Cada vez há mais «vínculos perdidos»... «E
isso é bom»
«Evolução e criação, mais que
contrários, são complementares», disse o professor Carlos
Marmelada
Especialista na evolução dos hominídeos, assinala os limites na metodologia da ciência experimental e o papel da filosofia e a teologia
Actualizado 7 de Fevereiro de 2014
Enrique Chuvieco / ReL
Autor de guiões para documentários científicos sobre Evolução Humana e Cosmologia e ex-director do departamento virtual de Evolução Humana do Governo de
Murcia, o professor Carlos Alberto Marmelada observa que “a antropogénese
cristã não é em absoluto incompatível com os dados da ciência” e, parafraseando Francisco Ayala, diz que esta “é capaz de responder a certas questões,
mas não a outras”.
Autor de vários livros sobre Darwin e a sua teoria do vínculo perdido, Marmelada
acaba de publicar Evolucionismo. De onde vimos? com a editora de livros
electrónicos Digital Reasons.
- Como especialista de anos de estudo e difusão, em que momento estamos actualmente na teoria da evolução?
- La paleoantropologia humana vive uma época dourada. Nos últimos vinte anos
fizeram-se muitas descobertas e muito importantes. Basta pensar que em princípios dos anos noventa se pensava que os humanos actuais descendiam do Ramapithecus, que teriam evoluído até aos Australopitecos, dos quais só se conheciam duas espécies; uma das quais teria dado lugar ao Homo habilis, este ao
Homo erectus do qual teriam surgido os neandertais e os Homo sapiens, nós.
Pois bem, hoje tudo isto mudou radicalmente. Começando pelo facto de que já
não se aceita a existência dos Ramapithecus, e continuando pela descoberta de
três possíveis géneros de primeiros hominídeos anteriores aos australopitecos,
dos quais se descobriram quatro novas espécies a somar às duas já conhecidas.
E o mesmo sucede com as espécies humanas existentes. Nas duas últimas décadas, alguns investigadores propõe a existência de numerosas espécies
humanas (Homo georgicus, Homo antecessor, Homo cepranensis e tantas outras).
- Até onde confirmou (se é que confirmou) a ciência a hipótese de
Darwin?
-Se por “hipótese de Darwin” entendemos que a vida se desenvolveu evolutivamente, a partir de um antepassado comum a todos os viventes, então
podemos dizer que numerosos ramos da ciência, infinidade de experimentos e
uma enorme quantidade de investigadores proporcionaram evidências da veracidade desta ideia; de modo que a teoria da evolução pode ser considerada
como algo mais que uma mera hipótese. Há muitos dados que a garantem.
Outra coisa bem distinta é se a evolução procede sempre através dos mecanismos descritos por Darwin. Aqui as discussões entre os especialistas todavia despertam paixões.
- Os responsáveis de Atapuerca afirmaram que as suas investigações
"desmontavam" a ideia cristã da criação do homem. Os resultados actuais apontam nesta direcção?
- Partilho a opinião do prestigioso biólogo Francisco Ayala quando afirma que a
ciência é capaz de responder a certas questões, mas não a outras e que
essas são objecto de estudo da filosofia e da teologia. A antropogénese cristã
não é em absoluto incompatível com os dados da ciência, já que o barro de
que nos fala o Génesis bem pode ser uma determinada espécie de australopiteco
ou qualquer espécie de hominídeo pré-humano ainda não descoberta.
Em qualquer caso, esse relato disse-nos que Deus teve uma especial relação com
a aparição do homem. Por definição, esta é uma questão que cai fora do terreno
de estudo da ciência.
A antropologia física pode-nos explicar as transformações anatómicas ocorridas
entre os hominídeos pré-humanos e os proto-humanos, mas nada mais. Por sua
parte, a arqueologia pode-nos informar sobre os primeiros produtos culturais da
humanidade, mas a análise das faculdades mentais dos primeiros humanos é algo que se escapa aos métodos de investigação da ciência experimental. Quando muito podem-se fazer extrapolações, mas custa extrair delas
certezas firmes. A ciência é um produto humano maravilhoso, mas tem os seus
limites.
- O descobrimento no depósito burgalês de ossos do ouvido, revela que
aqueles indivíduos se comunicavam com uma linguagem, eram sons sem
mais ou um código mais elaborado?
- Determinar qual era a linguagem das paleoespécies humanas é algo muito difícil de determinar. Ainda se discute como falavam exactamente os neander-
tais de há 50.000 anos, mas é seguro que o faziam com uma linguagem abstracta realmente complexa, pois dispunham das bases físicas para isso, assim
como de um estilo de vida complexo e de uma produção de instrumentos que
demonstra a existência de um pensamento simbólico.
Definir como o faziam os Homo heidelbergensis de há 400.000 anos descobertos
em Atapuerca é algo, naturalmente, muito mais complicado. Sabe-se que o seu
aparelho de fonação já era apto para a linguagem, ainda que o mais certo é que
não falavam com a mesma fluidez e variabilidade que o fazemos nós, pode que,
por exemplo, não pudessem usar todas as vocais que fazemos servirnos, o que não impediria a elaboração de mensagens orais significativas.
Os trabalhos neste campo supõe um dos desafios apaixonantes que tem os investigadores na hora de poder precisar como nos fizemos humanos.
- Caminham na mesma direcção as teorias Criacionista e do Desenho Inteligente? Se não é assim, quais são as suas diferenças?
- Os partidários do Desenho Inteligente insistem em que não se os deve
confundir com os Criacionistas. Em rigor, os criacionistas opinam que Deus
criou as espécies tal como as observamos hoje em dia. Portanto são fixistas e
rejeitam a evolução biológica esgrimindo argumentos bíblicos extraídos de uma
interpretação literal do relato do Génesis.
Os partidários do Desenho Inteligente, por sua parte, alegam que eles sim aceitam a existência do facto evolutivo, o que sucede é que insistem em que certas
estruturas de complexidade irredutível não podem ter aparecido por este procedimento, já que as fases intermédias não trariam vantagens adaptativas. De modo que se existem é graças a que um desenhador que está fora da Natureza
foi o responsável do desenho que se observa nela. Distinguem-se dos criacionistas porque consideram que as suas teses se apoiam em dados da ciência.
Pessoalmente opino que, em sentido estrito, a questão do desenho na Natureza é de índole filosófica e teológica e não propriamente científica.
- No seu entender, em que aspectos se fundam os partidários de que o
evolucionismo negaria a existência de um Criador?
- Em primeiro lugar, em motivos ideológicos pessoais. Se se rejeita a existência
de Deus, qualquer coisa que possa servir de prova resulta um elemento válido
para cumprir o propósito de tentar convencer os demais de que Deus não existe.
Neste sentido, a Ciência brinda uma oportunidade esplêndida, dado que goza de
um grande prestígio social graças à aplicação prática do seu conhecimento através da técnica.
A partir daqui é questão de apresentar perante a sociedade aqueles ramos da
ciência que, manipulando-os pertinentemente, pareçam apontar a ideia
de que Deus não existe, mas agora já não aparece esta como a expressão de
um querer subjectivo, mas sim como um dado oferecido pela melhor forma de
conhecimento objectivo. Naturalmente isto não é assim.
Já temos dado a entender anteriormente que a Ciência não só não é a única for-
ma de conhecimento objectivo que seja válida, é que nem sequer é a melhor,
dado que não existe tal categoria.
O que sucede na realidade é que o ser humano se coloca interrogações e estes
são de diversa índole, de maneira que certo tipo de questões só são abordáveis
pela ciência, enquanto outras somente podem ser contestadas pela filosofia ou
pela teologia, depende.
- O momento no qual supostamente o macaco deixa de sê-lo e da um salto evolutivo
até ser homem foi o enigma que Darwin
chamou "vínculo perdido" e que os cientistas se afanam em encontrar. Fez-se algum
avanço?
- Como já disse anteriormente, sabe-se muitíssimo mais agora que há vinte anos e isto abrenos a esperança de que dentro de vinte saibamos muitíssimo mais que agora. Mas também
temos descoberto que cada nova descoberta,
ao mesmo tempo que traz luz sobre questões que estavam pendentes abre um bom
número de novas interrogações. De facto,
actualmente conhecemos várias espécies de
possíveis candidatos a primeiros membros da
nossa família biológica, a dos hominídeos, mas
não estamos certos de qual foi o primeiro a separar-se do ramo evolutivo que conduziu aos
chimpanzés. Aí temos um novo vínculo perdido.
Tampouco conhecemos qual foi o género de hominídeo que deu lugar aos australopitecos, o que representa um novo vínculo perdido. Nem qual foi o australopiteco que deu lugar aos primeiros humanos, se é que foi de uma espécie de australopiteco da qual apareceu o género humano. O que implica um novo vínculo
perdido.
Igualmente se discute qual foi a primeira espécie humana existente. E assim
muitas outras questões. De modo que já não estamos perante um vínculo
perdido, mas sim perante um bom número deles.
Isto não tem de ser interpretado de forma negativa. Pelo contrário, é o fruto da
melhoria no nosso conhecimento da evolução humana. O que se passa é que em
vez de ter descoberto que a resposta à pergunta de como foi o nosso passado
evolutivo era simples, o que sucedeu é que nos deparámos com o que se trata
de uma história muitíssimo mais complexa do que nós tínhamos imaginado. E de certeza que se encontrarão novos dados que nos convencerão de que
o é inclusive muito mais do que agora se pensa.
- Os evolucionistas insistem em que a sua teoria contradiz a fé cristã.
São incompatíveis a ideia de evolução e de criação?
- Não. Para nada. Isto já o tinha advertido o próprio Darwin. De facto para que
haja evolução tem ter havido antes criação. A criação não implica necessariamente a evolução, mas a evolução sim que supõe uma criação prévia.
Não são dois conceitos antitéticos, mas sim complementares em certo sentido.
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