Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Número do
1.0542.11.001165-8/001
Relator:
Des.(a) Maria Luíza de Marilac
Relator do Acordão:
Des.(a) Maria Luíza de Marilac
Númeração
0011658-
Data do Julgamento: 27/01/2015
Data da Publicação:
06/02/2015
EMENTA: LESÕES CORPORAIS. PRELIMINAR. DECADÊNCIA.
INOCORRÊNCIA. LEGÍTIMA DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. DECOTE DE CONDIÇÕES.
IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424), o crime de
lesões corporais, quando praticado contra mulher, no ambiente doméstico
(Lei Maria da Penha), independe de representação da ofendida, procedendose mediante ação penal pública incondicionada, razão pela qual não há que
se cogitar da ocorrência da decadência do direito à representação. 2. A
legítima defesa é uma exceção e incumbe a quem a alega comprová-la em
todos os seus elementos, sob pena de não ser admitida. 3. É prescindível a
coabitação para a aplicação da Lei Maria da Penha, bastando, para tanto,
que a violência, baseada no gênero, cause lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da
família, ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida. 4. Tendo sido as condições impostas por
ocasião da suspensão condicional da pena, aplicadas em estrita consonância
com o que dispõem os artigos 78 e 79 do Código Penal, inviável é o decote
de algumas delas, notadamente se o pedido vem desacompanhado de
qualquer fundamento que o respalde.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0542.11.001165-8/001 - COMARCA DE
RESENDE COSTA - APELANTE(S): VALTER LUIS DE OLIVEIRA APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS VÍTIMA: ELIETE MARIA DE OLIVEIRA
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em REJEITAR A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO.
DESA. MARIA LUÍZA DE MARILAC
RELATORA.
DESA. MARIA LUÍZA DE MARILAC (RELATORA)
VOTO
VALTER LUIS DE OLIVEIRA, inconformado com a sentença de f.
120-126, que o condenou à pena de três (03) meses de detenção, em regime
aberto, cuja execução foi suspensa pelo prazo de dois anos, nos termos do
que prescreve o artigo 77 do Código Penal, interpôs, por intermédio da
Defensoria Pública, o presente recurso de apelação (f. 132-134), requerendo,
preliminarmente, a extinção da punibilidade pela decadência do direito à
representação. No mérito, pretende a absolvição, por ter agido sob a
excludente de ilicitude da legítima defesa ou em razão do desinteresse da
vítima no prosseguimento do processo. Em não sendo este o entendimento,
pugna pela desclassificação do delito para aquele previsto no artigo 129,
"caput", do Código Penal, ou pelo decote de algumas das condições
impostas na suspensão condicional da pena.
Contrarrazões do Ministério Público, pelo conhecimento e
desprovimento do recurso (f. 136-142). No mesmo sentido,
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manifestou-se a d. Procuradoria-Geral de Justiça (f. 148-151).
Quanto aos fatos, narra a denúncia que, "na madrugada do dia 28
de agosto de 2011, por volta de 02:00h, na Rua Noemi Resende Maia, nº 06,
Bairro Nova Resende, nesta cidade e sede de Comarca, Valter Luiz de
Oliveira, prevalecendo-se das relações domésticas, agrediu sua genitora
Eliete Maria de Oliveira, golpeando-a com socos e chutes, tendo a vítima
caído no chão, ocasião em que o denunciado continuou a chutá-la,
resultando nas lesões descritas no atestado médico de fls. 07, bem como
auto de corpo de delito acostado à fls. 26, restando prejudicado a juntada de
laudo complementar, pois a vítima não compareceu para sua realização,
embora regularmente intimada."
Denúncia recebida em 20.09.2012 (f. 51) e a sentença publicada
em mãos do Escrivão em 27.05.2014 (f. 126V.).
O processo transcorreu nos termos da sentença, que ora adoto,
tendo sido o apelante devidamente intimado por mandado (f. 128-129).
Vistos e relatados, passo ao voto.
Conheço do recurso, pois previsto em lei, cabível, adequado e
presente o interesse recursal, bem como foram obedecidas às formalidades
devidas à sua admissibilidade e ao seu processamento.
DA PRELIMINAR
Requer a douta Defesa, em preliminar, seja julgada extinta a
punibilidade do apelante, alegando, em síntese, a ocorrência da decadência
do direito à representação.
O pleito não pode ser acolhido.
É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do
Poder Judiciário brasileiro, e responsável pelo máximo
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resguardo da Constituição, em julgamento realizado em 09.02.2012, decidiu,
por maioria de votos, pela procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº. 4424, ajuizada pela Procuradoria-Geral da
República, para, dando interpretação conforme a Constituição, aos artigos
12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº. 11.340/2006, assentar a natureza
incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, pouco
importando a sua extensão, praticado no âmbito da Lei Maria da Penha:
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou
procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12,
inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza
incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando
a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o
voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente).
Assim, em se tratando de crime de lesão corporal praticado no
âmbito da Lei Maria da Penha, não há que se falar em decadência do direito
de representação, posto que se procede mediante ação pública
incondicionada.
Em relação ao argumento Defensivo de que a decisão do Supremo
Tribunal Federal não pode retroagir para atingir os crimes praticados antes
do aludido julgamento, também não pode ser acolhido, pois, é amplamente
cediço que as decisões proferidas pela Suprema Corte, em sede de
fiscalização normativa abstrata, em regra, revestem-se de eficácia "ex tunc",
"erga omnes" e de efeito vinculante, impondo-se, por conseguinte, a plena
observância pelos Tribunais e pela Administração Pública aos respectivos
pronunciamentos.
Pretendesse a mais alta instância limitar temporalmente a eficácia
da aludida decisão, por certo que invocaria a norma prevista no artigo 27 da
Lei nº 9.868/1999, que permite tal espécie de modulação. Não foi, porém,
estabelecido qualquer limitador temporal ao decidido na referida ação
constitucional.
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Ademais, na espécie, a retratação da representação se efetivou
apenas em 21.08.2012 (46), portanto, após a publicação da ata de
julgamento da ADI 4424 na imprensa oficial, que ocorreu em 17.02.2012.
Desse modo, realmente prescindível a representação.
Destarte, rejeito a preliminar arguida e passo ao exame do mérito.
A existência do delito está demonstrada pelo Atestado Médico de f.
10, em consonância com o Boletim de Ocorrência de f. 06-09.
A autoria também restou comprovada nos autos.
Na fase inquisitiva, o apelante negou que tivesse dado socos e
chutes na vítima, admitindo tão-somente lhe ter empurrado e dado dois tapas
no rosto : (f. 15-16)
... QUE em data de 27/08/2011, por volta de 21h30min., se dirigiu até a
casa de sua tia, onde acontecia um churrasco; QUE no local estavam seus
pais, sua irmã MARLUCE e a companheira do declarante com seus filhos;
QUE por volta de 23:00 horas, resolveu ir para casa, pois tinha que trabalhar
no dia seguinte; QUE por volta de 01:00 hora, recebeu um telefonema de sua
mãe, a qual pedia que fosse até sua casa; QUE segundo sua genitora, seu
tio de nome SÉRGIO estaria lhe agredindo; QUE no primeiro contato, o
declarante disse que não iria se envolver nos problemas de sua mãe com
seu tio, o qual é irmão do padrasto do declarante; QUE alguns minutos
depois, sua mãe lhe ligou novamente, pedindo que o declarante fosse até lá;
QUE ao chegar na casa, seu tio SÉRGIO já estava do lado de fora, nervoso,
tendo o declarante conversado com ele e pedindo que se acalmasse; QUE
não sabe dizer se SÉRGIO realmente agredira sua mãe; QUE entrou na casa
para conversar com sua mãe, a qual estava de pé, próximo da porta, e pediu
que ela ficasse calma, quando ela investiu contra o declarante com unhadas
em seu pescoço; QUE o declarante a
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empurrou, afastando-a e lhe deu dois tapas no rosto, momento em que ela
caiu no chão; QUE o declarante afirma que não deu socos e chutes em sua
mãe; QUE em seguida foi embora; QUE não é verdade que o declarante
tenha chegado na casa arrombando a porta, chutando-a e jogando-a no
chão; ...
O acusado não foi ouvido em Juízo, porque não compareceu na
audiência e nem justificou a ausência, apesar de regularmente intimado (f.
106).
Não obstante sua confissão parcial, a vítima, em ambas as
oportunidades em que foi ouvida, confirmou, de maneira segura, a ocorrência
dos fatos descritos na denúncia:
... QUE em data de 28/08/2011, a declarante chegou em sua residência
por volta das 02:00hs, ocasião em que participava de um churrasco na casa
de uma cunhada, onde também estava seu esposo MAURI COELHO DOS
SANTOS, sua filha, MARLUCE DOS SANTOS e seu filho, VALTER LUIS DE
OLIVEIRA; QUE alguns minutos após chegar em casa, estava sentada no
sofá, retirando a sandália, quando VALTER chegou chutando a porta de
entrada da casa, a qual foi arrancada com a violência do chute; QUE em
seguida, VALTER foi até a declarante e passou a lhe dar socos e chutes,
tendo a declarante caído no chão, quando continuou a ser chutada por
VALTER; QUE seu esposo e filho tentaram segurar VALTER, ao que ele os
ameaçou dizendo que se alguém se aproximasse ele o mataria; QUE havia
em um canto da sala, um pedaço de toco de madeira, o qual VALTER pegou
para atingir a declarante, momento em que foi impedido por seu esposo o
qual tomou a madeira das mãos de VALTER; QUE a Polícia Militar foi
chamada, tendo VALTER fugido do local e não foi localizado pela polícia;
QUE VALTER estava alcoolizado, tendo em vista que fez uso de bebida
alcoólica durante o churrasco que estiveram; QUE a declarante havia
ingerido cerveja, porém, não estava embriagada; QUE VALTER não disse o
motivo pelo qual estava agredindo a declarante, bem como a declarante não
sabe dizer; ... (Depol - f. 13-14).
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... que confirma integralmente o depoimento prestado perante à
Autoridade Policial às fls. 13/14; que até hoje a declarante não sabe porque
foi agredida pelo acusado; que recentemente o acusado voltou a conversar
com a declarante e como esta é mãe do acusado quis desistir da
representação, procurando a Delegacia de Polícia local; ... (Em Juízo - f.107).
Como se sabe, a versão da vítima somente pode ser desprezada se
houver provas ou indícios nos autos de que não falou a verdade. A ausência
desses indícios, procurados no confronto de suas declarações com as
demais provas produzidas, determina que se acolha a sua versão em
detrimento à negativa do apelante, pois, ela não tem nenhum motivo para
incriminá-lo falsamente, ao passo que ele, sim, tem motivos para mentir.
Sobre a validade das declarações da vítima, ensina Júlio Fabbrini
Mirabete:
Todavia, como se tem assinalado na doutrina e jurisprudência, as
declarações do ofendido podem ser decisivas quando se trata de delitos que
se cometem às ocultas (...) São também sumamente valiosas quando
incidem sobre o proceder de desconhecidos, em que o único interesse do
lesado é apontar os verdadeiros culpados e narrar-lhes a atuação e não
acusar inocentes. É o que ocorre, por exemplo, nos crimes de roubo,
extorsão mediante seqüestro, etc. (in Processo Penal - Editora Atlas - 2ª ed. página 279).
Do mesmo modo ensina Guilherme de Souza Nucci:
Em conclusão, pois, sustentamos que a palavra isolada da vítima pode
dar margem à condenação do réu, desde que resistente e firme, harmônica
com as demais circunstâncias colhidas ao longo da
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instrução. (Código de Processo Penal Comentado. 3ª Ed. São Paulo: RT,
2004. p.404).
A jurisprudência sufraga no mesmo sentido:
As declarações da vítima, apoiadas nos demais elementos dos autos, em
se tratando de crimes cometidos sem a presença de outras pessoas, é prova
válida para a condenação, mesmo ante a palavra divergente do réu. (STJ HC 195467 / SP - Habeas Corpus 2011/0016141-2 - Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura - 22.06.2011)
A palavra da vítima assume grande importância quando firme e coerente,
sendo suficiente para ensejar o decreto condenatório, salvo se há motivos
para que ela minta, o que não ficou comprovado no caso em apreço. (TJMG
- Ap. Criminal 1.0209.08.085571-8/001 - Rel. Des. Jane Silva - 19.06.2010).
Não bastasse, a testemunha Marlúcia dos Santos, irmã do
apelante, tanto na fase pré-processual, quanto em Juízo, corroborou as
declarações da vítima. Confira-se:
... QUE em data de 28/08/2011, por volta das 02:00 hs., a depoente e
seus familiares chegaram em casa, ocasião em que participaram de um
churrasco na casa de uma tia, onde estava seus pais e seu irmão, VALTER
LUIS DE OLIVEIRA; QUE a depoente afirma que durante o churrasco, tudo
transcorreu normalmente, não tendo percebido nenhuma discussão ou
desentendimento entre sua genitora e VALTER ou entre quaisquer dos
participantes da festa; QUE a mãe do declarante permaneceu na sala,
conversando com sua avó quando VALTER chegou e começou a discutir
com ela; QUE a depoente não ouviu o teor da discussão; QUE em seguida,
VALTER partiu para cima da mãe da depoente, dando-lhe socos; QUE a
depoente tentou
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segurá-lo, quando foi retirada do local pelo seu tio SERGIO o qual a levou,
juntamente com as crianças para fora da casa. QUE VALTER estava muito
nervoso; QUE permaneceu do lado de fora da casa e viu quando VALTER
pegou um toco de madeira e no momento que ia atira-lo contra sua genitora,
seu pai o impediu; QUE em seguida VALTER saiu da casa e no momento em
que a Polícia Militar chegou, ele já não estava mais no local; QUE a
depoente não sabe dizer o motivo da discussão entre sua genitora e
VALTER e o motivo pelo qual VALTER a agrediu fisicamente; ... (Depol - f.
16-17).
... que confirma integralmente o depoimento prestado perante à
Autoridade Policial às fls. 16/17; que dois dias depois dos fatos o acusado
comentou com a declarante que a vítima havia ligado para ele pedindo para
que fosse na casa dela porque ela estaria sendo espancada, mas não
informou por quem; que antes de o acusado chegar na casa da vítima ela
estava naquela casa na companhia do marido dela e dos filhos; que só o
acusado comentou com a declarante que a vítima estaria sendo espancada,
não tendo a declarante ouvido isso de mais ninguém. (Em Juízo - f. 108).
A testemunha Amauri Coelho dos Santos também relatou, em
ambas as oportunidades processuais, que presenciou o exato momento em
que o apelante se aproximou da vítima e, sem qualquer motivo aparente,
iniciou as agressões:
... QUE em data de 27 de agosto, o depoente estava em um churrasco na
casa de sua irmã MARISA, juntamente com sua esposa e filha MARLUCIA;
QUE o depoente afirma que não presenciou nenhuma discussão ou
agressão na festa, quer seja entre ELIETE e MARLUCIA ou entre ELIETE e
SERGIO; QUE VALTER, enteado do declarante também estava na festa e
não presenciou qualquer discussão ou agressão envolvendo ele e ELIETE;
QUE foram para casa por volta de 02h30min.,; QUE alguns minutos depois, o
depoente estava sentado
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no sofá da sala e sua esposa do outro lado enquanto conversavam; QUE o
depoente afirma que não houve qualquer discussão ou agressão dentro da
casa, até a chegada de VALTER; QUE em dado momento, VALTER chegou
na casa chutando a porta e investiu contra ELIETE que estava sentada no
sofá, dando-lhe vários socos, jogando-a no chão; QUE em seguida ele saiu,
retornando logo em seguida com um pedaço de pau na mão e no momento
em que ele investiu novamente contra ELIETE para agredi-la com o pedaço
de pau, o declarante interveio e lhe tomou o pedaço de pau; QUE VALTER
foi embora; QUE o declarante afirma que VALTER não disse nada no
momento em que chegou na casa; QUE ELIETE não agrediu VALTER,
conforme informado por ele em suas declarações nesta delegacia; QUE não
sabe dizer o motivo pelo qual VALTER agrediu sua esposa; QUE no
momento da agressão SERGIO não estava em casa; ... (Depol - f. 23-24).
Grifei.
...que confirma integralmente o depoimento prestado perante à
Autoridade Policial às fls. 23-24; que Sérgio Teodoro é irmão do declarante e
não estava na casa quando o réu agrediu a vítima; que até hoje o declarante
não sabe porque o réu agrediu a vítima. (Em Juízo - f. 109).
Diante do conjunto probatório não há como prosperar o pleito
absolutório da douta Defesa ao fundamento de que o apelante agiu em
legítima defesa. Como se sabe, a excludente da legítima defesa só pode ser
reconhecida quando resulte cabalmente comprovada, o que definitivamente
não ocorreu na hipótese sob exame.
In casu, as provas colhidas demonstram que a vítima, que acabara
de chegar de uma festividade familiar, estava em sua residência quando,
inopinadamente, surgiu o réu que, sem qualquer motivação aparente, passou
a agredi-la fisicamente, causando-lhe as
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lesões descritas no Atestado Médico de f. 10, e vistas nas fotografias
acostadas à f. 15.
Ora, além de a vítima ter afirmado que as agressões se deram de
modo absolutamente desmotivado, tal versão fora corroborada pelos
depoimentos de Marlúcia dos Santos e de Amauri Coelho dos Santos,
respectivamente, irmã e pai do apelante, que, por óbvio, não têm qualquer
razão para imputar-lhe falsamente fato criminoso.
Assim, nada há nos autos a abalar a credibilidade dos referidos
relatos, notadamente porque o apelante, embora regulamente intimado,
sequer compareceu em Juízo para refutar a palavra da vítima e das
testemunhas presenciais arroladas na denúncia, tampouco que pudessem
confirmar a sua versão de que a vítima investiu contra ele, com unhadas em
seu pescoço (f. 19).
Portanto, ao que se pode extrair das provas produzidas, realmente
não houve motivo aparente para as agressões.
Conforme precisa lição da Em. Desembargadora Jane Silva "a
legítima defesa consiste numa exceção, incumbindo a quem a alega
comprová-la em todos os seus elementos. Não havendo prova satisfatória da
justificante e presente suporte probatório suficiente para condenação do
acusado, impossível a sua absolvição" (Apelação Criminal 1.0392.07.010795
-9/001, Rel. Des.(a) Jane Silva, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em
12/05/2009, publicação da súmula em 18/06/2009).
Assim, pela ausência de provas de que a vítima agrediu o apelante,
não pode prosperar a tese defensiva da legítima defesa.
Do mesmo modo, não há que se falar em extinção do processo em
razão do perdão da ofendida. O artigo 105 do Código Penal dispõe que o
"perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede mediante
queixa, obsta ao prosseguimento da ação". Ocorre que, como já dito, os
presentes autos referem-se a crime de
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ação penal pública incondicionada, razão pela qual não há que se falar em
extinção da punibilidade pelo perdão da ofendida.
Em relação à alegação defensiva de que o apelante merece ser
perdoado por este Tribunal de Justiça, porque a vítima o perdoou, também
não pode ser acolhida.
É que, a integridade física dos membros de uma família merece a
especial proteção do Direito Penal, posto que, consoante o critério político
adotado pelo legislador brasileiro, é vista com um dos bens mais relevantes
ao convívio em sociedade. Tanto é assim, que típica é a ação de ofender a
integridade corporal ou a saúde de ascendente, descendente, irmão,
cônjuge, companheiro, quem se conviva ou tenha convido ou, ainda,
prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, nos termos do que prescreve o artigo 129, § 9º, do Código
Penal.
Além disso, é amplamente cediço que o perdão judicial não se
dirige a toda e qualquer infração penal, mas, sim, somente àquelas
previamente determinadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo,
não sendo a lesão corporal passível de concessão do perdão judicial, ante a
ausência de previsão legal nesse sentido, torna-se impossível a aplicação do
referido instituto ao caso sob exame.
De igual forma, incabível acolher a pretensão da Defesa Pública de
desclassificação do crime pelo qual fora condenado o apelante, para o de
lesões corporais previsto no caput, do artigo 129, do Código Penal, sob a
alegação de que "se é verdade que o réu adentrou a residência 'chutando e
arrancando a porta de entrada', isso desconstitui a derivação 'prevalecendose das relações domésticas', tendo em vista que, segundo se pode apurar,
réu e vítima residem ou residiam em locais diferentes".
Em que pese os fundamentos adotados pelo douto Defensor, a
coabitação não pode ser tida como essencial para a aplicação da Lei Maria
da Penha, bastando, para tanto, que a violência, baseada no gênero, cause
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
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moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da família, ou em
qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
É exatamente isso que dispõe o artigo 5º, da Lei Maria da Penha:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (Grifei).
A lei, portanto, é expressa ao incluir na sua esfera de proteção a
violência praticada no âmbito da família, "em qualquer relação íntima de
afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independente de coabitação".
Desta forma, o conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha
engloba todas as estruturas de convívio marcadas por uma relação de afeto,
dispensando expressamente a coabitação, razão pela qual, para a incidência
da especial proteção da lei, basta que a agressão tenha se originado da
relação de afeto, ou seja, a violência deve ser consequência da relação de
afeto, o que certamente ocorre
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na espécie, haja vista que a agressão ocorreu entre filho e mãe,
inegavelmente a relação mais relevante do convívio humano.
Ademais, o fato de o apelante adentrar a residência "chutando e
arrancando a porta de entrada", somente revela o quão violenta e
despropositada fora a sua conduta.
Nesse panorama, não há como se acolher o pleito Defensivo
desclassificatório.
Superada as teses absolutória e desclassificatória, verifico que a
pena aplicada também não está a merecer reparos, isso porque, inobstante
tenha o douto sentenciante valorado negativamente as circunstâncias
judiciais da culpabilidade, das circunstâncias, motivos e consequências do
crime, fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, três (03) meses de
detenção, e a concretizou definitivamente neste quantum, ante a ausência de
circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento
a serem consideradas.
O regime de cumprimento de pena fixado na sentença - aberto também não merece reparo, vez que em conformidade com o disposto no
artigo 33, § 2º, item c, do Código Penal.
Por se tratar de crime cometido com violência à pessoa, e, além
disso abarcado pela Lei Maria da Penha, não faz jus à substituição da pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos, por óbice constante no artigo
44, I, do CP e artigo 41, da Lei 11.340/06.
Por outro lado, sendo a pena não superior a dois anos e o apelante
primário, consoante CAC de f. 85, realmente faz jus ao sursis, nos termos do
que prescreve o artigo 77 do Código Penal.
Por fim, no que pertine ao pleito de decote de "algumas das
condições impostas na suspensão aplicada", também não merece prosperar,
isso porque, além de não ter sido apontado qualquer elemento concreto a
respaldar o aludido pedido, tratando-se de mera
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insurgência genérica e infundada, as condições foram estabelecidas nos
estritos termos do que dispõem os artigos 78 e 79 do Código Penal.
Ante o exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, NEGO
PROVIMENTO ao recurso.
Custas nos termos da sentença (f. 125)
DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI (REVISOR) - De acordo
com o(a) Relator(a).
DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO,
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."
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