LAVOURA MAIS QUE DE SUBSISTÊNCIA.
A PRODUÇÃO DE GÊNEROS PARA O MERCADO INTERNO E DE CANA-DEAÇÚCAR EM ITU NAS DÉCADAS DE 1760 À 1790.
Henrique Teramoto de Camargo
orientadora: Dra. Dora Sheilard Corrêa
A cana-de-açúcar, apontada por parte da historiografia para as ultimas décadas do
século XVIII como pilar da economia planaltina paulista, está longe de ter sido a produção
majoritária na vila de Itu nas apontadas décadas de 1760, 1770 e 1780, ao oposto disto sua
produção ocupou por muito tempo lugar de menor expressão, perdendo em termos de área
cultivada e mesmo em atenção despendida pela administração colonial para os gêneros de
circulação interna, os ditos de subsistência.
A produção canavieira ituana até a década de 70 do século XVIII é uma produção
ao qual poucos se dedicam, e que neste momento ainda não é dona do status que esta terá
na ultima década deste século, onde ser senhor de engenho e algo nobre digno de ser
destacado no registro de qualquer colono, onde se enfatiza sua condição, “ocupações
Senhor de Engenho”.1
Para melhor analisarmos está questão relativa ao pequeno numero de grande
sesmeiros que produzem cana, e que inegavelmente possuem uma produção considerável
em relação a vila na sumula de gêneros, convido o leitor a uma analise do gráfico onde
expomos a produção destes colonos responsáveis pela então produção canavieira.
No gráfico abaixo expomos em azul a produção total da vila dos principais gêneros
cultivados expressa em alqueires, e em amarelo a produção desses gêneros desenvolvidos
pelos produtores de cana, mostrando a associação de culturas e a expressividade de
produção destes gêneros frente ao total da vila. A lavoura mais significativa é a do milho,
que como já indicamos, está ligada à alimentação das tropas de muar que atravessavam a
região em direção a São Paulo, Rio de Janeiro e as minas, e à elaboração de farinha,
fundamental na alimentação da população.
1
Registro de Vicente Tacques Góis, citado acima no capitulo A documentação; Senso populacional de itu,
contido no microfilme de titulo, Maços de população Itu 1793 – 1799.
Em gráfico seguinte estabeleceremos a mesma relação quanto ao numero de gado e
de escravos, entre os produtores açucareiros e o total da vila.
Gráfico nº1
Comparação da produção dos produtores de açúcar com a produção
geral da vila.
30000
20000
10000
0
milho
feijão
total da produção
arroz
amendoim
produtores de cana
fonte: ver nota.2
Os produtores de cana-de-açúcar correspondem a apenas 3.49% do total de fogos
em 1773. Estes eram responsáveis nesse ano por 24,23% dos alqueires produzidos de
milho, 32,24% dos alqueires produzidos de feijão, 14,76 dos alqueires produzidos de arroz,
6.09% dos alqueires de amendoim.
Gráfico nº2
Comparação entre a produção pecuária e numero de escravos dos
produtores de açúcar com os números gerais da vila.
5000
4000
total da vila
3000
2000
total dos produtores
de cana
1000
0
gado
escravos
fonte: ver nota.3
2
Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775
Os mesmo produtores eram responsáveis por 23,97 % das cabeças de gado, e
possuíam 22,37% do total de escravos africanos da vila4.
Quanto aos escravos é remarcável o fato de que muitos que possuem escravos não
estão produzindo nesse momento cana-de-açúcar, o que comprova que em Itu, o que
possivelmente pode ser verídico para outras regiões do planalto paulista, a mão de obra
escrava não está invariavelmente ligada à agricultura de exportação.
Desses 3.49% de sesmeiros que plantam cana-de-açúcar somente 16% deles
possuem escravos em quantidade inferior a cinco5.
Mesmo se tratando deste numero reduzido de proprietários que tem algum capital
ou ao menos mão de obra a investir na produção canavieira, é perceptível a estes que apesar
de condições melhores em relação aos demais, para um esforço mais direcionado nesta
produção exportadora, os mesmos não abandonam o cultivo de milho, feijão, amendoim e
arroz ou da criação de gado. Talvez por que as minas e neste momento também o Rio de
Janeiro, ainda oferecerem um consumo rentável destes gêneros.
Estes colonos são os possuidores de uma estabilidade até então sem paralelos na vila
de Itu, quanto ao numero de escravos e terras, estas eram matéria a qual não lhes faltava,
contudo estes estão empregando sua força produtiva na agricultura de gêneros, produções
que a principio não tem relação com a industria canavieira de exportação.
Estes indícios nos levam a crer que estes produtores já eram detentores de um maior
status econômico, mesmo antes do advento da produção açucareira, já que, como
constatamos, há a presença deste degrau entre capitais em período anterior a prosperidade
do mercado exportador. No momento em que a produção de açúcar em Itu nem de longe
sugere a proporções que alcançara nas décadas seguintes, já é claro o grupo composto por
colonos mais abastados.
O fato destes produtores, detentores de recursos consideráveis comparativamente
aos demais agricultores, não se dedicarem maciçamente a uma produção de exportação
fortalece a idéia de que a grande lavoura ou latifúndio ainda não está neste momento em Itu
3
Iden op. Cit.
Iden op. Cit.
5
Esta medida divisória entre os pequenos proprietários com numero de escravos inferior a 5 e de proprietários
mais consideráveis a partir deste numero esta expressa no trabalho A escravidão miúda em São Paulo
colonial; BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Op. Cit.
4
associado à produção exportadora, mais sim a uma produção em maior escala dos mesmos
gêneros que são produzidos pelos proprietários mais humildes. A cana-de-açúcar
representava em alqueires, 0.82% do total da área cultivada pelos proprietários da vila de
Itu.
Outros gêneros associados ao mercado exportador estão presentes na produção
agrícola ituana, como o tabaco e do algodão, porem sua expressão neste momento não
superam em nenhum dos casos a significância da produção canavieira, ao menos no que se
refere a níveis produtivos.
A cultura do tabaco se encontra na Vila de Itu, neste momento, com uma expressão
pequena, ainda muito inferior à culturas como a cana-de-açúcar quanto em relação ao
volume de arrobas produzidos. Cultivado apenas por dois proprietários com um resultado
que não ia além de 15 arrobas anuais na somatória de ambos6. Essa lavoura encontra-se
associada a outras culturas, diferentemente do que acontecia na Bahia, onde havia a
monocultura de tabaco, trabalhada pelo escravo africano e sua produção dirigida para o
tráfico com Angola. Por outro lado, o tabaco, enquanto gênero de exportação, encontrava
os mesmos empecilhos à sua expansão no planalto paulistano que o açúcar. Os caminhos
que ligavam essa região ao porto de Santos ainda eram muito precários.
O caso do algodão já merece maiores ressalvas, e um comentário mais cuidadoso
sobre sua trajetória nestas décadas que cabe nossa analise. Segundo o censo de 1773,
produziu-se em Itu cerca de 450 arrobas de algodão neste ano, levando-se em consideração
que se trata da produção de uma vila esta é uma produção que não se pode ignorar. O
primeiro registro de exportação do algodão brasileiro se refere ao que parece ao ano de
1760. Provindo do Maranhão neste ano remete-se ao exterior 651 arrobas de algodão7. Itu
na década de 70 do mesmo século tem uma produção que supera em dois terços desta
quantia exportada pela capitania maranhense na década anterior. No entanto a cultura do
algodão na vila de Itu, apesar de cultivada por um numero ainda restrito de pessoas, cerca
de 85 colonos num total de 630 colonos, 60 a mais que o numero de colonos produtores de
6
Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora Brasiliense. 23ªed. 2004.
p. 149
7
açúcar, a cultura algodoeira aparenta em relação ao açúcar ser uma cultura menos elitizada
e mais difundida.
Os produtores de algodão, representando pouco menos de 14% dos fogos da vila,
têm um numero pouco mais de três vezes maior que os produtores de cana. Estes como no
caso do açúcar se dedicam também a produção de outros gêneros, e ao contrario do que
acontece na cultura açucareira destes apenas doze deles possuem mais de cinco escravos,
um percentual de 14.11%, cerca da metade do numero de produtores que se dedicam a
cultura da cana.
Outro fator que pode ser contado como incentivo ao cultivo do algodão e até mesmo
como explicação para sua maior difusão entre os proprietários com menor numero de
escravos, (em media 2.4 escravos por produtor, muito menor que os quase 18 da media dos
produtores de cana) é a pouca complexidade de seu beneficiamento, que não se estende a
nada mais que o processo manual de desencaroçar e enfardar o próprio. Cabe lembrar que,
como apontou Roberto Simonsen8, o algodão tecido servia de moeda do Brasil colônia,
dada o pequeno montante de moedas em circulação, mesmo durante o século XVIII.
A cultura do algodão foi uma produção de relativa importância para a vila de Itu
durante a década de 70 do século XVIII, no entanto, esta por algum motivo não tendera a
crescer, talvez não encontrando espaço entre a efetiva monocultura do açúcar que se
instalara nas décadas seguintes, ou pelo próprio recuo do mercado internacional para o
produto de origem brasileira com a retomada da produção norte americana.
Em suma a produção algodoeira será uma produção que terá sua relevância para a
vila de Itu no entanto será uma produção que não se expandira o que fará com que este que
já foi significativa para a vila se torna-se irrelevante nas décadas posteriores em meio ao
boom desenfreado do açúcar, fazendo com que esta se mostre no final do século XVIII com
uma cultura pouco maior que de duas décadas e meia atrás com 500 arrobas, apenas 50
arrobas a mais que em 1773, sendo que estão indicadas no autos como de consumo total da
própria vila.
8
SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil. (1500/1820). São Paulo: Cia. Editora Nacional, 8ª ed
1978.
Retornando aos gêneros produzidos por esta camada de maiores proprietários, ao
qual a cultura do algodão não terá muitos representantes, notamos que alem do açúcar
pouco ou nada se difere em relação à produção dos proprietários de posses mais minguas.
Para divagarmos sobre questões que são pouco visíveis a simples argumentação
textual vamos expor alguns exemplos concretos de números que ilustrem nossa afirmação.
Abaixo veremos um quadro relativo a porcentagem destes colonos que se dedicam a cada
produção, e sua porcentagem para com o total da vila.
Quadro nº7
A PRODUÇÃO DOS PRODUTORES COM MAIS DE 5 ESCRAVOS: SUAS LAVOURAS E
REPRESENTATIVIDADE FRENTE A PRODUÇÃO TOTAL DA VILA DE ITU
Gêneros
porcentagem dos
porcentagem da produção
que produzem
em relação à total da vila
Milho .............................
75% ................................
48.26%
Arroz..............................
30.95%
...............................
37.60%
Feijão.............................
85%
..............................
52.50%
Amendoim......................
17.85%
..............................
43.36%
Cana..............................
26.19%
..............................
85.91%
Ovelhas .........................
3.57%
..............................
60.89%
Gado .............................
50%
...............................
65.2%
Porco..............................
21.42%
..............................
49.77%
Algodão..........................
13%
..............................
26.41%
Cavalo............................
14.28%
...............................
53.78%
Fonte: ver nota.9
Na primeira coluna do quadro que expomos os gêneros pelos quais perpassam a
produção destes proprietários com mais de cinco escravos. Na segunda coluna estão
expressos a porcentagem destes que se dedicam a cada um dos gêneros apresentados na
9
Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
primeira coluna. A terceira coluna, esta corresponde, a porcentagem de produção deste
grupo de maiores proprietários, para com o total produtivo da vila, englobando todo os
donos de fogos.
Desenvolver esta relação da produção destes proprietários com o total que estas
produções representam para a vila de Itu é um meio de ter uma maior transparência quanto
o que significa a cultura de gêneros para os colonos, mesmo os com melhores condições.
Lembrando que este grupo é um grupo selecionado em função da quantidade de
escravos possuídos, portanto são os que maior condições tem de produzirem. Porém ao
relacionarmos suas produções com as da vila em geral podemos perceber que as culturas
mais comuns a esses proprietários, são as mesmas culturas de gêneros cultivados pelos
menos abastados.
Como nos casos explícitos do milho e do feijão ao qual se dedicam respectivamente
75 e 85% destes maiores produtores, e que estes atingem nestes gêneros uma produção que
expressa na ordem 48.26 e 52.5% da produção da vila10. O numero destes proprietários
dedicados a estes gêneros são os maiores porem em relação a produção da vila estes são
menos expressivos relativo aos casos das produções de cana, cavalos ou ovelhas, onde com
um numero de proprietários de maior posse dedicados bem menor que os do feijão e do
milho, se consegue uma proporção produtiva em relação a da vila muito mais elevada.
Vale apenas ressalvar que a cana, considerada por uma parte da historiografia, o
gênero que vai tirar a capitania de São Paulo da condição de subsistência é cultivada por
apenas 26,19% destes proprietários com mais de cinco escravos.
Fica estampado nestes números, que neste momento introdutivo da vila de Itu na
produção açucareira de exportação, início da década de 1770, as culturas de gêneros como
feijão, milho, arroz, são muito mais atrativas que os produtos de exportação, tanto para os
colonos mais pobres como para a própria elite agrária local, que mesmo tendo melhores
condições para investir nesta produção exportadora se mantém fiel a produção destes
gêneros ditos de subsistência, dedicando ao açúcar papel que generosamente chamaremos
de coadjuvante.
10
Ibiden op.cit.
O gráfico abaixo ilustra o que estamos apontando ao longo de todo este relatório,
que a produção de gêneros para o mercado interno é o que marca a paisagem agrária de Itú
nas décadas de 1760 e 1770.
Gráfico nº3
Porcentagem dos produtores de milho, feijão arroz e gado em Itú 1773 .
80,00%
70,00%
milho
feijão
arroz
açucar
algodão
gado
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
fonte: ver nota.11
A porcentagem exposta à esquerda do quadro diz respeito ao numero de
produtores de Itu empenhados em cada cultura, esta sem nenhuma distinção de grupo como
ocorrido nos quadros anteriores, onde selecionamos um grupo com maior numero de
escravos, por exemplo, milho mais de 70% do total dos produtores. Neste ano o numero de
fogos em Itu é de 630, porem o numero destes dedicados a produção agrícola é de 501.12
Sendo que mesmo havendo casos de produções expressivas tanto pelo volume
destas como pela quantidade de escravos que estas empregam, os gêneros aos quais dão
preferência estes agricultores pouco diferem em relação ao tamanho das suas propriedades
encontrando tanto nos pequenos como nos maiores produtores, gêneros que são comuns a
todos.
11
12
Iden op. Cit.
Iden op. Cit.
Pode-se perceber esta relação ao analisarmos o quadro de numero 10 exposto
anteriormente, onde com apenas 26.19% destes produtores com mais de cinco escravos
dedicados a cultura da cana pode-se produzir cerca de 85.91% da produção da vila. Deste
modo procuramos demonstrar a hipótese de que no interesse da vila, a produção de gêneros
ituana ocupa lugar comum entre os colonos, ao viés da produção de exportação que se
mantem em um nível mais restrito, apesar de como veremos a frente não isolado, onde
apenas os melhores posicionados ousam adentrar, ainda que cautelosamente sem abandonar
o cultivo de generos.
Tentemos agora reforçar com alguns dados a idéia de que a pequena produção
açucareira que em Itu neste momento fortemente embasada não era exclusividade ou
prioridade total apenas do mais ricos como se pensa, apesar desta cultura ser em maior
parte um empreendimento destes.
Dos produtores de açúcar 16% deles possui um numero de escravos inferior a cinco,
numero considera por Carlos de Almeida Prado Bacellar como caracterizante de pequeno
produtor. Contudo, quando observamos a média de escravos por produtor, chegamos a por
volta de 17 escravos por fogo, demonstrando que havia uma concentração de escravos em
algumas sesmarias. Porem, em contraponto a esta media, observamos que entre os
sesmeiros melhor posicionados (possuidores de mais de 5 escravos), 9,5% deles que
contam com o auxílio de 17 escravos ou mais, não cultivam a cana. Esses números são
válidos, mesmo descontando os casos excepcionais, como a ordem religiosa da Nossa
Senhora do Carmo que com três fazendas e 119 escravos, e que não produzia um só torrão
de açúcar.13
Partindo de considerações feitas por Thereza Petrone sobre a transformação de
arrobas produzidas em área ocupada (80 arrobas por quartel), chegamos que as
aproximadas 5600 arrobas de açúcar produzidas em Itu no ano de 1773, ocupavam cerca de
71 alqueires de área ativa. Levando-se em consideração a proporção de três quartos de
rotatividade que a autora estipula como a área de descanso, pode-se calcular que a área
ocupada em Itu pela lavoura da canavieira em inícios da década de 1770, não ia muito além
13
Quanto ao parâmetro relativo a medida de consideração de maior proprietário ver; BACELLAR, Carlos de
Almeida Prado. Escravidão miúda em São Paulo colonial. Op. cit; quanto aos dados ver; Maços de população
Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
dos 284 alqueires. Área, que como citamos acima, representa menos de 1% das terras
cultivadas, um espaço quase três vezes menor que o destinado ao cultivo do amendoim14.
Fica claro que o cultivo da cana não era prioridade maior a estes produtores, que
mesmo tendo condições para um direcionamento mais agudo a esta produção não o fazem.
Pode-se mencionar o caso de Antonio Ferraz Arruda, possuindo o maior numero de
escravos depois das ordens religiosas de Itu neste momento, possuidor de 78 escravos. Um
número próximo aos 80 escravos que Koster e Vilhena viram nas grandes propriedades de
Pernambuco e da Bahia, os grandes centros açucareiros da colônia de até então15.
Mesmo com estes recursos este colono cultiva uma plantação de cana que produz
apenas 900 arrobas de açúcar, algo que para a própria Itu na virada do século XVIII será
uma produção de pouca expressão. Mas neste momento é quase o dobro do segundo maior
produtor, o colono Manoel Dias Pais que produzira segundo os autos 500 arrobas de açúcar
anuais.
A produção do colono Antonio Ferraz representa algo alem do normal da vila, e
pode se dizer que considerando a força empregada, esta em comparação com a vila, um dos
que mais despendem esforços no plantio da cana. Ele produzia mais de 16% da produção de
açúcar da vila16. Com base nestes dados e nas observações de Saint Hilaire que visitou o
Brasil entre 1819 e 1820 e que calculava em 80 e 100 arrobas a produção por escravo no
nordeste e para o centro sul respectivamente17, estamos levados a crer que o maior produtor
açucareiro de Itu neste ano de 1773, o que aparentemente mais emprega escravos nesta
cultura, não necessitava de mais de nove ou dez escravos para a manutenção dessa lavoura.
Conseqüentemente, tinha mais de 5/6 de seus escravos para o cultivo dos gêneros de maior
circulação interna o milho, o feijão, o amendoim e o arroz.
Deste modo, reside no registro deste colono mais um indicativo de que a cana por
enquanto, no início da década de 1770, ainda não era prioridade, e de que esta não foi uma
cultura que brotou de suas próprias raízes, assim como os capins brotam nos campos, sem
nenhum fomento transcendente.
14
Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
Apud; recopilação, 183. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora
Brasiliense. 23ªed. 2004. p. 147
16
Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
17
apud. PETRONE, Maria Theresa Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo. São Paulo: Diefel, 1968. p.
76.
15
A maior atenção e empenho despendido com essas culturas de circulação interna,
tendem a indicar que estas eram, nesse momento, ainda mais rentáveis que a produção
açucareira. Talvez o fato resida na questão do transporte desta, muito mais penoso e cheio
de exigências que dos gêneros normais.
Como vimos anteriormente a produção de gêneros tem a seu favor um escoamento
fácil, com mercados situados por todo o redor, passivos de serem abastecidos por todos os
tipos de produtores, sem distinção de porte. Já no do açúcar este transporte a de se mostrar
um tanto mais penoso.
Caso a visão do leitor esta argumentação ainda não se apresente convincente, já que
este colono mesmo tendo este excedente segundo as proporções de Saint Hilare e Mauricio
Goulart, varias vezes maior do numero de escravos necessários para uma produção
açucareira deste porte, ainda se encontra a hipótese destes sobressalentes de mão de obra a
cultura da cana e diretamente direcionados a outros gêneros serem escravos menos
capacitados, pela idade ou sexo para o trabalho mais árduo da lavoura de exportação, por
isto finalizaremos este capitulo com uma pequena delonga neste caso.
Dos 78 escravos descritos nos autos como pertencentes ao proprietário Antonio
Ferraz Arruda, 48 deles são homens, e destes 34 estão em idade considerada produtiva entre
os 15 a 64 anos18. O que quero deixar claro é que a produção do açúcar não lhe retém maior
atenção ou cuidado, se não menor que as demais culturas, sendo que mesmo que se
utilizasse para a cultura da cana apenas seus escravos do sexo masculino, de idade
considerada de maior produtividade, estes não corresponderiam a nem a um terço do grupo
total de escravos.
A produção exportadora do planalto paulista, que tem obviamente como seu destino
o porto de Santos, necessita impreterivelmente para chegar a seu destino o percorrer de um
percurso por demais penoso e custoso tanto para os proprietários de pequeno porte. No
entanto, mesmo os proprietários mais abastados e em condições de custear este transporte
via serra do mar, ainda têm que enfrentar a umidade e uma variada gama de obstáculos, ou
seja a falta de estradas apropriadas. A descida da serra era feita por trilhas próprias para
serem cruzadas em fila indiana.
18
quanto a idade estipulada como produtiva ver, MARCILIO, M.L.; População e força de trabalho em uma
economia agrária em mudanças. A província de São Paulo no final da época colônia. São Paulo: Revista de
Historia nº 114, p. 26.; quanto aos dados do colono; Maços de população Itu / Araritaguaba 1766 a 1775.
Sendo assim a existência da lavoura canavieira em Itu neste quartel de século,
(1765-1775) como tentamos demonstrar, é muito mais um indicativo de uma prospera
propriedade do que alicerce da mesma, que apóia a maior parte de seus recursos em outras
atividades, e gêneros de giro mais rápido e mais fácil que o açúcar, devido a variedade e
proximidade de seu centro consumidor e às condições de trânsito. Parafraseando Neruda até
então o comercio paulista “navegava por terra”.19
O lucro proporcionado pelo açúcar sobre os gêneros, parece ainda não representar um
estímulo suficiente para compensar a substituição das vias internas de comunicação,
transitadas por tropas de muar, pela trilha que de São Paulo levava à marinha cruzada por
carregadores índios ou mamelucos.
19
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi. São Paulo: Diefel, 17ªed. 1981. Trad. Olga Savary. p.137
Download

LAVOURA MAIS QUE DE SUBSISTÊNCIA. A PRODUÇÃO