IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem
I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
Arte Projetada: Uma Análise a Partir dos Estudos Culturais
Edgar Roberto Luiz Pereira
Luciana Martha Silveira
UTFPR – Curitiba, Paraná, Brasil – [email protected], +55 41 9616-8515.
Resumo:
Este artigo parte da hipótese de que a cultura ocupa papel central na maneira como
percebemos o mundo que nos cerca, e, portanto, na forma como o representamos.
Nesse sentido, a prática artística pode ser entendida enquanto processo "produtor "e "reprodutor" de significados culturais. Produtor, ao representar valores e práticas a partir
da materialização artística da visão de um indivíduo - ou grupo de indivíduos. Reprodutor, ao utilizar os meios técnicos disponíveis para essa materialização, reforçando
- ou questionando - os significados presentes no meio de expressão em si. Considerando
que os aparelhos de produção, reprodução e manipulação de imagens técnicas estão
profundamente inseridos na cultura ocidental contemporânea, serão apresentados alguns
conceitos de cultura e de mediação tecnológica aplicados à observação do processo de
produção da arte projetada, que vem a ser um formato de expressão artística mediado
por equipamentos eletrônicos, e consiste na projeção de imagens em superfícies
escultóricas ou arquitetônicas.
Palavras-chave: ciclo eletrônico, estudos culturais, arte.
Abstract:
This article considers that culture plays a central role in the way we perceive the world
around us, and, therefore, in the form we represent it. Hence, the artistic practice can be
understood as "producer" and "re-producer" of cultural meanings. Producer, when we
represent practices and values through artistic materialization. Re-producer, when we
use technical means for this materialization, reinforcing - or questioning - the meanings
brought in the media. Having in mind that the equipment used for technical image
production, reproduction and manipulation form the contemporary western culture,
concepts of culture and technological mediation will be presented and applied to
observe the production process of projected art, which is an artistic format using
electronic equipment, projecting images in architectonic or sculptural structures.
Key-words: electronic cycle, cultural studies, arts.
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1. Introdução
É nítida a onipresença da imagem produzida por aparelhos na sociedade ocidental
contemporânea. Os meios de reprodução de imagens atualmente disponíveis permitem
intervenções que seriam inimagináveis no início do século passado, quando teve início o
desenvolvimento e disseminação dessas tecnologias. Podemos dizer que os artefatos que
servem para produzir, reproduzir e manipular imagens - a câmera fotográfica e
filmadora, o projetor, o computador - fazem parte de nosso universo cultural (HALL
1997).
A constatação parece óbvia, mas os processos pelos quais estes aparelhos - e seus
respectivos discursos tecnológicos - ligam-se à maneira como vemos e representamos o
mundo que nos rodeia estão imersos num emaranhado complexo de relações, com
direito a nuances sutis que só uma análise mais atenta pode revelar. Em outras palavras,
a apropriação dos aparelhos possui uma "cultura" em si. (DU GAY, et al. 1997)
Um olhar sobre estas novas tecnologias, que utilize as lentes do senso comum, poderia
destacar os aspectos meramente instrumentais dos meios, revelando com entusiasmo ou
pessimismo os resultados provenientes da sua manipulação. No campo das artes, uma
visão superficial iria se concentrar nos resultados estéticos, na imagem do autor que
materializou a sua visão na obra de arte, no "automatismo" recorrente da utilização de
mídias eletrônicas enquanto meio de representação, etc.
O objetivo deste artigo é o de localizar a prática artística, mediada por equipamentos
tecnológicos, no âmbito do que se pode considerar uma "cultura" (HALL 1997) do fazer
artístico do ciclo eletrônico (LAURENTIZ 1991). Para tanto, utilizaremos as
concepções sobre cultura adotadas por alguns dos autores que compõem a disciplina
conhecida como Estudos Culturais (Raymond Williams, Paul du Gay, Stuart Hall). Será
explicitado o que se entende por "ciclo eletrônico", e como as relações do artista com os
meios disponíveis na contemporaneidade estabelecem novos pontos de vista sobre uma
base cultural e material que, de certa forma, já se encontra consolidada. Estabelecido
este referencial teórico, partiremos para a observação dos procedimentos envolvidos na
operacionalização do insight artístico a partir da técnica de se projetar imagens, geradas
e/ou manipuladas por aparelhos, nas mais diversas superfícies, sejam elas construídas
exclusivamente para a performance artística, sejam qualquer anteparo que encontramos
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em nosso cotidiano. O interesse, portanto, não está na operação dos equipamentos em si,
mas na inter-relação entre o artista e os meios de suporte utilizados para a
materialização da obra de arte.
2. A Arte Projetada No Ciclo Eletrônico
Por arte projetada, entendemos a projeção de imagens em superfícies esculturais ou
arquitetônicas como forma de expressão artística. Estruturas escultóricas são objetos
complexos (naturais ou artificiais) que se apresentam na forma de um elemento isolado
ou um grupo de elementos relacionados entre si. Se esse grupo de elementos tem um
relacionamento de natureza"espacial", teremos então uma estrutura arquitetônica, que
é formada a partir de elementos (escultóricos ou não) que "envolvem" o espectador e
encerram um espaço aberto (figura 1) ou fechado.
Figura 1 - Intervenção de arte projetada sobre fachada arquitetônica, realizada pelo coletivo holandês
NuFormer (2009).
O formato recente mais difundido de arte projetada consiste na manipulação de
elementos gráficos em movimento que "modificam" a percepção da superfície que
recebe a projeção, transformando-a numa espécie de janela para um universo lúdico,
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que brinca com as leis da física ao transportar elementos abstratos ou figurativos
"mapeados" no anteparo estático (normalmente a fachada de um edifício, ou uma
construção cenográfica). Esta projeção pode ocorrer também num espaço interno,
constituindo uma instalação artística (é o caso das Cosmococas 1-5 de Hélio Oiticica e
Neville d’Almeida - Figura 2), ou ainda associada à uma performance teatral ou de
dança, interagindo com os atores ou dançarinos.
Figura 2 - Cosmococas 1-5 de Hélio Oiticica e Neville d’Almeida, projeto iniciado nos anos 1970, hoje
com espaço permanente no museu de Inhotim.
2.1 O Ciclo Eletrônico
Paulo Laurentiz divide o pensamento operacional humano em três ciclos distintos, que
se refletem e se refratam nas diferentes posturas de materialização da obra de arte: ciclo
pré-industrial, ciclo mecânico e ciclo eletrônico, correspondentes ao período
materialista industrial da civilização ocidental. "É nesse período que há a consagração
dos valores materiais na cultura ocidental." (LAURENTIZ 1991)
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O ciclo eletrônico, no qual vivemos, é caracterizado não apenas pelas chamadas "novas
tecnologias". "Coincide com a procura, pelo homem, de uma outra escala de valores
extramaterial, a qual possibilita a própria espécie auto desenvolver-se, reorganizando e
reorientando a sua participação na vida com o universo."(LAURENTIZ 1991) Esta
procura se dá com o questionamento da crença irrestrita e dogmática de que o
conhecimento científico cartesiano seria o propulsor da evolução humana. Não que o
cientificismo da passagem do século XIX para o XX fosse hegemônico e incontestável,
ou que essa noção sobre desenvolvimento tenha desaparecido dos discursos dominantes,
mas os acontecimentos provenientes das duas Grandes Guerras evidenciaram o "fato de
o homem, apesar de estar no auge de sua sabedoria material, não apresentar o mesmo
desenvolvimento em seu poder crítico, quase pondo fim a sua própria história."
(LAURENTIZ 1991).
O sistema eletrônico de produção, em substituição ao modelo mecânico, é caracterizado
por:
"(...)operações de maior precisão em relação à produção humana, uma
cadência de produção ritmada e constante, a substituição do homem em
atividades com alto grau de periculosidade ou complexidade de cálculos e a
formação de um requintado banco de dados. " (LAURENTIZ 1991)
Assim, localizar a arte projetada no ciclo eletrônico significa considerar as mudanças
operacionais em relação ao comportamento do período precedente, o ciclo mecânico,
que revelam maneiras diferentes do fazer artístico. Estas diferenças ficam evidentes na
relação entre o artista e o suporte. No ciclo mecânico, a atuação do artista se dá sobre
um meio considerado em princípio neutro, revelando o conceito de matéria. Esta noção
de neutralidade começa a ser questionada na modernidade, a partir da compreensão de
que os meios possuem em si potenciais expressivos. A nova relação do artista com os
suportes utilizados abre caminho para a noção de materialidade, que envolve, além da
preocupação com o potencial expressivo e a carga de informação dos meios, a extramaterialidade da informação (LAURENTIZ 1991):
"Com a eletrônica, a produção tende a se iconizar no sentido de encontrar,
nas qualidades materiais e energéticas do mundo, soluções em potencial que
venham viabilizar a ação conjunta do homem e da natureza. As matériasprimas mudam de qualidade; a matéria bruta propriamente dita perde
interesse em detrimento das relações extra-materiais vivas do universo: a
informação substitui o bem durável. Esta iconização é esperada também na
arte (...). A pesquisa da arte abandona as imagens visuais e começa a se
interessar pelas imagens mentais não materiais (iconicidade). Segue nas
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mudanças dos valores centrados na relação olho-mão para os valores
formulados na relação mente-mundo."
Na arte projetada, o meio material não é negado, mas re-significado a partir dos
princípios óticos e eletrônicos à disposição do artista. Este é um traço da produção pósmoderna, que atua a partir de uma base cultural previamente estabelecida, oferecendo
novos olhares e formas de representação. A arte projetada está, portanto, inserida num
contexto sócio-cultural amplo, formado por uma espécie de conjunto de "culturas"
menores, diversas, não estáticas, interligadas de maneiras complexas, não-cartesianas.
Partindo do princípio de que a cultura ocupa papel central na maneira como percebemos
o mundo que nos cerca, e, portanto, na forma como o representamos(DU GAY, et al.
1997), a prática artística pode ser entendida enquanto processo "produtor" e "reprodutor" de significados culturais. Produtor, ao representar valores e práticas a partir
da materialização artística da visão de um indivíduo - ou grupo de indivíduos. Reprodutor, ao utilizar os meios técnicos disponíveis para essa materialização, reforçando
- ou questionando - os significados implícitos no meio de expressão em si.
3. A cultura e a constituição da vida social
A importância da cultura nas ciências sociais ganhou amplo destaque nos últimos anos,
e hoje a disciplina chamada "estudos culturais" pode ser encontrada numa diversidade
de aplicações teóricas. Enquanto unidade de análise, a centralidade da cultura se
contrapõe aos modelos acadêmicos tradicionais, que consideravam os fatores políticos e
econômicos constituintes primordiais do mundo social, encarando as questões culturais
- signos, imagens, linguagem - como manifestações dependentes e reflexivas destes
processos. Hoje a cultura é concebida como tão constitutiva do mundo social quanto os
processos político-econômicos (DU GAY, et al. 1997).
Mas afinal, o que é cultura? O termo ganhou diferentes significados ao longo da história
da civilização ocidental, mas, grosso modo, a sua origem está associada à idéia de
desenvolvimento humano. Durante o Iluminismo, a palavra foi utilizada enquanto
sinônimo de civilização (no sentido de "progresso" em relação a sociedades
consideradas "menos evoluídas" em comparação à européia). O Romantismo do século
XIX trouxe uma nova concepção, utilizando a palavra no plural: "culturas" enquanto
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conjunto de práticas e costumes de diferentes países e pessoas. O livro Cultura e
Anarquia, de Mathew Arnold's, apresenta uma definição mais restritiva, associando
"cultura" a uma forma de refinamento intelectual a partir das artes, filosofia e
aprendizado (WILLIAMS 1976).
O conceito que será adotado neste texto, no entanto, e que é utilizado pelos estudos
culturais, considera a "cultura" como a forma pela qual os seres humanos dão
significado à sua realidade.
"Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação
social é significativa tanto para aqueles que a praticam como para os que a
observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de
significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as
coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos
outros. Estes sistemas ou códigos de significação dão sentido às nossas ações.
Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias.Tomados
em seu conjunto, eles constituem nossas 'culturas'. Contribuem para assegurar
que toda ação social é 'cultural', que todas as práticas sociais expressam ou
comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação."
(HALL 1997)
O modo de análise teórica apresentado pelos estudos culturais considera que há uma
série de articulações entre os processos definidores de um determinado artefato cultural.
Tais articulações nada mais são do que formas de conexão entre diferentes elementos,
transformando-os numa unidade temporária. Assim, a explicação de um artefato cultural
provém de uma combinação de processos, num circuito cultural (figura 3). Os cinco
processos desse circuito são: representação, identidade, produção, consumo e regulação
(DU GAY, et al. 1997).
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Figura 3 - Circuito Cultural
Tendo como ponto de partida esse modelo teórico, constata-se que cada um dos
artefatos tecnológicos utilizados na materialização da arte projetada está inserido em seu
próprio conjunto de processos culturais. Câmera fotográfica, filmadora, computador,
projetor. O elo que os conecta é o fato de todos fazerem parte de uma série de novas
tecnologias que mudaram a maneira como produzimos e consumimos conteúdos.
Podemos pensar nestes aparelhos como meios de origem e reprodução de significados
que foram absorvidos em nossas práticas sociais. Se antes dispúnhamos, em nossa
realidade material, exclusivamente de desenhos, pinturas e da escrita como formas de
circulação de mensagens, agora as tecnologias eletrônicas permitiram uma considerável
expansão, em termos de volume e variedade, de significados a serem transportados. Este
processo abriu "uma nova fronteira na vida cultural moderna e transformou
completamente o processo de 'produção de significado' que (...) está no coração da
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cultura. A produção de significado repousa sobre a interface entre cultura e tecnologia."
(DU GAY, et al. 1997)
De fato, qualquer análise da produção artística da atualidade deve ter como parte
fundamental a rápida disseminação das novas mídias. Cultura (significados e práticas
que formam a base da vida contemporânea) e mídia (meios tecnológicos) estão
profundamente conectados (DU GAY, et al. 1997). Assim, o universo de tecnologias
apropriadas pela arte projetada demanda por conhecimentos específicos no seu processo
de operacionalização - portanto, exigem uma série de práticas que sustentam e
produzem / reproduzem culturas.
A arte projetada, enquanto fenômeno cultural, também passa pelos cinco processos do
circuito cultural. A ênfase dada na etapa de produção não significa a exclusão dos
demais elementos, afinal este processo está intimamente relacionado ao consumo (a
forma como a audiência irá ver e se apropriar da obra), à sua representação (a maneira
pela qual o formato artístico é difundido e descrito nos meios de comunicação), à
identidade dos entes envolvidos ("produtores" e "audiência"), e às regras de
criação/circulação/exibição da performance (se é um evento público, patrocinado por
uma empresa privada, se está em conjunto com outras manifestações artísticas, etc). A
priorização da produção, portanto, é meramente analítica.
4. A relação texto-imagem: operacionalização artística mediada por um
"programa"
Vilém Flusser, em seu ensaio intitulado "Filosofia da Caixa Preta"(FLUSSER 2011),
nos apresenta uma visão filosófica bastante interessante sobre a relação entre texto e
imagem - e, posteriormente, a imagem técnica, produzida por aparelhos - que servem
como base para a análise da interação artista - equipamento.
Enquanto forma de
mediação entre homem e mundo, as imagens têm o propósito de representar uma
realidade que não é diretamente acessível pelas capacidades perceptivas humanas. Elas
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o fazem a partir da abstração de duas das quatro dimensões espaço-temporais. Os textos,
por consequência, são uma forma de abstração de imagens, representando o mundo a
partir de "imagens rasgadas", unidimensionais. Funcionam como uma espécie de "metacódigo da imagem". Assumindo que os aparelhos tecnológicos são "textos científicos
aplicados", as imagens por eles produzidas - as imagens técnicas - representam um grau
ainda maior de abstração: abstraem uma das dimensões da imagem tradicional,
transformando-a em texto (captando ou manipulando a imagem a partir dos processos
científicos presentes no funcionamento da câmera fotográfica, da filmadora, do
computador), para depois reconstituir essa imagem (na projeção).
Enquanto "textos científicos aplicados", estes artefatos tecnológicos carregam valores trazem consigo significados fixados em seu programa de funcionamento. Ou seja: os
equipamentos, ao mesmo tempo que não podem ser encarados como determinantes das
ações do artista, também não são "neutros". Essa é uma das discussões centrais do
campo de Tecnologia e Sociedade, e aqui serão abordados sucintamente os fatores que
se fazem relevantes à nossa análise.
Artefatos tecnológicos podem ter embutidos formas específicas de poder e autoridade
que ultrapassam suas características meramente funcionais, pois foram concebidos
dentro de um sistema social, econômico e cultural específicos. Esta visão, que pode ser
considerada o aspecto fundamental da teoria de determinação social da tecnologia,
opõe-se à concepção do determinismo tecnológico, que pressupõe que a tecnologia se
desenvolve a partir de uma lógica interna e, não sendo influenciado por qualquer outro
aspecto externo, molda a sociedade segundo seus padrões, desconsiderando que também
as tecnologias são moldadas por aspectos sociais, econômicos e culturais. Contudo, este
argumento da determinação social da tecnologia, se tomado literalmente, acaba por
afirmar que as coisas técnicas não importam em nada, ao contrário do que diversos
exemplos apontam, o que indica que os modelos padrões da ciência social não são
suficientes para analisar as problemáticas de tecnologia e sociedade (WINNER 1996).
Assim, a adoção de um dado sistema técnico exige a criação e a manutenção de um
conjunto particular de condições sociais (e culturais) como ambiente operacional do
sistema. Este ambiente operacional pode ter graus diferentes de flexibilidade, de acordo
com a natureza dos processos técnicos envolvidos.
1929
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A evolução das chamadas "novas tecnologias", frutos do período industrial do final do
século XIX, forma o meio material e cultural com que trabalham os "artistas
eletrônicos". Portanto, a materialização do insight, na arte projetada, está diretamente
ligada aos conceitos tecnológicos dos equipamentos, num processo em que o artista
produz sua obra assumindo a postura de um criador que conversa com as qualidades e
características dos fenômenos universais (LAURENTIZ 1991):
"Este diálogo entre homem e natureza, que proporciona a nova visão de
produção, só é possibilitado pelos sensores e extensores eletrônicos, que
assumem o papel de transdutores entre o conhecimento do homem (realidade)
e o potencial dos fenômenos universais (real). Portanto, qualquer ato
produtivo deve ser entendido como uma decisão conjunta a partir do grau de
conhecimento interativo entre homem e universo, na confluência das suas
ações, discriminadas pelo perfil de inteligência destes transdutores."
Os conhecimentos em ótica, eletrônica e informática, que foram aplicados no
desenvolvimento dos equipamentos apropriados pela operacionalização da arte
projetada, são o "texto científico" por trás do discurso artístico. Certamente o artista não
domina todos esses conhecimentos produtivos do artefato em si, pois não é esse seu
objetivo. O artista não produz os aparelhos: ele "brinca" contra os aparelhos,
descobrindo suas potencialidades, na tentativa de esgotar o programa neles embutido e
revelar possibilidades escondidas (FLUSSER 2011).
5. O fazer artístico na arte projetada
O processo de materialização de uma performance de arte projetada obedece a
determinados fundamentos comuns às manifestações artísticas do ciclo eletrônico. "O
caminho oferecido por esse tipo de produção é trilhado por dois hábitos operacionais:
repetição e decisão, comuns a todos os sistemas informatizados. A conclusão é
formalizada ao final de um trajeto com endereço específico, dentre os milhares
possíveis, e executados pela corrente elétrica na velocidade da luz. Portanto, operações
complexas tais como as de formatação e animação de imagens podem ser rapidamente
conseguidas." O trabalho do artista, ou coletivo de artistas, não é mais o de esculpir ou
pintar com as próprias mãos, utilizando ferramentas, ou de realizar edições a partir de
recursos mecânicos. Agora, os modelos físicos (construídos pelas técnicas préindustriais
e/ou
mecânicas)
servem
como
computadorizadas do ciclo eletrônico (figura 4).
1930
anteparo
para
as
intervenções
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Figura 4 - Instalação de projeção de vídeo sobre estruturas escultóricas prismáticas. AntiVJ (2009)
O primeiro passo do artista que irá produzir a performance corresponde à captação de
uma imagem do anteparo receptor da projeção. Uma atividade bastante simples,
realizada com uma câmera fotográfica, mas de importância fundamental, pois a imagem
obtida por esse equipamento servirá como o suporte da intervenção (não o suporte em
si, mas o suporte transformado em informação, numa representação fidedigna do
original). O ponto exato a partir do qual esta imagem será obtida corresponde à posição
na qual será instalado o projetor - deve ser uma das primeiras decisões a serem tomadas,
levando em conta fatores técnicos e de intencionalidade artística. Logo, este é o
primeiro e único contato que o criador terá com a superfície material durante o processo
criativo - todo o trabalho posterior se dará não sobre o anteparo, mas sobre o seu
mapeamento, e o artista só irá entrar novamente em contato com a superfície física na
ocasião da exibição do conteúdo visual.
É um processo inverso de projeção - a estrutura que receberá a intervenção é traduzida
para o formato eletrônico, constituindo uma representação, uma abstração das
dimensões reais do objeto. E é sobre essa abstração que o artista irá materializar suas
intencionalidades (figura 5).
1931
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Figura 5 - Janela de software para a manipulação do conteúdo a ser projetado na performance.
As etapas de criação em si dizem respeito a operações de captação / edição de vídeo e
de computação gráfica. Essas operações são processadas em equipamentos eletrônicos,
dentro de suas condições internas, segundo operações matemáticas. As informações
obtidas a partir da destes meios "fazem corresponder as suas operações internas às
situações observáveis ou supostamente existentes no real, não mais ficando à mercê das
idiossincrasias dos meios utilizados para o registro desse real, onde há necessariamente
perda e ganho de informações, como em todo ato mecânico".(LAURENTIZ 1991)
O artista está em permanente relação com os equipamentos; homem e aparelho são dois
elementos distintos, com suas regras de funcionamento e conhecimentos específicos,
mas que atuam conjuntamente no processo de criação. A interação homem - aparelho
está inserida, portanto, numa espécie de cultura própria, sendo produtora e re-produtora
de significados. Sobre a prática da fotografia, escreve Flusser:
1932
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"As possibilidades fotográficas são praticamente inesgotáveis. Tudo o que é
fotografável pode ser fotografado. A imaginação do aparelho é praticamente
infinita. A imaginação do fotógrafo, por maior que seja, está inscrita nessa
enorme imaginação do aparelho. Aqui está, precisamente, o desafio. (...) O
fotógrafo caça, a fim de descobrir visões até então jamais percebidas. E quer
descobri-las no interior do aparelho".(FLUSSER 2011)
Nos procedimentos operacionais materializadores da arte projetada, o hardware
(equipamento) ,e seu respectivo software (programa), formam a base do vocabulário
poético da obra de arte, numa combinação praticamente infinita de possibilidades. O
desafio está, como propõe Flusser, em transpor a mera demonstração de virtualidade
técnica dos meios. Ou, como sugere Laurentiz:
"O pensamento artístico em relação ao modo de produção muda quando se
objetiva o abrandamento do potencial de linguagem da tecnologia.
Abrandar tecnologia significa, em termos de pensamento operativo, encontrar
funções similares entre as organizações sintáticas dos equipamentos
(hardware e software) e as forças universais explícitas no 'insight'. Desta
maneira, não há uma interferência interna de uma linguagem sobre as
qualidades da outra linguagem. Os discursos se equivalem, gerando
sentimentos similares diante do fenômeno em si ou da manifestação cultural
produzida." (LAURENTIZ 1991)
Mesmo possibilitando novas formas de abordagem e de mediação com o mundo
material e cultural estabelecidos, as novas tecnologias à disposição do artista
contemporâneo estão, a rigor, submetidas ao seu controle. Ainda que esse controle
esteja simplesmente na operação dos programas inerentes aos aparelhos, e considerando
que esses programas são produto de (e produzem)
relações culturais complexas
(sintetizadas nas articulações propostas pelo circuito cultural), é a sensibilidade própria
do pensamento artístico que, em última instância, deve transparecer no resultado final.
No caso da arte projetada, como dito anteriormente, o meio material é re-significado a
partir do discurso técnico/científico que está embutido nos aparelhos operados. Discurso
este carregado de fatores sociais, culturais, econômicos, políticos. Não se trata dos
afrescos do interior da igreja barroca, que transportam novos significados para as
paredes nuas, nem da intervenção sobre imagens ícones da cultura "pop", que resgatam
elementos do cotidiano, elevando-os à categoria "arte". A arte projetada é, talvez, uma
mistura disso tudo, com a adição do "elemento surpresa" presente nas infindáveis
possibilidades estéticas dos equipamentos em cooperação com seu "operador", o artista.
1933
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6. Bibliografia
DU GAY, Paul, Stuart HALL, Linda JANES, Hugh MACKAY, e Keith. NEGUS. Doing Cultural Studies
- The Story of the Sony Walkman. London: SAGE Publications, 1997.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São
Paulo: Annablume, 2011.
HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.
Revista Educação e Realidade, 22 (2), jul./dez. Porto Alegre, 1997.
LAURENTIZ, Paulo. A Holarquia do Pensamento Artístico. Campinas, SP: UNICAMP, 1991.
WILLIAMS, Raymond. Keywords. London: Fontana, 1976.
WINNER, Langdon. Do artifacts have politics? In: Mackenzie, Donald & Wajcman, Judy. The
Social Shaping of Technology. Buckingham, Philadelphia.: Open University Press, 1996.
1934
Download

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