ADN e evolução
Por razões que nunca percebi, há algumas pessoas que
a t r i b u e m u m a «m á g i c a » e s p e c i a l a o A D N e s e r e c u s a m a a d m i t i r
que esta macromolécula, não obstante o que representa em termos
biológicos, é uma molécula como todas as outras. Do ponto de
vista químico, há algumas propriedades do ADN que são muito
interessantes, propriedades essas que resultam essencialmente das
características das bases azotadas que o compõem. Arriscando
maçar os nossos leitores, antes de passar a essas características, e
porque se fala tanto de ADN no De Rerum Natura, vou tentar
desc re ver em termos q uímicos o ADN.
O ADN é uma molécula polimérica que muitos designam por
polímero. Tal como os polímeros, o ADN é uma cadeia longa obtida
a partir de unidades mais pequenas, os monómeros, mas o número
de unidades nessa cadeia não é variável. Isto é, enquanto numa
amostra de um polímero típico encontramos cadeias de dimensões
diferentes, as dimensões e sequência (a ordenação das unidades
repetitivas) das minhas, por exemplo, cadeias de ADN são iguais
em todas as células do meu corpo.
A unidade fundamental do ADN
(ácido
desoxirribonucleico)
é
o
nucleótido, o qual resulta da reacção
entre uma base azotada, um açúcar (a
pentose desoxirribose representada) e um
grupo fosfato. Os açúcares rea gem com o grupo fosfato nas
posições 3' e/ou 5' (representadas a verde) por uma reacção
denominada reacção de esterificação, em que é eliminada uma
molécula de água. A base azotada reage com a posição 1' do açucar
(a azul).
As bases azotadas presentes no ADN e ARN, indicadas na
ta bela se guinte, ligam-se às riboses pelos azotos indica dos a a zul.
Purinas
Adenina, A Guanina, G
Pirim idinas
Citosina, C
Timina, T (ADN) Uracilo, U (ARN)
Os polinucleótidos são obtidos por
nucleótidos, em que o grupo -OH de um
n ucle ótido rea ge com o fosfato de ou tro
condensação
dos
nucleótido.
A importância das bases azotadas na determinação das
características do ADN traduz-se no facto de que muitas vezes nos
referimos aos nucleótidos apenas como bases. A estrutura primária
do ADN é a sequência de bases começando no terminal 5', por
exemplo, o fragmento representado tem estrutura primária 5'-TAG3'. Por sua vez, a estrutura secundária do ADN é a sua estrutura
tridimensional. Para o ADN, a estrutura secundária mais importante
consiste numa dupla hélice antiparelela, i.e, 5' a 3' numa cadeia, e
3 ' a 5' na outra cadeia, mantida por ligaç ões de hid rogénio entre as
bases.
As ligações de hid rogé nio estabelecidas e ntre as bases
determinam algumas das propriedades que tornaram o ADN a
molécula da vida. Numa dupla hélice não é possível o
estabelecimento de ligações de hidrogénio entre bases pertencentes
à mesma família por razões estereoquímicas. Os pares purinapirimidina apresentam dimensões semelhantes mas o par A-G é
demasiado volumoso e as distâncias entre o par T-C demasiado
gra nde s para o e stabe lecimento de ligaç ões de hidro gén io. Assim,
uma purina liga-se sempre a uma pirimidina. Por outro lado, as
ligaçõe s de hid rogé nio que é possível estabelece r n os pares
adenina/citosina e guanina/timina são muito fracas, pelo que a
ade nina se liga sempre à timina e a gua nina à citosina. Estas
interacções definem um par de bases.
Assim, só existem dois pares de bases azotadas no ADN em
que a principal diferença estrutural entre os dois pares reside no
n úmero de ligações de hidrogénio estabelecidas em cada pa r: duas
ligaçõe s de hid rogénio no par A-T e três ligaç ões de hidrogé nio n o
par G-C. Esta e specificidade nas ligaçõe s de hidrogé nio entre a s
bases ajuda a evitar que ocorram mutações no ADN.
Adenina-Timina
Guanina-Citosina
Guanina - Timina
Fala-se muito na informação guardada no ADN. Mas afinal o
que é essa informação e como se transmite? A famosa
«informação» do ADN não é mais que a sequência das bases que o
constituem. Por exemplo, o ADN dito codificante é responsável
pela síntese das proteínas que constituem todos os seres. O
processo resume-se, basicamente, na transformação da linguagem
codificada do ADN (sequência de nucleótidos) para a linguagem
das proteínas (sequência de aminoácidos).
O código de transformação corresponde a sequências de três
bases, os codões como o representado. Estes codões são os mesmos
para todos os seres vivos e, por isso, dizemos que o código
genético é universal. O codão TAG em particular (assim como os
codões TAA e TGA) não especificam nenhum aminoácido, mas
indicam o fim de uma cadeia. O código genético é degenerado, ou
s e j a , h á m a i s d e u m c o d ã o c o m o m e s m o «s i g n i f i c a d o » . A a l a n i n a ,
por exemplo, pode ser codificada por GCT, GCC, GCA e GCG. O
gra u de de ge ne rescência não é igual para todos os aminoácidos e
apenas o triptofano é codificado por um único codão, TGG.
Podemos guardar informação de muitas maneiras e os
h umano s fazem-no de sde os tempos em que decora vam as paredes
de cavernas. Mas muitas vezes surgem problemas na comunicação
da informação guardada. Quem já alguma ve z tenha te ntad o
comunicar utilizando um código, por exemplo o código Morse,
apercebe-se que é muito mais complicado do que parece à primeira
vista, nomeadamente é quase impossível fazê-lo sem erros. Por
isso, o código Morse evoluiu e hoje em dia utilizamos códigos
desenvo lvidos para e vita r erros. De igual forma, podemos
armazenar informação em moléculas mas temos de ter cuidado na
f o r m a c o m o e s s a i n f o r m a ç ã o é « l i d a » e «t r a n s m i t i d a » p r a e v i t a r
e rros. As moléc ulas replica doras originais te riam ce rtamen te
estruturas químicas diferentes das actuais e foram sendo
seleccionadas aquelas cuja constituição química precavia o erro.
No processo de cópia do ADN, a dupla hélice abre como um
fecho de correr e a especificidade das ligações de hidrogénio entre
as bases assegura a minimização do erro. Mas não é apenas a
transmissão de informação que interessa manter sem erros: é
necessário garantir que a informação guardada não se altera. Por
vezes não conseguimos ler ou não lemos correctamente a
informação transmitida pelo s nossos antepassados das ca ve rnas
porque as espécies químicas que a guardavam, corantes e
p igment os, se de grada ram com o tempo, devi do a uma e norme
variedade de processos químicos e fotoquímicos que dependem do
pigmento utilizado e dos ambientes a que foram expostos.
Existem na Natureza muitas mais bases azotadas das famílias
das encontradas nos ácidos nucleicos - a cafeína, por exemplo, é
uma purina -, porque razão foram estas e não outras bases as
seleccionadas? A resposta, como iremos ver, reside na prevenção
de erros, na transmissão de informação mas especialmente na sua
armazenagem, que advém das propriedades químicas únicas das
bases presentes no ADN.
Fonte: Blog De Rerum Natura
Data: Fe ve reiro 2 008
Au tor: Palmira F. da Silva
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