Leite materno contém mais de 700 bactérias benéficas
A colonização bacteriana muda durante a lactação e é influenciada por diversos fatores como o tipo de parto e a
obesidade materna
Amamentação: bactérias devem ajudar o bebê a digerir os componentes do leite e atuar na estimulação do sistema
imunológico (Thinkstock)
Pesquisadores descobriram que o leite materno contém mais de 700 bactérias com
funções ainda desconhecidas, mas provavelmente benéficas. O estudo foi publicado no
The American Journal of Clinical Nutrition e relaciona a existência da comunidade
bacteriana a variáveis como obesidade e tipo de parto, que podem influenciar na
qualidade do leite materno oferecido desde o primeiro jato produzido, o chamado
colostro. "A presença de bactérias em mães saudáveis sugere que elas devem ter uma
importante função biológica", afirma a PhD e pesquisadora do Instituto de
Agroquímica e Tecnologia da Alimentação do Centro Espanhol de Pesquisa Nacional,
Maria Carmen Collado.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: The human milk microbiome changes over lactation and is shaped by
maternal weight and mode of delivery
Onde foi divulgada: The American Journal of Clinical Nutrition
Quem fez: Raul Cabrera-Rubio, Maria Carmen Collado, Kirsi Laitinen, Seppo Salminen,
Erika Islauri e Alex Mira
Instituição: Conselho Espanhol de Pesquisa Nacional e Centro para Pesquisa de Saúde
Pública
Dados de amostragem: 18 mulheres grávidas
Resultado: A pesquisa descobriu que o leite materno é colonizado por mais de 700
espécies de bactérias cuja variedade muda durante a lactação e é influenciada por
diversos fatores relacionados à mãe do bebê.
Segundo Maria Carmen, o primeiro trabalho a identificar a presença de micróbios
benéficos no leite materno foi publicado em 2003, por um outro grupo de
pesquisadores espanhóis, e até essa época o leite era considerado estéril a menos que
existisse uma infecção e/ou contaminação. De lá pra cá, surgiram outros estudos e a
presente pesquisa trouxe novidades no que se refere à presença dessas bactérias.
Utilizando técnicas baseadas em análise de DNA, os pesquisadores viram que os
micróbios estavam presentes tanto em amostras de leite coletado no primeiro e no
sexto mês de lactação, como também no colostro, indicando que essas bactérias não
são uma contaminação. "Nossa hipótese é que esta função deve ser tanto metabólica,
para o bebê digerir os componentes do leite, ou imunológica, na estimulação ou
treinamento do sistema imunológico do bebê durante seu desenvolvimento", afirmou
Carmen, em entrevista ao site de VEJA.
A pesquisa também observou a existência de variáveis maternas, ainda não claras, que
influenciam na riqueza microbiana do leite. Entre elas, o tempo de lactação, o peso e o
Índice de Massa Corpórea (IMC) da mãe, assim como o ganho de peso durante a
gravidez. Outro fator de forte impacto é o tipo de parto, já que se observou diferenças
nas comunidades bacterianas dos leites de quem teve parto normal e cesariana
(eletiva e de urgência).
"O trabalho mostra que partos cesarianos alteram a composição bacteriana e que seus
efeitos no desenvolvimento do sistema imunológico do bebê devem ser melhor
compreendidos", explica Alex Mira, PhD e pesquisador do Centro para Pesquisa de
Saúde Pública da Espanha.
Os resultados podem até sugerir que é possível uma mãe ter um leite mais saudável
optando por um parto normal, por exemplo, ou mantendo o peso. Mas os cientistas
afirmam que mais pesquisas são necessárias. Quando se fala em amamentação, os
pesquisadores dizem que é necessário analisar se estratégias alimentares são capazes
de modificar a composição microbiana sem mudar as outras propriedades benéficas
do leite humano. "Nós também gostaríamos de fornecer novas informações à indústria
alimentícia infantil para incluir micróbios nas fórmulas e imitar a real composição e
efeitos do leite humano", acrescentou Mira.
"Esperamos que nosso estudo permita novas aplicações nos campos da medicina e da
nutrição personalizada"
Maria Carmen Collado
PhD e pesquisadora do Centro Espanhol de Pesquisa Nacional
O que muda com essa descoberta?
Nosso estudo concentrou-se na grande biodiversidade microbiana em amostras de
leite para mostrar que essa comunidade de bactérias era diferente daquelas
encontradas na pele, intestino, vagina ou boca porque tem-se sugerido que são
contaminantes e não habitantes do leite. A origem desses micróbios, no entanto,
permanece desconhecida, e a pesquisa sobre isso continua ocorrendo. Nosso estudo
fornece pela primeira vez a descrição dos micróbios do primeiro leite (colostro) e como
essas populações microbianas são influenciadas por diferentes variáveis que tem um
impacto na colonização infantil e na maturação do sistema imunológico. Nós
esperamos que nosso estudo permita novas aplicações nos campos da medicina e da
nutrição personalizada.
As bactérias estão no colostro ou no leite materno?
O colostro é um dos primeiros fluidos produzidos pelas mães e é considerado o
primeiro alimento para bebês recém-nascidos. O colostro contém um grande número
de anticorpos chamados de "imunoglobulinas A" que protegem as membranas
mucosas da garganta, dos pulmões e dos intestinos dos recém-nascidos e também
contêm um amplo espectro de micróbios que sustentam a colonização microbiana
inicial. Então, esse colostro é necessário para um estabelecimento microbiano preciso
e o desenvolvimento da imunidade. Os micróbios foram encontrados no colostro,
indicando que essas bactérias não são uma contaminação; e também foram
encontrados nos leites maternos de um e de seis meses de amamentação. Nós
esterilizamos a superfície da mama e analisamos o leite materno após desperdiçadas
as primeiras gotas de leite para evitar contaminação.
Que variáveis influenciam na riqueza microbiana do leite materno?
Não está claro quais são as variáveis que influenciam a diversidade microbiana do leite
materno. Nós descobrimos que o tempo de lactação, o peso e o Índice de Massa
Corpórea (IMC) da mãe, assim como o ganho de peso durante a gravidez, tiveram um
impacto significativo. E observamos que o tipo de parto teve um importante impacto
já que encontramos diferenças entre os partos vaginal e cesariano.
Por que vocês dizem que as bactérias descobertas no leite materno são importantes
para o sistema imunológico? Por que não para o metabolismo também?
Porque uma adequada colonização microbiana dirige o desenvolvimento e
amadurecimento precisos de um sistema imunológico. Sabe-se que micróbios são
necessários para formar o sistema imunológico durante a infância e quando ocorre
algum problema o sistema imunológico é alterado aumentando o risco de doenças
relacionadas à imunidade. A maior taxa de doenças relacionadas à imunidade em
bebês alimentados com leite em pó apoia este ponto de vista. Mas é claro que é
possível que as bactérias do leite desempenhem ambas as funções, também ajudando
a digerir alguns nutrientes e fazendo deles prontamente disponíveis para as crianças.
Atualmente estamos trabalhando para desvendar isso.
Fonte: Veja
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