XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE DISCENTES SOBRE OS CURSOS DE LICENCIATURA DE UMA IFES MINEIRA Rogéria Viol Ferreira (UFV) Ana Cláudia Lopes Chequer Saraiva (UFV) Resumo Essa pesquisa buscou investigar as Representações Sociais (RS) de discentes universitários sobre os Cursos de Licenciatura de uma IFES mineira. Optou-se pela Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-metodológico, dialogando com as teorias de Serge Moscovici, além das de Pierre Bourdieu. O estudo teve como objetivo caracterizar as relações estabelecidas entre discentes universitários e os cursos de Licenciatura, tendo como foco de análise os elementos envolvidos no processo de formação docente. Assim, buscaram-se identificar os significados - as atitudes, informações e imagens - construídos pelos graduandos sobre os respectivos cursos. Na análise dos dados verificou-se que as expectativas e atitudes dos licenciandos em relação ao curso escolhido, parecem não terem sido balizadas por um interesse direcionado à profissão docente, mas por condicionantes econômicos, sociais e educacionais relativos às suas trajetórias pessoais e profissionais. Considera-se ainda, as imagens negativas construídas em relação às Licenciaturas e à docência, incorporadas em suas trajetórias sociais e reforçadas na própria instituição, através de fatos vivenciados e compartilhados pelos discentes. Verificou-se que os conteúdos estruturadores das RS dos discentes sobre o curso de Licenciatura se ancoram, sobretudo, no nível sócio-econômico dos mesmos, o que demonstra que não estão fazendo esse curso por vontade de exercer a profissão, mas sim pela empregabilidade. Com relação aos cursos de Licenciatura percebeu-se que os discentes têm uma visão de que, mesmo com suas qualidades, estes vêm enfrentando dificuldades com necessidades de reformas e mudanças. É preciso, então, repensar o papel das instituições de ensino superior na formação de professores. Os resultados mostram-nos que não se pode falar sobre formação de professores de forma indissociada à realidade enfrentada pelos profissionais dessa área. Por isso, pensar as Licenciaturas e a formação inicial implica em abertura permanente às vozes dos educandos e da sociedade, constituindo as sínteses necessárias para avanços na formação. Palavras chaves: Educação Superior; Formação de Professores; Licenciandos. 1– INTRODUÇÃO O presente trabalho é um resultado parcial de uma pesquisa que vem sendo realizada acerca dos cursos de Licenciatura e da formação inicial na docência, buscando contextualizar os cursos de Licenciatura e seus discentes focalizando seus processos formativos e saberes envolvidos na profissionalização inicial da docência. Para Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003368 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 produção deste trabalho, especificamente, buscou-se identificar as Representações Sociais dos discentes sobre os cursos de Licenciatura, realizada com estudantes que faziam uma das doze Licenciaturas oferecidas por uma IFES mineira, sendo elas: Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Dança, Educação física, Educação Infantil, Física, Letras, Geografia, História, Matemática, Pedagogia e Química. Esta pesquisa foi fomentada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq). Esta etapa do estudo teve como objetivo geral caracterizar as relações estabelecidas entre discentes universitários e os cursos de Licenciatura, tendo como foco de análise os elementos envolvidos no processo de formação docente. Mais especificamente, objetivou identificar os significados - as atitudes, informações e imagens - construídos pelos discentes sobre os cursos de Licenciatura da instituição. Nóvoa (1995), ao referir-se à formação docente, busca descrevê-la como sendo mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, ou seja, a formação de professores é o momento-chave da socialização e configuração profissional. Buscando fazer uma retrospectiva histórica sobre a profissão docente, o referido autor nos apresenta que nas últimas décadas, a formação docente tem-se constituído num amplo campo de pesquisa, de forma a investigar o que o professor pensa sobre o que faz, como vem construindo seus conhecimentos, o que caracteriza seus saberes e como se apropriam dos mesmos no âmbito da prática educativa (NÓVOA, 1997). A fim de atingir esses objetivos a pesquisa fundamentou-se na Teoria das Representações Sociais (RS) de Moscovici, buscando compreender quais os significados construídos pelos discentes em relação aos cursos de Licenciatura. As RS podem ser compreendidas, segundo Moscovici (1978, p. 78), como “ciências coletivas” sui gêneres, teorias do Senso Comum que se manifestam sob a modalidade de “conceitos, explicações e afirmações”, determinando o campo das interlocuções possíveis, das crenças, das concepções socializadas e orientando as condutas desejáveis ou legitimadas de um grupo na relação com os objetos sociais do cotidiano. Considerando que as representações sociais não se configuram como estruturas abstratas, autônomas, desvinculadas da materialidade concreta e social de seus atores sociais, buscou-se nesta pesquisa dialogar também com a teoria de Pierre Bourdieu. De acordo com Bordieu (1960), o indivíduo, no decorrer de sua trajetória, dependendo de suas condições materiais e sociais de existência, pode vir a acumular, por meio do ambiente onde vive, das pessoas com quem se relaciona, das práticas Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003369 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 sociais que realiza, dentre outras experiências, o capital cultural. Este passa a ser incorporado pelo indivíduo como herança cultural e social, transmitida por sua família ao longo da trajetória de vida dele. O processo de incorporação da herança cultural e social pelo indivíduo é explicado por Bourdieu através do conceito de habitus. Esse conceito faz referência às predisposições duráveis do modo de agir, pensar, viver e portar-se dos indivíduos. O habitus é adquirido pelo convívio social, de modo que “os gostos mais íntimos, as preferências, as aptidões, as posturas corporais, a entonação de voz, as aspirações relativas ao futuro profissional, tudo seria socialmente constituído” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p. 19). O conceito de habitus se interrelaciona com a noção de campo, compreendida como certos espaços de disposições sociais, nos quais determinado tipo de bem é produzido, consumido e classificado (BOURDIEU, 1983). Observa-se, portanto, que o habitus adquirido pelo indivíduo interfere diretamente em suas ações no campo. A origem social e cultural dos sujeitos torna-se, dessa forma, um elemento esclarecedor de suas trajetórias sociais. Sendo assim, esse estudo propôs-se através das teorias de Serge Moscovici e Pierre Bourdieu estabelecer um diálogo com universitários dos Cursos de Licenciatura de uma Instituição Federal de Ensino Superior de Minas Gerais, dando destaque para os universos consensuais constituídos pelos discentes, suas representações sociais instituídas e compartilhadas nos processos de interações sociais vivenciados em seu processo de formação inicial no âmbito docente. 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste estudo optou-se pela Teoria das Representações Sociais (RS) como referencial teórico-metodológico, desenvolvendo a pesquisa dentro da abordagem metodológica qualitativa, uma vez que envolveu a inserção do pesquisador na realidade psicossocial dos sujeitos envolvidos, tendo como foco de análise os significados atribuídos por esses às experiências vivenciadas em sua formação inicial docente. A pesquisa envolveu a participação de 400 discentes de uma IFES mineira, matriculados nos doze cursos que ofertam a modalidade Licenciatura: Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Dança, Educação física, Educação Infantil, Física, Letras, Geografia, História, Matemática, Pedagogia e Química. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003370 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 Neste estudo foram priorizados os seguintes instrumentos para coleta de dados: a) um questionário com perguntas estruturadas que se relacionaram com os fatores sociais, econômicos e culturais dos entrevistados. Para a análise das respostas, do referido questionário, recorreu-se à análise de conteúdo, envolvendo processos de categorização dos eixos temáticos e a tabulação gráfica. b) a técnica de associação livre (ABRIC, 1994) na qual buscou-se, por meio de condutas projetivas e espontâneas, a identificação de saberes, atitudes, imagem relacionados à frase indutora “os cursos de Licenciatura na sua instituição....”. As palavras evocadas foram primeiramente analisadas através de procedimentos estatísticos, destacando os indicadores de freqüência e hierarquia e c) fontes documentais disponibilizadas pela instituição investigada. Considerou-se os dados disponibilizados no site da instituição e os arquivos do Registro Escolar. Ambos potencializaram informações sobre as relações candidato/vaga por curso, número de alunos matriculados nas modalidades Licenciatura e Bacharelado, expressividade social dos cursos (menor e maior prestígio), dentre outros. Os eixos temáticos contemplados na coleta e organização dos dados versaram sobre os seguintes aspectos: a) perfil sócio-econômico dos alunos que ingressaram nos cursos de Licenciatura; b) relação existente entre o perfil destes e a expressão social dos referidos cursos no âmbito acadêmico; c) motivos relativos à escolha destes cursos; e d) desafios enfrentados no curso e perspectivas relativas à atuação na docência. Mais especificamente, na “técnica de associação livre” buscou-se a identificação dos conteúdos simbólicos das RS (acesso ao universo semântico). A opção pelo instrumento se justificou dado o seu caráter projetivo, que favorece a emergência de elementos latentes do “universo semântico” dos atores sociais, que poderiam ser ocultados ou mascarados em suas produções discursivas. Para aplicação da técnica de associação livre, primeiramente, foi solicitado aos discentes que, a partir da frase indutora “os cursos de Licenciatura na sua instituição....”, listassem cinco palavras. Posteriormente, pediu-se que os mesmos as reorganizassem em ordem de prioridade, da maior para a de menor importância. Os dados obtidos foram primeiramente analisados estatisticamente procedendo-se a contagem numérica das palavras associadas que, posteriormente, foram agrupadas segundo o critério de proximidade semântica. Através de procedimentos estatísticos, foi somado e totalizado a frequência de cada grupo de palavras, além do cálculo da média das prioridades. Após esse procedimento os resultados estatísticos foram analisados qualitativamente. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003371 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 3 - DISCUSSÃO DOS DADOS Propõe-se apresentar nesta seção a sistematização dos dados obtidos. Na primeira subseção, será apresentado o perfil sócio-econômico e cultural dos alunos que ingressaram no curso de Licenciatura. Posteriormente, será discutida a relação existente entre o perfil dos ingressos e a representação dos cursos de Licenciatura no âmbito social e acadêmico. E, na terceira subseção, o curso de Licenciatura nas Representações Sociais dos discentes será apresentado. 3.1 Perfil sócio-econômico dos alunos que ingressaram nos cursos de Licenciatura da instituição investigada Todo estudo sobre as RS envolve a compreensão de “quem representa”, ou seja, o grupo social que é porta voz das representações. Destacamos para tanto, a necessidade de uma contextualização social e histórica dos licenciandos. Analisando os dados do questionário que versavam sobre o perfil sócioeconômico dos licenciandos, obteve-se que os discentes dos cursos de Licenciatura em questão são oriundos de famílias de classe média baixa, cujo nível de escolarização dos pais é significativamente inferior ao dos filhos, sendo que cerca de 41% dos pais possui um nível de escolarização inferior ao Ensino Médio completo, e aproximadamente 60% deles atuam em profissões de baixo prestígio social. Em relação à escolaridade e profissão das mães temos que cerca de 70% têm escolarização inferior ao Ensino Médio, e por volta de 52% têm profissões que sequer exigem 1º grau completo. 63% dos discentes possuem uma renda familiar inferior ou igual a quatro salários mínimos. Em relação às atividades profissionais, cerca de 32% dos discentes exerciam alguma atividade antes de ingressar no curso que faz. Destes, 74% não trabalhavam em atividades relacionadas à educação. Depois do ingresso no curso de Licenciatura temos que 28% trabalham e destes, 78% exercem atividade relacionada à educação, invertendo o quadro anterior. Porém, a renda mensal do entrevistado, no geral, não atinge um salário mínimo. O público entrevistado é, em sua maioria, do sexo feminino (56%). Com relação ao ingresso dos entrevistados no curso de Licenciatura temos que 48% prestaram vestibular somente uma vez e 67% não tiveram o curso de Licenciatura como primeira escolha. Essa disparidade se deve ao fato de muitos terem pretendido Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003372 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 somente o Bacharelado quando ingressaram no Ensino Superior, sendo a opção pela Licenciatura posterior ao ingresso. 3.2 Relação existente entre o perfil dos ingressos e a representação dos cursos de Licenciatura no âmbito social e acadêmico Os dados obtidos através de fontes documentais disponibilizadas pelo Registro Escolar da instituição pesquisada indicaram que, em relação aos pontos máximos e mínimos obtidos no vestibular 2010, os cursos que oferecem Licenciatura permanecem entre aqueles com menor relação candidato/vaga no vestibular, ou seja, não são preferencialmente os cursos buscados pelos candidatos ao ingresso na Universidade. Destaca-se ainda que quatro dos cinco cursos menos concorridos no último vestibular desta instituição oferecem a modalidade Licenciatura e que os demais cursos que formam professores, com exceção de Ciências Biológicas, estão bem abaixo daqueles considerados mais disputados. Tem-se, também, que a pontuação mínima para se conquistar uma vaga em um curso na modalidade Licenciatura na instituição pesquisada, geralmente, não ultrapassa 50 pontos, com exceção de Ciências Biológicas (57,96) e História (51,99). Estes cursos ficam bem abaixo da pontuação dos cursos mais disputados, como Direito e Engenharia Química, cujos mínimos são 69,75 e 73,70, respectivamente. Considerando-se a relação candidato/vaga nos últimos cinco anos dos cursos que possuem a modalidade Licenciatura, é possível notar que em alguns cursos houve decréscimo ou, praticamente, estagnou-se a disputa de uma vaga para ingresso nestes. Isso demonstra o desinteresse dos estudantes pelos cursos de formação de professores. Com base nesses mesmos dados, identificou-se os cursos de maior prestígio e de menor prestígio nessa universidade. A partir desse levantamento, observou-se que em 2007 e 2008, cinco entre os dez cursos de menor prestígio possuem a modalidade Licenciatura, aumentando esse número para oito nos anos de 2009 e 2010, onde passaram a existir os cursos noturnos voltados especificamente para formar licenciados. Ressalta-se, também, que somente um curso que possui a modalidade Licenciatura, Ciências Biológicas, está listado entre os dez de maior prestígio. No segundo semestre de 2009, através dos dados fornecidos pelo Registro Escolar da instituição pesquisada, os cursos que oferecem a modalidade Licenciatura contaram com 1.775 alunos cursando alguma Licenciatura (80,24%), sendo que 916 Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003373 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 (41,41%) cursam somente Licenciatura e 859 (38,83%) cursam as duas modalidades, ou seja, não pretendem somente a carreira de professor. Os outros 19,76% cursam somente o Bacharelado. Diante desses resultados somos levados a problematizar sobre o desprestígio social que a profissão docente assume no cenário socioeconômico e cultural. Deste modo torna-se compreensível o desinteresse pelos cursos destinados à profissionalização docente. Compartilhamos com Tardif e Lessard (2005) o entendimento de que é incontestável nas sociedades contemporâneas o papel social, político e cultural que os docentes desempenham no processo de socialização e de formação pessoal e profissional de sujeitos em etapas diferenciadas de desenvolvimento. Entretanto, trata-se de uma profissão que vem perdendo o prestígio social, fato não apenas constatado na atualidade, mas, na conjuntura histórica da educação. 3.3 O curso de Licenciatura da UFV nas Representações Sociais de seus discentes 3.3.1 Perguntas estruturadas Analisando as respostas dos entrevistados sobre o(s) motivo(s) que os levaram a cursar uma Licenciatura identificou-se nas falas, em ordem de frequência: gostar de ensinar, complementação curricular, oportunidade de emprego, influência de exprofessores, o desejo de mudar o quadro atual da educação no Brasil, dom, a influência familiar, interesse após o ingresso no ensino superior, segunda opção, falta de opção, facilidade de ingresso. Procurou-se saber se quando o licenciando ingressou pretendia fazer somente Licenciatura, somente Bacharelado ou as duas modalidades, Licenciatura e Bacharelado. Em seguida, buscou-se identificar em qual dessas três opções ele se encontra no momento. Inicialmente constatou-se que cerca de 20% pretendiam somente o Bacharelado, 12% somente a Licenciatura e a grande maioria (68%) pretendiam cursar as duas modalidades. Porém, como se pode notar na Tabela 1 em anexo, 62% dos entrevistados encontravam-se, naquele momento, matriculados somente na Licenciatura, havendo uma significativa desistência em relação a fazer o Bacharelado. Essa maior adesão ao curso de Licenciatura é justificada por eles como uma oportunidade de conseguir emprego, além de complementação curricular, interesse após o ingresso no Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003374 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 ensino superior, aproveitar o tempo, aquisição de mais conhecimento e ampliação da área de atuação no mercado de trabalho. Já a desistência do curso de Bacharelado foi justificada com os seguintes argumentos: dificuldades acadêmicas, insatisfação/desinteresse, Bacharelado ser desnecessário, aptidão pela educação, deixar o Bacharelado para depois. Outro aspecto que se procurou saber sobre os entrevistados foi se esses enfrentam ou enfrentaram alguma dificuldade como aluno(a) no curso de Licenciatura. 49,15% das respostas foram negativas e 50,85% positivas. As justificativas destes últimos foram: falta de professores/infraestrutura, falta de prática, grande demanda de tempo, preconceito, dificuldades nas disciplinas, baixa qualidade, falta de interdisciplinaridade dificuldades financeiras. Em seguida, questionou-se aos licenciandos se eles sentem que a formação oferecida no curso de Licenciatura que faz é suficiente para que exerçam, futuramente, uma boa prática docente. A maioria dos entrevistados (57,86%) respondeu que sim, justificando com a qualidade da instituição, por não depender somente do curso, mas também de si mesmo. Houve, ainda, os que responderam que sim, mas há coisas que precisam mudar. A minoria, mas em número significativo (42,14%), respondeu que não, justificando com a falta de prática, por ser diferente da realidade, pela falta de apoio institucional e falta de reconhecimento. Por fim, perguntou-se se eles se sentem satisfeitos com o curso escolhido. A grande maioria dos licenciados encontra-se satisfeito ou muito satisfeito com o curso de Licenciatura que faz, sendo pequena a parcela de entrevistados que se declararam insatisfeitos. Reconsiderando os dados relativos ao perfil sócio-econômico e as inferências apresentadas no processo de análise, acrescidas de novas informações explicitadas nesta subseção, pode-se considerar que, mesmo em se tratando de um curso de “menor prestígio acadêmico”, esse representa uma maior oportunidade de emprego para um segmento social desfavorecido. Esses provavelmente teriam poucas possibilidades reais de ingresso e desempenho escolar em cursos de maior prestígio social os quais lhes exigiriam uma bagagem cultural que lhes favorecessem ao êxito acadêmico. Temos assim que as atitudes/decisões dos discentes estão atreladas as suas condições materiais e sociais de existência vinculadas ao mesmo tempo à possibilidade de terem emprego e a avaliação dos limites individuais de sua formação pré-profissional. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003375 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 3.3.2 Técnica de associação livre Da técnica de associação livre, identificamos 26 grupos formados pelas palavras associadas à expressão indutora “Os cursos de Licenciatura na sua instituição...”. A figura 1, em anexo, apresenta a configuração sistematizada das categorias obtidas. Na análise verificaram-se dois campos de principal enfoque dos estudantes: o que se remete aos cursos de Licenciatura e a instituição que os oferece; e o pessoal, que sofre as reflexões que os referidos cursos causam na vida destes estudantes. Referindose ao primeiro campo, os alunos mostram sua insatisfação com o descaso da instituição e a baixa qualidade dos cursos de Licenciatura oferecidos por esta, defendendo que estes são sempre deixados em segundo plano tanto pela instituição, quantos pelos próprios alunos e professores, que também são criticados pela falta de motivação e incentivo. A insatisfação também é remetida ao campo pessoal, onde destacam a desvalorização que irão enfrentar quando se tornarem professores, pelo baixo salário, entre outros. Essas situações fazem com que esperem por mudanças, mudança essa que deve alcançar os professores, os alunos e a própria instituição. Os professores devem se adequar às disciplinas que oferecem, já os alunos devem encarar os cursos com mais dedicação, e a instituição, segundo os discentes, deve se organizar para que as Licenciaturas sejam mais bem preparadas e contextualizadas com a realidade. Porém, mesmo com as críticas e as necessidades de mudança, os alunos reconhecem a qualidade dos cursos de Licenciatura nesta instituição se referindo ao reconhecimento nacional que esta possui. Essa ambigüidade presente nas falas referente à insatisfação com o descaso e a baixa qualidade dos cursos versus o reconhecimento da qualidade dos mesmos nessa instituição pode dever-se à realidade educacional histórica que o país enfrenta e que se encontra, através dos discursos, internalizada nos discentes, como a falta de apoio, a desvalorização e o preconceito aos que a esse campo se dedicam. Essa situação por sua vez não está impedida de se refletir dentro da própria instituição. Porém, por mais que esse discurso esteja imbricado nos sujeitos, os mesmos não deixam de reconhecer o quanto a universidade em que se encontram cursando uma Licenciatura é reconhecida. Além disso, não se pode desprezar o fato das diversidades que uma pesquisa que dá voz aos sujeitos pode apresentar, devido às opiniões que nem sempre são consensuais. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003376 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 No campo pessoal, destacam o investimento que fazem ao se graduar num curso que oferece um currículo, uma formação e um conhecimento que os beneficiarão futuramente, mesmo destacando sempre o desapontamento com a desvalorização profissional. 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, pode-se concluir, conforme compreende Bourdieu (1978) sobre as implicações culturais trazidas pelos discentes de suas realidades, que as representações sociais desses sobre os cursos de Licenciatura precisam ser compreendidas nos contextos histórico-sociais de sua emergência, já que percebe-se através da pesquisa que as expectativas e atitudes construídas pelos licenciandos em relação ao curso escolhido, parecem não terem sido balizadas por um interesse direcionado à profissão docente, mas, em seu sentido mais amplo, por condicionantes econômicos, sociais e educacionais relativos às suas trajetórias pessoais e profissionais. Considera-se ainda que essas representações apontam para indissocialização entre os cursos de Licenciatura e a conjuntura sócio-política e econômica do ensino superior, pois é possível concluir através dos resultados que as imagens relativas aos cursos foram incorporadas em suas trajetórias sociais - com destaque a herança cultural internalizada - e reforçadas na própria instituição, com os fatos vivenciados e compartilhados pelos discentes. Tem-se ainda que os sujeitos em representação são provenientes de famílias social e economicamente desfavorecidas, cujo nível de escolarização é baixo, o que faz com que a opção pelos cursos de Licenciatura, cujo prestígio social e institucional é inferior aos demais cursos, possibilite a esses facilidade de ingresso no ensino superior, vindo a representar uma possibilidade de ascensão social e empregabilidade, demonstrando que não estão fazendo esse curso por aptidão ou por vontade de exercer a profissão de professor. Com relação aos cursos de Licenciatura percebe-se que os discentes têm uma visão de que, mesmo com suas qualidades, estes vêm enfrentando dificuldades com necessidades de reformas e mudanças. É preciso, então, repensar o papel das instituições de ensino superior na formação de professores. Em relação a esses problemas percebem-se avanços, pois a reflexão dos discentes tem demonstrado que assuntos de formação pairam os vários ambientes formativos (instituições, entidades educacionais e o cotidiano pedagógico) e o tema Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003377 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 formação extrapola a sala de aula, demonstrando o que, a rigor, os grandes pensadores da educação já anunciaram: a formação humana implica numa perspectiva de totalidade em que os ambientes formativos se entrecruzam e produzem um homem social. Ou seja, não se pode falar sobre formação de professores de forma indissociada à realidade enfrentada pelos profissionais dessa área. Apesar das contradições reveladas pelos licenciandos, identifica-se a emergência de um processo emancipatório de formação profissional em que as reflexões dos alunos apontam para um processo de conscientização das contradições de diversas ordens que compõem a realidade da formação docente. Por isso, pensar as Licenciaturas e a formação inicial implica em abertura permanente às vozes dos educandos e da sociedade. Essas duas vozes podem, no seu entrecruzamento, constituírem as sínteses necessárias para avanços na formação. Volta-se o olhar, neste contexto, para os cursos de Licenciatura e sua representatividade em relação aos demais cursos universitários. Sua legitimação e reconhecimento precisam ser contextualizados considerando a função atribuída pela sociedade à educação, aos seus profissionais e os saberes que difundem. REFERÊNCIAS ABRIC, J. C. Prácticas sociales y representaciones. México: Ediciones Coyoacán, 1994. BOURDIEU. P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. NÓVOA, A. [Org.]. Os professores e a sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1995. 158 p. NÓVOA, A. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In: FAZENDA, I. A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 2. ed. Campinas: Papirus, 1997. NOGUEIRA, M. A.; NOGUEIRA, C. M. A. Sociologia de Pierre Bourdieu: limites e contribuições Educação & Sociedade, São Paulo, ano XXIII, n. 78, Abril 2002. TARDIF, M.; LESSARD, C. Trabalho Docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003378 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 ANEXOS ANTES DO INGRESSO Somente Bacharelado Somente Licenciatura ATUALMENTE PORCENTAGEM Somente Licenciatura 1,14% Bacharelado e Licenciatura 18,86% Somente Licenciatura 10,86% 1,14% Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Licenciatura e Somente Licenciatura Bacharelado e 50,29% 17,71% Licenciatura Fonte: Dados da pesquisa, 2010. Tabela 1 – Quando a Licenciatura começou a fazer parte da vida acadêmica do entrevistado. Fonte: Dados da pesquisa, 2010 Figura 1 – Eixos interdependentes na configuração dos cursos de Licenciatura na UFV Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003379