1924, Augusto Martins Pereira / 2000, redesenho Francisco Providência
O QUE É UM
Alba e Vinci constituem dois
casos paradigmáticos do
desenho português de
automóveis desportivos,
distanciados entre si cerca de
cinquenta anos.
DESIGN
PORTUGUÊS?
Francisco Providência texto
A. Martins Pereira fotografias e desenhos antigos
DESIGN
As coisas que me
motivaram na vida
(foram) a dimensão do
sonho, do que sonhamos
ser, de como os sonhos
se transformam em
realidade.
Hanna Schygulla sobre
Rainer Fassbinder,
em entrevista a
106 107 ARQUITECTURA E VIDA
João Antunes, JN
Porsch Spyder 550, 1953
As corridas de automóveis do Grande
Prémio Histórico do Porto “Circuito da
Boavista”, réplica do antigo prémio
Cidade do Porto que nos anos
cinquenta reuniu um genuíno e
criativo conjunto de pilotos e
protótipos portugueses, tiveram lugar
no passado mês de Julho, ocasião em
que foi apresentado ao público pela
Retroconcept, concepção e
engenharia, lda, o protótipo Vinci GT,
um desportivo concebido, desenhado
e prototipado no CEIIA (Centro para a
Excelência e Inovação na Indústria
Automóvel) da Maia. Desenhado por
Afonso Cameira, um jovem designer
formado pela Esad, o Vinci apresenta
linhas de evocação clássica,
recebendo um poderoso motor
americano V8 que, infelizmente,
ninguém conseguiu ver a funcionar na
tracção do desportivo.
Há cerca de 50 anos (1953), na mesma pista do Porto, Martins
Pereira (António Augusto Lemos Martins Pereira), testava o seu protótipo Alba com motor Fiat transformado,
concorrendo com outros bólides desenvolvidos no país.
O DM de Dionísio Mateus do Porto (1951), o FAT de
Fernando Palhinhas, o MORLEI de Mário Moreira Leite do
Porto, o ETNERAP de António Augusto Parente de Lisboa,
o OLDA de Joaquim Oliveira de Águeda, eram alguns dos
protótipos desenhados ou transformados por empresários, engenheiros e mecânicos nacionais, que se disputavam nas corridas do Porto.
Martins Pereira, vendo o seu ALBA ultrapassado pela
velocidade dos Porsche’s, sonda a Maserati em 1954 para
a compra de um motor preparado, mas esbarra num
orçamento mais de vinte vezes superior ao seu ordenado mensal (84 contos); foi por essa razão que o ALBA, de
que se construíram quatro exemplares, ainda hoje é o único
protótipo português totalmente concebido e construído com
motorização própria.
O modelo ALBA de 1953, construído em alumínio, apresenta linhas que lembram os primeiros ensaios do Porsch
Spyder, produzido em 1953 em Zuffenhausen e exposto
em Outubro de 1953 no Salão de Paris.
Foi num Porsche Spyder 550 (com apenas de 550 kg de
peso), lançado comercialmente em 1955, que James Dean
morreu num acidente de ocorrido em Setembro do mesmo
ano. Encontramos também semelhanças entre as linhas
gerais do Alba e as de um Ferrari, Jaguar ou Triumph da
mesma época.
No entanto a sua forma é diferente, deixando descer o volume dos pára-lamas até ao limite inferior da frente, abrindo a grelha frontal numa boca elíptica, rematando a traseira com suavidade descendente. O desenho do Alba
dirigido por Martins Pereira, faz toda a diferença.
António Augusto Martins Pereira, nascido nos anos vinte,
é neto de Augusto Martins Pereira fundador da Fundição
Alba, montada em Albergaria em 1921, depois de um
longo percurso profissional como mineiro, fundidor e
operário com formação teórica e prática recebida em
Boston. António Augusto assumirá a direcção da empresa durante cerca de quarenta anos (1961- 2001) substituindo-se ao pai precocemente desaparecido.
É na Fundição Alba (hoje propriedade da Metafalb grupo
Durit), onde trabalha nos anos cinquenta ainda como
assalariado, que encontrará a equipa técnica, capaz de realizar o projecto de um novo carro de corridas, capaz de
conquistar, pilotado por Corte Real Pereira em 1953, a taça
do 2º lugar no circuito da cidade do Porto — o seu amigo
Corte Real pilotava o ALBA em provas de velocidade, deixando a Martins Pereira a condução em rallyes.
O QUE É UM DESIGN PORTUGUÊS?
Nas suas palavras, a carroçaria do ALBA foi desenhada
sob sua orientação pelo desenhador José Marques e construída directamente em chapa de alumínio batida, a partir de maqueta em madeira à escala 1:10, e desenhos técnicos (planta, alçado e corte), revestindo chassis tubular
e a suspensão transformada de um Fiat 110.
1. Arlindo, o “Espanhol”,
encarregado dos fornos;
2
1
2. António Augusto Lemos
3
4
5
7
6
9
8
Martins Pereira;
3. Miranda, electricista;
4. Moura, desenhador do motor;
5. Arnaldino, encarregado geral
O novo motor que daria propulsão ao ALBA, também foi
desenhado sob sua orientação, modelado em madeira e
fundido na Fundição Alba. Com 1500 cc, 4 cilindros, com
2 válvulas e 2 velas por cilindro, 2 árvores de cames à cabeça (camshaftes), 2 distribuidores Bosch, 2 carburadores
Solex e caixa de 4 velocidades com marcha à ré, o motor
dotaria de exemplar autonomia, o veículo de dois lugares,
com jantes raiadas e matrícula OT-10-54 que ainda circula na via pública, hoje entregue à conservação do Museu
do Caramulo onde poderá ser visitado.
da fundição;
6. Decort, torneiro;
7. Alberto Bareiro, serralheiro;
8. Corte Real Pereira, mecânico e
piloto;
9. Ernesto “Pisco”, carpinteiro de
moldes.
Não estão presentes nesta
fotografia José Marques, o
desenhador da carroçaria e
Ângelo de Oliveira e Costa o
mecânico mágico do Porto, que
Ao solicitar ao Senhor António Augusto Martins Pereira
mais elementos fotográficos sobre o ALBA, facultou-me
sob condição do maior cuidado, o documento que aqui se
reproduz: um precioso conjunto de pequenas fotografias
que o acompanham na carteira, e que são o último testemunho de um acontecimento que o tempo teima em
esquecer — a extraordinária invenção e construção de um
automóvel desportivo, com baixos recursos técnicos e
científicos, mas com todo o empenho de uma reduzida equipa de 11 técnicos, cuja importância aqui se testemunha,
muito longe, portanto, do novo Vinci recentemente publicado e construído por uma sofisticada equipa de engenharia e design com 15 mil horas de orçamento.
afinava infalivelmente o ALBA
para as provas.
Lembramos que a Fundição Alba
foi uma das empresas que mais
contribuiu para um desenho
português de equipamentos
colectivos e privados,
desenhando, produzindo e
vendendo desde suportes de
iluminação pública, bancos e
fontes de jardim até fogões de
Vinci GT, 2007
sala ou trens de cozinha.
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DESIGN
Os modelos desportivos Vinci GT e Sport, resultam de
um projecto inteiramente desenvolvido em Portugal pelo
Auto Museu da Maia, em parceria com o CEIIA, Centro para
a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel, instalado no Parque de Ciência e Tecnologia da Maia, apostando num desenho retro concept inspirado nos míticos
automóveis desportivos dos anos 60 e 70, que associam
as linhas harmoniosas à mais avançada tecnologia de
automóveis.
Fruto de um investimento inicial de 3 milhões de euros,
a sua concepção contou ainda com o apoio de várias
empresas portuguesas do sector. O projecto económico
do Vinci, envolve um investimento de 15 milhões de euros,
integrando a construção de uma unidade fabril.
Dirigido a um segmento altíssimo, comprador de edições limitadas e de construção artesanal personalizada
de desportivos, prevê-se que possa ser exportado sobretudo para a Europa. Com um motor V8 dianteiro (Corvette),
o Vinci GT tem uma cilindrada de 6.000 cc com 480 cv às
6.000 r/m, podendo atingir uma velocidade superior a
318 km/h, e um preço estimado de 300 mil euros, prevendo-se uma produção de cerca de 100 unidades/ano.
Apesar da severidade com que o Vinci tem sido julgado
nos fóruns da blogosfera, sobre uma suposta traição do
desenho à genuinidade nacional, será bem pensar-se no
pouco significado que tem o estilo nacional no desenho
de automóveis. Os exemplos que constatamos de pedigree
automóvel, reportam-se mais à tradição dos fabricantes
do que dos países de origem; foram essas marcas que fizeram os estilos nacionais e não o contrário.
No nosso caso o micro Sado 550 (motor Daihatsu) e o todo
terreno UMM (motor Peugeot) lançados nos anos oitenta, não constituem amostra coerente.
Porventura não fará parte dos desígnios do Vinci encontrar uma forma própria, mas a resposta a uma apetência genérica do mercado. Em matéria de desenho é preciso produzir muitos detritos até chegar a alguma coisa
de útil. Esta é a principal ocupação do design: escavar toneladas para encontrar, de vez enquanto, uma pedra que mereça ser lapidada. Não é de um dia para o outro que se inventa um código genético de raiz, mas pela selecção ponderada de cruzamentos e novos híbridos.
O estilo, diz-nos Hanna Schygulla (a propósito de Fassbinder
em entrevista ao JN), faz-se, transformando aquilo que
nos falta, numa nova força.
Faltou talvez à equipa da CEIIA mais investigação, geradora de mais dúvidas, para que a resposta do Vinci fosse
mais consistente. Não basta estagiar na Pininfarina (Turim)
ou dominar os instrumentos de representação; é preciso perguntar melhor, antes de responder: saber perguntar é muito mais difícil do que saber responder, por mais
que a cultura portuguesa nos empurre no sentido contrário, avisa-nos o cientista Manuel Sobrinho Simões.
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