XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE DISCENTES SOBRE OS CURSOS DE
LICENCIATURA DE UMA IFES MINEIRA
Rogéria Viol Ferreira (UFV)
Ana Cláudia Lopes Chequer Saraiva (UFV)
Resumo
Essa pesquisa buscou investigar as Representações Sociais (RS) de discentes
universitários sobre os Cursos de Licenciatura de uma IFES mineira. Optou-se pela
Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-metodológico, dialogando
com as teorias de Serge Moscovici, além das de Pierre Bourdieu. O estudo teve como
objetivo caracterizar as relações estabelecidas entre discentes universitários e os cursos
de Licenciatura, tendo como foco de análise os elementos envolvidos no processo de
formação docente. Assim, buscaram-se identificar os significados - as atitudes,
informações e imagens - construídos pelos graduandos sobre os respectivos cursos. Na
análise dos dados verificou-se que as expectativas e atitudes dos licenciandos em
relação ao curso escolhido, parecem não terem sido balizadas por um interesse
direcionado à profissão docente, mas por condicionantes econômicos, sociais e
educacionais relativos às suas trajetórias pessoais e profissionais. Considera-se ainda, as
imagens negativas construídas em relação às Licenciaturas e à docência, incorporadas
em suas trajetórias sociais e reforçadas na própria instituição, através de fatos
vivenciados e compartilhados pelos discentes. Verificou-se que os conteúdos
estruturadores das RS dos discentes sobre o curso de Licenciatura se ancoram,
sobretudo, no nível sócio-econômico dos mesmos, o que demonstra que não estão
fazendo esse curso por vontade de exercer a profissão, mas sim pela empregabilidade.
Com relação aos cursos de Licenciatura percebeu-se que os discentes têm uma visão de
que, mesmo com suas qualidades, estes vêm enfrentando dificuldades com necessidades
de reformas e mudanças. É preciso, então, repensar o papel das instituições de ensino
superior na formação de professores. Os resultados mostram-nos que não se pode falar
sobre formação de professores de forma indissociada à realidade enfrentada pelos
profissionais dessa área. Por isso, pensar as Licenciaturas e a formação inicial implica
em abertura permanente às vozes dos educandos e da sociedade, constituindo as sínteses
necessárias para avanços na formação.
Palavras chaves: Educação Superior; Formação de Professores; Licenciandos.
1– INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um resultado parcial de uma pesquisa que vem sendo
realizada acerca dos cursos de Licenciatura e da formação inicial na docência, buscando
contextualizar os cursos de Licenciatura e seus discentes focalizando seus processos
formativos e saberes envolvidos na profissionalização inicial da docência. Para
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produção deste trabalho, especificamente, buscou-se identificar as Representações
Sociais dos discentes sobre os cursos de Licenciatura, realizada com estudantes que
faziam uma das doze Licenciaturas oferecidas por uma IFES mineira, sendo elas:
Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Dança, Educação física, Educação Infantil,
Física, Letras, Geografia, História, Matemática, Pedagogia e Química. Esta pesquisa foi
fomentada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq).
Esta etapa do estudo teve como objetivo geral caracterizar as relações
estabelecidas entre discentes universitários e os cursos de Licenciatura, tendo como foco
de análise os elementos envolvidos no processo de formação docente. Mais
especificamente, objetivou identificar os significados - as atitudes, informações e
imagens - construídos pelos discentes sobre os cursos de Licenciatura da instituição.
Nóvoa (1995), ao referir-se à formação docente, busca descrevê-la como sendo
mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, ou seja, a formação
de professores é o momento-chave da socialização e configuração profissional.
Buscando fazer uma retrospectiva histórica sobre a profissão docente, o referido
autor nos apresenta que nas últimas décadas, a formação docente tem-se constituído
num amplo campo de pesquisa, de forma a investigar o que o professor pensa sobre o
que faz, como vem construindo seus conhecimentos, o que caracteriza seus saberes e
como se apropriam dos mesmos no âmbito da prática educativa (NÓVOA, 1997).
A fim de atingir esses objetivos a pesquisa fundamentou-se na Teoria das
Representações Sociais (RS) de Moscovici, buscando compreender quais os
significados construídos pelos discentes em relação aos cursos de Licenciatura. As RS
podem ser compreendidas, segundo Moscovici (1978, p. 78), como “ciências coletivas”
sui gêneres, teorias do Senso Comum que se manifestam sob a modalidade de
“conceitos, explicações e afirmações”, determinando o campo das interlocuções
possíveis, das crenças, das concepções socializadas e orientando as condutas desejáveis
ou legitimadas de um grupo na relação com os objetos sociais do cotidiano.
Considerando que as representações sociais não se configuram como estruturas
abstratas, autônomas, desvinculadas da materialidade concreta e social de seus atores
sociais, buscou-se nesta pesquisa dialogar também com a teoria de Pierre Bourdieu.
De acordo com Bordieu (1960), o indivíduo, no decorrer de sua trajetória,
dependendo de suas condições materiais e sociais de existência, pode vir a acumular,
por meio do ambiente onde vive, das pessoas com quem se relaciona, das práticas
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sociais que realiza, dentre outras experiências, o capital cultural. Este passa a ser
incorporado pelo indivíduo como herança cultural e social, transmitida por sua família
ao longo da trajetória de vida dele.
O processo de incorporação da herança cultural e social pelo indivíduo é
explicado por Bourdieu através do conceito de habitus. Esse conceito faz referência às
predisposições duráveis do modo de agir, pensar, viver e portar-se dos indivíduos. O
habitus é adquirido pelo convívio social, de modo que “os gostos mais íntimos, as
preferências, as aptidões, as posturas corporais, a entonação de voz, as aspirações
relativas ao futuro profissional, tudo seria socialmente constituído” (NOGUEIRA e
NOGUEIRA, 2002, p. 19).
O conceito de habitus se interrelaciona com a noção de campo, compreendida
como certos espaços de disposições sociais, nos quais determinado tipo de bem é
produzido, consumido e classificado (BOURDIEU, 1983).
Observa-se, portanto, que o habitus adquirido pelo indivíduo interfere
diretamente em suas ações no campo. A origem social e cultural dos sujeitos torna-se,
dessa forma, um elemento esclarecedor de suas trajetórias sociais.
Sendo assim, esse estudo propôs-se através das teorias de Serge Moscovici e
Pierre Bourdieu estabelecer um diálogo com universitários dos Cursos de Licenciatura
de uma Instituição Federal de Ensino Superior de Minas Gerais, dando destaque para os
universos consensuais constituídos pelos discentes, suas representações sociais
instituídas e compartilhadas nos processos de interações sociais vivenciados em seu
processo de formação inicial no âmbito docente.
2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste estudo optou-se pela Teoria das Representações Sociais (RS) como
referencial teórico-metodológico, desenvolvendo a pesquisa dentro da abordagem
metodológica qualitativa, uma vez que envolveu a inserção do pesquisador na realidade
psicossocial dos sujeitos envolvidos, tendo como foco de análise os significados
atribuídos por esses às experiências vivenciadas em sua formação inicial docente.
A pesquisa envolveu a participação de 400 discentes de uma IFES mineira,
matriculados nos doze cursos que ofertam a modalidade Licenciatura: Ciências
Biológicas, Ciências Sociais, Dança, Educação física, Educação Infantil, Física, Letras,
Geografia, História, Matemática, Pedagogia e Química.
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Neste estudo foram priorizados os seguintes instrumentos para coleta de dados:
a) um questionário com perguntas estruturadas que se relacionaram com os fatores
sociais, econômicos e culturais dos entrevistados. Para a análise das respostas, do
referido questionário, recorreu-se à análise de conteúdo, envolvendo processos de
categorização dos eixos temáticos e a tabulação gráfica. b) a técnica de associação
livre (ABRIC, 1994) na qual buscou-se, por meio de condutas projetivas e espontâneas,
a identificação de saberes, atitudes, imagem relacionados à frase indutora “os cursos de
Licenciatura na sua instituição....”. As palavras evocadas foram primeiramente
analisadas através de procedimentos estatísticos, destacando os indicadores de
freqüência e hierarquia e c) fontes documentais disponibilizadas pela instituição
investigada. Considerou-se os dados disponibilizados no site da instituição e os arquivos
do Registro Escolar. Ambos potencializaram informações sobre as relações
candidato/vaga por curso, número de alunos matriculados nas modalidades Licenciatura
e Bacharelado, expressividade social dos cursos (menor e maior prestígio), dentre
outros.
Os eixos temáticos contemplados na coleta e organização dos dados versaram
sobre os seguintes aspectos: a) perfil sócio-econômico dos alunos que ingressaram nos
cursos de Licenciatura; b) relação existente entre o perfil destes e a expressão social dos
referidos cursos no âmbito acadêmico; c) motivos relativos à escolha destes cursos; e d)
desafios enfrentados no curso e perspectivas relativas à atuação na docência.
Mais especificamente, na “técnica de associação livre” buscou-se a identificação
dos conteúdos simbólicos das RS (acesso ao universo semântico). A opção pelo
instrumento se justificou dado o seu caráter projetivo, que favorece a emergência de
elementos latentes do “universo semântico” dos atores sociais, que poderiam ser
ocultados ou mascarados em suas produções discursivas. Para aplicação da técnica de
associação livre, primeiramente, foi solicitado aos discentes que, a partir da frase
indutora “os cursos de Licenciatura na sua instituição....”, listassem cinco palavras.
Posteriormente, pediu-se que os mesmos as reorganizassem em ordem de prioridade, da
maior para a de menor importância. Os dados obtidos foram primeiramente analisados
estatisticamente procedendo-se a contagem numérica das palavras associadas que,
posteriormente, foram agrupadas segundo o critério de proximidade semântica. Através
de procedimentos estatísticos, foi somado e totalizado a frequência de cada grupo de
palavras, além do cálculo da média das prioridades. Após esse procedimento os
resultados estatísticos foram analisados qualitativamente.
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3 - DISCUSSÃO DOS DADOS
Propõe-se apresentar nesta seção a sistematização dos dados obtidos. Na
primeira subseção, será apresentado o perfil sócio-econômico e cultural dos alunos que
ingressaram no curso de Licenciatura. Posteriormente, será discutida a relação existente
entre o perfil dos ingressos e a representação dos cursos de Licenciatura no âmbito
social e acadêmico. E, na terceira subseção, o curso de Licenciatura nas Representações
Sociais dos discentes será apresentado.
3.1 Perfil sócio-econômico dos alunos que ingressaram nos cursos de Licenciatura
da instituição investigada
Todo estudo sobre as RS envolve a compreensão de “quem representa”, ou seja,
o grupo social que é porta voz das representações. Destacamos para tanto, a necessidade
de uma contextualização social e histórica dos licenciandos.
Analisando os dados do questionário que versavam sobre o perfil sócioeconômico dos licenciandos, obteve-se que os discentes dos cursos de Licenciatura em
questão são oriundos de famílias de classe média baixa, cujo nível de escolarização dos
pais é significativamente inferior ao dos filhos, sendo que cerca de 41% dos pais possui
um nível de escolarização inferior ao Ensino Médio completo, e aproximadamente 60%
deles atuam em profissões de baixo prestígio social. Em relação à escolaridade e
profissão das mães temos que cerca de 70% têm escolarização inferior ao Ensino
Médio, e por volta de 52% têm profissões que sequer exigem 1º grau completo. 63%
dos discentes possuem uma renda familiar inferior ou igual a quatro salários mínimos.
Em relação às atividades profissionais, cerca de 32% dos discentes exerciam
alguma atividade antes de ingressar no curso que faz. Destes, 74% não trabalhavam em
atividades relacionadas à educação. Depois do ingresso no curso de Licenciatura temos
que 28% trabalham e destes, 78% exercem atividade relacionada à educação, invertendo
o quadro anterior. Porém, a renda mensal do entrevistado, no geral, não atinge um
salário mínimo. O público entrevistado é, em sua maioria, do sexo feminino (56%).
Com relação ao ingresso dos entrevistados no curso de Licenciatura temos que
48% prestaram vestibular somente uma vez e 67% não tiveram o curso de Licenciatura
como primeira escolha. Essa disparidade se deve ao fato de muitos terem pretendido
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somente o Bacharelado quando ingressaram no Ensino Superior, sendo a opção pela
Licenciatura posterior ao ingresso.
3.2 Relação existente entre o perfil dos ingressos e a representação dos cursos de
Licenciatura no âmbito social e acadêmico
Os dados obtidos através de fontes documentais disponibilizadas pelo Registro
Escolar da instituição pesquisada indicaram que, em relação aos pontos máximos e
mínimos obtidos no vestibular 2010, os cursos que oferecem Licenciatura permanecem
entre aqueles com menor relação candidato/vaga no vestibular, ou seja, não são
preferencialmente os cursos buscados pelos candidatos ao ingresso na Universidade.
Destaca-se ainda que quatro dos cinco cursos menos concorridos no último vestibular
desta instituição oferecem a modalidade Licenciatura e que os demais cursos que
formam professores, com exceção de Ciências Biológicas, estão bem abaixo daqueles
considerados mais disputados. Tem-se, também, que a pontuação mínima para se
conquistar uma vaga em um curso na modalidade Licenciatura na instituição
pesquisada, geralmente, não ultrapassa 50 pontos, com exceção de Ciências Biológicas
(57,96) e História (51,99). Estes cursos ficam bem abaixo da pontuação dos cursos mais
disputados, como Direito e Engenharia Química, cujos mínimos são 69,75 e 73,70,
respectivamente.
Considerando-se a relação candidato/vaga nos últimos cinco anos dos cursos que
possuem a modalidade Licenciatura, é possível notar que em alguns cursos houve
decréscimo ou, praticamente, estagnou-se a disputa de uma vaga para ingresso nestes.
Isso demonstra o desinteresse dos estudantes pelos cursos de formação de professores.
Com base nesses mesmos dados, identificou-se os cursos de maior prestígio e de
menor prestígio nessa universidade. A partir desse levantamento, observou-se que em
2007 e 2008, cinco entre os dez cursos de menor prestígio possuem a modalidade
Licenciatura, aumentando esse número para oito nos anos de 2009 e 2010, onde
passaram a existir os cursos noturnos voltados especificamente para formar licenciados.
Ressalta-se, também, que somente um curso que possui a modalidade Licenciatura,
Ciências Biológicas, está listado entre os dez de maior prestígio.
No segundo semestre de 2009, através dos dados fornecidos pelo Registro
Escolar da instituição pesquisada, os cursos que oferecem a modalidade Licenciatura
contaram com 1.775 alunos cursando alguma Licenciatura (80,24%), sendo que 916
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(41,41%) cursam somente Licenciatura e 859 (38,83%) cursam as duas modalidades, ou
seja, não pretendem somente a carreira de professor. Os outros 19,76% cursam somente
o Bacharelado.
Diante desses resultados somos levados a problematizar sobre o desprestígio
social que a profissão docente assume no cenário socioeconômico e cultural. Deste
modo
torna-se
compreensível
o
desinteresse
pelos
cursos
destinados
à
profissionalização docente. Compartilhamos com Tardif e Lessard (2005) o
entendimento de que é incontestável nas sociedades contemporâneas o papel social,
político e cultural que os docentes desempenham no processo de socialização e de
formação
pessoal
e
profissional
de
sujeitos
em
etapas
diferenciadas
de
desenvolvimento. Entretanto, trata-se de uma profissão que vem perdendo o prestígio
social, fato não apenas constatado na atualidade, mas, na conjuntura histórica da
educação.
3.3 O curso de Licenciatura da UFV nas Representações Sociais de seus discentes
3.3.1 Perguntas estruturadas
Analisando as respostas dos entrevistados sobre o(s) motivo(s) que os levaram a
cursar uma Licenciatura identificou-se nas falas, em ordem de frequência: gostar de
ensinar, complementação curricular, oportunidade de emprego, influência de exprofessores, o desejo de mudar o quadro atual da educação no Brasil, dom, a influência
familiar, interesse após o ingresso no ensino superior, segunda opção, falta de opção,
facilidade de ingresso.
Procurou-se saber se quando o licenciando ingressou pretendia fazer somente
Licenciatura, somente Bacharelado ou as duas modalidades, Licenciatura e
Bacharelado. Em seguida, buscou-se identificar em qual dessas três opções ele se
encontra no momento. Inicialmente constatou-se que cerca de 20% pretendiam somente
o Bacharelado, 12% somente a Licenciatura e a grande maioria (68%) pretendiam
cursar as duas modalidades. Porém, como se pode notar na Tabela 1 em anexo, 62% dos
entrevistados encontravam-se, naquele momento, matriculados somente na Licenciatura,
havendo uma significativa desistência em relação a fazer o Bacharelado. Essa maior
adesão ao curso de Licenciatura é justificada por eles como uma oportunidade de
conseguir emprego, além de complementação curricular, interesse após o ingresso no
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ensino superior, aproveitar o tempo, aquisição de mais conhecimento e ampliação da
área de atuação no mercado de trabalho. Já a desistência do curso de Bacharelado foi
justificada
com
os
seguintes
argumentos:
dificuldades
acadêmicas,
insatisfação/desinteresse, Bacharelado ser desnecessário, aptidão pela educação, deixar
o Bacharelado para depois.
Outro aspecto que se procurou saber sobre os entrevistados foi se esses
enfrentam ou enfrentaram alguma dificuldade como aluno(a) no curso de Licenciatura.
49,15% das respostas foram negativas e 50,85% positivas. As justificativas destes
últimos foram: falta de professores/infraestrutura, falta de prática, grande demanda de
tempo,
preconceito,
dificuldades
nas
disciplinas,
baixa
qualidade, falta
de
interdisciplinaridade dificuldades financeiras.
Em seguida, questionou-se aos licenciandos se eles sentem que a formação
oferecida no curso de Licenciatura que faz é suficiente para que exerçam, futuramente,
uma boa prática docente. A maioria dos entrevistados (57,86%) respondeu que sim,
justificando com a qualidade da instituição, por não depender somente do curso, mas
também de si mesmo. Houve, ainda, os que responderam que sim, mas há coisas que
precisam mudar. A minoria, mas em número significativo (42,14%), respondeu que não,
justificando com a falta de prática, por ser diferente da realidade, pela falta de apoio
institucional e falta de reconhecimento.
Por fim, perguntou-se se eles se sentem satisfeitos com o curso escolhido. A
grande maioria dos licenciados encontra-se satisfeito ou muito satisfeito com o curso de
Licenciatura que faz, sendo pequena a parcela de entrevistados que se declararam
insatisfeitos.
Reconsiderando os dados relativos ao perfil sócio-econômico e as inferências
apresentadas no processo de análise, acrescidas de novas informações explicitadas nesta
subseção, pode-se considerar que, mesmo em se tratando de um curso de “menor
prestígio acadêmico”, esse representa uma maior oportunidade de emprego para um
segmento social desfavorecido. Esses provavelmente teriam poucas possibilidades reais
de ingresso e desempenho escolar em cursos de maior prestígio social os quais lhes
exigiriam uma bagagem cultural que lhes favorecessem ao êxito acadêmico. Temos
assim que as atitudes/decisões dos discentes estão atreladas as suas condições materiais
e sociais de existência vinculadas ao mesmo tempo à possibilidade de terem emprego e
a avaliação dos limites individuais de sua formação pré-profissional.
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3.3.2 Técnica de associação livre
Da técnica de associação livre, identificamos 26 grupos formados pelas palavras
associadas à expressão indutora “Os cursos de Licenciatura na sua instituição...”. A
figura 1, em anexo, apresenta a configuração sistematizada das categorias obtidas.
Na análise verificaram-se dois campos de principal enfoque dos estudantes: o
que se remete aos cursos de Licenciatura e a instituição que os oferece; e o pessoal, que
sofre as reflexões que os referidos cursos causam na vida destes estudantes. Referindose ao primeiro campo, os alunos mostram sua insatisfação com o descaso da instituição
e a baixa qualidade dos cursos de Licenciatura oferecidos por esta, defendendo que
estes são sempre deixados em segundo plano tanto pela instituição, quantos pelos
próprios alunos e professores, que também são criticados pela falta de motivação e
incentivo.
A insatisfação também é remetida ao campo pessoal, onde destacam a
desvalorização que irão enfrentar quando se tornarem professores, pelo baixo salário,
entre outros. Essas situações fazem com que esperem por mudanças, mudança essa que
deve alcançar os professores, os alunos e a própria instituição. Os professores devem se
adequar às disciplinas que oferecem, já os alunos devem encarar os cursos com mais
dedicação, e a instituição, segundo os discentes, deve se organizar para que as
Licenciaturas sejam mais bem preparadas e contextualizadas com a realidade. Porém,
mesmo com as críticas e as necessidades de mudança, os alunos reconhecem a
qualidade dos cursos de Licenciatura nesta instituição se referindo ao reconhecimento
nacional que esta possui.
Essa ambigüidade presente nas falas referente à insatisfação com o descaso e a
baixa qualidade dos cursos versus o reconhecimento da qualidade dos mesmos nessa
instituição pode dever-se à realidade educacional histórica que o país enfrenta e que se
encontra, através dos discursos, internalizada nos discentes, como a falta de apoio, a
desvalorização e o preconceito aos que a esse campo se dedicam. Essa situação por sua
vez não está impedida de se refletir dentro da própria instituição. Porém, por mais que
esse discurso esteja imbricado nos sujeitos, os mesmos não deixam de reconhecer o
quanto a universidade em que se encontram cursando uma Licenciatura é reconhecida.
Além disso, não se pode desprezar o fato das diversidades que uma pesquisa que dá voz
aos sujeitos pode apresentar, devido às opiniões que nem sempre são consensuais.
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No campo pessoal, destacam o investimento que fazem ao se graduar num curso
que oferece um currículo, uma formação e um conhecimento que os beneficiarão
futuramente, mesmo destacando sempre o desapontamento com a desvalorização
profissional.
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, pode-se concluir, conforme compreende Bourdieu (1978)
sobre as implicações culturais trazidas pelos discentes de suas realidades, que as
representações sociais desses sobre os cursos de Licenciatura precisam ser
compreendidas nos contextos histórico-sociais de sua emergência, já que percebe-se
através da pesquisa que as expectativas e atitudes construídas pelos licenciandos em
relação ao curso escolhido, parecem não terem sido balizadas por um interesse
direcionado à profissão docente, mas, em seu sentido mais amplo, por condicionantes
econômicos, sociais e educacionais relativos às suas trajetórias pessoais e profissionais.
Considera-se ainda que essas representações apontam para indissocialização
entre os cursos de Licenciatura e a conjuntura sócio-política e econômica do ensino
superior, pois é possível concluir através dos resultados que as imagens relativas aos
cursos foram incorporadas em suas trajetórias sociais - com destaque a herança cultural
internalizada - e reforçadas na própria instituição, com os fatos vivenciados e
compartilhados pelos discentes. Tem-se ainda que os sujeitos em representação são
provenientes de famílias social e economicamente desfavorecidas, cujo nível de
escolarização é baixo, o que faz com que a opção pelos cursos de Licenciatura, cujo
prestígio social e institucional é inferior aos demais cursos, possibilite a esses facilidade
de ingresso no ensino superior, vindo a representar uma possibilidade de ascensão social
e empregabilidade, demonstrando que não estão fazendo esse curso por aptidão ou por
vontade de exercer a profissão de professor.
Com relação aos cursos de Licenciatura percebe-se que os discentes têm uma
visão de que, mesmo com suas qualidades, estes vêm enfrentando dificuldades com
necessidades de reformas e mudanças. É preciso, então, repensar o papel das
instituições de ensino superior na formação de professores.
Em relação a esses problemas percebem-se avanços, pois a reflexão dos
discentes tem demonstrado que assuntos de formação pairam os vários ambientes
formativos (instituições, entidades educacionais e o cotidiano pedagógico) e o tema
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formação extrapola a sala de aula, demonstrando o que, a rigor, os grandes pensadores
da educação já anunciaram: a formação humana implica numa perspectiva de totalidade
em que os ambientes formativos se entrecruzam e produzem um homem social. Ou seja,
não se pode falar sobre formação de professores de forma indissociada à realidade
enfrentada pelos profissionais dessa área.
Apesar das contradições reveladas pelos licenciandos, identifica-se a emergência
de um processo emancipatório de formação profissional em que as reflexões dos alunos
apontam para um processo de conscientização das contradições de diversas ordens que
compõem a realidade da formação docente. Por isso, pensar as Licenciaturas e a
formação inicial implica em abertura permanente às vozes dos educandos e da
sociedade. Essas duas vozes podem, no seu entrecruzamento, constituírem as sínteses
necessárias para avanços na formação.
Volta-se o olhar, neste contexto, para os cursos de Licenciatura e sua
representatividade em relação aos demais cursos universitários. Sua legitimação e
reconhecimento precisam ser contextualizados considerando a função atribuída pela
sociedade à educação, aos seus profissionais e os saberes que difundem.
REFERÊNCIAS
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1994.
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Papirus, 1997.
NOGUEIRA, M. A.; NOGUEIRA, C. M. A. Sociologia de Pierre Bourdieu: limites e
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TARDIF, M.; LESSARD, C. Trabalho Docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
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ANEXOS
ANTES DO INGRESSO
Somente Bacharelado
Somente Licenciatura
ATUALMENTE
PORCENTAGEM
Somente Licenciatura
1,14%
Bacharelado e Licenciatura
18,86%
Somente Licenciatura
10,86%
1,14%
Bacharelado e
Licenciatura
Bacharelado
Licenciatura
e Somente Licenciatura
Bacharelado e
50,29%
17,71%
Licenciatura
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.
Tabela 1 – Quando a Licenciatura começou a fazer parte da vida acadêmica do
entrevistado.
Fonte: Dados da pesquisa, 2010
Figura 1 – Eixos interdependentes na configuração dos cursos de Licenciatura na UFV
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