Telma Proença
maria josé palla
o museu e eu
museu de évora
dezembro | 2011
Maria José Palla - O Museu e Eu
Salas com colecções de arte, pintura, escultura,
são sagradas, são locais com objectos culturais da
memória colectiva como podem ser continuamente
vistos, analisados e mesmo tocados. São objectos
que podem ter séculos e onde podemos ver como
os nossos antepassados se espremiam se interessavam. Colaborar com um local da ordem do divino
como são estas salas tem de ser com muito cuidado
e respeito, para homenagear ou venerar.
Nesta exposição o meu corpo desloca-se, pára, continua, gosta de permanecer diante de uns quadros
do que outros. Não sou a «mulher sem sombra» mas
uma mulher com uma presença que se integra e que
vai evoluindo.
Sempre gostei de museus e os meus estudos no
Louvre iniciaram-me nas galerias repletas de obras
realizadas por homens com a arte dialogar com o
passado, de conversar com formas e cores, desfrutar
de temas e cenas realizados com virtude e inspiração.
Tento agir dentro do museu modestamente, de uma
forma quase zen, com pequenos apontamentos fotográficos, quase invisíveis; ou então afirmo-me a
observar o museu, com fotografias com várias escalas e suportes, numéricas ou digitais. Envolvo-me no
museu, assim como o museu me abriga. Permaneço
nele numa configuração estática, atenta e silenciosa,
no interior das galerias cheias ou vazias, luminosas
ou nas trevas, abertas ou fechas.
Maria José Palla ou o Eu e o Outro
por Maria Manuel Viana
O visitante entra na exposição, e não sabe ainda o
que procura. Talvez, de forma algo inconsciente, porque essa é uma associação fácil, pense que irá ver a
mulher escondida na floresta.
Procura-a primeiro no(s) rosto(s) que se repete(m)
como num corredor de carruagens de comboio,
eternas viagens ao fim da noite. Reconhecê-Ia-á, a
essa mulher que continuamente esconde o rosto
por detrás das mãos, dos óculos, das sombras dos
chapéus, dos focos de luz que o dilaceram? E o que é
conhecer, reconhecer, reconhecer-se? Será só dizer
esta é uma fotógrafa, Maria José Palia, sou eu? E de
quantos eus falamos quando falamos de eu? Do meu
duplo, o outro, que é simultânea e paradoxalmente o
que me obriga a morrer para poder ser imortal?
Esse duplo dúplice, heterónimo, múltiplo, pseudónimo, é aqui dolorosamente consciente, adoptado
sem subterfúgios fáceis, nem verdades paralelas talvez só mesmo o inconsciente óptico de que fala
Rosalind Kraus possa ser invocado. E um eu que se
retrata, não um eu que se retracta.
E, no entanto, eu, que não sou só eu, apenas a continuação e a projecção de mim, sou a jovem que um
dia fui, que olha a estátua grega que um dia fomos,
e amamos no impossível tempo do reencontro. Sou
uma e toda as bonecas de porcelana, sorriso eterno
e figé, olhos kandinskyniamente azuis, ah!, a perfeição
das cantoras carecas, minha infância perdida, nenhuma delas sou eu, sou todas, avatares com alma,
simulacros do que poderia ter sido nesse éden da
fruta perfeita da minha natureza morta. Estou dentro da caixa, que abro e fecho, e o espelho devolveme, multiplica-me, reflecte-me, cega-me, engana-me.
Este não é o meu rosto. Ou não é só o meu rosto. Ou
não é só o meu.
Eu sou o hóspede do meu rosto, refém dele, escreveu Lévinas. O outro começa por ser um rosto.
Nada é mais estranho, nem estrangeiro, do que
um rosto. O rosto é no homem o que há de mais
vulnerável, mas é nessa fragilidade que se inscreve
o imperativo ético. O rosto exige a renúncia à violência, disse na Ética e o Infinito. Em Maria José Palla,
o rosto é já o Outro.
Download

maria jose palla.indd