A GESTÃO DEMOCRÁTICA COMO FONTE DE HUMANIZAÇÃO
Maria Angélica Correia Baía (UFAL)
[email protected]
Jane Paula Soares de Almeida (UFAL)
[email protected]
RESUMO
A educação tem sofrido constantes mudanças pela organização, gerenciamento e
relações na sociedade o que gera a necessidade da aplicação de uma perspectiva,
compreendida como democrática nas práticas cotidianas da escola. Logo, a união do
contexto social às atividades educacionais apresenta o discurso de formar cidadãos
participantes e seguros de seu posicionamento sendo indispensável o reconhecimento do
eu, do outro e o que existe e acontece à minha volta. Nesta perspectiva a escola constitui
um espaço de interação das relações humanas, construída através das experiências
acumuladas pelos indivíduos em seu ambiente familiar, social e cultural. Desta forma,
ela organiza-se num espaço de formação, troca de conhecimentos, comportamentos,
valores e práticas entre toda a comunidade escolar, onde a mesma tem a oportunidade
de ampliar as suas atuações perante a sociedade, e no fazer cotidiano revelando novas
possibilidades de ações.Contudo é incontestável a necessidade da gestão democrática no
caráter humanístico para construção da cidadania, visando a edificação da sociedade
com princípios de justiça e igualdade de condição, onde todos tem possibilidades de
desenvolver-se humanamente.
Palavras-chave: Educação. Gestão democrática. Escola espaço sócio-cultural.
1.INTRODUÇÃO
A gestão democrática foi incorporada a educação pela constituição de 19881, que
passou a requisitar dos sistemas públicos de ensino a construção de uma educação
participativa, favorecendo o desenvolvimento da cidadania, ampliando os princípios de
1
Capítulo III, Seção I, Art. 206 inciso VI da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada
em 5 de outubro de 1988.
2
liberdade, solidariedade, igualdade de oportunidade e autonomia. Assim a instituição
escolar regida pela nova concepção de educação precisar superar a tradicional
hierarquia de poder, através de uma gestão que assuma o compromisso com a
participação, capaz de articular a organização do trabalho pedagógico com as relações
inter-sujeitos que são estabelecidas na convivência da comunidade escolar, visando
construir um ambiente de interações comprometido com o desenvolvimento intelectual,
humano e social.
O ideal democrático é hoje reconhecido no Brasil em todos os seguimentos da
sociedade, sendo expresso através de leis, discursos e da implementação das políticas
públicas. No entanto esta democracia tão estudada, discutida e defendida, ainda não
construiu uma prática que garanta a todos as mesmas oportunidades de desenvolvimento
e participação na sociedade. Esta realidade é analisada principalmente no âmbito
educacional, pois apesar do ensino público ser conduzido pelos víeis da democratização,
na realidade das escolas públicas tem se observado a permanência de comportamentos,
atitudes de dominação e situações que monopolizam a participação e o envolvimento,
onde diretores, professores e funcionários têm a escola como propriedade do seu
trabalho evitando as interferências dos demais segmentos. Em alguns casos, tal postura
é justificada pelas competências intelectuais, pois os sujeitos se classificam e se
restringem a convivências com os grupos iguais sendo guardiões do trabalho e do
espaço onde atua.
Entendendo a gestão democrática como necessária para o desenvolvimento
humano, podemos reconhecê-la como um das responsáveis pela valorização da postura
política dos sujeitos enquanto participantes da construção social. Identificando a
complexidade que permeia a escola e diante das novas finalidades da educação, na
tentativa de superar o caos e construir uma sociedade mais humana ressaltamos neste
artigo a importâncias das relações para a construção dos princípios democráticos,
refletindo uma experiência de estágio realizada em uma escola publica de Maceió.
Neste sentido pretendemos pontuar a escola enquanto espaço sócio-cultural, sua
estrutura relacional e organizacional, o valor da troca de experiências para o
crescimento coletivo e a constituição da identidade e do conhecimento de si e do outro.
2.O CONFRONTO DE UMA EXPERIÊNCIA
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De fato, não poderíamos identificar pontos tão cruciais no envolvimento da
democratização e gerenciamento do espaço escolar sem termos iniciado um estudo
sobre um ambiente educacional. Diante disto, optamos por realizar nossas observações
na área da gestão escolar tendo como foco as práticas cotidianas que se efetuavam neste
espaço e como se refletiam nos diferentes ambiente da instituição. Esta experiência
consentiu numa aproximação e identificação do discurso ideológico da escola e de
algumas características referente à sua cultura interna.
Nesta perspectiva nos reportamos à experiência de estágio em gestão escolar
realizado no primeiro semestre de 2010 pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
no período de quatro meses, em uma Escola Pública Municipal de Maceió, destinada ao
atendimento de crianças do 1° ao 5° ano, oriundos de um contexto social precário com
ausência de condições econômicas e educacional.
Como estagiárias nossas expectativas estavam em torno do posicionamento da
escola perante nós, enfim como seríamos recebidas pelas pessoas que trabalhavam e
conviviam naquele ambiente. Inicialmente, podemos reconhecer que a escola mostrouse aberta ao aceitar receber um grupo de estagiarias em seu espaço. Contudo, durante as
visitas, ao tentamos estabelecer um contato mais aprofundado com seus profissionais na
busca de compreender melhor os princípios que regiam a instituição percebemos que o
clima que transpassava a sala de coordenação para todo o ambiente demonstrava
desconforto e descaso pelas pessoas e o trabalho que estava sendo construído no local.
Ao refletimos também sobre a dinâmica estabelecida no cotidiano da instituição
foi possível perceber a ausência de dialogo entre funcionários de setores diferentes e
como estava fragilizada a participação dos mesmos nas decisões de construção coletiva
que caberia a escola.
Apesar da escola manter-se inflexível diante de nosso objetivo, negando-se a
construir um ambiente com troca de diálogos e informações, sabíamos, com base nas
discussões apresentadas neste artigo que este espaço caracteriza-se como unidade social,
porém apesar de suas normas e regulamentações à instituir como portadora dos ideais
democráticos ela posiciona-se segundo um caráter individualista com relação ao
desenvolvimento de suas atividades estruturado num ambiente com baixas ações
coletivas e discussões no traçar de objetivos e metas.
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Tais observações nos instigaram a refletir sobre determinados conceitos que, de
fato, estão presentes no cotidiano escolar. Com isso não é de nosso interesse realizar um
estudo de caso, mas de reconhecer características que estão presentes na escola
cogitando-a não apenas como um espaço para disseminação do conhecimento formal,
contudo partilhando um conceito onde a mesma torna-se também uma unidade social,
composta por sujeitos que com suas características constroem a identidade deste local.
3.REFLETINDO A DINÂMICA DO ESPAÇO ESCOLAR
A escola se constitui como espaço de sociabilidade e interação das relações
humanas, pois a mesma é influenciada pelas experiências acumuladas pelos indivíduos
no seu ambiente familiar, social e cultural. Constituindo-se em um espaço de formação,
troca de conhecimentos, comportamentos, valores e práticas, entre alunos, professores e
todos aqueles que compõem a comunidade escolar, onde Juarez Dayrell em “A escola
como espaço sócio-cultural” destaca que
Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-la
na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a
dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por
homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos,
adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos
concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na
história. Falar da escola como espaço sócio-cultural implica, assim,
resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto
instituição. (DAYRELL, 1996, p. 136)
Desta forma, a instituição escolar tem a oportunidade de ampliar as suas
atuações, e no seu fazer cotidiano, revelar os elementos de seu contexto passando a
representar seu papel social conciente de sua identidade e de como ocupa o espaço da
qual está inserido.
Segundo Libâneo 2007, nesse jogo das relações a escola se estrutura numa
dinâmica relacional e organizacional que unidas colaboram no propósito de
caracterização da escola. Na perspectiva relacional, são definidas as ações dos sujeitos
como participantes, que ao mesmo tempo, se apropria da problemática do contexto
social e das relações coletivas para elaborar e reelaborar sua proposta, pois reconhece
que as práticas educativas desenvolvidas neste espaço interferem diretamente na
realidade social daquele meio.
Seguindo esta linha o âmbito organizacional surge ao olhar da gestão o âmbito
do(s) sistema(s) de educação, cujo processo de organização acarreta todo um conjunto
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de orientações de normas e procedimentos que caracterizam uma cultura interna, onde
se espera o pré-estabelecimento de princípios éticos rogados pela democracia. Desta
forma a escola também apresenta
como foco a construção de uma identidade
participativa que:
Asseguram a racionalização dos usos de recursos humanos, materiais,
financeiros e intelectuais, assim como a coordenação e o
acompanhamento do trabalho das pessoas. (LIBÂNEO, 2007, p. 316)
É importante destacar que a escola ao estabelecer seus princípios e metas
demarca os métodos e recursos que podem ser utilizados, caracterizando assim sua
forma de gestão. As ações e procedimentos devem ser desenvolvidos com atividades
integradas, pois essa perspectiva desencadeia a necessidade de organização, com
direção e avaliação por parte de seus gestores, disponibilizando meios e condições para
efetivação dos seus objetivos. Desta forma cria-se uma possibilidade
dos sujeitos
refletirem sobre o significado do seu trabalho, sendo este na ordem individual e
coletiva, realizada na unidade escolar e comunidade.
4.A GESTÃO DEMOCRÁTICA E SUAS FACETAS
Sem dúvidas a gestão escolar democrática estabelecida como lei na Constituição
Federal de 1988 no Brasil, estruturou bases legais e institucionais , onde, ela passou a
assumir um cargo de maior valor diante de outras instituições sociais, pelo seu papel na
construção e propagação da cidadania. Isso porque o ideal democrático tem um vínculo
propulsor diretamente ligado ao desevolvimento e evolução dos pricípios educacionais.
A medida em que a educação assumiu um perfil emacipatório passou a rejeitar os
ideiais de autoritarismos e manipulação, atentando para a necessidade de formar
cidadãos capazes de assumir uma postura política perante a sociedade.
Diante destes atributos notifica-se a carência de um real trabalho referente ao
desenvolvimento nas condições de igualdade de oportunidade destinadas a população.
Em seguida a esse princípio tende a existir dois patamares que refletem nitidamente
como uma concepção pode ser reconhecida numa organização. Nela encontramos a
visão “macro” do sistema diante do envolvimento que compõem a escola, imprimindo
as decisões na perspectiva política de planejamento, currículo e avaliação que se
refletem no caráter “micro” da instituição referente ao desenvolvimento das práticas em
sala de aula.
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Para tanto é necessário que se tenha convicções, práticas educativas concretas,
padrões éticos e, sobretudo a colaboração no trabalho coletivo para que sejam
ampliados os princípios de justiça e igualdade na mediação do conhecimento, da cultura
e realidade, ao visar oferecer aos sujeitos subsídios em seu desenvolvimento intelectual,
exercendo ações conscientes e transformadoras no meio social. Por isso a valorização de
espaços abertos destinados a comunicação na área da educação e de seus atuantes são
necessários para que as bases que consolidam a democracia possam ser descutidas,
disseminadas e através das trocas de experiências analisadas e postas em prática para
novas reavaliações e aprimoramento.
5.AS RELAÇÕES SOCIAIS E O CRESCIMENTO COLETIVO
Tendo em vista que o ser humano organiza-se para uma vida em sociedade
construindo sua identidade à medida que se relaciona com o outro, ampliando as suas
ações através do diálogo, no traçar de experiências, nas atuações coletivas e na
universalização do conhecimento intelectual. Observa-se que as relações humanas
passam a exigir uma capacidade de articulação e adaptação diante das constantes
transformações de princípios que marcam o espaço/tempo da convivência. Contudo este
processo para estabelecer relações saudáveis pressupõe uma dificuldade considerável no
âmbito social onde JUNG destaca:
É espantoso constatar o quão diminuta é a capacidade das pessoas em
admitir a validade do argumento dos outros, embora esta capacidade
seja uma das premissas fundamentais e indispensáveis de qualquer
comunidade humana. (...) Na medida em que o indivíduo não
reconhece o valor do outro, nega o direito de existir também ao
“outro” que está em si, e vice-versa. A capacidade de diálogo interior
é um dos critérios básicos da objetividade. (JUNG 1984, p. 89).
Deste modo, compreende-se que a convivência permite aos sujeitos, perceber os
limites e possibilidades das suas ações e o surgimento de novas necessidades que os
leva ao autoconhecimento. Tal perspectiva traz o reconhecimento de uma nova
concepção de educação, pois a escola exerce a função de contribuir no preparar dos
sujeitos para a vida em sociedade, e para tanto precisa compreender a relevância das
relações na construção do processo pedagógico. Assim, ela deixa de ser um ambiente
unicamente destinado para transmissão de conhecimento acumulado, passando a
constituir-se como espaço de sociabilidade, interação das relações humanas e de
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igualdade de oportunidade2. Ampliando seu olhar para a complexidade do contexto, ao
emergir o valor do sujeito em ação com as estruturas sociais que enfatizam nos atos
cotidianos as reflexões dos princípios que insurgem aquela instituição ou sociedade.
Naura Syria (2000) vem reforçar esta visão ao enfatizar que a sociedade civil
organizada tem lutado contra uma realidade de condições tão incoerente da qual
estamos presenciamos. Neste sentido destaca que seria por meio das políticas públicas e
da gestão educacional que os princípios anteriormente propostos poderiam servir como
base para o exercício pedagógico, ampliando os olhares para um trabalho realizado não
apenas numa sala de aula, mas no caráter da gestão escolar.
Neste processo existe uma busca pela igualdade de oportunidade compreendendo
a diferença e o respeito que todos merecem por parte do poder público para obter reais
possibilidades de o desenvolvimento humano. Onde é ressaltada a necessidade de
trabalhar do individual para o coletivo. Pois, entende-se que a sociedade precisa
reconhecer características diferenciadas, portanto, a liberdade no poder diferenciar-se
existiria junto às possibilidades adaptadas para o seu desenvolvimento. Entretanto, é
considerável entender que esta concepção, no investimento individual, não significaria
quebrar o caráter social que distingue o ser humano, que por meio da interação e da
relação com o outro criar novas possibilidades de desenvolvimento.
No processo pedagógico quando o sujeito reflete sobre a sua relação com o outro,
ele tem a oportunidade de se remeter a humildade, encontrando possibilidade de
cooperação e envolvimento, aprendendo sobre si e sobre o outro. Logo, todo este
trabalho teria como conseqüência a qualidade no desempenho destas relações sociais,
bem como, as concepções de vida dos sujeitos que compõem esse espaço. Onde se
reconhece a qualidade do processo pedagógico e seu interesse pelas vivências, assim
como são atribuídos sentidos as visões de mundo dos demais participantes.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há duvidas que a democracia escolar refere-se a abertura de campo para
novas ideias, participação da comunidade escolar e de qualquer civil que possa
colaborar com o crescimento deste espaço. Entretanto, constatamos que a democracia
2
Neste sentido, consultar Ferreira, 2000, p. 169. Gestão democrática da Educação para uma formação
humana: conceitos e possibilidades.
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não alude apenas a leis, mas está significativamente relacionada à forma que o ser
humano relaciona-se com o outro, reconhecendo seu valor. Neste caso poderíamos
salientar que o ser democrático pode de fato efetivar-se quando analisado a forma que o
sujeito relaciona-se com a democracia.
Ser democrático significa desafiar-se através de um respaldo, com respeito e
liberdade as diferenças, onde o percurso de determinado ambiente pode ser traçado
segundo um trabalho em equipe, que, para chegar aos seus objetivos depende quase que
exclusivamente das relações. Nele existe a promoção da formação humana, pois existe o
investimento do crescimento em grupo e individual que reflete no ambiente de trabalho
com melhores condições para desempenho de atividades, como também, o próprio
desenvolvimento de conceitos como participação crítica, inovação, tolerância, dentre
outros, que sem dúvidas enriquecem o trabalho coletivo e colabora tanto com a
instituição, como comunidade.
Por isso, não existe o discurso democrático sem que haja a inclusão de princípios
referente as relações sociais, pois, se nos reportamos ao ideal de trabalho coletivo, onde
existe ações elaboradas, discutidas, realizadas e reavaliadas em conjunto, se faz
necessário entender e disseminar o valor que o sujeito tem perante a sociedade,
reconhecendo no mesmo, independente das diferenças de classes sociais, que ele é
portador de direitos e deveres, e mesmo que possua limitações, que devem ser supridas
pelo Estado, elas não podem excluí-lo do meio social
REFERÊNCIAS
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: Múltiplos olhares sobre
a Educação e Cultura. DAYRELL, Juarez (org.), Ed: UFMG, Belo Horizonte, 1996.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Gestão democrática da educação para uma
formação humana: conceitos e possibilidades. Em aberto, Brasília, V. 17, n. 72,
p.167-177, fev/jun. 2000.
JUNG, Carl Gustau. A dinâmica do inconsciente. Petropolis: Vozes, 1984. OSTETTO,
Luciana (org.) Educação Infantil: Saberes e fazeres da formação de professores.
Campinas, São Paulo: Papiros, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar: políticas, estrutura e organização/ José
Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira, Mirza Seabra Toschi – 4ed.- São Paulo:
Cortez, 2007.
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WITTIMANN, Lauro Carlos. Autonomia da escola e democratização de sua gestão:
novas demandas para o gestor. LÜKE, Heloísa. Formação Escolar e Formação de
Gestores. Em Aberto: Brasília. v. 17. n. 72, p. 88 96, Fev/ Jun. 2000.
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