menino tava internado que
eu cheguei na Santa casa com ele, ai a minha irmã entro com ele e eu fiquei
esperando. No local das cadeiras para o povo se sentar estava muito cheio
de gente, né e eu fiquei em pé, ai teve uma cadeira lá que ficou vazia, ficou
desocupada (porque) uma senhora se levantou – uma senhora rica. Eu tava
muito nervosa e me sentei onde ela tava, porque ela tinha saído lá pra fora.
Ai quando ela veio de volta, ela não falou nada nem eu... Eu só fiz levantar
da cadeira e disse assim: – Tai senhora a sua cadeira, ai ela disse assim,
ela disse assim: – Você pode ficar sentada. Eu disse assim: – Não, fique.
Você não tava primeiro? Ai tudo bem, eu fiquei assim, ai ela foi, tirou um
lenço e colocou no assento da cadeira. Eu me senti péssima!
TÊMIS
Cumpre destacar que a realidade da dependência química do crack
(subproduto da pasta base de cocaína) é motivo de grande preocupação junto às
famílias. O “mundo das drogas”, como acima mencionado – abrangendo a tensão
associada ao tráfico e outros crimes, é fortemente marcado por ameaças à vida e à
saúde de crianças e jovens.
214
A expansão de políticas compensatórias do tipo Bolsa Escola para
adolescentes seria particularmente importante como barreira à participação de jovens
em atos criminosos (SCHEINKMAN et al., 2002).
Pelo menos na Escola sei que eles (os filhos) ficam longe das drogas.
PÊNIA
9.6 O apartheid social brasileiro
Ao tempo em que referencia o número de 27,9 milhões de pessoas que teriam
superado a condição de pobreza material entre os anos de 2003 e 2009, o governo
federal analisa ser “alarmante a persistência de extrema pobreza em cerca de 16,2
milhões de indivíduos” no mesmo período (BRASIL, 2011d). Coerente com tal
preocupação, e ampliando o escopo do debate para as dimensões da identidade
cultural brasileira, entendemos altamente recomendável empreender políticas
públicas, tão intersetoriais quanto possível, voltadas ao enfrentamento das raízes da
desigualdade socioeconômica presente na face da pobreza extrema do Brasil, a
exemplo da política de cotas para acesso à universidade, provimento de cargos
públicos, tomadas como políticas afirmativas para superar o apartheid social
brasileiro.
A propósito da segregação que historicamente maltrata e reproduz a maioria
pobre, projetando nosso país como um dos mais desiguais do mundo, importa
destacar que subjacente à identidade cultural brasileira, no que ela tem de uniforme,
esconde-se uma imensa distância social (maior até mesmo do que as diferenças
raciais) associada ao tipo de estratificação produzida pelo processo de formação
nacional, cuja implicação com os modos de agir social é amplamente documentada
por Darci Ribeiro (2009), Gilberto Freyre (2006) e Sérgio Buarque de Holanda (1987).
Nessa trama sócio-histórica emerge um sentimento de desalento – ou talvez de
relativo antagonismo classista – da maioria desfavorecida em face das pessoas de
maior poder econômico e político, frequentemente motivado pelo fato dessas últimas,
em regra, denotarem mais prestígio social, materializado, por exemplo, na maior
facilidade de pronto atendimento aos serviços públicos.
215
Essas pessoas que têm poder para fazer as coisas acontecer é gente que
se acha muito importante, é de outra classe social, eles são diferentes de
nós que vive na pobreza. (...) Uma pessoa rica tem o que um pobre não
tem, porque se você é rico as coisas dão logo certo pra você, mas para um
pobre não, esse tem de esperar, esperar...
TÊMIS
As razões enunciadas no discurso supra reforçam a persistência de uma
modalidade de apartheid social no Brasil – expresso na segregação de pessoas em
estratos de renda, cor, gênero, educação e origem, tomada em sua implicação direta
com a desigualdade latente no país. Problema esse cujo nosso sistema
representativo tem sido, historicamente, incapaz de enfrentar com a necessária
determinação (CARVALHO, 2011).
No trato das relações de poder, como expresso no excerto antes transcrito,
embora o peso da desigualdade seja organizado e enquadrado discursivamente pelo
elo mais próximo, aquele que aparentemente mais tensiona, este pode na verdade
não ser o mais determinante no conjunto de desigualdades que constituem a
trajetória de vida ou as oportunidades desta ou outra pessoa; podendo envolver a
convergência entre elos de uma cadeia tão complexa e diversificada como raça,
sexo, classe, idade, origem e recursos educativos. Assim, algo que surge como
determinação externa de uma específica relação de poder vem a significar muitas
vezes a representação de uma constelação de poderes por sobre um ou mais elos
anteriores e mais remotos (SANTOS, 2006).
A propósito da discussão acerca da origem e consolidação da desigualdade
na sociedade humana, Rousseau (1999), ainda no século XVIII, já afirmava que esta
praticamente inexistiria no estado de natureza36, mas que ao longo do
desenvolvimento da racionalidade e dos progressos do espírito humano avançaria
para se estabelecer e legitimar-se por meio do estabelecimento da propriedade e das
leis37. Segundo aquele referenciado pensador iluminista, como critério de justiça, “é
36
Uma versão (contratualista) quanto ao estado do ser humano anterior à configuração de um
governo civil: um nativo selvagem. “Perceber e sentir será seu primeiro estado, que lhe será comum
com todos os animais; querer e não querer, desejar e temer, serão as primeiras e quase únicas
operações de sua alma, até que novas circunstâncias lhe causem novos desenvolvimentos”
(ROUSSEAU, 1999).
37
Para Rousseau (1999), "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros".
Entendendo dessa forma, seriamos originalmente livres, de boa conduta, mas logo levados a nos
216
manifestamente contra a lei da natureza, de qualquer maneira que a definamos, que
(...) um punhado de pessoas nade no supérfluo, enquanto à multidão esfomeada falta
o necessário” (Op. cit., p. 116).
Na consciência das entrevistadas a idéia de justiça parece funcionar como um
canal de estabilização de suas expectativas sociais (HABERMAS, 1987), sugerindo a
demarcação de um posicionamento político (embora sem aparente articulação social)
frente à desigualdade socioeconômica, mormente em favor da libertação consciente
de uma condição de inferioridade social mediada pela pobreza, e nesse contexto de
mundo, a legitimidade conferida aos representantes eleitos como agentes públicos.
Eu acho que o governo deveria fazer justiça àquelas pessoas que tem mais
necessidade, mais precisão, mais pobre mesmo.
TÊMIS
Acho que [acabar com a pobreza é papel] das pessoas que a gente vota. Só
elas que podem fazer justiça, porque o nosso voto vale tudo.
PÊNIA
Os excertos dos discursos acima transcritos reforçam o paradigma do Estado
provedor do bem estar social, uma materialização da sociedade política alicerçada na
ideia de justiça social, sempre na busca de harmonizar, em uma perspectiva
ontológica do humano, os aspectos que expressam um valor de norma moral (campo
da consciência) e de um direito positivo (universo jurídico) (HUSSERL, 1990; STEIN,
2004). Nessa última dimensão, com o ordenamento jurídico, tem-se a representação
de um sistema de direitos, que é referenciado pelas pessoas, individualmente
consideradas, na busca de legitimar suas condutas (HABERMAS, 1987), como o
fazem para exigir uma renda básica e outros mínimos sociais concedidos pelo
governo, posto serem considerados obrigações em benefício da harmonia em
sociedade no plano do bem viver.
A propósito da consciência de reconhecimento social do indivíduo como
pessoa humana, Gadamer (1983), ao comentar a produção intelectual kantiana,
destaca que a consciência do indivíduo constitui uma sua realidade vinculante à
corromper através do processo civilizatório, notadamente por força das amarras que demarcam a luta
pela vida no contexto das circunstancias sociais que desigualam uns e outros.
217
esfera social e política, representando a base da vida humana no modelo de Estado
e de sociedade alicerçada na tradição liberal. Nesse contexto coletivo que valora o
direito positivo, a autoconsciência humana avança em busca da estabilização através
do reconhecimento sócio-jurídico do nosso próprio ser pelos demais, uma vez
amparado pelo princípio (de direito) da dignidade da pessoa humana.
Eu não acho que o Bolsa Família seja uma ajuda, eu penso que seja um
direito da gente mesmo, porque aquilo dali a gente paga e volta de novo pra
gente. A gente paga muito imposto em cima dos preços das coisas. Eu acho
que seja assim, eu penso.
TÊMIS
O Bolsa Família deveria ser um direito da gente que não tem marido, vive
só cuidando dos filhos, e não ser só porque a criança tá indo pra escola,
pois isso ai já é papel nosso.
ÉRIS
Uma leitura atenta das formações discursivas acima referidas nos revela um
sentido marcadamente ideológico, que remete a historicidade de uma construção
cujas pessoas incorporam a forma de sujeito de direito (jurídico-positivo). Para
Orlandi (2012) representação desse tipo corresponde ao sujeito – com seus deveres,
além de direitos – historicamente determinado pelo sistema capitalista, no sentido de
que ele é, ao menos em parte, produto de condições externas e, ao mesmo tempo,
investido de autonomia, tanto que é responsável por seus atos, inclusive pelo que
diz.
Um exemplo ilustrativo da tradição positivista do direito na determinação de
normas de conduta autorizadas pela ciência é o conjunto de “Leis da Alimentação”,
enunciadas pelo nutrólogo argentino Pedro Escudero (1934): quantidade, qualidade,
adequação e harmonia – devidamente fundamentadas nas bases científicas da
Ciência da Nutrição, emergentes no início do século XX.
Ainda hoje, no âmbito da prescrição de dietas alimentares, expressões como:
isso “pode”, aquilo “não pode” são recorrentes na “orientação nutricional” do que é ou
não permitido, visto que, por exemplo, a desobediência à autoridade científica da
nutrição (personificada no nutricionista ou outro agente menos habilitado no campo
da alimentação e nutrição) pode, legitimamente, implicar em uma sanção moral, não
raro com conotação de ameaças à saúde e à própria vida, ou simplesmente a
218
objetivos estéticos. Nesse mesmo sentido, tem-se o discurso moralizante da Saúde
Pública que proíbe o colesterol e outros fatores ditos antinutricionais, ao tempo que
negligencia o prazer de comer.
Todavia, a exploração econômica do prazer – trabalhado a ponto de gerar e
manter oportunidades de negócios – a partir do renascimento liberal trouxe consigo o
desenvolvimento da cultura do consumo, mesmo entre os grupos mais excluídos.
Nesse novo modo de viver em sociedade a cidadania reivindicada é o direito do
consumo, cujo exercício é capaz de silenciar ou prevenir entre os extremamente
pobres a militância política, dificultando sobremaneira as perspectivas de avanço no
modelo de democracia representativa (CARVALHO, 2011).
Ao longo da história do Brasil, a fraca militância política dos segmentos
populacionais de muito baixa renda (excluídos do processo social de produção e
consumo) combinada com o oportunismo eleitoral de lideranças políticas aliadas aos
interesses hegemônicos do mercado, redundou na hipervalorização do poder
executivo. Uma vez que a maioria dos direitos sociais foi implantada a revelia do
legislativo, em governos totalitários, criou-se no imaginário popular a consciência da
centralidade do executivo. Nessa interpretação, a cultura política tem sido mais
orientada para os entes estatais (personificados no presidente, governadores e
prefeitos), razão pela qual Carvalho (2011), com acerto em nosso entender, prefere
denomina-la de “estadania” em oposição à cidadania. A propósito, a presidenta Dilma
Rousseff manifestou-se nesse sentido:
Nós sabemos que a superação da miséria não se faz apenas por meio da
renda. Isso é essencial, mas estamos agora enfrentando suas outras faces.
E levando cidadania e oportunidades...
(DILMA, 2013a)
Cidadania – uma vez enfocada na dimensão do relacionamento poder do
Estado versus cidadão vulnerável e subserviente, como expresso no discurso acima
transcrito – refere-se à concepção de uma cidadania concedida, como ensina Sales
(2004); nesses termos, uma cidadania tendente a ser retribuída com lealdade, tanto
mais quando acena para a perspectiva da autonomia sustentada de uma família
extremamente pobre, como supõe o objetivo do PBF. Todavia, logo se percebe que
motivação nesse último sentido traz consigo o viés de reforçar a histórica
219
desigualdade social do Brasil, conforme o contexto que subjaz as relações de mando
e subserviência atravessadas pela cultura política da dádiva ou favor concedido pelo
agente detentor do poder estatal.
Consoante à argumentação de Thompson (2009) o emprego generalizado de
verbos nominalizados38 e na voz passiva, a exemplo de “exercício da cidadania”, são
indicativos de estratégias ou processos empregados para sustentar relações de
dominação por meio da reificação de fenômenos sócio-históricos, vale dizer,
apresentam “uma situação transitória, histórica, como se fosse permanente, natural,
fora do tempo” (Op. cit., p. 358). Nesse sentido, oposto à compreensão que Adorno e
Horkheimer (1985) fazem do homem no contexto de sua história e racionalidade, ao
indicarem a trajetória da conquista de sua emancipação: a primazia do sujeito.
9.7 O “Lula pai” e a compensação da presença do Estado à ausência paterna
No universo simbólico das entrevistadas, o ex-presidente Lula é, na maioria
das vezes, referenciado como o criador do Bolsa Família e, não raro, recebe
atributos de redentor da pobreza com a ajuda (ou por desígno) de Deus.
O Lula (ao criar o Bolsa Família) fez uma coisa muito bem feita, ele só pode
muito ajudado por Deus, porque pra ele distribuir assim – que isso aqui é
uma alegria, um benefício para todo o mundo do país, (se eu pudesse falar
com ele), eu diria: muito obrigada.
ELPIS
Bem... a gente tem de ser justo, antes da Dilma, quem inventou esse Bolsa
Família foi o Lula, ele quem fez isso pela pobreza.
HERA
Uns falam que foi pelo Lula, eu não sei bem não! Diz que tá a Dilma agora.
IRENE
A paternidade do Bolsa Família é reivindicada pelo PSDB, para o senador
Aécio Neves, virtual candidato desse partido à Presidência da República nas
eleições 2014: “Lula apenas teve a ‘virtude’ de unificar programas sociais criados na
38
Verbo que assume função de substantivo em uma frase
220
era Fernando Henrique Cardoso. (...) Ele pegou o Bolsa-Escola, Vale-Gás, Vale
Alimentação, criados por nós e juntou" (AÉCIO, 2013).
A intenção de encontrar um salvador da pátria, e, ao mesmo tempo, o fascínio
pela força do poder executivo, encontra abrigo na liderança carismática do presidente
Lula. Por tal perspectiva, em um ambiente marcado pelo pouco trato popular com o
exercício da democracia representativa e o aprofundamento dos problemas sociais,
aumenta a impaciência dos cidadãos com os vícios e a morosidade dos mecanismos
democráticos de decisão. Contexto dessa natureza, conforme observa Carvalho
(2011, p. 222) em outros momentos históricos, favorece “a busca de soluções mais
rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas”.
No meu pensamento quem criou esse programa na época foi o Lula. [Se eu
pudesse falar com ele] ia dizer que era uma ajuda que eu nunca um dia
acreditava que ia acontecer.
PÊNIA
O Lula criou o Bolsa Família para ajudar as crianças, ajudar as famílias
necessitadas.
DEMETER
No caso da ajuda em dinheiro por parte do “Lula pai”, tem-se a exata
expressão do que Weber (2004) denomina de poder patriarcal radicado “na
satisfação das necessidades cotidianas normais, recorrentes, tendo por isso seu
lugar originário na economia” (Op. cit., p. 323).
Não obstante, em termos de direito de família, compete ao pai e a mãe,
mesmo separados, assumirem a manutenção responsável e solidária dos direitosdeveres inerentes ao sustento dos filhos. Para tanto é natural que, os pais dividam as
tarefas e responsabilidades em todas as dimensões do cuidado, zelo e proteção dos
filhos, inclusive no que concerne a assistência material e moral possível.
É de se observar que os pais devem manter um relacionamento harmonioso,
pautado pelo respeito e desejo de querer proporcionar a melhor educação, saúde e
outros bens indispensáveis ao atendimento do que se fizer necessário aos filhos,
com a divisão, tanto quanto possível, proporcional das despesas necessárias.
Porém, a presença do genitor não é realidade em boa parte dos lares com crianças e
221
adolescentes, cuja ausência daquele é sentida não apenas no sentido afetivo, mas
também no que concerne ao aporte de recursos para o sustento do descendente
comum.
Parte das beneficiárias do Bolsa Família ouvidas informaram que o dinheiro
transferido do governo teria o mérito de
prover com regularidade um mínimo
indispensável para seus filhos, cujo pai muitas vezes não assume com os deveres
materiais, nem tampouco afetivo-emocional.
Tem mãe que precisa, tem filho que o pai não assume, vive (a mãe) só com
eles e sofre com eles. Eu pelo menos posso dizer que eu não tenho família,
mas esse dinheiro (do Bolsa Família) serve de ajuda pra mãe sustentar a
criança que o pai abandona
PÊNIA
Pra mim (o Bolsa Família) é bom, é uma ajuda, porque eu tenho um marido
e é mesmo que não ter, ele não me ajuda.
EUFROSINA
Recebo esse dinheiro do governo desde que a minha filha tinha 6 meses
(há 13 anos)... De lá pra cá tá sendo ótimo, principalmente nos últimos
tempos porque eu não tenho marido, sou eu e minhas duas filhas e com o
Bolsa Família me ajuda muito.
ÉRIS
No imaginário dessas mães, o Estado personificado na pessoa que teria
criado o programa, substitui com mérito a figura do pai na função de provedor de
alimentos.
Olha Ceribely (filha), o Lula foi o melhor pai pra ti, porque nem o teu pai
que era pai se lembrava de mandar o dinheiro pra ti quanto o Lula, todos os
meses era aquela coisa certa.
(grifo nosso)
FEBE
O Bolsa Família foi uma boa coisa que o Lula fez pra gente como fosse
um pai. Quando ele entregou o cargo pra Dilma, ela continuou.
(grifo nosso)
HERA
Na realidade, a julgar pelos dados coletados, há certo consenso junto aos
atores sociais envolvidos quanto à titularidade do cartão do Bolsa Família ser
222
prioritariamente concedida às mulheres, uma vez que cumpre a elas o papel de
provedoras mais diretas de atenção e cuidados aos filhos – especialmente em
situações de ausência do pai, hipóteses frequentes de mães solteiras ou separadas,
tendendo a gastar o beneficio com alimentação e outras necessidades de crianças e
adolescentes (TRALDI; ALMEIDA; FERRANTE; 2012).
Agora com esse dinheiro do Bolsa Família eu tenho mais liberdade para
comprar o que eu acho que é certo para minhas filhas, sem depender de
mais ninguém.
HERA
Em pesquisa junto a municípios do Piauí e Maranhão foi verificado uma
tendência na aplicação dos recursos recebidos pelos beneficiários do Bolsa Família
em gastos com alimentação, contas domésticas e despesas escolares (SILVA;
SILVA, 2008).
A atribuição da responsabilidade às mães pela gestão do dinheiro do Bolsa
Família em favor da economia doméstica reproduz o papel social esperado do
gênero feminino por vinculação à maternidade. Por outro lado, contar com a relativa
segurança de uma renda certa a cada mês abriria possibilidades para que essas
mulheres negociem (ou protagonizem) a decisão de compra conforme as
necessidades e desejos que entenderem mais adequadas, agora com o poder de
barganha (fundamento de uma sensação de independência financeira) associado à
posse do cartão do Bolsa Família (POCHMANN, 2004). Não são raros os casos em
que a emancipação39 é de tal ordem que estas mulheres põem fim a uma união
conjugal só justificada até então pela dependência econômica do homem para
satisfação das necessidades mínimas dela e dos filhos (COSTA, 2009).
Para dar uma condição de vida melhor de minhas filhas só posso contar
comigo mesmo, porque são duas crianças que não podem trabalhar, tem de
ser eu, logo porque eu sou mãe solteira, tenho de me virar com tudo.
HERA
No entanto, a compreensão do sentido da autonomia das mães (independente
de eventual renda transferida pelo pai de seus filhos) para comprar o que entender
como mínimos desejos de consumo, com vistas ao bem viver da família, deve ser
39
A emancipação da mulher é também uma das teses sociais originárias do liberalismo do século
XVIII.
223
analisada em um contexto que quase sempre envolve a superposição do labor
doméstico com o trabalho externo, ainda que presente a figura do marido ou
companheiro.
Para além desse estado de coisas, a resignação dessas mulheres desvela o
entendimento de que “liberdade” e “autonomia”, como observado por Carloto e
Mariano (2012), são questões muito sensíveis para mulheres em situação de
extrema pobreza (vulneradas tanto pela incapacidade financeira para sustento delas
próprias e dos filhos quanto devido à hegemonia, frequentemente hostil, do gênero
masculino), com implicações culturais, dentro e fora dos serviços públicos.
O quadro de extrema pobreza em família, não raro associado à criança fora da
escola, favorece o ingresso precoce no mercado de trabalho, produzindo adultos com
alguma experiência de trabalho e pouca escolaridade, projetando-se assim um futuro
igualmente pobre, como em um mecanismo de retroalimentação positiva (FONSECA,
2001).
No contexto de vida em condições precárias no qual se insere uma mãe
trabalhadora, envolvida com um conjunto de responsabilidades (a ela atribuídas)
inerentes à dinâmica familiar, as exigências do mercado de trabalho (educação
formal, qualificação profissional, etc.) contribuem para estender o tempo de
permanência de sua família na condição de beneficiária do Programa Bolsa Família.
Eu acho que as pessoas mais grandes, como a gente chama no nosso falar,
poderiam assim dar um trabalho, uma ajudinha para ver se a gente sai da
pobreza, que é pra vê se acaba com tanta pobreza, com tanta dificuldade
que nós do povo vive.
ELPIS
Adicionalmente, a imposição no sentido de que tais mulheres, vulneradas por
limitações financeiras, cumpram com as condicionalidades em saúde, educação e
assistência Social, é potencialmente capaz de impactar no tempo e no trabalho
delas, reforçando o papel social tradicionalmente atribuído à mulher na esfera dos
cuidados com os filhos (CARLOTO; MARIANO, 2012).
Análise do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011d) aponta o aumento do
prestígio social da mulher titular do cartão Bolsa Família, visto que o poder de
224
compra a ela conferido via transferência mensal em dinheiro repercutiria nas relações
tradicionais de gênero, contribuindo para afirmar sua autoridade no espaço
doméstico, e, nesse ínterim, a autoestima e a percepção de ganhos de cidadania.
O termo cidadania, como acima mencionado, não deve ser compreendido
como um lugar ou condição a ser alcançada, mas isto sim como uma expressão cujo
real significado emerge do conjunto semântico da expressão "exercício da
cidadania", na perspectiva da contextualização da pessoa na vida social como
cidadão, conforme ensina Rodrigues (2001), e nesse sentido um direito político que
recebe sua legitimidade na ação educativa.
Mais recentemente, no calor das manifestações populares pelo país,
diferentes agentes políticos tem referenciado o termo cidadania para referir, por
abstração, à personagem – nascente das redes sociais e legitimada nas ruas – que,
como antes referido, vem protagonizando de viva voz a cena política na atual
conjuntura nacional. Nesse sentido a Presidenta da República assumiu a seguinte
posição:
Precisamos oxigenar o nosso sistema político, (tornando-o) mais permeável
à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem
deve ser ouvido em primeiro lugar.
(ROUSSEFF, 2013b)
A abertura política para ouvir com primazia a “voz da cidadania” demarca, ao
menos nesse discurso, uma mudança de posição da mandatária do executivo
federal, agora distinta da concepção, antes manifestada, a qual, inequivocamente, se
aproximava da expressão “estadania”, conforme definida por Carvalho (2011).
Para Carloto e Mariano (2012), comparado aos programas convencionais de
combate à pobreza, a transferência direta de renda representa uma inovação,
substituindo a mera distribuição de alimentos e outros benefícios do tipo
assistencialista pela transferência monetária.
225
9.8 “Muita gente não recebe (o Bolsa Família) e precisa...”: Dimensões de
coordenação e controle do Bolsa Família
Consoante informe da CEF, operador do PBF, Desde novembro de 2008, os
titulares dos cartões dos programas remanescentes, supostamente pobres, só
podem sacar os benefícios com o cartão específico do Bolsa Família, nem mesmo o
antigo “Cartão do Cidadão” está habilitado para tanto (CEF, 2013).
O cartão do Bolsa Família, além de ser o meio que permite ao titular se
identificar com cidadão beneficiário do programa, possibilitando a realização de
saque diretamente em correspondentes bancários da CEF. Para o governo federal,
tal mecanismo de saque sem intermediários
[...] reduz a possibilidade de vinculação entre “distribuição de benefícios” e
agentes políticos locais, contribuindo para romper com práticas de
distribuição de favores e da busca de ganhos políticos a partir dos
programas sociais. (BRASIL, 2006b, p. 18).
Importa registrar que em 2012, ao cruzar dados da folha de pagamento e do
CadÚnico com a relação de informações do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), a Controladoria-Geral da União (CGU) verificou em Sobral a existência de
195 empresários e 83 servidores públicos municipais dentre os titulares do Bolsa
Família, todos eles com evidência de renda per capita superior à estipulada pela
legislação do Programa. Notificada em tempo, a gestão local do Bolsa Família
limitou-se a justificar a permanência daqueles ligados a empresas em razão de ainda
não haverem sido alcançados pelo processo de atualização periódica (a cada dois
anos, com atuação de 200 visitadores domiciliares). Todavia, quanto aos seus
próprios servidores que recebem o benefício, mesmo que supostamente fora do
critério de elegibilidade, a prefeitura preferiu não se manifestar (BRASIL, 2013d).
O fato do titular do cartão receber o benefício a despeito de sua família, na
ótica da moral social, “não passar necessidade”, é reclamada como uma incomoda
realidade por todas as entrevistadas, indicando uma possível manifestação do senso
comum, como o faz Weber (2013b) ao citar uma diarista que devolveu o cartão do
Bolsa Família tão logo entendeu que não mais fazia jus a esse benefício: “Da mesma
226
forma que serviu para os meus filhos, vai ajudar outras pessoas. Acho muita covardia
a pessoa não necessitar e ficar recebendo”.
Tem gente por ai que recebe dois ou três salários e ainda recebe (o Bolsa
Família), mas as vezes tem assim muita gente que não recebe e precisa.
HERA
A gente sabe que tem muita gente que tem boas condições e recebe.
FEBE
A situação de Sobral, quanto à presença de servidores públicos na lista de
beneficiários do Bolsa Família, é análoga à verificada em Acauã-PI. Só que naquele
município o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública
por fraude na gestão local do programa. Interessante observar que tal ação foi
provocada por duas representações à procuradoria da República do Piauí por parte
da Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água, e
Terra Rural40 e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acauã. Aquelas entidades
da sociedade civil apontaram a existência de trabalhadores de baixa renda no
município que estariam tendo negada sua inclusão no PBF, ao passo que agentes
públicos municipais com renda bem superior recebiam regularmente o benefício em
questão, dentre os quais: a mulher do secretário de saúde, uma vereadora e diversos
parentes do prefeito (MPF/PI, 2013).
Ocorre que a demora do Estado em disponibilizar ao acesso público dados de
gestão dos programas sociais, dificulta o controle social e a defesa dos interesses
coletivos. Nesse particular, o Ministério Público Federal em Goiás, com base na Lei
(nº 12.527/2011) de Acesso à Informação, instaurou inquérito civil público com vistas
a investigar a ausência de informações atualizadas sobre os beneficiários do
Programa Bolsa Família, mais especificamente no sítio eletrônico da CEF (operadora
do sistema) e no Portal da Transparência do Governo Federal (BRASIL, 2013e).
Tem muitas pessoas que estão ganhando sem precisar, eu acredito que
devia ter uma fiscalização maior.
40
Constituída por relator e assessores voluntários legitimados perante os movimentos sociais do
campo dos Direitos Humanos. No Brasil, atuam desde 2002 junto a um conjunto articulado de
entidades não governamentais, com destaque à Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
(ABRANDH). Desenvolve ações pautadas em tratados internacionais de proteção aos direitos
humanos ratificados pelo Brasil.
Informes adicionais, consultar em: <http://www.dhescbrasil.org.br/>.
227
ADASTREIA
Eu vejo pessoas que tem as coisas mais do que as outras e recebem (o
Bolsa Família), e eles (os agentes do governo) não veem isso, e já tem
outras pessoas... Tem muita gente que não consegue nem se cadastrar.
TÊMIS
Em nível nacional, os programas de transferência de renda, sob a égide de
políticas compensatórias (aos ajustes estruturais da pobreza), iniciados pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso, focalizam famílias pobres com crianças.
Importante ressaltar a desconcentração da gestão de tais ações governamentais,
conforme marcos regulatórios respectivos, sempre na forma de Medida Provisória
(MP) com força de lei: o Auxílio Gás (MP nº 18/2001) era responsabilidade do
Ministério das Minas e Energia, cabendo à pasta da Educação coordenar o Bolsa
Escola (MP nº 2.140/2001); ao Ministério de Saúde cumpria gerir o Cartão
Alimentação (MP nº 108/2003). Todavia, cada um desses programas tinha forma
específica de seleção, compreendendo um cadastro próprio de beneficiários
(BRASIL, 2001a; 2001b; 2003b), e, uma vez que se tratava do mesmo perfil de
beneficiários, gerou-se retrabalho e muita confusão de dados e critérios de inclusão
junto aos profissionais envolvidos na operacionalização.
“A agenda perdida”, documento ainda hoje referenciado como marco para
definição de estratégias eficazes de combate à desigualdade econômica e à miséria
social no Brasil, ao aprofundar a critica, então prevalente, que denuncia a ineficiência
e a falta de focalização dos gastos públicos na área de assistência social, propõe,
como parte da solução dessa problemática, a criação de um cadastro único para
operacionalização e monitoramento das políticas ditas compensatórias. O propósito
principal da idéia de unificação dos programas de combate à pobreza é fazer chegar
o recurso público diretamente (minimizando o risco de desvio ou malversação)
àquelas pessoas que de fato necessitam (SCHEINKMAN et al., 2002; CARIELLO,
2012)
Conforme o estudo supramencionado a dimensão material de pobreza deve
ser mensurada através do indicador renda familiar per capita, compreendendo uma
unidade de habitação, considerando-se adequada quando aquela satisfaça
minimamente as necessidades básicas de moradia, vestuário e alimentação,
228
correspondendo a um valor determinado, logo assumido como linha imaginária de
pobreza. A idéia é verificar não apenas o número de famílias com renda abaixo deste
valor, como também quanto, em média, é necessário para que cada uma dessas
famílias supere tal hiato de renda. O mesmo estudo sustenta ainda que “é possível
calcular a renda necessária para que uma família satisfaça apenas suas
necessidades de alimentação (linha de indigência)” (Op. cit., 2002, p. 16).
9.9 Fiscalização e controle do Bolsa Família
A despeito do PBF prever condicionalidades desde sua criação em 2003,
apenas no mês de novembro de 2005 foi estabelecido um (primeiro) regulamento
específico com o fito monitorar as contrapartidas exigidas dos beneficiários, definindo
uma logística operacional com procedimentos de coleta e conferência de
informações (BRASIL, 2005b). Antes, porém, nesse intervalo de tempo, à medida
que iam sendo migrados para o novo programa, os beneficiários da transferência de
renda de então deixam de ser monitorados (BRASIL, 2004b).
Analisando informes municipais de 2004, ano em que, como parte do processo
de unificação dos programas de transferência direta de renda, foi iniciada a
implementação gradual do Bolsa Família, o Tribunal de Contas da União identificou
dúvidas dos operadores do lançamento de dados no sistema quanto à inserção de
famílias, atribuídas a dificuldades operacionais do sistema eletrônico CadÚnico,
comprometendo a abrangência e qualidade pretendidas na base de dados. Para
aquele órgão de controle externo, as incertezas dos beneficiários quanto ao efetivo
acesso aos benefícios motivaram tensões junto à coordenação local do programa e
aos agentes da CEF, sobretudo porque se incute na família cadastrada uma natural
expectativa quanto ao recebimento imediato de uma renda do governo. Todavia, a
ausência de informação sobre os reais critérios de inclusão no Bolsa Família teria
dado causa a frustração (BRASIL, 2005c).
Ao analisar a corelação entre o percentual de cobertura do Bolsa Família e o
partido político dos governadores41 e prefeitos no exercício do mandato em julho de
41
PT, 104,68%; PSDB, 102,27%; PFL; 101,82%; PMDB, 99,12%.
229
2006, o TCU – tendo em vista a abrangência em torno de 100% das famílias
(estimadas42) pobres, independente da unidade federativa – descartou qualquer
favorecimento ou discriminação em razão da legenda partidária quanto à distribuição
dos benefícios do programa. O Ceará, por exemplo, governado por Tasso Jereissati
(PSDB) tinha à época 24.791 famílias além do número estimado de pobres, vale
dizer 102,76% de cobertura (BRASIL, 2006c).
Nos primeiros 4 anos da implementação do PBF o aporte de recursos
destinados à transferência de renda diretamente às famílias beneficiárias cresceu
222% (de 3.357,1 para 7.455 milhões de reais), conforme mostra a Figura 7. Nesse
período, visto a gradual unificação de todos os programas de transferência direta de
renda com base no CadÚnico, verificou-se a diminuição da participação relativa dos
programas remanescentes à medida que foi aumentando a destinação (por
centralidade) de recursos para o Programa Bolsa Família, conforme a lógica da
unificação (BRASIL, 2006b).
De acordo com plano plurianual 2012-2015 do governo federal, o Programa
Bolsa Família deve ter um aporte de 3% dos recursos orçamentários reservados para
a área social. Naquele texto orientador das políticas públicas43, a União prevê que a
alocação de 10% do dinheiro destinado a mesma área deve ser gasto em programas
relacionados ao setor “trabalho, emprego e renda”, ao passo que mais da metade
(55%) deverá fazer face às despesas com a previdência social (BRASIL, 2011b).
42
Em 2003, o governo federal tomou como base as informações da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD) de 2001, que estimou em 11,2 milhões o número de famílias brasileiras em
situação de pobreza ou extrema pobreza. Naquele ano (quando do lançamento do Fome Zero), a
Presidência da República estimou que até 2006, último ano do então mandato de Lula, todas
àquelas famílias seriam abrangidas pela transferência de renda.
43
O Plano Plurianual (PPA) é uma lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas do governo federal
para quatro anos, a contar do segundo ano do mandato presidencial. É referência para elaboração a
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), instrumento que norteia a formulação da Lei Orçamentária
Anual (LOA), instrumentos orçamentários das políticas públicas.
230
Figura 7 - Execução Financeira (R$ milhões) do Bolsa Família
e programas remanescentes, 2003-2006, Brasil
8000
7000
6000
Bolsa Família
5000
Bolsa Escola
4000
Bolsa/Cartão Alimentação
3000
Auxílio Gás
2000
1000
0
2003
2004
2005
2006
Fonte: Tribunal de Contas da União / TC n° 022.093.2006-5 (BRASIL, 2006c).
Através de visita in loco, a CGU verificou que 3.671 famílias (31,4%) das
11.686 visitadas não foram encontradas no local informado no CadÚnico. Tal fato
teria levado a União Federal a concluir que houve negligência na atuação dos
gestores municipais no processo de atualização (ao menos uma vez a cada dois
anos) do endereço das famílias cadastradas44 (BRASIL, 2012f).
Por outro lado, nossos achados desvelam outra razão para justificar eventual
desconformidade do endereço informado no cadastro de referência para o PBF e a
real localização de seus beneficiários. Trata-se de dissimulação materializada na
indicação de outro domicílio (diferente do que a família efetivamente mora) para
viabilizar o enquadramento nos critérios de inclusão relativo à baixa renda per capita.
Ainda que consciente das implicações éticas dessa atitude, algumas famílias
entrevistas preferem, falsamente, comportar-se desse modo para assegurar a
oportunidade de receber o Bolsa Família.
Eu pra poder tá ganhando o Bolsa Família tive de fazer algo pra continuar
recebendo essa quantia. (...) Foi quando uma senhora me propôs uma
coisa. Primeiro ela disse tipo assim: – você mora aqui em uma casa que tem
várias pessoas, como essas pessoas tem salário, tem aposentadoria...
jamais você vai ganhar, então você tem de informar que mora sozinha com
44
O controle social do Programa Bolsa Família (PBF) em Sobral está a cargo do Conselho Municipal
de Assistência Social.
231
suas filhas. Por que lá (CadÚnico) não pode consta que você mora com seu
pai que é aposentado, e ainda trabalha como vigia, a mãe que é
aposentada, a irmã que trabalha. Fiz o que ela disse... Porque eu não
trabalho, não é certo depender de minha família. Mas, eu não me sinto bem
diante dessa condição, porque eu sinceramente, não precisava mentir,
porque é a minha necessidade. Essa questão me incomoda... Olha pra
gente conseguir as coisas que é justo ter que mentir. Não é fácil tá nessa
situação!
ADASTREIA
Eu tenho um salário, e acho que é errado o governo num querer dá o Bolsa
Família por causa disso, porque não dá pra manter três filhos e uma casa
de aluguel com um salário. Eles vão na casa de uma pessoa e se
perceberem que tem televisão e mais móveis cortam, dizendo que aquela
família tem mais condição. Por causa disso ai é ter o cartão no nome de
minha mãe é o jeito de continuar recebendo o direito de minhas filhas sem
mais perturbação, pois ela ainda não tem aposentadoria.
ÉRIS
Curioso observar a indução no arranjo da composição do grupo familiar em
razão da lógica da elegibilidade no PBF.
Não pode ter dois cartões (do Bolsa Família) na mesma casa, mas muitas
vezes tem, muitas mulheres por aqui dão um jeitinho e quando vem
visitadora se assustam, mas como as famílias não são visitadas no mesmo
dia, dá certo, até porque acho que não dá mesmo pra conferir quem mora
na casa de verdade.
FEBE
A intervenção econômica do Estado no grupo familiar prestigia o modelo de
família nuclear ou tradicional, condicionada à presença de criança(s) e/ou
adolescente(s). O consenso em torno da mulher como responsável, consigna a
instrumentalização do papel desta, via programas de transferência de renda, na
esfera privada da família.
Silva e Rodrigues (2011) acreditam que, ao transferir recursos para a garantia
de uma alimentação mínima, o governo favorece a permanência do pai em casa, que
está em transição para um novo emprego, mas cujo estigma da condição de
desempregado (humilhação) poderia levá-lo ao extremo de abandonar a família.
Tem famílias que é aquela confusão... Porque são duas ou três famílias que
moram dentro da casa. Ai no dia de pesar vem o nome de algumas, vem
salteado, mas só que o cartão tá no nome só de uma, e aquela que está
com o cartão muitas vezes não repassa o dinheiro, não divide com os
outros, ai acaba que no dia de pesar elas não vão. (...) Conheço uma família
que a mãe diz que não vai porque quem recebe, porque o cartão está no
nome da filha dela. E se tá no nome da filha dela ela não vê o dinheiro e
232
não vai se pesar. Já é a segunda vez e provavelmente vai ser suspenso,
porque a gente sabe que quando não se pesa, não é avaliado, a pessoa
pode perder.
METIS
A propósito, as beneficiárias sabem que, além de pesar, medir, consultar,
vacinar, levar à escola, são obrigadas a receber uma visita em casa para verificar,
com frequência, se a situação corresponde ao informado no cadastro da família. Elas
são, em geral, conscientes que esta é sim uma modalidade de condicionalidade, na
medida em que sabe que devem tolerar a presença de um “fiscal” do governo em
casa, sob pena de perder o direto ao benefício em dinheiro.
Eles olham, perguntam de novo se a casa é própria, se eu trabalho, eu digo
que tá do mesmo jeito.
ÍRIS
Pra receber o que o dinheiro manda o que a gente faz é o peso pra mim e
os meus menino e a minha menina. Acho, de ano em ano ou é de dois em
dois anos renova. Nós vamos se pesar de tempo em tempo pra renovar os
papeis (...) Eles vêm visitar a casa da gente. Se num tiver tudo certo, corta,
cancela, tem de ter cuidado.
IRENE
Por ocasião das visitas domiciliares realizadas por técnicos do CGU, somente
61,3% das famílias beneficiárias do PBF tinham renda dentro dos critérios desse
programa (BRASIL, 2012f).
No exercício de 2011, o controle interno do governo federal, através da CGU45
identificou que 22,7% (n=1.542) dos Centros Referência de Assistência Social
(CRAS) distribuídos no país não alcançaram a meta de cumprimento do
“acompanhamento prioritário das famílias em descumprimento de condicionalidades
do PBF”46, tendo sido essa a meta de pior resultado daquele conjunto de unidades
45
A CGU (Controladoria Geral da União), órgão adstrito a Presidência da República, realiza periódica
e aleatoriamente (por sorteio) fiscalizações in loco nos municípios brasileiros, com o propósito de
averiguar o uso dos recursos públicos federais transferidos, inclusive a operacionalização dos
controles locais relacionados à transferência de renda da União diretamente ao cidadão. Cada visita
(a primeira foi em 2003) gera um relatório com abordagem dos programas fiscalizados,
disponibilizado aos ministérios envolvidos e na internet para acesso livre. Por tal concepção, este
órgão estatal constitui um forte aliado às organizações da sociedade civil no exercício democrático do
controle social das políticas públicas.
46
Atividade reconhecida pela burocracia estatal como essencial na gestão pública, sendo atribuição
também do CREAS ou de outros modelos de organização em políticas sociais, a depender da causa
do descumprimento (conforme relatório de gestão 2011 do Ministério do Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS).
233
estatais descentralizadas (BRASIL, 2012f). Com vista à melhora de tais indicadores,
foi criada em julho de 2011, no âmbito do MDS, em junho de 2011, a “Comissão de
acompanhamento de benefícios e transferência de renda”47, com o propósito de zelar
pela aplicação dos critérios de concessão, monitoramento e manutenção do Bolsa
Família.
Nos dois meses imediatamente anteriores ao período de realização das
entrevistas dessa pesquisa, entre fevereiro e março de 2013, o Ceará foi destaque
no universo dos beneficiários do Bolsa Família como o estado com maior frequência
escolar
entre crianças/adolescentes de 6 a 17 anos, com registro de (apenas)
53,53% dos cearenses presentes em sala de aula nessa faixa de idade, ao passo
que o índice de assiduidade em todo Brasil foi menor ainda para o mesmo período,
40,35% (CEARÁ, 2013; DILMA, 2013d).
Mas no trato do registro da frequência escolar, a situação informada pelas
autoridades locais pode não refletir os fatos efetivamente ocorridos ou mesmo
significar uma negligência disfarçada de tolerância. Foi o que constatou a CGU em
algumas das escolas municipais de Sobral no período de 6 de agosto a 10 de
setembro de 201248. No caso, a fiscalização dos agentes da União Federal apontou
divergências entre os registros escolares de frequência e os dados efetivamente
informados pela prefeitura ao governo federal, como parte do controle dessa
condicionalidade em educação. Foi verificado in loco, por critério de amostragem, 43
alunos beneficiários não frequentando a escola e outros 6 (de 30 visitados, 20%) com
registro de faltas superior a 15% do total de aulas de português e matemática,
portanto em desacordo com o estipulado pelo programa. A prefeitura teria justificado
que as frequências foram registradas em 100% para evitar prejudicá-los, mormente
para aqueles alunos na situação de “não localizado” (BRASIL, 2013d).
Cumpre assinalar que a precitada atividade de controle interno restringiu-se à
verificação da frequência escolar, da renda e atualidade do endereço das famílias
47
Criada pelo novo Regimento Interno do CNAS (Resolução Nº 06/2011), a Comissão de
Acompanhamento de Benefícios e Transferência de Renda, tem competência para acompanhar os
benefícios de transferência de rendas executadas pelo MDS.
48
Momento no qual, por coincidência, iniciávamos os primeiros contatos com a gestão do Bolsa
Família no mesmo município com vista a obter a autorização para realizar a presente pesquisa
234
beneficiárias. Dessa forma, foi negligencia, muito embora previsto como ação fiscalizadora
no próprio relatório da CGU, o cumprimento das condicionalidades em saúde, além de
“programas/ações municipais complementares ao Bolsa Família e Instância de Controle
Social ...” (BRASIL, 2013d, p. 85).
9.10 Dádiva ou favor
Historicamente, a maioria das ações de enfrentamento da pobreza no Brasil
têm se apoiado “na matriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando,
formas enraizadas na cultura política do país” (YAZBEK, 2003).
Uma vez que remunera sem a contrapartida de trabalho, a ideia da renda
mínima é duramente criticada como incentivo à ociosidade. Em contraposição,
Suplicy (2003) sustenta que tal iniciativa é coerente com o estímulo ao crescimento
econômico no sentido de expansão da oferta de bens e serviços essenciais, inclusive
a alimentação, favorecendo o comércio local. A mesma fonte aponta dentre as
vantagens dessa medida, o melhor atendimento às famílias pobres e a eliminação de
estigmas ou vergonha dos beneficiários.
Todavia, compreender as raízes da desigualdade social no âmbito da cultura
política brasileira, não pode prescindir da consideração do processo histórico de
construção de nossa cidadania nas hostes do liberalismo, inicialmente expressa
como uma cidadania concedida, porque condicionada a favores, vale dizer, uma
contradição ou não cidadania. Na sociedade escravocrata, o homem livre e pobre,
amesquinhado na sombra de dádivas, era submetido à vontade e ao que fosse
concedido pelos proprietários da terra. Todavia, a cultura política da dádiva persiste
com notável força nos dias atuais, mediada por relações de mando/subserviência em
favor da coesão social (SALES, 1994).
No entanto, a análise do uso do paradigma da dádiva na atualidade contribui
também para compreender que o mercado, Estado ou mesmo a Ciência não são
propriamente garantidores da coesão social, mas isto sim, as trocas recíprocas (dar,
receber e retribuir) que caracterizam as relações sociais por elas mesmas e se
235
estendem, por exemplo, para revestir de sentido a transferência condicionada de
renda (SILVA; RODRIGUES, 2011).
No entendimento das entrevistadas, o Programa Bolsa Família estaria
resignificado como uma ajuda (financeira) muito bem-vinda, prevalecendo a
percepção da transferência de dinheiro como um mero favor, dádiva ou graça divina,
porém, com a ressalva moral de que, em geral, o beneficiário deve ter a condição de
pobreza reconhecida por seus pares. Contudo, há opinião que reconhece a mesma
política compensatória como um legítimo direito de cidadania – particularmente
dirigido aos filhos de até 18 anos, motivada pela desigualdade socioeconômica que
marginaliza as famílias de baixa renda.
O Bolsa Família ajuda muito, ele é uma benção pra quem não tem ajuda.
(...) Só Deus mesmo na vida da gente e a ajuda das pessoas boas que
ainda tem, porque hoje o sofrimento das famílias tá demais.
PÊNIA
Já ganho esse dinheirinho que ajuda e eu vou continuar com elas na escola
até o dia que Deus me dê essa ajuda.
FEBE
A revelação de Deus, em sua infinita bondade (conforme preceito de fé
cristã), mediado por um messias (que bem poderia ser um presidente que já viveu
na miséria) junto aos oprimidos, como forma de libertá-los da pobreza em que se
encontram, ou ao menos amenizar a dor, o medo e outros males associados à
incapacidade financeira para o mínimo indispensável a sua vida e de sua família. O
PBF assume então, no contexto de um compromisso de boa vontade, a natureza de
uma dádiva, digna de gratidão.
Mas, o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada, então tudo
que a gente ganha conforme Deus manda a gente fica agradecida.
HERA
Só Deus mesmo na vida da gente e a ajuda das pessoas boas que ainda
tem, porque hoje o sofrimento das famílias tá demais. (...)Espero um dia ter
uma melhora pra minha família, mas só rezando muito.
PÊNIA
O Bolsa Família é uma ajuda para todo o mundo, para todo o pais, tinha
gente que não tinha nada para comer. O Bolsa Família veio mesmo do céu
pra ajudar muita gente.
ELPIS
236
A propósito da última fala, um estudo de opinião pública realizado por Castro
et al. (2009) mostra a predominância no Brasil da percepção de que o PBF é bom
para melhorar a vida de toda a população do pais. Corroborando com essa tese,
pesquisa realizada em Porto Velho junto a 385 famílias, revela o impacto desse
programa no combatendo à fome das famílias que vivem em condição de pobreza e
extrema pobreza (ROCHA et al., 2011).
O poder simbólico destacado na religião tem a força de construir uma
realidade voltada especialmente para estabelecer certa ordem no mundo social
(BOURDIEU, 2009, p. 77) envolvendo, em harmonia com a dádiva celeste, a
sensibilidade para a ação humanitária da nação politicamente organizada
personificada (o Estado) em favor dos socialmente excluídos.
Pois o governo é da gente mesmo, porque Deus dá a cabeça, os braços e
as pernas pra gente ir atrás, mas há gente que espera que Deus faça cair lá
de cima pra baixo, e receber na mão... Não pode ser assim. Se não correr
atrás ninguém não ganha nada.
ÍRIS
Uma vez claramente concebida a idéia da existência de um deus protetor –
preceito de fé cristã expresso no discurso das entrevistadas – combinada com a
missão divina (de ajuda aos necessitados) que elas reconhecem na liderança
carismática do ex-presidente Lula, tem-se um ambiente propício ao exercício do
poder político (essencialmente patriarcal) com esteio na arte de dominação daqueles
que se devotam a uma liderança legitimada pelo carisma (não em sua forma "pura",
visto que patrocina ganhos privados), conforme acepção de Weber (2004), no caso,
em nome do bem-estar alcançado pelo incremento das possibilidades de consumo
por conta da renda transferida, admitindo-se contraprestações como parte de uma
relação econômica com o líder.
Pesquisa qualitativa realizada por Silva e Rodrigues (2011) nos estados do
Maranhão e Piauí, destaca que o Bolsa Família não se limita apenas à esfera do
econômico. As autoras demonstram a força da religiosidade e da política eleitoral na
compreensão do sentido desse programa, conforme juízo dos próprios beneficiários,
237
tendo em vista o fato de que grande parte desses o consideraram uma dádiva de
Deus e o associarem com o ex-presidente Lula.
Mas, há vozes discordante da concepção do Bolsa Família como dádiva, por
entender que trata-se de um direito.
Assim, eu não acho que seja uma ajuda, eu penso que seja um direito da
gente mesmo, porque aquilo dali a gente paga e volta de novo pra gente... A
gente paga muito de imposto em cima dos preços das coisas. Eu acho que
seja assim, eu penso.
TEMIS
Diniz (2007) vê o Bolsa Família como uma política assistencialista e clientelista,
focalizada em um coletivo de miseráveis desarticulados para lutar por seus direitos.
Para essa fonte, a renda transferida através do Bolsa Família não representaria
propriamente um direito social, podendo inclusive ser suprimida a qualquer tempo,
ao sabor dos interesses do governo de ocasião.
Avanços na conquista da autonomia sustentada a partir da transferência
condicionada de renda estão em pauta no debate sobre questão da porta de saída
do PBF, objeto de muitas incertezas. Nesse ínterim, certo mesmo é que o governo
fixou um tempo definido para promover o desligamento compulsório das famílias,
correspondendo à idade limite de 17 de idade para os filhos (ou outros dependentes),
todavia, não se tem notícia de indicação no sentido de apoio ou qualquer outra forma
de segmento àqueles grupos após a exclusão (SILVA; SILVA, 2008).
Buarque (2013), ao tempo que reconhece no Bolsa Família uma iniciativa
exitosa no atendimento das necessidades básicas de grande parte dos brasileiros,
aponta esse programa como um fracasso na missão de superar a pobreza em um
movimento de revolução capaz de abolir a necessidade da dependência. Para aquele
senador identificado com o caráter emancipatório da educação, é lamentável que os
governos Lula e Dilma tenham preterido o propósito abolicionista em nome do caráter
assistencialista do Bolsa Família.
Muito embora se reconhecendo a iniciativa da transferência direta de renda
(TDR) às famílias de baixo poder aquisitivo, concretizada na Bolsa Família,
enquanto mera compensação aos efeitos imediatos das limitações socioeconômicas
238
que comprometem o bem viver, como também, sem desconhecer que tal solução,
como regra, não prima pela permanência, Uchimura et al., (2012) propugnam pelo
mérito da prestação continuada desse benefício em dinheiro.
Contudo, como alerta Burlandy (2004), os menos pobres dentre os pobres
constituem os segmentos sociais que, em termos relativos, historicamente mais se
apropriam dos serviços e benefícios prestados no bojo de programas sociais,
favorecendo assim a reprodução ao invés da compensação das desigualdades
sociais.
Renunciar ao benefício, por entender que sua família já não mais precisa da
ajuda regular em dinheiro é uma questão difícil, suscitando muita resistência.
Se devolvesse o cartão meus vizinhos iam dizer assim: – Mulher, tu vai
fazer isso e ai... outra pessoa vai tá recebendo no teu lugar, uma pessoa
que talvez nem precise também. (...) Deixar eles cancelar por conta própria.
METIS
Iam dizer que eu era doida.
ELPIS
Com certeza eles iam dizer assim que eu era abestada, porque estava
devolvendo algo que eu estava ganhando do governo, que não eraninguém
que tava me dando.
ADASTREIA
Iriam reclamar, falar besteira... Por que tu fez isso?
FEBE
Se eu devolvesse (o cartão do Bolsa Família) as pessoas podiam achar que
era ignorância... Mas se eu tivesse condições eu não devolvia, porque me
ajudou muito quando eu precisava, e agora que eu não preciso mais, subi,
devolveria não. Eu ficava recebendo com amor e carinho e agradecia,
devolvia não, jamais!
IRENE
Eles iam achar que eu não tava precisando mais daquele dinheiro.
Realmente, se eu mudei para uma vida boa eu não ia mais precisar, mas eu
ia pedir pra colocar outra criança que necessita no meu lugar.
TÊMIS
239
9.11 Ócio, trabalho e poder
O contexto sociocultural contemporâneo que envolve uma diversidade de
interações entre o Estado, a comunidade e o mercado, tem se caracterizado por uma
notável ampliação da vertente da regulação – instrumentalizada pelas ciências
jurídicas, a ponto de “absorver” a vertente da emancipação. Todavia, o poder
emanado das estruturas hipertrofiadas do mercado, ao controlar a liberdade e criar
necessidades, desequilibrou a correlação de forças em desfavor da comunidade,
evidenciando (no âmbito do direito) uma tensão entre regulação e emancipação.
Nesse ambiente dialético configurou-se a legitimação de um sistema racional de leis
universais e abstratas, produtos de um modelo burocrático de gestão estatal, através
de uma modalidade de justiça baseada em uma racionalidade lógico-formal,
distanciada da idéia do conhecimento-emancipação (SANTOS, 2006).
Chomsky (2008), por alusão à abordagem comportamentalista desenvolvida
por Skinner49 (identificada com o behaviorismo50) – no trato de uma análise da
convergência entre ócio, trabalho e liberdade – postula que o enfraquecimento dos
controles sobre o humano poderia levá-lo à passividade, particularmente em
condições de baixa privação. Por esse entendimento, uma vez tendo pouco a fazer,
as pessoas tenderiam a ficar ociosas51, por outro lado, aqueles que têm o poder para
forçar ou induzir outras trabalharem para eles parecem capazes de, conforme lógica
skinneriana, “fazer o que bem entendem” (Idem, p. 406).
Diferentemente do não ter nada para fazer, o “poder de fazer o que se quer”
pode ser considerado uma ambição plenamente justificável, ainda que por tempo
definido, a exemplo de viver às custas da proteção social quando não se dispõe de
49
Atribui-se a Frederic Skinner o postulado de que o padrão de atividade de um animal seria função
de sua História Ambiental de Reforço, e nesse prisma, seu organismo oscila da atividade vigorosa até
o completo repouso, dependendo dos esquemas pelos quais foi reforçado. Aprendizagem por
recompensa ou castigo (preceitos da tese do Condicionamento Operante) (SAMPAIO, 2005).
50
No artigo “Psicologia, como o behaviorista a vê”, apontado como clássico da psicologia
experimental, Jonh Wahson (um dos precursores do behaviorismo) sustenta que o comportamento
dos seres humanos, como o de qualquer outro animal, pode ser investigado sem o apelo à
consciência (em um sentido psicológico). “Nós podemos chamar a isto o retorno a um uso nãoreflexivo e ingênuo de consciência” (WATSON, 2008, p. 300).
51
“Mas o ócio ‘é um estado para o qual a espécie humana foi mal preparada’ e, portanto, é um estado
perigoso.”
240
nenhum trabalho interessante (por assim dizer, na compreensão de quem emprega
a sua mão de obra) (CHOMSKY, 2008).
Eu sou empregada doméstica, mas a minha patroa não quis aceitar assinar
a carteira, então eu não aceitei mais trabalhar lá, voltei pra casa do meu pai.
(...) Falei que o tempo que ela tava me pagando (R$ 350,00) não tava
dando pra manter minha casa, pagar a água, a luz, o gás, os alimentos, (...)
além de ter de ficar o dia todo e até a noite afastada dos meus dois filhos.
(grifo nosso)
TÊMIS
É pertinente a discussão do critério moral e de justiça que evolve a questão do
tempo dedicado ao trabalho remunerado, especialmente em decorrência de a
jornada de prestação de serviço assalariado implicar, invariavelmente, na abdicação
do tempo dedicado aos filhos. Por tal razão, a transferência direta de uma renda
mínima favoreceria mais tempo da beneficiária junto a sua família ou, ao menos,
contribuiria para um repensar da importância de se permitir mais tempo com os
filhos, considerando-se em particular o contexto socioafetivo do ambiente doméstico,
frequentemente vulnerado por doenças ocupacionais.
Tem 14 anos que faço um movimento só no trabalho. Com o braço direito
não consigo fazer nada em casa, é uma dor assim cansada. (...) A líder da
esteira xinga a gente de lerda, de deficiente, pois o que tem de fazer tem de
ser rápido. Não é culpa da gente, que adoeceu lá dentro. Se for pra tirar as
pontas de linhas tem de ser ligeiro, se faz devagar fica um monte de chinela
em cima da mesa. Com a máquina é muito ligeiro e quando é a palmilha da
chinela (...), tem de ir pro outro lado.Tudo que faz lá tem de ser ligeiro,
senão eles caem em cima da gente. O médico me deu três meses de
licença, mas o INSS só deu um mês, eu tenho medo de voltar, tem de
resolver minha licença. (...) Antes de eu adoecer eu gostava do meu
emprego, mas fico com medo de ficar assim deficiente, precisar me operar e
eles não me quererem mais, porque isso aqui num melhora não. Na
fisioterapia bota um gelo, dão comprimido pra dor, mas no outro dia já tá do
mesmo jeito. (...) Aqui em casa com esse braço aqui eu não faço mais nada,
se for para lavar uma roupa eu não torço porque dá uma dor cansada.
ÉRIS
Ademais, atualmente, para ocupar o mesmo posto de trabalho (auxiliar da
linha de produção de um fábrica de calçados), remunerado com um salário mínimo,
se faz necessário demonstrar que concluiu o segundo ano do ensino médio. Há 14
anos o requisito de escolaridade era a 4º série.
É bem provável que seja falsa a proposição de que o trabalho na sociedade
capitalista signifique a causa de toda (sic) degeneração intelectual e deformação
241
orgânica, como defende Lafargue (2003), no manifesto “O direito à preguiça” (em
contraposição à defesa do direito ao trabalho) 52, entretanto, não é menos verdade a
assertiva de que as mercadorias produzidas através do trabalho são parte de um
mecanismo complexo que converte seres humanos em consumidores passivos,
incursos em uma sociedade estruturada na racionalidade do mercado. Tal lógica
econômica é indissociável da ambição (tanto daquele que compra como de quem
vende) que favorece a reificação do tempo dedicado à realização do trabalho
humano. Tal sentimento vincula-se à percepção de que “tempo é dinheiro” e esse
último traz felicidade através do fetiche de consumir (MATOS, 2003).
A centralidade do trabalho na nossa sociedade é uma questão muito
interessante, mormente quando observamos que a condição de desempregado é
socialmente reprovada, inclusive motivo de distanciamento ou reservas no círculo de
convivência que frequentemente distingue uns e outros pela (plena) atividade
profissional.
Quando a gente não tem trabalho, isso faz com que as pessoas lhe vejam
de forma diferente. Se você trabalha tem amigos, é como se você tivesse
todo o mundo ao redor. Mas quando você não tem trabalho, só Deus lá em
cima, é cada um na sua. Porque o dinheiro, eu acredito que o dinheiro veio
pra nos ajudar, mas que com ele você acaba querendo ser o dono da
situação e menosprezando as pessoas.
ADASTREIA
Na fala acima transcrita é interessante verificar a alusão à sociabilidade (na
esfera privada) pelo trabalho e, no outro extremo, a exclusão do outro pelo
desemprego (SILVA, 2006), bem como ao poder associado à contrapartida
remuneratória desse mesmo trabalho (WEBER, 2004), processos sociais esses que,
como dito, permeiam a vida daqueles que se reconhecem no mundo das relações
sociais associadas ao trabalho remunerado.
Por outro lado, não se pode desconhecer que a formatação política do Bolsa
Família se afigura como uma inegável expressão de poder, e, nesses termos, como
ensina Marx (2003), uma estrutura política primordialmente receptiva às condições
impostas pelo
52
modo capitalista de produção. Nesse sentido, infere-se que a
“Uma estranha loucura dominou as classes operárias das nações onde reina a civilização
capitalista. Essa loucura traz como consequência misérias individuais e sociais que há séculos
torturam a triste humanidade. Essa loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda que absorve as
forças vitais do indivíduo e sua prole até o esgotamento.” (LAFARGUE, 2003, p.19).
242
subordinação funcional dos beneficiários a tal estrutura reforça a premissa da
dependência, por vezes manifesta ou mesmo disfarçada.
Na esteira da centralidade do trabalho para conquista da autonomia
sustentada
das
famílias,
como
indicado
pelas
entrevistadas,
surge
a
responsabilização do governo para na produção social da empregabilidade e
abertura de postos de trabalho. Nesse sentido, foi recorrente a reclamação no
sentido de que o governo deveria criar as condições objetivas para oportunizar a
geração de emprego para mulheres mães com baixo ou nenhum grau de
escolaridade.
Todavia, não se pode desconhecer que a formatação política do Bolsa Família
se afigura como uma inegável expressão de poder, e, nesses termos, como ensina
Marx (2003), uma estrutura política primordialmente receptiva às condições impostas
pelo modo capitalista de produção. Nesse sentido, infere-se que a subordinação
funcional dos beneficiários a tal estrutura reforça a premissa da dependência, por
vezes manifesta ou mesmo disfarçada.
Em geral, os discursos e as posturas expressas pelas entrevistadas ressalta o
trabalho como parte ativa do cotidiano de suas famílias, opondo-se, dessa forma, à
opinião de que a renda transferida induz à acomodação (ou preguiça).
A partir da verificação empírica de que os beneficiários do Bolsa Família
preferem o próprio esforço como meio de garantir o sustento familiar, Menezes e
Santarelli (2008) concluíram que o Bolsa Família não gera desestímulo ao trabalho:
“Quando perguntados se haviam deixado de exercer algum trabalho a partir do
ingresso no Programa Bolsa Família, 99,5% dos titulares disseram que não”.
De acordo com Fleury (2013), a política social para ser considerada adequada
deve – uma vez articulada ao contexto internacional da economia – favorecer a saída
da extrema pobreza por meio de transferências públicas mínimas, todavia de forma a
aumentar o poder de consumo sem desestimular o pobre da situação-limite ao
trabalho.
No nosso universo empírico ficou evidenciado que as pessoas não deixam (ou
deixariam) de exercer atividades laborais por conta do aporte de dinheiro do Bolsa
243
Família, exceto se, a juízo delas mesmas, a contrapartida remuneratória não fizer
justiça ao esforço de trabalho.
Sou empregada doméstica, ai a minha patroa não quis aceitar assinar a
carteira, ai eu sai, voltei pra casa do meu pai. Eu falei pra ela que o tempo
que ela tava me pagando (R$ 350,00) não tava dando pra pagar o aluguel
de casa, pra mim se manter, pagar a água, a luz e o gás, os alimentos. Pra
tudo isso só recebo mais R$ 134 do Bolsa Família, Entreguei, o aluguel da
casa, era R$ 150.
TÊMIS
Discursos desses tipos sugerem um fortalecimento na capacidade de discernir
a qualidade de uma proposta de trabalho e, nesse sentido, confirma a análise de
Dias e Silva (2010). Uma vez contando com o repasse do dinheiro federal, a mãe de
família beneficiária muitas vezes se reconhece mais tranquila para sopesar entre
trabalhar fora e cuidar dos filhos em casa. Diversos fatores são considerados nessa
decisão, tais como: direitos e interesses trabalhistas, saúde e segurança dos filhos. A
percepção da importância do tempo dedicado (ou não) ao convívio com a família se
revela como uma forte influencia na escolha da jornada de trabalho.
O dinheiro do Bolsa Família apesar de pouco salva uma diárias que eu ia ter
de fazer, ai eu fico em casa com minhas filhas, é preciso a mãe em casa o
dia todo pra acompanhar certas coisa
HERA
Agora com esse benefício sobra até mais tempo pra ficar em casa, num
preciso correr tanto pra ter um ganho.
DEMETER
Naturalmente, o destino do dinheiro do Bolsa Família não se limita a prover,
ainda que parcialmente, as demandas alimentares dos beneficiários (em situação de
baixa renda53), constituindo-se em importante mecanismo de ampliação do acesso
das famílias a utensílios domésticos, aparelhos eletrônicos e outros bens de
consumo, muitas vezes só possível – como observado por Pirani (2009) junto a
famílias paranaenses, cujos membros tem baixa empregabilidade
– através da
solidariedade alheia.
53
A versão cearense do Bolsa Família, presente em 184 município e 1.078.238 famílias contempladas, assume
como objetivo do programa: “Assegurar às famílias de baixa renda o acesso à alimentação através da
transferência de renda” (CEARA, 2013).
244
Nada obstante, empregabilidade, termo impregnado de diversos sentidos, é
aqui assumido como as condições individuais de qualificação, aperfeiçoamento e
disponibilização da força de trabalho.
Uma pessoa pobre tem uma liberdade de tudo ter, e ao mesmo tempo de
não ter. De tudo aquilo ser oferecido ali nas palavras e quando na realidade
nada acontece.
IRENE
Falta eu arrumar um emprego para eu ajudar meu marido, que trabalha na
reciclagem hoje. Se aparecesse um emprego pra mim, (seria) muito melhor
para poder ajudar mais dentro de casa. Também porque só a ajuda do
governo não dá.
ÍRIS
Na concepção liberal de sociedade, a empregabilidade é exaltada como
condição necessária para viabilizar que uma pessoa individualmente considerada
(em face da estrutura das relações sociais implicadas com os meios de produção e
consumo) seja protagonista do próprio destino, (BOURDIEU, 2011; ALVES, 2008;
LEMOS; RODRIGUEZ; MONTEIRO, 2011). Nessa direção, a face pragmática e
utilitarista da educação (conforme imperativos da competitividade econômica e da
ordem social que lhe é consentânea) destaca-se como diferencial para uma almejada
mobilidade social, impregnada de poder simbólico, muito embora sem romper com as
condições estruturais que reproduzem as desigualdades sociais (BOURDIEU, 2001;
2007).
O governo poderia até mudar a extrema pobreza que existe no mundo, mas
se ele colocasse trabalho sem tá opondo grau de estudo, porque a gente às
vezes tem uma profissão, a gente faz em prática, mas a gente não tem
estudo. A chance da gente é pequena, o mercado de trabalho cobra muito,
exige muito o estudo, se a gente não tem estudo, mesmo com a prática não
entra (no emprego). (...) Exigem que você tenha terminado o terceiro (ano
do ensino médio), ter curso... mas é muito difícil ter oportunidade de curso
pra gente.
ADASTREIA
O diploma escolar abriga um alto poder simbólico, cujo valor agregado à
empregabilidade valora a escola como uma das instâncias indispensáveis à
manutenção da ordem social, conquanto a conquista de uma certificação por tempo e
grau de estudo “fixa” as disposições dominantes. “Trata-se de uma delegação
simbólica que desapossa e separa os menos competentes em favor dos mais
245
competentes; os menos instruídos, em favor dos mais instruídos” (LIMA, 2007, p. 6).
Hoje pra entrar na fábrica eles querem que você tenha o 2º e 3º ano
científico. Na época que entrei exigiam só a 5ª série.
ÉRIS
Pelo menos na Grendene, se eu pedir um emprego eu não vou conseguir o
emprego, porque eu só fiz até a 4ª série. Tão pedindo mais estudo...
querem o segundo grau. Pra trabalhar tem de ter estudo, quem não
estudou... Por isso que é bom os nossos filhos estudarem.
PÊNIA
Empregabilidade é modernamente entendida como a capacidade de
adequação da pessoa às demandas dos mercados de trabalho (LEMOS;
RODRIGUEZ;
MONTEIRO, 2011).
Tal
noção
traz
implícita
a
idéia
da
responsabilidade individual desde a formação até a obtenção de trabalho
(BALASSIANO; SEABRA, LEMOS, 2005). Alcançá-la pressupõe ao menos o domínio
da leitura e da escrita, sabendo-se que há uma relação direta entre a escolaridade
(inclusive a educação profissional) do empregado e as oportunidades de emprego
(com correspondente e proporcional remuneração).
Balassiano, Seabra e Lemos (2005) confirmam o impacto positivo na renda do
trabalhador com o aumento de sua escolaridade (premissa da teoria do capital
humano), todavia indicam um incremento significativo dos salários tão somente para
aqueles que chegaram ao ensino superior. Por outro lado, o mesmo estudo indica
uma reversão de expectativas quanto aos demais níveis, visto que a faixa com
escolaridade até a quarta série incompleta recebe salário, em média, acima do pago
àqueles que, no mínimo, estão cursando a quinta série; ademais, “o grupo sem
escolaridade formal (analfabetos) apresentam a mesma taxa de empregabilidade do
grupo que possui o segundo grau completo”.
O governo podia botar mais emprego, mais fábrica para a pessoa trabalhar,
sem exclusão (por causa) desse negócio de escolaridade, porque não
estudou isso ou deixou de estudar aquilo. Às vezes tem muitos que não
trabalham em firma porque não tem os estudos. E outros que tem não
conseguem também.
ÍRIS
O governo deveria colocar uma lei para as pessoas que são analfabetas
poderem trabalhar, porque emprego nenhuma aceita uma pessoa de 5ª ou
4ª série, nem 1ª nem alfabetização, isso eu acho errado. Não importa se
seja pobre, nem a série ou estudo que tenha, tem de trabalhar pra acabar
246
mais com a fome.
ÉRIS
Se eles pudessem mandar mais cursos para os bairros, emprego também.
Se eles pudessem abrir uma fábrica que desse para empregar. As mães
que tivessem assim 40, 42, porque depois dos 42 não tem mais quem
queira empregar ninguém, só mesmo as mais jovens. Eu, pelo menos, tá
com o bocado de tempo que eu pelejo e não arrumo emprego em nenhum
canto mais. Eu acho que tenho mais coragem de trabalhar do que as
novinhas.
ELPIS
De fato tem havido uma redução significante dos postos de trabalho para
analfabeto. Entre 2005 e 2011, a quantidade de registros de empregos formais em
Sobral cresceu 37,64% (de 33.194 para 41.477), mas o número de postos de
trabalho ocupados por analfabetos caiu de 630 para 2002 (BRASIL, 2013c). Todavia,
é evidente que a geração de emprego para pessoas que não sabem ler e escrever
nem de longe é a solução, até por força do direito social à educação.
Em 2004, dentre os 33.194 postos de trabalho ocupados em Sobral, havia 615
vagas com pessoas analfabetas, isto é, para cada 54 empregos formais, um era
ocupado por analfabeto. Apenas cinco anos depois essa mesma proporção passou a
ser de 1:102, pois os registros de 2011 revelam 406 analfabetos no universo dos
41.477 ocupações formais no mercado de trabalho (BRASIL, 2013c).
Tabela 10 - Movimentação de empregos formais em Sobral, janeiro a maio de 2013.
Localidade
Admissões
Desligamentos
3.960
-2.790
1.170
73.528
-76.623
-3.095
Ceará
122.260
-124.925
-2.665
Nordeste
651.464
-732.165
-80.701
5.417.831
-5.153.035
264.796
Sobral
Fortaleza
Brasil
Saldo
Fonte: MTE, Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
Quando comparado com o contexto geográfico regional é notável o
crescimento da oferta de trabalho em Sobral, cuja movimentação nos primeiros três
meses de 2013 aponta um incremento de 1.170 empregos formais (Tabela 10), ao
247
passo que a capital Fortaleza apresentou um decréscimo de 3.095 para o mesmo
indicador.
Mesmo para quem tem emprego, sabe-se que as inovações tecnológicas no
mercado de trabalho exigem do empregado o retorno e a permanência nos estudos
(educação continuada).
Hoje eu tenho 35 anos, mas se eu fosse uma mulher de 40 eu já tinha
(teria) perdido a esperança que firma nenhuma ia empregar, porque não
empregam quem tem pouco estudo e, principalmente gente como eu que
não fez curso.
HERA
Falta emprego pra gente que já fez 30 anos e num tem formação, mas num
tem como voltar pra escola e aprender depois que a gente assume uma
família. As firmas exigem que a gente tenha curso disso, daquilo... Hoje em
dia, tá difícil arrumar quem dê um trabalho, mudou tudo, tem de aprender
até a mexer com computador pra ser vigia.
ÍRIS
A julgar pelas falas acima transcritas, essa e outras mulheres na faixa de 30
anos envolvidas nesse estudo, compreendem que o mundo econômico requer
profissionais cada vez mais qualificados. Para elas reaprender e aperfeiçoar
habilidades são parte de um processo de readaptação à função modificada pelos
novos tempos.
9.12 “... Tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um
pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família.”
[A mãe vai às unidades de saúde] porque têm medo a fonte de renda que
elas têm, digamos assim, é a vaquinha que elas têm que dá o leite. Se
parar como é que elas vão fazer? (...) Porque nós costumamos dizer que
tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um
pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família. Ela tá dando um leitinho ali. É o
jeito que a mãe encontrou pra sobreviver, as custas de uma vaquinha em
casa. (...) Mas essa vaquinha não alimenta a família o suficiente, ela apenas
dá um suporte, alguma coisa assim que faz com que a mãe vá deixar a
criança na escola, pois se ela faltar a mãe já sabe que no outro mês podem
nem ter (o Bolsa Família).
(grifo nosso)
METIS
248
Naturalmente a “vaquinha” que representa o Bolsa família é nutrida com as
condicionalidades, sob pena de ser suspenso, bloqueado ou cancelado o benefício
mensal em dinheiro.
É tanto que muitas mães obrigam mesmo os filhos a ir pra escola. Sabem
que se a criança tiver muita falta vai ser suspenso, é bloqueado durante um
período. Ai elas fazem de tudo mesmo para manter o filho na escola.
METIS
As vezes o Bolsa Família não está nem beneficiando a criança, tá
beneficiando é os pais As vezes a criança não chega nem a ver aquele
dinheiro. Acredito que os pais devem levar seu filho pra escola de uma
forma que é pra ser... Não obrigar! Obrigar, porque senão não vou ganhar o
Bolsa Família. Eu tiro por mim mesmo aqui, minha filha diz assim: – Mãe eu
preciso é ir pra Escola amanhã, porque se eu ficar faltando você perde o
Bolsa Família. Não é pelo lado que eu force ela, mas ela sabe, ela vê assim:
– Minha mãe está sem trabalhar e precisa do Bolsa Família. Acredito que na
mente dela, mesmo sendo uma criança pequena, vai esse pensamento. Eu
jamais quero que minha filha se obrigue a fazer uma coisa pra me ajudar.
Mas sim porque ela gosta, porque ela tá aprendendo, que aquele estudo
sirva pra ela ser alguém na vida, não porque a mãe dela precisa do Bolsa
Família. Ela deve sim ter um propósito maior, alcançar um trabalho que
exige mais estudo.
ADASTREIA
Contudo é muito controversa entre as entrevistadas a pertinência da exigência
das condicionalidades. Há posicionamentos favoráveis e contrários, como também
conciliatórios, alguns dos quais destacando a importância dos serviços sociais de
saúde e educação, outros valorando a autonomia dos pais.
O governo não deveria impor as condicionalidades. Até mesmo em muitos
casos, tem mãe fica pressionando a criança pra criança ir pra Escola. –
Você vai porque senão eu vou perder o Bolsa Família... (...) Às vezes a
criança fica ali oprimida, pois sabe que se não tiver presença na Escola a
mãe vai perder o dinheiro todo mês. Eu não concordo, não precisam disso,
porque se eu tenho um filho e sei que ele precisa estar acompanhado por
uma vacina, acredito que ninguém precisa tá me pagando para eu fazer
isso.
ADASTREIA
Com certeza. E deve continuar, porque tira as crianças do meio de rua.
Porque se o governo não exigisse isso ai também quem é que queria
estudar? As crianças já são preguiçosas para estudar, ai o governo ia levar
a vida sustentando essas crianças. Isso não! Tem de exigir mesmo.
FEBE
Eu acho que cada mãe e cada pai não deveria se preocupar com a Escola
dos filhos só porque recebem o Bolsa Família, porque recebendo ou não
recebendo isso não é pra fazer diferença com a educação.
249
HERA
O governo tá certo (de impor as condicionalidades), mas isso ai é uma coisa
que todo mundo deve fazer, levar seu filho no posto para evitar doença. O
governo tá fazendo é o bem! (...) Eu acho que ele faz isso pra ajudar as
pessoas (...) Se você não levar seus filhos pra vacinar, não botar pra
estudar, daqui pra frente ele vai ser o que?
IRENE
A importância singular da educação é observada, com notável lucidez, como
parte da experiência de vida de uma mãe que se assume (na entrevista) analfabeta:
Mesmo que eu não sei ler nem escrever, concordo com o governo, porque
desde quando começou isso ai (a transferência de dinheiro condicionada à
frequência escolar) eu já vi que há muita criança lendo e escrevendo, por
que? Porque estava todo dia ali indo pro colégio. Mas também eu conheço
muitos pais e muitas mães que não vão lá saber se o filho tá bem na leitura
e na escrita.
TÊMIS
O reconhecimento da educação para impulsionar os filhos no mundo do
trabalho é consenso entre as entrevistas com falas do tipo:
Estudar é um futuro pra ele. O estudo só serve pra ele mesmo, pra mais
ninguém, porque ele estudando, fazendo curso, arruma um emprego bom.
Que ele vê, eu sempre digo: – Tu vê o meu jeito aqui! Hoje em dia eu me
arrependo de não ter aprendido a ler, (...) Se eu soubesse ler, se tivesse
estudado, hoje eu estaria na Grendene, assumindo meus dois filhos,
assumindo até eu só mesmo, não dependendo de ninguém não; Mas hoje
em dia, não vou mentir, eu me arrependo... Só não me boto pra estudar
porque eu tenho essa meninazinha aqui.
IRENE
Todavia, por vezes, a exigência da condicionalidade em educação extrapola o
tolerável, posto avançar na linha de cuidado familiar para com a criança.
É bom sim a criança não faltar o colégio, mas as vezes a criança tá doente,
a gente vai num posto pro médico com uma gripe, agora ele não quer dar
mais um atestado para a gente botar no colégio. E tem só um médico aqui
posto pra três bairros. Teve uma vez que (...) eu levei meu filho com febre e
cansado no posto, não consegui o atestado, fui explicar na direção do
colégio que o médico não dar quis me dar o atestado para gripe. Eu falei pra
professora, ela viu ele com febre, mas queria que eu deixasse meu filho no
colégio, que não tinha problema, elas iam dar umas gotinhas lá... Então eu
não concordei e disse: – Se nem eu que sou mãe eu não sei o que é que
ele tem realmente, eu vou deixar ele aqui, você vai saber? (...) Ora, gota por
gota eu já botei lá em casa e não passou. (...) Trouxe meu filho pra casa.
TÊMIS
250
Ainda sobre o mérito das condicionalidades do PBF, muito embora em um
primeiro momento estas tendam a parecer algo negativo por força da dimensão de
controle sobre a conduta das famílias beneficiárias, verifica-se que, ao menos na
perspectiva das mães titulares do cartão, essas mesmas contrapartidas assumem
um caráter positivo, percebidas como retribuição ao Estado provedor daquele
benefício em dinheiro, compondo um sistema de prestações e contraprestações
(CUNHA; PIRES, 2011).
Não custa nada à mãe levar o filho para tomar vacina, não custa nada botar
ele na escola, e não custa nada ele frequentar para receber o dinheiro,
porque nem a mãe nem o pai dele suaram para ganhar, só chegar aquele
dia, aquele mês, vai com o cartão e tira.
ÍRIS
Com certeza deve (o governo) continuar (a exigir a condicionalidade em
educação), porque tira as crianças do meio de rua. Porque se o governo
não exigisse isso ai também quem é que queria estudar? As crianças já são
preguiçosas para estudar, ai o governo ia levar a vida sustentando essas
crianças. Não, tem de exigir.
FEBE
Mattos (2005) denuncia que são comuns casos de alunos pouco assíduos
cujos professores abonam as faltas, e assim o fazem por entenderem que uma vez
cancelado o Bolsa Família, favorecer-se-ia ainda mais a exclusão social dessas
crianças.
Conforme observado por Cunha e Pires (2011), para fazer justiça social com
os pobres e entre os mais pobres, o Estado passa a dar dinheiro (prestação). Assim,
quem o recebe vincula-se a obrigações (contraprestações), estabelecendo um elo de
interesses entre esses dois agentes, uma espécie de acordo de vontades que se
prolonga no tempo.
Em geral, as entrevistadas relacionam a pobreza com as noções de
distribuição desigual de oportunidades e poder. Os discursos muitas vezes trazem
experiências no âmbito da qualidade dos serviços públicos, denunciando, por
exemplo, situações limite de descaso aos usuários do SUS, tendenciosamente
motivado por uma lógica de poder que decide, por exemplo, o atendimento de quem,
quando e por qual profissional, consubstanciando desse modo um costume perverso
251
de facilitar (ou não) o acesso através de mecanismos de poder atrelados aos
operadores do sistema.
Uma pessoa que é pobre, não tem uma chance nem ajuda de alguém, por
exemplo, se você vai ai no posto para marcar um dentista, eles marcam...
só (que é) pra daqui a um mês. Uns que trabalham lá, marcam pra cinco
dias, por que? Que diferença é essa tão grande? (...) Pelo (fato de) que elas
trabalham lá... Acho que seja por isso elas fazem as coisas ser mais rápidas
pra elas e quem elas querem. Enquanto tem muita gente na fila esperando
por uma coisa mais importante e não consegue. Não posso concorda com
isso, eu reclamo, mas a maioria não diz nada.
TÊMIS
O excerto acima transcrito denota o reconhecimento de uma posição ocupada
no campo social – entendido por Bourdieur (2009) como um espaço multidimensional
de posições, com distintas espécies de capital (incorporado ou materializado) que
definem o estado das relações de força institucionalizadas (aparelhadas e
legitimadas em estatutos sociais, por vezes juridicamente garantidos) entre agentes
objetivamente definidos em função da posição ocupada nestas relações. Partindo-se
desse contexto teórico, o acesso ao servido público de saúde da entrevistada,
mediado por operadores do Estado articulados em espaços de poder desigual, é
severamente limitado pelo baixo prestígio social expresso na condição de pobreza
em que essa se encontra. Por outro lado, esse mesmo lugar é determinante para o
acesso ao “ganho” do Bolsa Família.
Hoje o meu ganho, a minha renda, vem do Bolsa Família.
(grifo nosso)
ADASTREIA
Eu já vivo assim dependendo desse ganhozinho. Ai serve pra pagar uma
água, luz, comprar uma chinelazinha, comprar o caderno deles, que eu não
tenho dinheiro.
(grifo nosso)
PÊNIA
Na opinião de Demo (2002), programas de transferência de renda
condicionada a educação, do tipo Bolsa isso ou aquilo, transformam facilmente
situações
provisórias
em
definitivas,
implantando
uma
dependência
tendenciosamente irreversível. No mesmo sentido, como antes mencionado, Oliveira
(2006), por alusão às primeiras iniciativas do recém-eleito governo Lula no sentido de
reforçar a distribuição de dinheiro (já empreendida pela administração de Fernando
252
Henrique Cardoso), assevera que iniciativas desse porte seriam instrumentos de
funcionalização da miséria, sem mudar a estrutura desigual de distribuição de
riquezas no país. Nesse sentido, o Estado provedor converte a pobreza em um lugar
suportável e funcional. Talvez por isso, poderia deslocar os pobres para a direção
oblíqua da acomodação sustentada com recursos federais (tantas vezes referenciada
por inúmeros críticos), como se depreende do discurso abaixo transcrito.
O Bolsa Família é pra ser uma ajuda pra família melhorar, só que muita
gente acha que ali é pra ser pra sempre...
METIS
Hoje (o Bolsa Família) é a única renda que muita gente tem. Alguns porque
querem, alguns porque não querem melhorar; não querem buscar outra
coisa, porque já estão viciados. Não querem procurar outra coisa porque
sabem que se for fazer outra coisa e for descoberto ele (o dinheiro) podem
ser cortado. (...) Algumas pessoas tem oportunidade de melhorar, mas não
buscam.
METIS
Uma vez assumindo-se pobreza e riqueza como fenômenos socialmente
produzidos, Anatole (2009) entende que não importa investir muito esforço para
melhorar a condição do pobre, mas, isto sim, para acabar com a pobreza
propriamente dita. Todavia, esforços nesse sentido esbarram na mecânica da
desigualdade, visto que a riqueza apregoada pelo liberalismo como condição
supostamente ao alcance de todos, supõe a existência da pobreza, ainda que
mitigada pelas políticas compensatórias de renda, mas sem mudança importante na
estratificação entre pobres e ricos.
No entanto, assumir que o Bolsa Família não tem o condão de mobilizar uma
efetiva transformação das pessoas para busca da emancipação sustentada é o
mesmo que reconhecer um distanciamento da almejada porta de saída do benefício,
vale dizer: a família provendo seu próprio sustento, conforme propósito institucional
do programa e anseio de boa parte dos beneficiários (notadamente através de um
trabalho digno e justa remuneração). Cumpre ponderar, entretanto, com esteio na
pretensão hermenêutica, a procura da essência por trás da aparência (BOURDIEU,
2009)54, que as construções sócio-discursivas que indicam a acomodação dos
54
“Reduzir os agentes ao papel de executantes, vítimas ou cúmplices, de uma política inscrita na Essência dos
aparelhos, é permitirmo-nos deduzir a existência da Essência, ler as condutas na descrição dos Aparelhos e, ao
mesmo tempo, fugir à observação das práticas e identificar a pesquisa com a leitura de discursos encarados como
253
beneficiários desvelam algo para além das dimensões da hegemonia política
atreladas à lógica de inclusão econômica no mercado. Trata-se do desconforto e da
incomodação dos próprios beneficiários com a alegada indução de um processo de
retroalimentação da pobreza.
Para Cruz e Pessali (2011), o PBF mais do que proporcionar um equivalente
monetário ao beneficiário, decide por ele. Em outras palavras, não resta à família
envolvida outra possibilidade razoável que não cumprir as condicionalidades.
Zimmermann (2006) e Senna et al. (2007), sob a ótica dos direitos humanos,
veem com reserva a imposição de condicionalidades ou contrapartidas no Bolsa
Família, de maneira que a pena de exclusão dos beneficiários não conformes com
tais exigências constituiria grave violação aos direitos humanos, principalmente em
razão de que não seria admissível a vinculação a quaisquer formas de conduta para
aquelas famílias em notória situação de desvantagem frente à inoperância das
políticas públicas sociais.
O próprio governo federal analisa que as condicionalidades são impostas não
apenas às famílias beneficiárias, pois cumprem ao Estado, considerado nas
diferentes esferas da federação (União, Estado, Município e Distrito Federal) e seus
respectivos níveis de competência, “prover a oferta de serviços e equipamentos”
públicos às demandas sociais (BRASIL 2011, p. 267).
Ressalte-se ainda ser duvidosa a capacidade de os serviços educacionais e de
saúde absorverem adequadamente o aumento de demanda resultante da
implementação do Bolsa Família (SENNA et al., 2007), situação essa que a
complicada repartição da receita tributária do Brasil não dá conta, e que é
sobremodo agravada pelo despreparo e a corrupção que impera nas administrações
públicas ao longo do pais.
Tavares (2010), em um estudo observacional com beneficiárias do PBF,
investigou a existência de possíveis incentivos adversos do programa para as
decisões relativas à oferta de trabalho e concluiu, com base em dados explorados
com ferramentas de estatística descritiva, que receber a transferência de renda
matrizes reais das práticas” (p. 77).
254
constituiria um fato estigmatizante de ordem a provocar na mãe um aumento de
disposição para o trabalho, reduzindo sua dependência da transferência de dinheiro
público. Por outro lado, Santos et al. (2010), com base nos dados do PNAD/IBGE
2007 no meio rural brasileiro, observam que as mulheres contempladas com a renda
mensal do PBF tendem a reduzir a oferta de trabalho.
Quando interrogadas se o Bolsa Família favoreceria a acomodação ou a
autonomia sustentada das famílias, as entrevistadas, em geral, concordam com a
ocorrência de ambas as possibilidades, contrapondo-se à tendência de reduzir
questões tão complexas a um dualismo simplório.
É dividido, algumas pessoas tem autonomia, vai tentando melhorar, outras
não querer tentar procurar trabalhar de emprego fixo, carteira assinada, elas
não querem, porque sabem que correm o risco de perder, mas elas
procuram trabalhar em uma casa. Elas procuram fazer outras atividades,
outras procuram trabalhar com artesanato. (...) Tem famílias que são
bastante acomodadas e outras mais desenroladas.
METIS
O Bolsa Família dá só um complemento naquilo que se ganha com o
trabalho, penso que não dá pra acomodar, mas alguns se acomodam
durante um tempo porque ficam só esperando o dinheiro do Bolsa Família,
se bem que as vezes é estão esperando um trabalho melhor (...) Tem
comodismo sim, tenho consciência disso.
ADASTREIA
Por outro lado, é notório que na operacionalização do Bolsa Família há
inúmeras irregularidades e efeitos perversos. Nesse sentido, o noticiário jornalístico é
farto de exemplos, tais como a titularidade do benefício em favor de pessoas de
razoável poder aquisitivo (comerciantes, vereadores, etc.) e a retenção do cartão por
agentes do tráfico de drogas.
6.13 O Programa Bolsa Família e o jogo político
No período de 2004 a 2012, foram propostos 34 Projetos de Lei (PL) com
vistas a alterar o PBF. Tais iniciativas, ao todo, partiram de 30 parlamentares,
originários de 16 estados da federação e 12 partidos políticos (de diferentes matrizes
ideológicas) representados no Congresso Nacional. Dentre as mudanças desejadas
255
pelos membros do legislativo destacam-se: a criação de condicionalidades adicionais
e de incentivos e/ou oportunidades de trabalho para os beneficiários (BRITTO,
2011b).
Apenas para fins ilustrativos do conjunto de iniciativas no Senado e na
Câmara dos Deputados no sentido de criar condicionalidades adicionais ao Bolsa
Família, muito embora sem a pretensão de esgotar tal abordagem no processo
legislativo nacional (até porque fugiria ao escopo desse trabalho), é pertinente citar
(1) o PL n° 6.747, de 2010 (BRASIL, 2010c), apresentado pelo Senador Cristovam
Buarque (PDT/DF), com intuito de obrigar os pais a participarem de reuniões
escolares55; e o (2) PL n° 44, de 14 de fevereiro de 2007 (BRASIL, 2007c), proposto
pelo Deputado Lincoln Portela (PR/MG), a fim de exigir a prestação de serviço
“voluntário” (sic) por algum dos membros da família beneficiária56. Cumpre observar,
entretanto que condicionar a prestação de serviço à comunidade como contrapartida
à transferência de dinheiro, por comando do Estado, não se coaduna com a idéia de
trabalho voluntario, podendo caracterizar uma relação de emprego.
Por sua vez, o projeto de lei 7.892 de 11 de novembro de 201257 (BRASIL,
2012g), de autoria do Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), visa conceder aos
beneficiários do Programa Bolsa Família um adicional a cada mês de dezembro –
equivalente ao décimo terceiro salário pago aos trabalhadores formais.
É inegável o apelo eleitoral de uma proposição política que aponta mudanças
favoráveis aos milhões de beneficiários, cidadãos particularmente sensíveis – porque
incursos na pobreza material – à intervenção econômica do Estado na economia
doméstica deles próprios. Por outro lado, ainda que uma proposta de lei vise criar
nova condicionalidade, estar-se-ia com isso contemplando a idéia (também popular)
55
Após aprovada pelo Senado Federal a proposição foi rejeitada por maioria (14 x 7) em reunião
deliberativa ordinária da Comissão de Educação e de Cultura da Câmara dos Deputados, realizada
em 17 abril de 2013.
56
Atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania com parecer pela aprovação
(desde 2 de agosto de 2011) no qual é destacado que “associar a concessão do benefício Bolsa
Família à prestação de serviço voluntário representa oportunidade de inserção do beneficiário no
mercado de trabalho (...) e um retorno social de grande valor à comunidade. É, portanto, medida que
objetiva o bem-estar e a justiça sociais (art. 193, CF)”.
57
Rejeitado (por unanimidade) em 29 de maio de 2013, na Comissão de Seguridade Social e Família,
com fundamento na assertiva de que o Bolsa Família trata-se de um programa de assistência social,
não cabendo por isso a bonificação natalina paga aos trabalhadores urbanos e rurais, como também
aos aposentados e pensionistas em geral.
256
de controle estatal da conduta humana legitimada pela moral social, verdadeira
expressão de biopoder, conforme ensina Foucault (2008).
Na perspectiva de uma genuína solidariedade ético-civil, a capacidade de
discernir sobre o que seja (ou não) justo ficou evidente em vários dos discursos das
entrevistadas como preocupação com o bem coletivo, expressando algo próximo ao
que Gadamer (2008, p. 72) descreve como “senso comunitário”, no sentido de
representar um caráter comum da sensibilidade ética, e assim, uma manifestação do
ser cidadão e ético.
Quando eu tiver mais condições eu vou dar o cartão (do Bolsa Família) para
uma pessoa que precisa mais do que eu, porque eu entendo que todos são
iguais, mas tem alguns que são mais carentes do que a gente. Tem aquele
que tem mais necessidade do que os outros. Tem um acolá que não tem o
que colocar na panela, amanhece o dia e não tem pão, não tem comida. Eu
vendo aquela pessoa na má vida, eu não posso seguir em frente, tenho de
olhar pra trás, porque um dia eu tive no lugar dele, lá atrás.
ÉRIS
Se eu tivesse um bom emprego para sustentar minha família, eu ia passar
(o cartão do Bolsa Família) pra outra família que precisa. Se trabalhasse eu
e minha filha e passasse o que hoje recebo para outra família que não
ganha, eu acharia justo.
FEBE
Canêdo-Pinheiro (2009), divergindo de boa parte da literatura, refuta a tese de
que a massificação do programa Bolsa Família (particularmente em bolsões de
pobreza no semiárido) e o desempenho da economia seria (um ou outro isolado)
fator explicativo do crescimento da votação favorável à Lula em 2006, quando de sua
reeleição para novo mandato de Presidente da República. Conforme o mesmo autor
(com base em dados da votação de 3.397 municípios), na hipótese, aplica-se a
conjectura de que, independentemente de partido ou candidato, as pessoas de
regiões economicamente frágeis e, por efeito, dependentes do Estado, teriam um
perfil eleitoral mais conservador, tendendo a não votar nos concorrentes do governo
(Idem, 2009). Na Região Nordeste, por exemplo, com maior contingente de
beneficiários do Bolsa Família desde o seu lançamento, Lula superou 70% dos votos
em praticamente todos os municípios (BRASIL. 2006).
Ainda com base na pesquisa acima mencionada, foi amplamente noticiado
uma suposta influência do Bolsa Família (11 milhões de famílias beneficiárias em
257
2006)
na afirmação eleitoral do novo mandato de Lula. Tal diferença, acaso
existente, não passaria de 3% (2,9 milhões) dos votos totalizados no segundo turno
(86.630.734, excluídos brancos e nulos); números esses insuficientes para definir o
pleito em favor do eleito, visto que o candidato da coligação PT/PRB/PC do B
alcançou a proporção de 61% dos votos válidos, disputado com Geraldo Alckmin, à
frente da aliança PSDB/PFL (AGÊNCIA ESTADO, 2009; BRASIL, 2006d).
Na realidade, dentre as variadas interpretações para a maioria expressiva do
eleito no segundo turno da eleição de 2006, a mais óbvia ressalta uma suposta
influência do Bolsa-Família como elemento indutor da preferência eleitoral nos
estratos mais pobres da sociedade. Entretanto, é bem mais complicado explicar por
que Geraldo Alckmin teve perto de 40% dos votos registrados no primeiro turno e,
diminuiu em cerca de 2 milhões de votos seu eleitorado no segundo turno, passadas
apenas quatro semanas (BRASIL, 2006d; OLIVEIRA, 2007).
A coordenação nacional do Bolsa Família é responsabilidade federativa da
Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, da estrutura do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Através desse órgão, a administração
federal tem afirmado reiteradas vezes que tal programa não acomoda nem vicia as
populações assistidas. Técnico e gestores repercutem em veículos de comunicação
social de grande repercussão que as opiniões contrárias traduzem preconceito contra
quem vive na pobreza, uma vez que o recurso recebido pela família constitui um
direito, uma renda básica de cidadania (BRASIL, 2011a; BRITTO, 2011a; WEBER,
2013a).
Agentes políticos das três esferas de governo têm ocupado espaços nos
meios de comunicação social para contestar a afirmação de que a transferência
condicionada de renda perpetua a miséria, para tanto referencia a indução da
formação de capital humano mediada pela garantia de assiduidade escolar
justamente para quebrar o ciclo da pobreza. Assim, a tese de proteção social
combinada com inclusão produtiva atribuída ao Bolsa Família é endossada, por
formadores de opinião, no meio jornalístico, vale dizer: ao sustentar-se que o dinheiro
doado contribui para que o público atendido supere a condição de pobreza (a ponto
de renunciar o benefício), se tem por desqualificada a afirmação de que a
transferência de renda perpetua a miséria (SOBRAL, 2008, WEBER, 2013a; DILMA,
258
2013a).
Uma fonte expressiva de legitimidade dos discursos politicamente favoráveis
ao Bolsa Família tem sido a voz de gestores do programa, os quais, ao expressaremse em diferentes veículos de comunicação social estabelecem estreita articulação e
coerência discursiva, expressando em uma só voz a reprodução de uma propaganda
institucional sempre positiva. Trata-se de falas impregnadas de números que
revelariam a expansão da cobertura, o crescente volume de recursos transferidos, os
supostos avanços na emancipação de famílias. Noutros termos, existe coerência
entre os discursos daquele que fala (os gestores) e de quem lhes dá voz (os meios),
situação essa análoga àquela verificada por Carvalho (2005) na análise do modo
como os técnicos do FZ abordaram, de forma articulada e coordenada, a fome nos
meios de comunicação, justamento no momento em que o tema atraia a atenção da
sociedade nos primeiros anos do primeiro governo Lula.
Para Singer (2009), diversas das ações empreendidas no primeiro governo do
presidente Lula, de 2003 a 2006, tais como a ampliação da política compensatória de
renda, a contenção de preços dos produtos da cesta básica, o aumento real do
salário mínimo e outras medidas do Estado no domínio da economia extrapolaram a
simples
"ajuda"
aos
pobres,
configurando
a
base
estrutural
para
um
redirecionamento político em harmonia com os anseios dos segmentos mais
empobrecidos da sociedade (o mesmo que concentram a ampla maioria dos
eleitores) – favorecendo assim, inclusive, a expansão do mercado interno via
inclusão de consumidores de baixa renda. “Nesse sentido, tais ações colocam Lula à
frente de um projeto, que é compatível com aspectos de sua biografia”, (Idem, p. 40),
posto o seu histórico sofrível de privação em razão de haver vivido uma experiência
de extrema pobreza.
Em várias das falas das entrevistadas ficou evidente a identificação do Lula
com a pobreza. Para elas, estaria na história de privação do então presidente a
sensibilidade e a motivação para criar um programa de combate à fome e à miséria.
O Lula já foi pobre, passou necessidade, andava de pau de arara – eu
prestei atenção em muita coisa que ele falou na televisão, tinha uma
empresa que ele trabalhava, perdeu um dedo... A pessoa que sofre sabe o
que é o sofrimento, pois pessoa pobre sofre, e ai vai também acudir os
outros (também pobres).
259
DEMETER
O Lula criou o Bolsa Família por causa do passado dele muito difícil, nasceu
na roça, eu venho de lá do sertão e sei o que é dificuldade. Agora que o
Lula tá bem de vida, ele ajuda as pessoas que, como ele no passado, estão
tendo dificuldade na fome e na pobreza.
ÉRIS
Quando o Lula criou esse Bolsa Família, como ele falava muito na televisão,
ele já foi uma pessoa muito carente, a família dele, ele veio de uma família
muito pobre. Tendo vivido assim ele soube entender melhor as pessoas
carentes, porque só a gente (vivendo a experiência de ser pobre) sabe o
que a pessoa passa. Então ele fez isso pra acabar com a pobreza.
HERA
Do mesmo modo que o voto popular no MDB nos anos 1970 não simbolizaria
qualquer tipo de rejeição ao regime militar instalado no Brasil, o voto em Lula, para
estranheza do senso comum, não expressaria uma opção ideológica; mas, isto sim, a
resultante de uma desideologização útil a um exitoso processo de realinhamento
eleitoral, simpático à grande massa de eleitores da esquerda e da direita (SINGER,
2009). O “Lulismo” em voga nos anos 2000, notabilizou-se por desconstruir a
concepção, então prevalente, de classe média a ponto de conquistar a adesão de
milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza material, mas que passaram a
se reconhecer com poder de compra, como “nunca (antes) na história desse país...”.
Coerente com tal entendimento, Rodríguez (2012) conclui que o Lulismo constitui
uma variante do populismo, marcado pelo uso abusivo do Estado para fins políticoeleitorais.
Consoante análise de Singer (2012), o Lulismo significaria uma combinação
extraordinária entre elementos de esquerda e de direita, que se notabilizou pela
capacidade de gerar uma sensível redução da pobreza sem promover nenhum tipo
de ruptura com a ordem estabelecida. Pragmatismo nesse sentido contraria as
diretrizes de base do PT, mas se apresenta coerente com a mudança de discurso às
vésperas das eleições presidenciais de 2002 – consignada na “Carta ao povo
Brasileiro”, subscrita em junho daquele ano pelo então candidato Lula (SILVA, 2002).
Nesse documento, cuidadosamente elaborado para conquistar a simpatia dos
segmentos hegemônicos da economia (até ali majoritariamente avesso às propostas
da “esquerda”), ficou estabelecida uma modalidade de obrigação do futuro governo
260
no sentido de não interferência unilateral nos contratos em curso no mercado
financeiro, nem mesmo a pretexto de justiça social.
Ressalte-se que o anuncio do Fome Zero (e com ele a materialização do
cartão do Bolsa Família) teve, desde o lançamento, o efeito simbólico de
concretização de um compromisso do Lula, assumido nas eleições presidenciais de
2002, de grande apelo popular e capaz de sensibilizar também aos intelectuais sobre
as primeiras medidas do então nascente governo (BETTO, 2007; CARVALHO,
2005).
No âmbito de uma análise do aporte de dinheiro do Estado na forma do PBF, a
pobreza assume então a prévia e permanente condição capaz de justificar a
transferência de renda como preceito de cidadania (concedida), e daí pode até
mesmo ser instrumento para sustentar uma forte base de apoio político-eleitoral.
Estudos realizados por Licio (2009) e Marques et al. (2009) dão suporte à hipótese
de que as eleições presidenciais de 2006 (1° e 2° turnos), com Lula candidato ao
segundo mandato, teria sido decisivamente influenciada por força de uma
tendenciosa preferência eleitoral motivada pela satisfação dos eleitores das mais de
onze milhões de famílias cobertas com o dinheiro do Bolsa Família.
Considerando, sobretudo, a distribuição demográfica e a densidade eleitoral de
não menos que 26% da população beneficiária no PBF no Brasil (cerca de 11
milhões de famílias), Marques et al. (2011), baseados em técnicas de regressão
estatística, acreditam haver demonstrado a influência determinante daquele
programa governamental na reeleição do presidente Lula em 2006. Os autores
apontam uma associação direta entre o aumento da faixa de cobertura (em relação à
população total) e os votos válidos recebidos no segundo turno da eleição em
questão, análise essa coerente com conclusão assinalada um anos antes por Bichir
(2010). Acabar de vez com o programa Bolsa Família significaria o risco de decretar
a morte eleitoral do então candidato (ao segundo mandato) Lula.
Marques et al. (2009) apontam forte relação entre o voto em Lula no 2° turno e
o peso do PBF na população total de cada município. Para a mesma fonte, quanto
maior a faixa de cobertura em relação à população total, maior a proporção de votos
válidos recebidos. Mesmo quando os municípios não são agregados em faixas de
261
cobertura, sendo o grau de dispersão bastante significativo, o PBF explicaria sozinho
os 45% de votos (idem).
Ainda tratando das eleições presidenciais de 2006, agora com base na
associação geográfica de dados relativos à votação com indicadores da participação
do Bolsa Família na renda das cidades, Soares e Terron (2008) afirmam que o
volume de dinheiro transferido por município através do programa teria sido o fator
de maior peso na explicação das diferenças de votação no nível local.
A assistência financeira do governo (situação) às famílias mais pobres
combinada com a dívida de gratidão que lhe é sucedânea, lastreada pela
racionalidade político-eleitoral, estabelece uma dependência recíproca (dar e receber
como moeda de troca), uma espécie de aliança que favorece a manutenção do
status quo ante, motivando inclusive uma postura conservadora do cidadão frente às
incertezas e desconfianças para com os destinos da política compensatória de renda
que o beneficia no imediato, mas que se tem por ameaçada na hipótese de um novo
governo saído da oposição.
Eu não votaria em um candidato se percebesse que se ele chegasse lá em
cima podia acabar com o Bolsa Família, pois se ele pensa assim (é porque)
não tem conhecimento com a pobreza.
ÉRIS
Eu não ia votar [em um candidato quem fosse a televisão dizer que o Bolsa
Família é um erro, e que caso eleito ele iria lutar para acabar com esse
Programa], porque se a opinião dele está contra muitas pessoas, ele tá
pensando só em si. Pode até tá certo, mas não esta pensando nas pessoas,
quantas pessoas ele pode fazer o mal com aquela decisão dele de acabar.
ADASTREIA
Ao tempo que a prestação positiva do Estado (muito embora longe de ser
considerado um mero altruísmo dos governantes) faz significante diferença na vida
do beneficiário do Bolsa Família, motivando-o a responder com uma ação igualmente
positiva, por outro lado, promove o governo no outro polo da relação de troca, pondo
em evidência o mecanismo central de solidariedade social que é o da reciprocidade,
suposto por Maus (2008), no clássico “Ensaio sobre a dádiva”, quando da crítica ao
utilitarismo das teorias econômicas que procuram configurar a vida social através de
um mecanismo obrigacional de dar, receber e retribuir, culminando com o
favorecimento da reprodução de desigualdades a partir da dádiva.
262
Eu acho que era o Lula quando começou o bolsa do governo. (...) foi ele que
mandou esse dinheiro pra minha família que é pobre, e tomara que quem
entrar não vá cortar.
HERA
No meu entendimento (o Bolsa Família) vem do governo para os pobres.
Ele vê a situação dos pobres no país, ai ele tem essa caridade de contribuir
com os pobres.
ELPIS
De acordo com o IPEA, a expansão do PBF, de 2013 a 2010, e a
concomitante ampliação de outros mecanismos de proteção social, a exemplo do
Benefício da Prestação Continuada (BPC)58 impactam fortemente tanto na redução
da pobreza quanto na queda da desigualdade socioeconômica. Os técnicos desse
instituto informam acreditar que o aumento dos postos de trabalho puxado pelo
crescimento econômico tem a força de eliminar a miséria social no Brasil nos
próximos anos (IPEA, 2010).
58
Benefício previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/1993), correspondente à
transferência de um salário mínimo mensal às pessoas maiores de 64 anos, ou deficientes em
condições especiais, que não possuem meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por
sua família).
263
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nobody knows where you are, how near or how far.
(David Gilmour)
Não é recente a caracterização da sociedade brasileira como uma das mais
discrepantes no mundo, quando analisados os indicadores econômicos e sociais
(JAGUARIBE, 2000; BARROS; HENRIQUES; MENDONÇA, 2000). Nesse cenário
historicamente marcado por iniquidades sociais, os dados indicativos de fome e
insegurança alimentar/nutricional, tomados em associação com a pobreza material,
têm sido ponto de partida em políticas públicas compensatórias, como no caso do
PBF, cujo propósito remete à formação de capital humano, ao acenar para o
favorecimento de possibilidades de emancipação sustentada das famílias (BRASIL,
2011b).
No contexto da proteção social do Estado, entendemos que, ao destacar o
direito social à alimentação no arranjo político-constitucional do Brasil (1988) ao lado
do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput) e
da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental de um Estado
Democrático de Direito (art. 1ª, inc. III), nossa nação assumiu a meta de promover a
SAN na perspectiva do bem viver. Nesse sentido, está consignada no ordenamento
jurídico pátrio a obrigatoriedade de políticas públicas articuladas ao campo da
alimentação e nutrição, a exemplo do PBF, favorecendo inclusive a emergência de
dinâmicas construtivas protagonizadas (e não apenas legitimadas) pelos próprios
beneficiários.
Bem viver (articulado a SAN) assumido como um uma condição humana e
social tendente à harmonia com o meio ambiente e articulada com transformações
paradigmáticas, que envolvem processos sociais em permanente movimento. Tal
abordagem da dinâmica da vida se opõe à ideia de qualidade de vida – pressuposta
pelo paradigma da globalização – como objetivo a ser alcançado pelos seres
humanos. Nesse sentido, busca resignificar o impacto social na natureza da crise
cultural
contemporânea
de
inspiração
liberal-capitalista,
particularmente
determinação das relações assimétricas de poder e da lógica de consumo.
a
264
De tão profundas as desigualdades econômicas entre as famílias brasileiras,
a ponto de comprometer o acesso ao mínimo existencial, o propósito de assegurar
uma renda básica articulada à promoção da SAN, e ainda condicionalidades em
saúde e educação – distribuindo uma parte do orçamento federal com os pobres
entre os mais pobres – tem sido largamente aceito. Tudo porque a iniciativa do PBF
se apresenta simpática ao focalizar as famílias de menor renda, apontando para a
SAN e outras perspectivas de melhoria da condição de vida presente e, mais ainda,
para um futuro redentor para as crianças e adolescentes beneficiados.
A partir da discussão em torno do mérito da transferência de renda do Bolsa
Família para compra de alimentos, entendemos pertinente fortalecer, além das
políticas públicas em alimentação e nutrição, a efetividade do direito humano e social
à alimentação mediante a atuação do poder judiciário, do ministério público e dos
órgãos de controle externo. Para tanto, referenciamos nessa tese um conjunto de
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, como também recuperamos parte da
evolução do direito positivo, no que concerne ao propósito de promover a condição
de SAN, explorando-se sua positivação no ordenamento jurídico pátrio.
A
concepção
hegemônica
de
SAN
está
organicamente
atrelada
ao
reconhecimento do direito enquanto construção de e para a pessoa humana,
compondo uma relação jurídica com o dever estatal no campo da alimentação e
nutrição. Nesse prisma, é moralmente intolerável a convivência social com a
realidade sensível da fome (e seus nefastos efeitos), inclusive a propalada ameaça à
paz social mediada por uma conjuntura que comprometa o acesso físico e
econômico a alimentos – entendido, esse último, em um contexto ampliado de
segurança capaz de abranger as demandas de adequações nutricionais assumidas
na interface da dietética com as ciências sociais e econômicas.
Por outro lado, partindo-se da perspectiva ampliada de Estado e cidadania, a
concretização do direito humano e social à alimentação passa a ser uma questão de
soberania nacional, fundada na autodeterminação de um povo à produção e ao
consumo de alimentos; e, nesse prisma, deve ser entendida como um fim a ser
alcançado
pelo
direito.
Portanto,
a
SAN
constitui
questão
de
essencialmente política, que sugere mecanismos eficazes de exigibilidade.
natureza
265
Todavia, no campo da alimentação e nutrição sabe-se que a transferência de
renda não constitui propriamente uma medida de SAN, devido ao seu enfoque
restrito à dimensão do acesso econômico aos alimentos, afora seu caráter não
sustentável agravado pela insuficiência em quantidade, devido ao pouco dinheiro
repassado a cada família beneficiária. Além disso, negligencia aspectos qualitativos
da nutrição humana, sequer tangenciando dimensões de ordem ambiental, cultural,
regional e social; todas, aliás, consignadas no art. 2 o, § 1o da Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2006a), por força de proposição de
significativos movimentos sociais.
Contudo, conforme procuramos evidenciar, o PBF, posto seu caráter
meramente compensatório aos efeitos do ajuste estrutural que vulnera (no sentido
econômico do termo) a sociedade, não entra no mérito da complexa singularidade
do problema da miséria social. Muito menos, considera a produção subjetiva
inerente à condição humana de (in)segurança alimentar, centrando o foco em
abordagens fragmentadas da pobreza e da fome, na contramão de perspectivas
efetivamente emancipatórias, ao favorecer a trajetória oblíqua da acomodação sob a
égide da funcionalização da pobreza, tal como denunciado por Oliveira (2006).
Assim, as construções sócio-discursivas do PBF expressas nos documentos
oficiais, cujas análises constituem parte dos objetivos desse estudo, são
basicamente dimensões integrantes da luta pela hegemonia do poder, traduzindo
ideias não restritas a uma esfera cultural supostamente isolada, mas materializadas
nas práticas sociais e nas instituições em geral.
No desenvolvimento desse trabalho, em virtude dos fatos que identificamos
nos enunciados discursivos das beneficiárias do PBF, nos pareceu coerente o
entendimento de que emancipação e acomodação coexistem lado a lado no
imaginário de cada indivíduo. Muito além de uma correlação de forças motivacionais
na seara da economia e da política pública, expressam condutas contextualizadas e
situadas no universo social. Sendo assim, sua compreensão deve envolver estudos
interdisciplinares tão diversos quanto o direito das obrigações e a antropologia
teológica.
266
Nada obstante, no contexto crítico compreensivo que circunscreveu o escopo
da metodologia dessa tese, seus sentidos, alcances e limitações, entendemos que a
valorização dos complexos processos subjetivos e simbólicos inerentes ao PBF,
particularmente a percepção dos atores sociais envolvidos, alcançou a apropriação
de parte significativa das especificidades de nosso objeto, e nessa perspectiva, foi
nosso ponto de partida para elaboração de uma rede interpretativa e outras
estratégias hermenêuticas inscritas no vasto espectro da pesquisa qualitativa em
Saúde Coletiva. Nesse labor dialético, nos identificamos com a proposição
sustentada por Camargo e Bosi (2011) de que os métodos devem ser recrutados
conforme as necessidades do fazer científico, não sendo a recíproca verdadeira.
No
curso
das análises,
compreendemos
simplista
dicotomizar
entre
acomodação e emancipação em face do universo empírico do Programa Bolsa
Família como se fossem representações de comportamento situadas em polos
antagônicos, tanto mais derivando o debate para uma abordagem maniqueísta de
tais fenômenos tão complexos quanto ambíguos, notadamente porque presentes em
maior ou menor grau em um mesmo indivíduo, conforme a dinâmica situacional no
contexto do mundo vivido.
Sendo assim, não nos parece sensato o discurso voltado a “satanizar” a
acomodação (ou simplesmente desqualificá-la como lugar indigno) ou, por outro lado,
aquele que considera a emancipação como uma panaceia (resolveria todos os
problemas) no restrito universo da economia de mercado, subjacente à lógica da
transferência condicionada de renda, focalizada na pobreza material, na forma do
Bolsa Família, em cuja concepção programática o capital humano ostenta o lugar de
um valor em si.
No nível um pouco mais abstrato – embora nada contraproducente – ao
procurarmos relacionar os termos acomodação/emancipação, revela-se (ao menos
no campo da sintaxe) mais apropriada uma justaposição expressa pela conjunção
aditiva “e”, quando comparada à oposição assinalada pela conjunção “ou”. Por assim
dizer, na experiência hermenêutica dessa tese, nos reconhecemos impactados pela
abertura à dimensão da complexidade, na qual, por vezes em um movimento de
familiaridade e/o distanciamento, lidamos com aquilo que se acha contraposto e, ao
mesmo tempo, convergente nos discurso das beneficiárias do PBF no sentido de
267
desvelar o quão perto ou longe de “sustentada” está a acomodação e a
emancipação.
Por seu turno, a premissa do capital humano, norteada por concepções
higienistas de cuidado em saúde e de pedagogia empreendedora, ao projetar a
autonomia sustentada de famílias via formatação de condutas condicionantes da
transferência de uma renda mínima, reduz a pessoa humana a um bem de capital,
passível por isso de investimento e controle estatal sobre seus corpos, através de
moldes e pacotes de serviços públicos consignados na Carta Política de uma Nação
(Constituição Federal) como direito do cidadão e dever do Estado.
Entendemos, sem desconhecer a importância da educação e da saúde
públicas para a formação e a própria sobrevivência digna do cidadão, que aquela
abordagem reducionista e focalizada na pobreza tem sido sobremodo limitada pela
notável inoperância do Estado em proporcionar as condições normativas e
estruturais adequadas para o implemento de políticas emancipatórias afinadas com
o bem viver, favorecendo possibilidades mais conscientes e saudáveis de
organização do trabalho e da decisão de consumo.
Ao invés da noção de capital humano, apto a impactar na produtividade e no
crescimento da economia, preferimos a ideia de investimento na melhoria da
condição humana através de práticas educativas voltadas à autonomia, com respeito
à dignidade, na conquista da liberdade, como sustentado por Freire (2007), cuja
práxis (pedagógica) procura alcançar criticamente a superação da opressão pelo
próprio oprimido (ação transformadora), de olho no efeito de poder da solidariedade
que parte do opressor.
Assim, para uma análise séria do modelo de autonomia sustentada proposto
pelo PBF – com base na premissa do capital humano, entendemos pertinente a
singularidade de uma abordagem fundada no questionamento político propriamente
dito, capaz de abranger as relações de poder envolvidas, inclusive aquelas de cunho
clientelista, ideologicamente movidas por propósitos eleitorais escusos.
Do ponto de vista financeiro, com o PBF tem-se uma autonomia precária e
condicionada, uma vez que o beneficiário em situação de pobreza material pode, em
268
princípio, gastar o dinheiro como entender, porém deve obediência e explicações ao
agente patrocinador para fazer jus à transferência regular de renda, mês após mês.
Agindo assim os titulares desse direito legitimam as condicionalidades.
Trata-se, portanto, de uma “autonomia financeira” na perspectiva das regras
do liberalismo econômico – pessoas supostamente livres para ganhar dinheiro e
comprar o que quiser, conforme pauta comercial, a reboque dos interesses
hegemônicos que controlam as relações de produção e consumo em favor da
maximização do lucro. Por tal lógica, a educação escolar (proporcionada ou regulada
pelo Estado) é destacada como caminho para mobilidade social, muito embora
alinhada à perspectiva instrumental do trabalho e da expansão do mercado
consumidor.
O “ganho” da dádiva materializado em prestação mensal em dinheiro não
constitui uma simples experiência, reduzível a uma unidade de interpretação –
mesmo porque não existe uma, por assim dizer, correta (SCHWANDT, 2006). Antes
pelo contrário, trata-se de um tema suficientemente amplo para envolver um conjunto
de fenômenos mais ou menos complementares, concorrentes e antagonistas, bem
como articulados (e interligados na dimensão da complexidade) aos distintos planos
de realidade emoldurados na relação dialógica doador (governo) versus donatário
(cidadão) (MORIN, 2011; FREIRE, 1987).
Contudo, pode afirmar que os beneficiários que entendem o Bolsa Família
como favor são partícipes de uma práxis patrimonialista do Estado, do qual
conhecem e se beneficiam de maneira oportuna ao julgo dos donos do poder.
Prevalece nesse entendimento o assistencialismo em sua expressão clientelista em
detrimento do direito de cidadania na perspectiva da assistência social.
Sendo assim, considerada em uma perspectiva política no plano da
reciprocidade (“é dando que se recebe”), a idéia do Bolsa Família como dádiva e a
gratidão daí decorrente, além de demarcar uma modalidade singular de contrato
social (ROUSSEAU, 2007) no sentido do acordo de vontades entre Estado e a
família em situação de pobreza, pode ser entendida como uma expressão da
solidariedade como efeito de poder (DEMO, 2008), pressupondo obrigação do
beneficiário para com o “favor” do doador. No caso do Bolsa Família, é evidente a
269
materialização de um vínculo obrigacional forte e tenso entre a continuidade da
hegemonia política do governo patrocinador e o titular do cartão, para o qual retribuir
com a força do voto (aos agentes políticos identificados com o programa), se
apresenta como contrapartida à “ajuda” em dinheiro.
270
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WEBER, Demétrio. Secretário afirma que programa não cria dependência: Luis
Henrique Paiva diz que sempre haverá ações para crianças e população
economicamente ativa. O Globo, Rio de Janeiro, 05 mai. 2013b. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/pais/secretario-afirma-que-programa-nao-criadependencia-8295495#ixzz2THVkZNxn>. Acesso em: 13 mai. 2013.
325
APÊNDICE A
TÓPICO GUIA
326
APÊNDICE B
DISTRIBUIÇÃO POR IDADE DOS TITULARES DO CARTÃO DO BOLSA FAMÍLIA
POR IDADE, SOBRAL-CE, MARÇO DE 2013.
IDADE
35
33
38
37
34
36
31
30
32
39
27
29
40
41
42
26
28
43
25
44
45
46
24
48
47
49
50
23
51
22
52
55
54
53
21
57
56
58
20
QUANTIDADE
726
703
669
668
648
641
637
635
633
615
600
589
560
534
534
526
523
503
494
487
467
461
437
426
419
384
377
370
324
300
285
243
241
217
216
210
195
143
133
IDADE
61
62
19
60
59
63
18
64
65
66
17
69
67
68
70
73
71
16
74
72
76
75
77
79
78
82
83
84
80
81
85
91
86
87
88
89
90
QUANTIDADE
128
122
113
113
109
106
66
61
53
42
0
27
26
22
20
17
12
0
9
7
7
5
4
4
2
2
2
2
1
1
1
1
0
0
0
0
0
327
Beneficiário Tipo – Titular do (Cartão do) Bolsa Família que predomina em
Sobral/CE, março 2013.
Gênero: feminino
Idade: 35 anos
Composição familiar em número de beneficiários (além do titular) e
correspondente à renda transferida:
2 crianças/adolescente -> R$ 134,00 [70 (básico) relacionado ao titular e 32
(variável) a cada um dos dependentes de até 15 anos ]
Número de gestantes, nutrizes,
crianças e adolescentes de até
17 anos
Tipo de benefício
Valor do benefício
2
Básico + 2 variáveis
R$ 134,00
Media de idade dos titulares do cartão =
Moda de Idade dos titulares do Cartão =
38,39
35
Desvio Padrao =
10,98
Total de Famílias =
18903
Total de Beneficiários
57555
Beneficiários por família (média) =
3,05
(33,5% pop Sobral)
328
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA
GESTORES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Universidade Federal do Ceará – UFC
Doutorado em Saúde Coletiva
Pesquisa:
VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA
FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO DE USO DO BANCO DE DADOS
PARA GESTORES DO PROGRAMA FOME ZERO / BOLSA FAMÍLIA
A presente pesquisa tem como objetivo geral: Compreender interesses, valorações e
juízos presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa,
tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.
Em sua aplicação, o estudo coletara dados através da técnica de entrevista dialógica e
procederá a exploração de normas e diferentes outros documentos relativos ao Fome Zero /
Bolsa Família, com o fito de estabelecer conexões crítico-interpretativas rigorosamente
coerentes com diferentes concepções hermenêuticas do Direito Humano à Alimentação
Adequada, na perspectiva do Estado Constitucional Brasileiro e dos (cidadãos)
envolvidos/beneficiários.
Garante-se que a pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição de vida e trabalho
dos participantes, salientando que as informações serão sigilosas e que não haverá divulgação
personalizada.
Os dados e as informações coletadas serão utilizados para compor os resultados da
investigação, as quais serão publicadas em periódicos e apresentados em eventos científicos,
além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos trabalhadores e gestores de saúde, a
fim de criar políticas públicas que melhorem a qualidade dos serviços.
A todos os participantes é assegurado o direito de receber esclarecimentos a quaisquer
dúvidas acerca da pesquisa, bem como, garantida a liberdade de retirar o consentimento a
qualquer momento da pesquisa. Para tanto, o pesquisador responsável pode ser encontrado em
Sobral, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone (88) 3111 3020.
O Comitê de Ética em Pesquisa da UFC fica situado em Fortaleza, à Rua Cel. Nunes de Melo,
1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.
Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você
assinará duas cópias deste termo que também será assinado pelo pesquisador, ficando uma
cópia com você.
Sobral, Ceará, ____/____/2012
___________________________________
Marcos Aurélio Macedo de Sousa
Pesquisador – Doutorando em Saúde Coletiva UFC
_____________________________
(Nome)
Participante da Pesquisa
329
APÊNDICE D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA
BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Universidade Federal do Ceará – UFC
Doutorado em Saúde Coletiva
Pesquisa:
VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA
FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PARA BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
A presente pesquisa tem o objetivo geral: Compreender interesses, valorações e juízos
presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa,
tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.
Em sua aplicação, o estudo coletara dados através da técnica de entrevista dialógica em
vistas de buscar informações para esclarecimento e análise dos problemas postos na pesquisa.
Será empregado um roteiro guia (que pode mudar conforme a entrevista se desenvolve),
instrumento esse informativo do que se pretende com a entrevista e voltado a despertar seu
interesse em participar de maneira ativa e crítica.
Garante-se que a pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição de vida sua e de
seus familiares, bem como não ameaça o regular recebimento do benefício do Bolsa Família,
salientando que as informações por você prestadas serão sigilosas e que não haverá divulgação
personalizada.
Os dados e as informações coletadas serão utilizados para compor os resultados da
investigação, as quais serão publicadas em periódicos e apresentados em eventos científicos,
além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos trabalhadores e gestores de saúde, a
fim de criar políticas públicas que melhorem a qualidade dos serviços.
A todos os participantes é assegurado o direito de receber esclarecimentos a quaisquer
dúvidas acerca da pesquisa; bem como, garantida a liberdade de retirar o consentimento a
qualquer momento da pesquisa. Para tanto, o pesquisador responsável pode ser encontrado em
Sobral, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone (88) 3111 3020. O
Comitê de Ética em Pesquisa da UFC fica situado em Fortaleza, à Rua Cel. Nunes de Melo,
1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.
Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você
assinará duas cópias deste termo que também será assinado pelo pesquisador, ficando uma
cópia com você.
Sobral, Ceará, ____/____/2012
___________________________________
Marcos Aurélio Macedo de Sousa
Pesquisador – Doutorando em Saúde Coletiva UFC
_____________________________
(Nome)
Participante da Pesquisa
330
APÊNDICE E
Ofício de Solicitação para realização da pesquisa no Município de Sobral-CE
Universidade Federal do Ceará – UFC
Doutorado em Saúde Coletiva
Sobral, __ de __________ de 2012.
À Gestão Municipal do Programa Bolsa Família – Sobral/CE
Jani Mesquita Rodrigues
Venho, por este intermédio, solicitar de V.Sa. autorização para que eu, Marcos Aurélio
Macedo de Sousa, nutricionista e pós graduando em Saúde coletiva na UFC, possa realizar a
coleta de dados para o seu Trabalho de Tese intitulado “VOZES E DOCUMENTOS NA
ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E
SOCIAL À ALIMENTAÇÃO”, junto a Coordenação Municipal do Programa Bolsa Família,
incluindo informações cadastrais e de controle das condicionalidades em saúde, educação e
assistência social, com vistas ao desenvolvimento de sua Tese de Doutorado vinculada ao Curso
de Doutorado em Saúde Coletiva da UFC, em Associação Ampla de IES, juntamente com a
Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
A pesquisa em questão tem como objetivo geral: Compreender interesses, valorações e
juízos presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa,
tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.
Na primeira fase, será necessária a autorização escrita, por parte de V. Sª, para envio
ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, juntamente com os demais documentos de
responsabilidade do pesquisador, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS).
Informações complementares e maiores esclarecimentos podem ser obtidos comigo,
pesquisador responsável, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone
(88) 3111 3020; ou ainda junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, situado em Fortaleza, à
Rua Cel. Nunes de Melo, 1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.
Na segunda fase, a coleta de dados, propriamente dita, será efetuada com instrumento
apropriado, direcionado aos gestores do Fome Zero / Bolsa Família e a beneficiários da
transferência de dinheiro desse programa,
Ciente de vossa valorosa colaboração, antecipadamente agradeço.
Atenciosamente,
______________________________________________
Marcos Aurélio Macedo de Sousa
DOUTORANDO EM SAÚDE COLETIVA UFC
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