Traduzir Seifert Breves notas sobre o processo de tradução de um poema do poeta checo Jaroslav Seifert para português, com base na experiência da tradução do Poema Introdutório (Cidade em Lágrimas, 1921) Anna Almeida Tiago Patrício Oficina de Traduções Ibero-Eslavas na VI Semana de Intercâmbio Cultural Ibero-Eslavo Diálogos através da Tradução 9 de Maio de 2012 Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Jaroslav Seifert 1901-1986 Poeta e jornalista checo Prémio Nobel em 1984 Da sua obra: Cidade em Lágrimas, 1921 – poesia proletária Nas Ondas da TSF, 1925 – poetismo Adeus Primavera, 1937 – poesia do dia comum Apaguem as Luzes, 1938 – poesia combativa O Cometa Halley, 1967 – balanço de vida Coluna da Peste, 1972 – samizdat Em português: Rondeaux Primaveris – Doze Pantumes sobre o Amor (tradução de Bohumila Araújo Hora checa, 1993 (tradução de Dalibor Vrba) Cidade em lágrimas, 1921 Estreia Corrente da poesia proletária : Em reacção à 1ª guerra mundial e a revolução de Outubro nasce uma poesia de protesto contra a guerra e contra a injustiça social Outros poetas proletários: Jiří Wolker, Vítězslav Nezval, Konstantin Biebl, Jan Branislav, Stanislav Kostka Neumann, Josef Hora, Jindřich Hořejší Báseň úvodní (Město v slzách, 1921) Poema introdutório (Cidade em Lágrimas, 1921) Hranatý obraz utrpení je město a sama veliká událost před tvýma očima, čtenáři, otvíráš knížku prostou a nevtíravou a píseň počíná. Imagem quadrada de sofrimento é a cidade e sempre enormes eventos diante dos teus olhos leitor, abres um livro simples e discreto e a canção começa Svou slávou nezvítězilo město nade mnou, svým majestátem a velikostí mě neočarovalo, miluji hvězdy, lesy, prameny a květiny a navrátím se v jejich náruč tajemnou, však dokud z bratří mých trpěti bude jediný, nebudu šťasten, a nespravedlivostí světa vzbouřen, dál jako teď,opřen jsa o zeď fabriky, budu se zalykat kouřem a píseň svoji pět. Com sua fama a cidade não me venceu com a sua majestade e grandeza não me encantou amo estrelas, florestas, nascentes e flores e voltarei aos seus braços misteriosos mas até sofrer um único dos meus irmãos não serei feliz e com a injustiça do mundo revoltado no futuro como agora encostado ao muro da fábrica sufocarei com fumo cantando a minha canção A přece mi cizí je ulice, letí jak prudce mrštěný šíp, aby dobyla světa, a v rytmus mé krve se nikdy nezladí běžící řemeny a kola, jsou jimi spoutány ruce mé a rukou tisíce, aby, když srdce volá, nesměl a nemohl obejmout druh druha; kdybych však do lesů uprchl k pramenům, květinám a lani, takový smutek by mé srdce zchvátil, že nerozhlédna se ani, co je tu krásy, ticha a horoucnosti, do města bych se vrátil, do toho města, jež člověka uchvátí železnou ctností, kde ani slavík nezpívá a nevoní jedlový les, kde zotročen není jen člověk, ale i květina, pták, kůň i pokorný pes. Porém, a rua é estranha para mim voa como uma flecha projectada com força para conquistar o mundo e o ritmo do meu sangue nunca estará sintonizado com as correias e rodas em movimento que atam as minhas mãos e as mãos dos milhares para que quando o coração chama não deva nem possa abraçar companheiro ao companheiro mas se fugisse aos bosques, às nascentes, às flores e à corça tal tristeza agarraria o meu coração que sem sequer olhar em redor quanta beleza, silêncio e ardor há aqui à cidade regressaria a essa cidade que recebe o homem com uma virtude de ferro onde nem rouxinol cante nem floresta de abetos recenda onde não só o homem está escravizado mas também a flor, o pássaro, o cavalo e também o cão humilde Čtenáři dobrý, jenž pročítáš ty řádky, zasni se na chvíli a věz to, že hranatý obraz utrpení před tvýma očima je město; vždyť člověk cítí jako květina: Meu bom leitor que lês estas linhas sonha por um instante e saiba (2.sg.) que a imagem quadrada do sofrimento diante os teus olhos é a cidade pois o homem sente como uma flor: nelámej, netrhej, nešlap! não partas, não arranques, não pises! Estrutura formal do poema e o seu enquadramento na poesia checa do seu período Verso livre de extensão variável com rimas (inspirado provavelmente nos versos do poema Colina dos Amores Pobres (Stráň chudých lásek, 1903) e no livro de poesia Cantos Novos (Nové zpěvy, 1918), ambos de S. K. Neumann. O ritmo dominante da maioria dos poemas do livro de Seifert Cidade em Lágrimas é de três tempos, associado provavelmente aos períodos anteriores de poesia social. Quando aparecem conjuntos de dois tempos, costumam ter matiz significativa própria ou apontam para uma ligação inter-textual. A cadência de conjuntos trissilábicos organizados em série pode, por exemplo, ter objectivo de acumular com uma ênfase enumerativa os atributos da cidade moderna, como acontece nos poemas anteriores de S. K. Neumann que celebram a civilização moderna. Este tipo de verso livre, com rimas e, às vezes, estrofes, chamado pelo teórico da literatura checo Miroslav Červenka* verso solto, tem muitas características do verso métrico. Na poesia checa é utilizado nos finais do século XIX na poesia dos simbolistas checos Březina, Sova e Neumann. A estrofe e a rima colocam este tipo de verso para a proximidade dos géneros líricos subjectivos e intensificam-se na confissão pessoal do poeta. Ao mesmo tempo diminuem a desproporção entre a descarga rítmica fora do verso regular e a habitual consciência rítmica, tornando-se mais compreensíveis para o leitor. * Miroslav Červenka: Dějiny českého volného verše (História do Verso Livre Checo), 2001 Com toda a sua glória/fama a cidade não me (con)venceu com a sua grandeza e majestade não me encantou (como) amo as estrelas, os bosques/as florestas/árvores, as nascentes e as flores e (no entanto, mesmo assim) voltarei aos seus braços misteriosos mas enquanto sofrer um único dos meus irmãos/companheiros?? não poderei ser feliz e revoltado/…… contra a injustiça do mundo agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Com toda a sua glória/fama a cidade não me (con)venceu com a sua grandeza e majestade não me encantou (como) amo as estrelas, os bosques/as florestas/árvores, as nascentes e as flores e (no entanto, mesmo assim) voltarei aos seus braços misteriosos mas enquanto sofrer um único dos meus irmãos/companheiros?? não poderei ser feliz e revoltado/…… contra a injustiça do mundo agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Com toda a sua exaltação a cidade não me convenceu com a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as florestas, as nascentes e as flores e voltarei aos seus braços misteriosos mas enquanto sentir dos meus irmãos as dores não poderei ser feliz e aceitar as injustiças que o mundo quis agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Com toda a sua exaltação a cidade não me convenceu com a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as florestas, as nascentes e as flores e voltarei aos seus braços misteriosos mas enquanto sentir dos meus irmãos as dores não poderei ser feliz e aceitar as injustiças que o mundo quis agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas as florestas as nascentes e as flores e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos as dores não poderei ser feliz e aceitar as injustiças que o mundo quis agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as florestas, as nascentes e as flores e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos as dores não poderei ser feliz e aceitar as injustiças que o mundo quis agora e sempre/no futuro contra/junto ao/o muro da fábrica mesmo a sufocar com o fumo irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas as florestas as nascentes em flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não poderei ser feliz e revoltado contra a injustiça que o mundo diz agora e sempre contra o muro da fábrica sufocarei com os fumos gris irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as florestas, as nascentes e a flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não poderei ser feliz e revoltado contra a injustiça que o mundo diz agora e sempre contra o muro da fábrica a sufocarei com os fumos gris irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas as nascentes e os bosques em flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não serei feliz revoltado contra a sem-razão no futuro como agora contra o muro da fábrica sufocarei com os fumos gris cantando a minha canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as florestas, as nascentes e a flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não poderei ser feliz e revoltado contra a injustiça que o mundo diz agora e sempre contra o muro da fábrica a sufocarei com os fumos gris irei cantar/espalhar a minha música/canção Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as nascentes e os bosques em flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não serei feliz revoltado contra a sem-razão no futuro como agora contra o muro da fábrica sufocarei com os fumos gris cantando a minha canção Com sua fama a cidade não me venceu, com a sua majestade e grandeza não me encantou, amo estrelas, florestas, nascentes e flores e voltarei aos seus braços misteriosos, mas até sofrer um único dos meus irmãos, não serei feliz, e com a injustiça do mundo revoltado, no futuro como agora, encostado ao muro da fábrica sufocarei com fumo, cantando a minha canção. Á exaltação da cidade não me renderei a sua grandeza e majestade não me encantou amo as estrelas, as nascentes e os bosques em flor e aos seus braços misteriosos voltarei mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor não serei feliz revoltado contra a sem-razão no futuro como agora contra o muro da fábrica sufocarei com os fumos gris cantando a minha canção. Poema introdutório Poema introdutório Imagem quadrada de sofrimento é a cidade, cheia de grandes acontecimentos à tua frente, leitor, abres um livro simples e sem pretensão e a canção começa de repente. À exaltação da cidade não me renderei, a sua grandeza e majestade não me encantou, adoro as estrelas, as nascentes e os bosques em flor e aos seus braços misteriosos voltarei, mas enquanto sentir dos meus irmãos a dor, não serei feliz e revoltado contra a sem-razão, no futuro como agora, contra o muro da fábrica sufocarei com os fumos gris, cantando a minha canção. Porém, a rua é estranha para mim voa como uma flecha para conquistar o mundo e o ritmo do meu sangue nunca baterá ao tom das correias e dos rolamentos que atam as minhas mãos e as mãos de milhares sem fim para que quando o coração chama naqueles momentos não se consiga ou possa os companheiros abraçar; mas se fugisse para as florestas e nascentes, com flores e veados, essa tristeza no meu coração iria pesar e sem olhar para os lados para toda a beleza, silêncio e ardor, iria à cidade regressar, a essa cidade que recebe o homem com uma virtude de andor onde nem o rouxinol canta nem a floresta de abetos recende onde o homem, não só está escravizado mas também a flor, o melro, o cavalo e até o cão se ressente. Gentil leitor que lês estas linhas, sonha por instantes e compreende a verdade, a imagem quadrada do sofrimento diante dos teus olhos é a cidade; vês como o homem sente como uma flor: Não partas, não arranques, não pises! Obrigado.