O LYRIC
MARIA EUGÉNIA
A MENINA
DA RÁDIO
Rute Silva Correia
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ÍNDICE
Prefácio, por Júlio Isidro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Introdução: A Minha História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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PARTE I
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ANOS
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Primeiras impressões... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Lisboa divertia-se ali . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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40
Lisboa em tempo de guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Cinéfilos de bairro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quis o acaso... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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PARTE II
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O Lyric
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ANOS
40
.....................................................
Nascera uma estrela
Os dias da rádio
...........................................
.................................................
Maria Antonieta:
a menina da Emissora Nacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
António . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Hóspedes em Madrid
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76
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84
86
Uma «ingénua» cubana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Cuando los Ángeles Duermen,
com Amedeo Nazzari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
99
Tentação de Amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O Leão da Estrela: regresso e fim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
105
112
120
PARTE III
135
.....................................................
..............................
135
................................................................
143
Sonho de amor: o casamento
ANOS
50
Toninho
ANOS
60
Lezíria e Estoril . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Fernando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A última proposta de Arthur Duarte
e as glórias póstumas de uma carreira fulgurante . . .
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Cronologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Filmografia de Maria Eugénia Branco . . . . . . . . . . . . . . . . .
Filmografia de Arthur Duarte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Iconografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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PARTE I
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O LYRIC
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Maria Eugénia – A Menina da Rádio
Em memória de Maria Antonieta Rodrigues Branco
(1929-2010)
PREFÁCIO
MEMÓRIAS DA TELEFONIA
Acabei de ler a história da Maria Eugénia, a menina da
rádio de todos nós. Efeito imediato: a onda bateu na válvula da memória, as recordações levantaram fervura
e brotam agora como um rio de vida vivida.
Não estava lá, mas foi como se estivesse, porque o que
aqui se conta, acrescido das inúmeras vezes que vi os filmes dos anos 30 e 40 do cinema português, faz de mim
contemporâneo de um tempo que não vivi.
É o Portugal dos anos 40 em retratos cor-de-rosa
e que, temperados pela saudade, fazem tanta gente dizer
«No meu tempo é que era bom».
Pelas linhas desta história passam referências que ouvi
das minhas avós e dos meus pais e que, num exercício
indisciplinado, partilho convosco.
A guerra andava por aí, mas nós não andávamos lá.
Oficialmente…
A fava-rica era apregoada nas ruas e nas escadas de serviço dos prédios das Avenidas Novas. Mas também os
carapaus de gato que eram mesmo para os gatos, os tais
colares de pinhões, guloseima para os meninos da classe
média, comprados nas casas de frutos, e o leite transportado em vasilhas e servido pela leiteira porta a porta,
o que seria hoje um crime altamente punido pela ASAE.
Havia racionamento, falava-se português com pronúncia
alemã, polaca ou russa, mas eu ainda não dava por nada
porque sou um baby boomer.
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A MENINA DA RÁDIO
Falava-se dessas coisas nos serões à volta da telefonia, em
que os noticiários da uma e das oito eram acompanhados
em silêncio de igreja porque o senhor da casa gostava de
andar informado pelo menos da verdade oficial.
A telefonia era um móvel de design art déco que demorava trinta segundos a aquecer antes de podermos ouvir
na Emissora Nacional os relatos de hóquei em patins no
tempo em que a gente ganhava sempre.
E o sucesso que fazia o genial maestro menino-prodígio
Pierino Gamba, a quem a vizinha de cima, melómana
profissional, tinha beijado as mãos no final de um concerto, creio que no São Carlos?
Mas também nos divertíamos a ouvir os programas Serão para
Trabalhadores e Companheiros da Alegria em que cantavam
muitos artistas, as irmãs Remartinez, as Meireles, o Tomé de
Barros Queirós e a mais bonita de todas, a menina da rádio.
Num tempo em que as meninas prendadas tocavam piano e falavam francês, havia música ao vivo dentro das
casas da burguesia nacional. Por isso me lembro do meu
pai ao piano a tocar o seu Sonho de amor e as senhoras a
entoar as palavras que enterneceram o país.
Compravam-se revistas, que já eram do coração mas ainda não tinham a designação de sociais. Imagino em cima
da mesinha da sala O Século Ilustrado e Modas e Bordados
com a Maria Eugénia, linda, na capa.
– Sabes que ela vai filmar para Espanha?
– Está lançada. Aquilo é que foi uma carreira vertiginosa…
– E olha que é mesmo por ser bonita e ter talento! –
as avós, em conversa de chá das cinco.
Sabia-se também que a Maria Eugénia ia cantar nos casinos das Caldas da Rainha, de Monte Gordo e da Figueira
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MEMÓRIAS DA TELEFONIA
da Foz. Os meus pais lá estavam, a assistir aos espectáculos, hoje denominados concertos, no Salão Nobre com
grande orquestra, onde a menina de branco vestida cantava temas de Cruz e Sousa, o Danúbio Azul e, claro, as
canções dos filmes.
Que ternura a eleição dos olhos mais bonitos e do sorriso
mais bonito por votação do público. Até se votava… sem
sondagens e decerto com resultados fiáveis.
A Maria Eugénia nunca poderia concorrer sob pena de
a vitória lhe ser sempre atribuída.
Que sucesso teria hoje um tal concurso quando os atributos mais em destaque se adquirem agora com implantes?
Nesses dias dos anos 40, se havia racionamento no café,
no açúcar ou no pão, não faltavam teatros com peças de
diversos repertórios e as revistas de onde tantos actores
foram recrutados para o cinema.
Os cinemas que a Maria Eugénia frequentava para assistir
aos filmes e ir para casa sonhar como seria bom um dia
estar do outro lado do ecrã.
Enchiam-se de público, tinham promoções com descontos
para certas sessões e paquetes fardados a vender chocolates
nos intervalos. Ainda ninguém ficava em casa para ver na
televisão os filmes portugueses do futuro passado porque a
história não se antecipa. Havia os de estreia como o Eden,
o Tivoli e o Palácio ali ao Arco do Cego, onde os meus pais
iam às estreias todas as quintas-feiras.
Consta que eram as noites em que o bebé fazia na cama,
talvez por falta do calor materno ao adormecer…
Em frente, ficava a estação dos eléctricos e ao lado, a Escola Lusitânia Feminina, que nos anos 60 muitos jovens do
Liceu Camões frequentavam só para ver as meninas sair.
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A MENINA DA RÁDIO
As manas Maria Eugénia e Maria Antonieta já tinham saído há muito tempo, mas isto anda tudo ligado…
As meninas daquele tempo sonhavam ser estrelas da
Sétima Arte e imitavam à frente do espelho as poses de
Greta Garbo, Marlene Dietrich, Joan Crawford ou Mirna
Loy, esta a ser abraçada por Clark Gable, ou Ginger Rogers
a rodopiar em saltos muito altos com Fred Astaire.
– Ai se um dia me acontecesse ser convidada para fazer
um filme… – sonhavam.
Aconteceu à Maria Eugénia, uma foto, provas ou testes,
que hoje se designam em português… castings, e assim
começou uma aventura que teve tanto de intensa como
de breve.
Muitos anos antes de Ídolos e Operações Triunfo, programas de televisão portugueses de importação, já Portugal
tinha talento, só que as escolhas não eram feitas à custa
de exploração mediática dos sonhos e anseios de jovens
«à rasca».
Um dia surgiu no jornal a notícia «Os portugueses podem
passar a dormir tranquilos – já há menina da rádio». Era
a Maria Eugénia, contrariando todas as previsões dos
mentideros nacionais.
Aliás, naquele tempo dizia-se que os portugueses dormiam calmos, protegidos pelos bigodes façanhudos e respectivos chanfalhos dos guardas-nocturnos que inspiravam cenas de humor nas revistas e filmes da época.
Feita à medida da paz interna que se pretendia, a chamada idade de ouro do cinema português viveu de actores
cheios de talento, técnicos muito dedicados, orçamentos
baixos e uma grande vontade de mostrar o português
típico ao português-tipo.
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MEMÓRIAS DA TELEFONIA
Talvez por isso, porque o tipo-típico, chamem-lhe tuga ou
outra coisa qualquer, ainda é mais ou menos o mesmo, estes
filmes de época parecem prontos a ganhar a eternidade.
Porque nada se cria, nada se perde, tudo se transforma,
as vedetas dos anos 40 também faziam campanhas publicitárias que tiravam partido da sua notoriedade, como
era o caso da Maria Eugénia que aparecia em anúncios da
Casa Leitão ou na capa da Modas e Bordados.
São exactamente esses que hoje se emprestam às starlettes
do nosso meio para exibição nas galas e fotos de passadeira vermelha, com o compromisso de não colocarem
nódoas de croquetes durante o cocktail consequente.
Agora as verbas são outras, recebe-se para estar em sítios
sem falar, só para estar, combinam-se «encontros fortuitos» com a imprensa e anuncia-se a próxima plástica em
troca do bisturi à borla.
A Maria Eugénia nunca actuou no Parque Mayer talvez
porque, como se adivinha na sua história, a austeridade
paterna não contemplava incursões no meio revisteiro.
Teve, no entanto, a sorte de contracenar com muitos dos
actores de revista nos poucos filmes que fez.
Como eram fora de cena o António Silva, a Milú, o Curado Ribeiro, a Maria Matos, o Ribeirinho e tantos outros?
Os momentos de convívio que tiveram acompanhados
com sandes feitas pela mãe devem ter acrescentado anos
de memórias à carreira da menina da rádio que aos 16
anos se via projectada para o estrelato.
A este propósito, sente-se nesta história que, embora tendo levado a sério a sua profissão, nunca se deixou levar
e enlevar pelo estatuto de vedeta.
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A MENINA DA RÁDIO
O resultado foi que para um tão grande amor tão curta foi
a sua vida artística.
E aqui se cruzam de novo os nossos caminhos, embora
desfasados de mais de duas décadas.
O Liceu Camões, agora centenário, onde o meu pai andou
e eu também, foi o despertar de uma história de amor que
condicionou e moldou a vida da actriz e cantora.
Estou a vê-la no palco do ginásio, transformado aos sábados em sala de espectáculos para a alegria dos trabalhadores, apresentada pelo Artur Agostinho, que um dia viria
a ser motorista em O Leão da Estrela.
Estamos a ouvi-la anunciar que vai partir para Espanha,
onde rodou filmes ao lado de grandes actores do país
aqui ao lado e também de Itália.
Os jornais dão conta do sucesso de filmes como El Huésped
del Cuarto 13, Héroes del 95, Cuando los Ángeles Duermen ou
Conflicto Inesperado.
Passados tantos anos, ficamos também a conhecer neste livro
as sinopses dessas películas, hoje espólio da cinemateca.
Quando as portas se abriram para a Cinecità, a Maria
Eugénia disse não e só pode dizer-se que «por amor se
perdeu» apenas a actriz.
A mulher, a esposa, a mãe foram as opções da menina da
rádio que partiu de lua-de-mel num De Soto. Detenho-me
nesta marca de um «espada» americano porque lá em casa
havia um Oldsmobile e mais tarde um Nash, tudo marcas
que só podem ser vistas em desfiles de carros antigos.
Era o sonho americano do pós-guerra que outras guerras
tornaram pesadelos.
O casamento da menina da rádio com o senhor doutor
que nada tinha que ver com o de A Canção de Lisboa foi
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MEMÓRIAS DA TELEFONIA
notícia em Ecos da Sociedade, muito embora, ao contrário
dos dias de hoje em que as bodas têm patrocinadores,
o copo-d’água tenha decorrido no recato dos familiares
e amigos mais próximos.
Neste jogo de encontros, recordo com ternura a notícia,
também em coluna social, do casamento da minha avó
com o título «Auspicioso enlace». Ela que também «só» foi
esposa, mãe e avó e nunca disse que não a Vittorio de Sica.
Em Junho de 45 estreava no São Luiz A Menina da Rádio.
Sala cheia de gente do meio artístico e jornalístico. Os aplausos, no final, foram confirmados pelas críticas publicadas.
Tinha começado uma carreira de menos de quatro anos,
de uma menina que ganhou um título invejável: ser menina para sempre!
O que teria sido a sua vida se não tivesse dito um dia que
não poderia continuar a sua carreira sem dar beijinhos?
Apenas outra vida, mas impossível de prever sem que se
trate apenas de um exercício de especulação ficcional.
A vida é escrever a lápis, mas sem borracha. Por isso, o presente da Maria Eugénia, vinda de um tempo em que ainda
havia bolos nas pastelarias, é decerto o orgulho tranquilo
de ter feito o que fez, moldando o seu próprio destino.
E, já agora, permita-me um respeitoso beijinho que não
será… à cinema!
JÚLIO ISIDRO
Ainda menino da rádio em 15 de Junho de 2011
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