A CULTURA ESCOLAR E A FORMAÇÃO DE MENINAS NA ESCOLA NORMAL RURAL SANTA MARIA (TIMBAÚBA, 1938-1950) Eremilda Vieira da Costa Universidade Federal de Pernambuco Este trabalho baseia-se numa pesquisa em andamento e tem como objetivo compreender a cultura escola na escola Normal Rural Santa Maria em Timbaúba - PE, no período de 1938 1950 Para estudar a cultura escolar nos anos de 1938 - 1950, serão considerados aspectos como a história do estabelecimento, as normas e finalidades, a profissionalização do educador, os conteúdos do ensino, a educação da mulher e as práticas escolares. Entender como essa cultura foi repassada e de que forma foi vivenciada pelos agentes educacionais é um dos objetivos a alcançar. Conforme Julia (2001) faz-se necessário analisar precisamente as relações conflituosas e/ou pacíficas considerando cada período, compreendendo ou percebendo o conjunto das culturas contemporâneas: a religiosa, a política e a popular. Ele define cultura escolar como: “Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar. É um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.” (1993, p.9) É preciso em primeiro lugar, interessar-se pelas normas e finalidades que regem a escola: as leis, os decretos que regulamentam o exercício do curso e as implicações no contexto onde está inserida. Analisando os textos normativos, procura-se desvendar as práticas efetivas e descobrir a finalidade do fazer educativo. Por certo no ambiente da escola deveria haver resistências, contradições e saber como elas aconteceram e se havia alguma reflexão a respeito, ajuda a entender o êxito que a escola estudava alcançou na cidade, sendo referência pelo ensino que ministrava. Um segundo aspecto a enfocar e ainda de acordo com Julia (2001), é que deve-se avaliar o papel desempenhado pela profissionalização do educador. No caso dessa pesquisa falarei de um educador que formava educadoras. As alunas eram submetidas a exercícios, provas orais e escritas para comprovarem a sua preparação para o mercado de trabalho. O professor primário habilita-se para ensinar as crianças a ler e escrever e desempenhar um conjunto de atividades para enfrentar a vida. As aulas de formação pedagógica realmente davam aptidão para o exercício da profissão? No estudo das disciplinas, nas entrevistas, depoimentos e documentos oficiais e não oficiais será possível constatar esses dados. As disciplinas escolares são produtos específicos da escola que caracterizam o sistema adotado. “São inseparáveis das finalidades educativas e constituem um conjunto complexo que não se reduz aos ensinos explícitos e programados. (Julia, 2003 p.33) Chevallard (1991) também confirma que o professor, ao fazer a transposição didática do texto científico para o seu próprio texto em sala de aula, faz muitas adaptações e deformações já recebeu nos diversos segmentos que regulamentam e apóiam o sistema de ensino. Na história constata-se que as disciplinas proporcionam ao professor a liberdade de manobrá-las tendo possibilidade de quebrar a rotina, modificar, questionar sem preocupar-se com a didática que o sistema impõe. Acredito que este foi um recurso utilizado pelas irmãs para adequar ao nosso currículo algumas práticas em exercício na Alemanha. Vale ressaltar que a escolarização não é um processo linear porque as idéias são diferentes, divergentes e combinam-se com sistemas complexos. As idéias educacionais confundem-se com as propostas apesar de as leis apontarem um norte para as práticas. Há que considerar todo o contexto dentro de um período para alcançar os resultados a que se propõe com o máximo de rigor. A Escola Normal Rural Santa Maria em Timbaúba foi inaugurado no ano de 1938, ocasião em que chega ao Brasil as freiras alemãs – as irmãs da Congregação Franciscana de Maristella. Elas vieram da Alemanha ausentando-se do país devido o regime de Hitler – o III Reich. O período escolhido começa com o ano da inauguração e estende-se até 1950, cinco anos depois do término da II Guerra Mundial, o que talvez mostre uma outra prática. Acredito ser um estudo relevante dada a escassez de pesquisas destacando o papel que esses colégios desempenharam na história da educação em Pernambuco e as contribuições sobre a educação da mulher, sua formação, o currículo e o fazer educativo numa escola confessional católica. Nas décadas de 20 a 45 diversos países viviam um momento de instabilidade em vários setores, especialmente no decênio de 30, a crise é mundial. Tratados, acordos, congressos, conferências, restabelecimento de relações diplomáticas eram organizados e partilhados para garantir uma “estabilidade”. A Alemanha, contrariando acordos, continua metodicamente o seu rearmamento. O nazismo se instala enviando, segundo Ribard (1964), 107 deputados Reichstag. Hitler, ao escolher a Alemanha como sua pátria, declarou uma revolução universal. Devotava ódio aos judeus, combatia o comunismo e almejava ter no país uma raça superior para o representar. Foi o mentor intelectual dos novos pressupostos para transformar seu novo lar em uma potência. Toland (1978) comenta que o racismo tornou-se o mais diabólico objeto do nazismo, apontando para uma total descrença em Deus e procurando anular o cristianismo. Dupeux (1992) afirma que Hitler não tinha como objetivo atacar a igreja mas fazê-la acreditar que a liberdade cultural seria mantida caso renunciasse à sua própria política e servisse ao III Reich. O que se percebeu é que o acordo não foi cumprido na prática como se percebe na citação: “As escolas, os jornais, as Ordens religiosas são submetidas a ações de desorganização sem que a Igreja seja jamais atacada frontalmente sobre o plano religioso.” (Dupeux, 1992, 252) Nesse contexto político quando as ordens religiosas perderam sua autonomia, as irmãs da Estrela conseguiram, através de Dom Bonifácio Jansen, bispo de Olinda, vir para o Brasil e trabalharem em colégios que encontravam-se desativados. Pernambuco vivia também sob um regime autoritário. Era a época do Estado Novo visto como um governo forte porque as atenções e decisões eram centradas nos governantes. Agamenon Magalhães como interventor era o homem de confiança de Getúlio Vargas - o presidente. Assim como na Alemanha, onde o governo luta contra o comunismo e a Igreja une-se à luta persuadindo seus fiéis a combatê-los e rezar para extirpar da sociedade este “flagelo”. (Lima, 1978, 55 e 56) Por isso, no Brasil, as ordens religiosas eram sempre bem-vindas para auxiliar na proposta do governo, fortalecer a religiosidade e apoiar o projeto educacional. A Escola Normal Rural de Timbaúba era uma nesse universo com o objetivo de formar meninas em mães, educadoras, religiosas, timbaubenses, filhas de agricultores. Estudar a educação feminina é adentrar um questões de gênero, do social e na diferença do para quê e do como educar a mulher uma vez que não era vista como pessoa que deveria ter acesso ao ensino formal. A educação era voltada para a vida doméstica. Aprendiam a bordar, costurar, dançar, cuidar das crianças. Leitura era só um pretexto para não crescerem totalmente ignorantes. Essa era uma tarefa confiada para alguns segmentos da organização católica. Para entender como se efetiva a prática em uma escola confessional católica diferentes artigos foram lidos para auxiliar na compreensão do objeto de estudo. Dessa leituras constatou-se que, para escrever sobre a cultura escolar seria preciso restaurar essa memória e compreender os múltiplos espaços e interdições onde acontece tanto a aceitação pacífica das normas como o inconformismo. A História Oral está sendo utilizada na metodologia. A História Oral foi utilizada de forma importante nos primórdios da civilização quando ainda não existia a escrita. Os acontecimentos e conhecimentos eram repassados de uma geração à outra através da oralidade. Como afirma Tomasello ( 1999), esta é uma característica apenas do ser humano que tem em sua ontogênese a possibilidade de acumular conhecimentos. Com o surgimento da escrita e o costume de registrar os fatos, a História começou a ser contada e repassada de forma diferente. Estes registros oficiais faziam parte das fontes de pesquisa nas diferentes linhas ou instâncias do conhecimento. Novos objetivos de estudos e novas fontes para pesquisa são alargadas e diversificadas e começaram a evidenciar-se primeiramente na Europa a partir dos anos 60 nas áreas do conhecimento: Sociologia, Antropologia, Teoria Literária, Lingüística. No Brasil, acontece este “surgir” em meados de 80 através de associações científicas, eventos e periódicos especializados. A História da Educação sofre influência desta nova tendência e passa a investigar temas que eram considerados pouco nobres, baseando-se na revolução da Escola dos Annales. Esta escola buscou alargar os objetivos, fontes, abordagens, que se utilizavam tradicionalmente nas pesquisas influenciando historiadores a considerarem novas fontes e aceitando-as como por exemplo: além dos documentos oficiais, são considerados fontes, qualquer traço ou vestígio do passado, objetos, espaços, autobiografias, correspondências, história oral contada com todas as suas nuances, etc. diários e A Nova História cultural traz o legado de Febvre e Bloch bem como seus seguidores. Passa a ter como base o estabelecimento de relações e associações nas diversas fontes e com as teorias que embasam o tema em estudo. A periodização com significado torna-se neste caso, importante para a produção da pesquisa com temas pontuais, localizados, passíveis de aprofundamentos. (Lopes e Galvão, 2001) História Oral passa a ocupar um lugar de destaque na medida em que se considera a palavra – um documento. Um documento escrito que conta a história do problema em foco considerando a realidade desvelada através das emoções, da memória, da lembrança com a noção de subjetividade. De acordo com Meihy; (1996) a História Oral tornou-se um importante denominador comum e define-a como um conjunto de procedimentos que vão desde o planejamento do projeto, a definição da colônia, a eleição das redes, o estabelecimento de uma pergunta de corte, a elaboração das entrevistas, a feitura dos livros dos textos e a devida guarda, a conferência e a devolução do documento à comunidade que o gerou. Tem procedimentos estruturados por regras que a qualificam como atividade profissional, acadêmica, fundamental em valores teóricos que perfilam-se no princípio da humanização da História. Conta o que aconteceu reconstruindo os fatos; as experiências; os acontecimentos; os valores, a face externa - o concebido; a face interna - o vivido; as relações com o grupo mais próximo e/ou comunidade onde está inserido o sujeito; reconstruindo e organizando através da memória uma história pessoal ou do grupo. Numa perspectiva sociológica não se restringe a uma história de vida, a um relato, a um único depoimento porque trabalha com relatos de vários indivíduos de uma mesma coletividade, abrindo a possibilidade de leitura do social. Assim o documento resultante traz a intenção de transmitir de forma contextualizada trazendo o passado e o presente e uma dada situação da realidade no sentido de oferecer um serviço para análise de outro pesquisador que queira se apropriar do fato pesquisado. Em todos os casos, as fontes orais baseiam-se na memória e esta é uma reconstrução que evoca o passado numa perspectiva presente sob diversos aspectos: o social, o econômico, o político e de uma certa forma o familiar, bastante presente nas falas que reproduzem a memória individual e a memória coletiva que pode apresentar falhas, esquecimentos, omissões intencionais ou não. Da mesma forma que em outros tipos de pesquisas utiliza instrumentos para coletar os seus dados: projeto de pesquisa com um plano de trabalho; entrevistas que trabalham com o resgate da memória criando documentos através das fontes coletadas; gravações que depois de transcritas chegam a uma textualização e transcriação. Com reflexão e análise de forma contínua em todos os momentos, a pesquisa caminha no sentido de reconstituir passo a passo a história que se quer resgatar. Para Ronald Fraser “a História Oral não se presta para procurar informações “objetivas” sobre o passado entendida como uma espécie de simples depósito acumulador de experiências que ficam ali guardadas até que sejam resgatadas ou “lembradas” com maior ou menor clareza mais sempre objetivamente.” (Gallian, 1996, 143) O resgate do passado revela-se no diálogo entre o presente e o passado que alcança diversos níveis como o consciente, o inconsciente e o supra-consciente revelando ao mesmo tempo objetividade e subjetividade. O sentir, o pensar, o recontar, traduz-se como um trabalho. O trabalho em que a memória esforça-se para revelar. Para Lucena (1996), enquanto o sujeito narra, evoca lembranças dele mesmo, da família, do grupo social onde se inseriu/insere construindo representações e transformando as idéias e imagens guardadas em realidade. Para reviver a imagem é preciso identificar o objeto e atribuirlhe significado através da imaginação e do imaginário. Foram feitas diversas entrevistas. Uma delas com a Madre Superiora Geral da Congregação Franciscana de Maristella. Quatro com alunas da primeira turma em 1943 e que exerceram a profissão de professoras em escolas públicas e particulares. Apenas uma aluna da segunda turma foi entrevistada e atuou e continua exercendo seu ministério como freira e no magistério em diversas funções na congregação. Pretende-se entrevistar duas alunas de cada turma e moradores da cidade para ajudar a reconstruir essa história. Concomitantemente às entrevistas, pesquisas foram feitas e diversos outros documentos refletem um pouco do muito que precisa ser realizado. No arquivo publico estadual de Pernambuco: jornais, cartas, notas, telegramas, ordens judiciais do governo Agamenom Magalhães. A busca não terminou. No acervo da escola foram coletados: manuais escolares de diversas disciplinas, Matricula do Curso Normal, Movimento no Internato, registro contábil de entradas e saídas em alemão, boletins de informações para o Serviço de Estatística de Educação e Saúde, Livro das atas de colação de grau, Livro de Atas dos Exames de Admissão ao Curso Normal, Livro de Matrícula dos Alunos do Colégio Santa Maria, Livro com Movimento Escolar contendo relatórios ano a ano, apostila com pequeno histórico da festa dos 60 anos, um livro contendo a história da congregação, um livro de crônicas em alemão, cartas, trabalhos dos alunos. Bibliografia CHEVELLARD Yves, La Transposición Didática, Del Saber Sábio Al Saber Enseñado Tradução Cláudia Gilman, Grupo Editor S.A. Capital Federal , 1991 DUPEUX, Louis. História Cultural da Alemanha – 1919 – 1960, Civilização Brasileira, RJ. 1992.b GALLIAN, Dantes Marcelo. Memória do Exílio. Reflexões sobre Interpretação e Documentos Orais, in Meihy, José Carlos Sebe Bom org.: (Re) introduzindo a História Oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996. JULIA, Dominique A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Trad. Gizele de Souza. Rev. Bras. de História da Educação. Editora Autores Associados. Campinas, SP, 2001 LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. História Oral: Muitas Dúvidas, Poucas Certezas e uma Proposta in Meihy, José Carlos Sebe Bom. Org.: (Re)introduzindo uma História oral no Brasil: São Paulo: Xamã, 1996. LIMA, Danilo. Educação Igreja e Ideologia: uma análise sociológica da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, Rio de Janeiro. F. Alves, 1978 LOPES, Eliane Marta Teixeira e Ana Maria de Oliveira Galvão. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A. 2001. LUCENA, Célia. Mobilidade Social: História da Família e Variedades de Gênero; in Meih, José Carlos Sebe Bom org: (Re)introduzindo a História Oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996 RIBARD, André. 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