Trocando em miúdos a teoria e a prática
na sala de aula
Marisa Lajolo
Professora titular de Teoria e História Literária do
Instituto de Estudos da Linguagem - IEL/Unicamp
Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Cilza Carla Bignotto
Doutora em Teoria e História Literária do Instituto de
Estudos da Linguagem - IEL/Unicamp
Professora das Faculdades de Campinas - Facamp
Marcia de Paula Gregorio Razzini
Doutora em Teoria e História Literária do Instituto de
Estudos da Linguagem - IEL/Unicamp
Pós-doutorado em Educação, FE-USP e PUC-SP
Professora colaboradora da subárea Leitura e Literatura do Cefiel-IEL/
Unicamp
Linguagem e letramento e m f o c o
Você, eles, nós leitores
© Cefiel/IEL/Unicamp
É proibida a reprodução desta obra sem a prévia autorização dos detentores dos direitos.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Presidente: LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
Ministro da Educação: FERNANDO HADDAD
Secretária de Educação Básica: MARIA DO PILAR LACERDA ALMEIDA E SILVA
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Básica: MARCELO SOARES PEREIRA DA SILVA
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Cefiel – Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL) *
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Coordenação da coleção: Marilda do Couto Cavalcanti
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* O Cefiel integra a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica.
A Rede é formada pelo MEC, Sistemas de Ensino e Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da
Educação Básica.
Imagens − pág. 7: www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=203; pág. 17: Revista Leituras,
nº 2, março 2007. MEC/SEB, Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, Coordenação-Geral de Estudos e Avaliação de Materiais; pág. 27: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/9anosrelat.
pdf; pág. 38: http://expositions.bnf.fr/lumieres/grand/078.htm; pág. 48: http://portal.mec.gov.br/seb/index.
php?option=content&task=view&id=371; pág.58: http://classes.bnf.fr/ema/grands/744.htm; págs. 70 e 75:
Fábulas de La Fontaine. Lisboa/Rio de Janeiro: David Corazzi/José de Mello, 1886, v. II. Esforços foram realizados
no sentido de obter autorização para reprodução de algumas imagens. Caso o detentor dos direitos se sinta
prejudicado, solicitamos notificar formalmente a coordenação editorial.
Impresso em novembro de 2009.
ISBN 978-85-62334-00-9
Sumário
Introdução / 5
1. Leitura, história e práticas / 7
2. Lendo histórias de leitura / 17
3. Lendo histórias de leitura na escola / 27
4. Implementando o projeto de leitura / 38
5. Planejando a leitura escolar / 48
6. Lendo poesia / 58
7. Lendo narrativas tradicionais / 70
Introdução
E
ste volume é dirigido a professores das séries iniciais que estão
em sala de aula, e visa complementar as discussões conceituais
empreendidas no fascículo teórico Meus alunos não gostam de ler...
O que eu faço?, de Marisa Lajolo, da coleção “Linguagem e Letramento em Foco”, publicado em 2005 pelo Cefiel, para o curso “A
Formação do Professor Leitor”. As atividades propostas gravitam em
torno de três eixos principais do referido fascículo, a saber: o projeto
de leitura na escola, sua implementação e seu desenvolvimento.
Por meio de exemplos práticos o professor é convidado a refletir sobre suas práticas em sala de aula, seja a partir da sua própria
história de leitura, seja do ponto de vista da história da leitura no
Brasil, sempre com vistas ao registro da história de leitura da escola e da comunidade.
Com relação à escolha do material de leitura são assinalados
diferentes tipos de texto, seus suportes materiais e as diversas
maneiras de ler, assim como os variados usos sociais da leitura,
destacando-se a leitura literária, o livro, o processo de escolarização e a função do professor na formação de leitores.
Para auxiliar o professor no planejamento e condução das aulas
de leitura são abordadas atividades com gêneros textuais variados,
·5·
de forma que permitam uma reflexão articulada entre os objetivos
a serem alcançados, as condições materiais para o desenvolvimento da leitura, as necessidades dos alunos de acordo com as
faixas etárias e níveis de aprendizagem e as formas de avaliação
do projeto de leitura, base sobre a qual os projetos futuros poderão ser desenvolvidos. A apresentação das atividades segue um
padrão em que elas são antecedidas de uma fundamentação e
de um comentário que prepara sua condução. Em seguida as atividades são propostas atentando sempre para a reflexão sobre as
práticas escolares. Por fim, elas são comentadas e rematadas com
sugestões para aprofundar o tema de cada unidade, assim como
são sugeridas atividades de leitura para o professor desenvolver
em sala de aula.
·6·
1. Leitura, história e práticas
José Veríssimo (1857-1916)
Fundamentando a atividade
As preocupações contemporâneas sobre a leitura são, na realidade, muito antigas: aparentemente, o trabalho com a leitura desenvolvido pela escola foi sempre considerado menos ou mais deficiente, os livros adotados menos ou mais inadequados. Ou seja,
no que hoje se diz relativamente à leitura ecoam vozes de professores do passado.
Leia a “Introdução” do fascículo Meus alunos não gostam de ler...
O que eu faço?1, de Marisa Lajolo, onde, além de exemplos de vozes
do passado, a autora comenta a difícil e longa aclimatação da cultura
escrita, trazida pelos portugueses, usada como instrumento da colo1
Disponível em http://www.iel.unicamp.br/cefiel/imagens/cursos/9.pdf, acesso em
14/10/2009. O fascículo Meus alunos não gostam de ler... O que eu faço? será aqui
chamado simplesmente de “fascículo teórico”.
·7·
nização, o que dificultou muito a difusão das práticas de escrita na
escola brasileira. José Veríssimo assinala a influência portuguesa em
nossas escolas e faz uma espécie de diagnóstico dos livros usados
para leitura em seu tempo de estudante. Ele enumera títulos e autores em circulação na época, discute a adequação desse acervo ao
público escolar e faz algumas sugestões.
Propondo a atividade
1. L eia com atenção e mais de uma vez o texto a seguir, de
José Veríssimo, “Uma recordação pessoal”. Ele representa o
depoimento de um educador paraense, nascido em 1857, na
cidade de Óbidos e morto em 1916, no Rio de Janeiro.
2. E
screva uma carta para José Veríssimo, comentando como
estão as coisas mais de cem anos depois da publicação de
seu depoimento. Inicie a carta assim: “Prezado Zeveríssimo:
quem escreve esta carta é ...”.
3. T erminada, relida e revisada, compartilhe a carta com os colegas de curso. Ao mesmo tempo, você irá ler outras cartas
elaboradas por seus colegas.
4. Escolha uma das cartas dos colegas para comentar. Observe
as semelhanças e diferenças existentes nas cartas. Responda aos comentários feitos à sua carta.
Uma recordação pessoal
Seja-me permitida uma recordação pessoal. Os meus estudos feitos de 1867 a 1876 foram sempre em livros estrangeiros.
Eram portugueses e absolutamente alheios ao Brasil os primeiros
livros que li. O Manual Enciclopédico de Monteverde, a Vida de
D. João de Castro de Jacinto Freire (!), os Lusíadas de Camões, e
mais tarde, no Colégio D. Pedro II, o primeiro estabelecimento de
·8·
instrução secundária do país, as seletas portuguesas de Aulete,
os Ornamentos da memória de Roquete − foram os livros em que
recebi a primeira instrução. E assim foi sem dúvida para toda a
minha geração.
Acanhadíssimas são as melhorias desse triste estado de coisas, e ainda hoje a maioria dos livros de leitura, se não são estrangeiros pela origem, são-no pelo espírito. Os nossos livros de
excertos é aos autores portugueses que os vão buscar, e a autores cuja clássica e hoje quase obsoleta linguagem o nosso mal
amanhado preparatoriano de português mal percebe. São os Fr.
Luís de Souzas, os Lucenas, os Bernardes, os Fernão Mendes e
todo o classicismo português que lemos nas nossas classes da
língua, que aliás começa a tomar nos programas o nome de língua
nacional. Pois, se se pretende, a meu ver erradamente, começar
o estudo da língua pelos clássicos, autores brasileiros, tratando
coisas brasileiras, não poderão fornecer relevantes passagens? E
Santa Rita Durão, e Caldas, e Basílio da Gama, e os poetas da gloriosa escola mineira, e entre os modernos João Lisboa, Gonçalves
Dias, Sotero dos Reis, Machado de Assis e Franklin Távora, e ainda
outros, não têm páginas que, sem serem clássicas, resistiriam à
crítica do mais meticuloso purista?
VERÍSSIMO, José. A educação nacional. 2.ed. aumentada. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1906, p. 4-8. (1ª edição 1890).
Comentários e desdobramentos
Lendo o texto de Veríssimo, percebemos que a preocupação de
professores brasileiros com a leitura de seus (nossos!) alunos vem
de longe. Ou seja, temos antepassados ilustres em nosso esforço
para melhor qualificar os alunos, não é mesmo? Quando Veríssimo
passou pela escola primária e secundária, acreditava-se que os textos mais adequados para a formação dos alunos na língua materna
·9·
eram aqueles então chamados de clássicos, ou seja, dos autores
portugueses dos séculos XVI e XVII. Só nos últimos decênios do século XIX é que escritores e poetas brasileiros iriam disputar de igual
para igual com os portugueses as páginas das antologias escolares, concorrendo para a nacionalização do ensino de língua materna,
como destacou Veríssimo.
Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (1897),
José Veríssimo vinha defendendo, desde a primeira edição de seu
texto (1890), a integração e o desenvolvimento do sentimento nacional por meio da educação2.
O autor assinala, ainda, a preocupação com a escolha do material de leitura e o costumeiro controle sobre o que deve ou não
ser usado nas aulas, cuidado expresso por educadores de várias
épocas, como se vê nos trechos a seguir, dado que a escola se
tornou cada vez mais a principal instituição encarregada de formar
as novas gerações:
Maus livros
São os livros para a alma o que os alimentos para o corpo.
Sustentam-na e fortalecem-na, mas assim como há alimentos
que em lugar de contribuir à saúde do corpo, só servem para
debilitá-la e arruiná-la, do mesmo modo, amado Teótimo, há livros que em vez de ilustrar e aperfeiçoar nossa alma, só servem
a corrompê-la e cegá-la. Tais são as novelas, as poesias amorosas, e geralmente todos os escritos prejudiciáveis à religião, aos
costumes. Só, amado filho, todos os livros dessa classe contêm
um veneno sutil que se insinua insensivelmente nos corações
dos que os lêem, e produz neles o maior fastio para todos os
2
Veja trecho introdutório da primeira edição de A educação nacional no site da Academia Brasileira de Letras: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.
htm?infoid=782&sid=203, acesso em 08/10/2009.
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atos de piedade, e o amor aos deleites, o qual destrói todas as
suas boas inclinações.
O mentor dos meninos. Paris: Tipographia de Pillet Fils Ainé,
1861. (autor anônimo).
Relativamente aos livros, entendo que o Estado se deve limitar
à distribuição de livros de leitura instrutiva e literária. Os aparelhos
de ensino, as cartas e globos geográficos e a palavra do mestre
completarão o material indispensável.
Entre os primeiros temos adotado o Método de leitura do professor Arnaldo Barreto, as obras de João Köpke e de d. Maria de
Andrade, o Coração, de Amicis, os Contos Infantis, de Júlia Lopes,
As crianças e os animais, de mme. Susana Cornaz. É preciso distribuir largamente os livros de leitura e variar a sua escolha, dando
aos professores ensejo de se dedicarem à literatura didática, tão
pobre ainda em nosso país.
PUJOL, Alfredo. Relatório da Instrução Pública.
do Estado de São Paulo. 1896, p. 46.
Na contramão de educadores, escolhas e aprovações oficiais de
materiais de leitura situam-se as queixas dos alunos, que continuariam a existir sempre, como parte do mesmo processo de escolarização, como se pode ver tanto no poema de Carlos Drummond de
Andrade, que passou pela escola primária e secundária entre 1910
e 1919, quanto no desabafo de um aluno do século 21, numa comunidade de relacionamento da internet:
Iniciação literária
Leituras! Leituras!
Como quem diz: Navios... Sair pelo mundo
voando na capa vermelha de Júlio Verne.
· 11 ·
Mas por que deram para livro escolar
A Cultura dos Campos de Assis Brasil?
O mundo é só fosfatos − lotes de 25 hectares
− soja − fumo − alfafa − batata-doce − mandioca −
pastos de cria − pastos de engorda.
Se algum dia eu for rei, baixarei um decreto
condenando este Assis a ler a sua obra.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Boitempo II. In: Nova Reunião: 19 livros de
poesia. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
os kras escreviam em uma linguagem totalmente diferente da q
usamos atualmente, machado de assis soh enxe linguiça nos textos, nao tinha mais o q escrever dai ficava enrolando pra fazer volume..... qdo se vai fazer a analise de uma “obra” tem q ficar discutino
com q intençao o escritor colocou akilo no texto, isso eh problema
dele, se ele qria dizer algo pq nao escreveu logo, nao gosto de subjetividade, o kra tem q ser objetivo, alias adoro ler, faço faculdade
de ciencias economicas, q alias, necessita de mt leitura, soh q nao
de livros futeis como os literarios, mas de livros sobre economia, q
possam ensinar algo, a unica coisa boa em se ler um livro literario
eh a aprimoraçao da linguagem escrita e falada, mas para isso nao
precisa ler textos literarios, mas sim qlqr “gibizinho” q alem do mais
diverte mt + :P Literatura eh historia certo, mas jah existe a materia
Historia, nao ha a necessidade de ficar lendo akeles textos chatos
para saber como era antigamente, pegue qlqr bom livro de historia,
leia e pronto, aprendeu mt mais rapido do q se tivesse lido Assis..
R., no Orkut, comunidade de relacionamento do
Google, postado em 11/3/2008.
Para saber mais
ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1960.
· 12 ·
LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil brasileira: história e
histórias. São Paulo: Ática, 1996.
_______________ . Formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1998.
Para envolver seus alunos
No site de Ana Maria Machado existe um “Caderno de Notas”
com perguntas e respostas sobre a escritora e seus livros. Duas
delas se referem diretamente aos leitores. São elas:
7. Que mensagem você gostaria de mandar para seus leitores?
Antigamente eu dizia que quem tem que mandar mensagem é telegrafista. Hoje diria que é a internet. Um escritor não tem que se preocupar com mensagens. Tem que contar uma boa história, de uma
maneira interessante, com surpresas de linguagem, e criar um livro
que divirta, faça pensar e fique na lembrança do leitor de alguma
maneira, dando vontade de reler ou relembrar de vez em quando.
18. Como é a sua relação com seus pequenos ou grandes leitores?
Eu costumo dizer que o maior prêmio de um escritor é um bom
leitor. Um leitor que entende, qualquer que seja a sua idade, é um
presente. E quando ele entende, não confunde a relação com o
livro e a relação com uma pessoa. Para mim, o importante é que
meu leitor se aproxime do que eu escrevo, e não de mim. Muitas
vezes a pessoa física do escritor pode atrapalhar o contato com a
obra. Uma coisa que me preocupa muito nessa esfera é não ser
injusta, não privilegiar um leitor em detrimento de outro. Se eu começar a conversar muito com um, como vou fazer para conversar
igualmente com todos os outros? Só através do livro, que é justo e
democrático. Mas adoro quando o leitor se manifesta.
Disponível em http://www.anamariamachado.com/caderno/tudo.html#2,
acesso em 08/10/2009.
· 13 ·
Com base nestas (e se preferir, nas demais) perguntas-e-respostas de Ana Maria Machado, discuta com seus alunos a possibilidade
de se comunicarem com os escritores dos livros que eles leem. Mas
tenha o cuidado de preveni-los que nem sempre o contato chega a
se efetivar, ou porque o escritor é muito ocupado e viaja muito, ou
porque recebe muita correspondência e não dá conta de responder
a todos. Lembre a eles que é mais importante o relacionamento
leitor-obra do que o contato pessoal do leitor com o escritor, como
assinalou Ana Maria Machado no trecho acima.
Não se esqueça de registrar todas as fases da proposta num
caderno especialmente reservado para isso, que funcione como um
“Diário de Bordo”. Tire fotos, adicione recortes e tudo o mais que
possa documentar o desenvolvimento da atividade e suas reflexões
sobre antes, durante e depois dela. Essas informações irão subsidiar suas práticas e atividades futuras, além de constituir um material precioso que você poderá explorar com seus alunos. Após o
término do projeto, por exemplo, você poderá separar as fotos do
começo-meio-fim e pedir aos alunos para elaborarem as legendas.
Isso fará com que eles se identifiquem nas fotos e atribuam maior
sentido ao processo de aprendizagem.
Se você sentir que o contato com um escritor poderá acontecer,
chame a atenção dos alunos para a necessidade de se prepararem
muito bem para isso. Antes de tudo é preciso conhecer as obras do
escritor, depois organizar o trabalho do grupo e escolher a forma de
comunicação. Selecione com eles um autor ou autora de livro infantil
que foi lido e relido e elabore uma carta, ou e-mail, de forma coletiva,
em que cada aluno (ou cada grupo de alunos) possa participar com
pergunta, curiosidade, dúvida, crítica, sugestão, e/ou tema para um
novo livro. O mesmo poderá ser feito com relação ao ilustrador ou
ilustradora, ou até mesmo com o editor do livro escolhido. Se o escritor morar na mesma cidade, melhor ainda: verifique a possibilidade
de agendar um encontro com ele na escola. O contato do autor com
· 14 ·
os leitores faz parte do pacote de estratégias de divulgação das
editoras, sendo muito comum em feiras de livros, sobretudo nas
maiores, como as Bienais do Livro.
Contudo, se nada disso for possível, a atividade poderá virar uma
grande brincadeira de faz-de-conta. Leia com os alunos e para eles,
numa atividade bonita e sedutora, trechos de cartas que pequenos
leitores enviaram ao escritor Monteiro Lobato (1882-1948), motivados pela leitura de seus livros. Há trechos de cartas de leitoresmirins reproduzidos num estudo sobre Lobato:
“Eu fiz 8 anos no dia 21 de janeiro. Já sei ler e gosto muito de
ler os seus livros”, revela um bilhete assinado por João Bernardo. “O
que mais me impressionou foi o que o senhor escreveu sobre o pó
mágico de pirlimpimpim”. E aproveita para pedir um pouco...
O garoto Humberto também quer saber onde encontrar o tal pó
para poder ir à Lua. “Papai disse que a única pessoa que tem é o
senhor, pois foi o senhor quem fez.” E explica: “Se eu tivesse o pó de
pirlimpimpim e pudesse mexer na chave do tamanho, eu ia procurar
Tarzan para levá-lo ao sítio”, diz, juntando dois retratos de Lobato
copiados de um livro do pai.
AZEVEDO e outros. Monteiro Lobato: furacão na botocúndia. São Paulo: Ed.
Senac, 1997. p. 316.
Para contextualizar as cartas, você tem que ler com os alunos as
obras de Lobato referidas pelos leitores, como Viagem ao céu (1932)
e A chave do tamanho (1942). Pode, ainda, ler outras histórias com
as quais os livros de Lobato dialogam, como Peter Pan (1904), de James Barrie, onde aparece o “pó mágico”, que fazia a menina Wendy
e seus irmãos voarem até a “Terra do Nunca”.
Após a leitura, faça com que os alunos se coloquem no lugar
dos remetentes e escrevam pequenas cartas (ou bilhetes) para o(s)
escritor(es) escolhidos, com desenhos ou não. Se desejarem, po-
· 15 ·
dem inventar pseudônimos, como fez uma leitora de Lobato, que
assinava suas cartinhas como “Rã”:
“Ótima ideia essa da Emília modificando a natureza!” [...] “Imagine se a Lambeta-mor resolvesse modificar o homem. Dar-lhe-ia couro
de rinoceronte para não haver fuzilamentos; saindo do meio da cabeça, um lindo guarda-chuva vermelho; duas asas também, para bater
o recorde do Santos Dumont; um cestinho pendurado embaixo do
nariz para se encher ou de flores ou de perfumes sempre (...) e nas
solas do pé duas formidáveis molas para o indivíduo pular quando
quisesse numa altura considerável ou então andar se balançando,
conforme o gosto”.
Idem, ib., p. 316.
Sempre com a leitura afiada do livro citado na carta, conclua a
atividade mudando a rota da situação imaginada, pedindo para que
seus alunos se coloquem agora no lugar do escritor, respondendo
às cartas. Se achar conveniente, divida a classe em grupos e peça
para que alguns se encarreguem das cartas dos leitores e outros
fiquem incumbidos de redigir as respostas do escritor. Assim, várias
cartas poderão ser trocadas entre os dois grupos. Se preferir usar a
correspondência eletrônica, faça o exercício na sala de informática,
onde também será possível fazer uma pesquisa na internet sobre o
escritor escolhido como correspondente, além de poder acrescentar
imagens nos e-mails antes de enviá-los.
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2. Lendo histórias de leitura
Fundamentando a atividade
As práticas de leitura que desenvolvemos hoje com nossos alunos estão ligadas às práticas de leitura que vivenciamos quando
éramos crianças. Alegre ou triste, dificultosa ou não, nossa história
de leitura se faz presente nas escolhas dos textos e nas atividades
que elaboramos para as aulas. Ao mesmo tempo, nossa história
individual é parte de uma história coletiva, da história da leitura no
Brasil. Muitas vezes, ao entrar em contato com histórias de leitura
alheias, nos reconhecemos nas experiências vividas por outros leitores, e vamos conhecendo melhor leitura e leitores, experiência sem
dúvida essencial para desempenharmos a função de mediadores
competentes de leitura para nossos alunos.
No Anexo II do fascículo teórico há vários relatos de experiências
de leitura, entre eles, o de Sydnea Meyer, uma professora da rede
· 17 ·
pública paulista. Perceba que histórias individuais de leitura geralmente costumam mencionar:
− mediador (um ou mais), isto é, um leitor, geralmente adulto,
que inicia outra(s) pessoa(s) nas práticas de leitura;
− material escrito sobre o qual se dá a leitura;
− uma situação (de contato) que propicia a leitura;
− expectativas (frustradas e/ou satisfeitas); e
− percursos do aprendiz de leitor.
Vejamos como esses componentes (mediador, material escrito,
situação de contato, expectativas e percursos) se manifestam na
história de leitura de Sydnea e em outras duas: a de Moacyr Scliar,
médico e escritor gaúcho e a de Lygia Bojunga Nunes, escritora premiada de literatura infanto-juvenil3.
Contar histórias. Eis uma coisa que meus pais sabiam
fazer particularmente bem.
Cresci ouvindo histórias. Porque tinham, histórias para contar,
eles: meus pais, meus tios, nossos vizinhos. Eram, na maioria, emigrantes... Contar histórias. Eis uma coisa que meus pais sabiam
fazer particularmente bem, com graça e humor; sabiam transformar
pessoas em personagens, acontecimentos em situações ou cenas.
De minha mãe adquiri o gosto pela leitura. Éramos pobres; não indigentes; não chegávamos a passar fome, mas tínhamos de economizar. Apesar disso, nunca me faltou dinheiro para livros. Minha
mãe me levava à tradicional Livraria do Globo e eu podia escolher
3
Sobre Moacyr Scliar, veja o site da Academia Brasileira de Letras, disponível em: http://
www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=488&sid=298, acesso
em 08/10/2009; sobre Lygia Bojunga Nunes, ela mantém um site pessoal em: http://
www.casalygiabojunga.com.br/corpo/lygiabojunga.php, acesso em 08/10/2009.
· 18 ·
à vontade. Desde pequeno estava lendo. De tudo, como até hoje:
Monteiro Lobato e revistas em quadrinhos, divulgação científica e
romances. Mesmo os impróprios para menores. Minha mãe tinha
Saga de Érico Veríssimo, escondido em seu roupeiro; naquela época,
Érico era considerado um autor imoral. Falava em (horror!) sexo. Mas
eu logo descobri onde estava a chave, e quando minha mãe saía,
mergulhava na leitura proibida.
Ler. Lembro-me: uma manhã acordo cedo. Não são seis horas
ainda. Vou para a salinha da frente, abro a janela, pego um livro (são
as aventuras do Camundongo Mickey). Leio um pouco. Olho pela
janela. No leito da rua, uma pomba debica entre as pedras. Levanta
a cabecinha e fixa em mim um pequeno olho escuro, duro como um
grão. Mickey e a pomba. Por onde andará a pomba porto-alegrense
que à tênue luz da madrugada parou um instante de bicar para olhar
o garoto com o livro na mão? Não sei. Não sei de nada.
Monteiro Lobato era meu autor preferido. Mas eu também lia O
tesouro da Juventude, uma enciclopédia infanto-juvenil em dezoito
volumes. Curioso, eu queria saber tudo: Por que chove? Quem depois de morta foi rainha? Lia, lia. Deitado num sofá, o livro servindo
de barreira entre eu e o mundo. Isto: o livro é uma barreira: mas é
também a porta. A porta para um mundo imaginário, onde eu vivia
grande parte de meu tempo. (...)
SCLIAR, Moacyr. “Memórias de um aprendiz de escritor”. In: Minha mãe não
dorme enquanto eu não chegar e outras crônicas. Porto Alegre: L&PM, 1996.
[...] então esse negócio de ler era um troço bem chato, não era não?
Eu tinha sete anos quando ganhei de presente um livro do Monteiro Lobato chamado Reinações de Narizinho. Um livro grosso assim. Só de olhar para ele eu me senti exausta. Dei um dos muito
obrigada mais sem convicção da minha vida, sumi com o livro num
canto do armário, e voltei pras minhas histórias em quadrinho.
· 19 ·
Eu estava superfresquinha de recém ter aprendido a ler, e andava
às voltas com história em quadrinho. Era um pessoal legal, eu gostava deles, mas, sei lá! era uma gente tão diferente da gente. Eles
moravam nuns lugares que eu nunca tinha ouvido falar; eles tinham
cada nome estranho (às vezes até acabando com h!), como é? como
é mesmo que se diz esse Flash? Flachi? Flachi Gordon? E se eu contava, por exemplo, eu hoje li que o Mandrake perdeu a cartola, tinha
sempre alguém por perto aprendendo inglês pra querer mostrar que
sabia mais que eu: não é assim que se diz, sua boba. É Mandreike.
Mandreike?
Comecei a achar que aquela história de ler não era uma coisa
descomplicada feito descascar uma laranja, pular uma amarelinha,
cantar junto a música que tocava no rádio.
E se em vez de ler, liam para mim, aí mesmo é que a coisa não
se descomplicava: o meu pai e a minha mãe liam história para mim
numa coleção de livrinhos pra criança que tinha lá em casa, tudo
impresso em Portugal, e cheio de infantas, estalagens, escopetas,
arcabuzes, abadessas rezando vésperas, raparigas na roca a fiar...
O quê?
Como é?
Lê de novo?
Que que é isso?
E quando diziam é português, não é minha filha? eu achava tão
esquisito! mas não é a língua da gente?
Era.
Bom, mas então esse negócio de ler era um troço bem chato,
não era não?
E aí o meu tio, que tinha me dado Reinações de Narizinho (e que
era um tio que eu adorava), chegou lá em casa e quis saber, então?
gostou do livro? Eu fiz uma cara meio vaga.
Passados uns tempos, ele me cobrou outra vez, como é? já leu?
Não tinha outro jeito: tirei o livro do armário, tirei a poeira do livro, tirei a
· 20 ·
coragem não sei de onde, e comecei a ler: “Numa casinha branca, lá no
sítio do Picapau Amarelo...“ E quando cheguei no fim do livro, eu comecei tudo de novo, numa casinha branca; lá no sítio do Picapau Amarelo,
e fui indo toda a vida outra vez, voltando atrás num capítulo, revisitando
outro, lendo de trás para frente, e aquela gente toda do sítio do Picapau Amarelo começou a virar a minha gente. Muito especialmente uma
boneca de pano chamada Emília, que fazia e dizia tudo o que vinha na
cabeça dela. A Emília me deslumbrava! Nossa, como é que ela teve
coragem de dizer isso? ah, eu vou fazer isso também! [...]
NUNES, Lygia Bojunga. Livro. Rio de Janeiro: Agir, 1990. p. 11-3.
Você observa, nas três histórias, que há mediadores que ajudam
e há os que atrapalham. É esquisito chamar de mediador a quem
atrapalha, não é mesmo? Mas quem atrapalha também é parte da
história! Observe, ainda, como a escola fica ausente das histórias
de Sydnea, Moacyr e Lygia... Foi em casa e na comunidade que eles
se sentiram motivados e incentivados a se tornarem leitores. O material lido varia muito, às vezes facilita e às vezes dificulta o exercício
da leitura e o gosto por ela. Para cada leitor, são também diferentes
os percursos e situações que inauguram o contato com os livros, as
disposições com que cada aprendiz se põe em face deles. Observe
como cada um valoriza a leitura, dando a ela um peso importante.
Propondo a atividade
1. L eia os relatos de Sydnea Meyer, Moacyr Scliar e Lygia Bojunga, tentando identificar o caminho pelo qual cada um diz ter
chegado à leitura. Sublinhe as passagens nas quais você encontrou registros dos caminhos de leitura, selecione aquelas
que evocam os textos que liam e aos quais eles atribuem seu
encanto pela leitura.
2. Compare os relatos. Que experiências de leitura Sydnea, Moacyr
· 21 ·
e Lygia têm em comum? E em que aspectos as experiências
deles se opõem, isto é, quais são as diferenças entre as
três histórias de leitura? Procure ressaltar o que pode ter
sido decisivo para aproximar e para repelir o leitor aprendiz
da leitura. Organize um quadro com passagens dos relatos
nas quais você identificou semelhanças e diferenças nas histórias de leitura. Compartilhe e discuta com os colegas de
curso as que você encontrou.
3. L eia os textos novamente, agora tentando identificar neles os
cinco componentes referidos: mediador, material escrito, situação de contato, expectativas e percursos do aprendiz. Organize
uma tabela com seis colunas e disponha, em cada uma delas,
além do nome do autor (Sydnea, Moacyr, Lygia), os trechos que
remetem a cada componente, para cada história de leitura.
Compartilhe sua tabela com os colegas. Compare e comente
sua tabela com a de um colega e responda ao comentário.
Nome
do autor
Mediador
Material
escrito
Situação de
contato
Expectativas
Percurso do
aprendiz
Sydnea
Moacyr
Lygia
Comentários e desdobramentos
O início da história de leitura de Sydnea Meyer gira em torno de
práticas religiosas: o pai ganhou a Bíblia em uma Igreja e a leitura
matinal de um trecho representa um ritual familiar e religioso. A ideia
de que, na leitura de um trecho bíblico, aberto ao acaso, encontramse “lições de vida” para aquele dia, sugere a crença numa dimensão
providencial da leitura, como se um espírito superior guiasse a mão
· 22 ·
que abre a Bíblia, fazendo-a marcar um trecho “adequado” às necessidades imediatas de cada leitor. Além disso, abrir a Bíblia ao acaso
ou abrir o livro de leitura ao acaso em dia de prova, eram práticas
religiosas e escolares comuns. Perceba, finalmente, duas razões pelas quais Sydnea considera que a interferência da vizinha apaziguou
suas relações com a leitura: textos curtos, os provérbios, e textos já
conhecidos, os evangelhos.
Observamos, na história de Moacyr Scliar, uma iniciação à leitura que se mistura às histórias ouvidas em casa e na vizinhança.
Ou seja, nas lembranças dele, a leitura está fortemente ligada a
práticas de oralidade. Ler histórias é uma decorrência de ouvir histórias. Histórias ouvidas com prazer porque “bem contadas”, como
ele frisa. Além disso, a família valorizava livros e leituras, a ponto de
financiar os interesses do menino. A família, aparentemente, não
censurava diferentes tipos de leitura e o menino lia de tudo: gibis,
histórias com personagens de quadrinhos, Monteiro Lobato, o Tesouro da Juventude. Os limites da leitura permitida estavam demarcados a um livro considerado “impróprio”, escondido (inutilmente, já
que o menino o lia de qualquer modo) num armário. A evocação de
um momento muito preciso, a manhã em que estava lendo na sala,
perto da janela, quando viu uma pomba na rua olhando para ele, é
vizinha de uma “teoria” para o objeto livro: simultaneamente uma
barreira e uma porta.
Já Lygia Bojunga, na sua história, ressalta a resistência à leitura
que ela, leitora iniciante, experimentava quando tinha que enfrentar um livro grosso, que ganhara do tio: Reinações de Narizinho, de
Monteiro Lobato. O estranhamento com os nomes estrangeiros, dos
personagens dos quadrinhos, histórias importadas dos Estados Unidos; ou as muitas palavras desconhecidas, das histórias narradas
pelos pais, de uma língua que se falava em Portugal, completavam
sua insatisfação com a leitura e a escuta. Lygia destaca o papel
importante do tio, com quem tinha laços de afetividade, mas que
· 23 ·
cobrava dela a leitura, várias vezes adiada, do livro presenteado. Por
fim, ela cedeu às pressões do tio, iniciou a leitura do livro de Lobato
e não parou mais de ler: descobriu-se encantada com a história,
com a irreverência da boneca Emília, identificou-se com o cenário do
“sítio do Picapau Amarelo” e seus personagens.
Comparando as histórias de leitura, percebemos preferências
comuns por alguns títulos, o acesso fácil a certos tipos de texto,
práticas familiares muito próximas. Todos esses traços convergem
para a constituição de uma história social da leitura, dos modos de
ler vigentes em certas classes sociais.
É muito importante a análise das dificuldades e resistências,
pois elas indicam caminhos e soluções. Nesse sentido, tanto as
dificuldades de Sydnea como as resistências de Lygia confirmam o
que algumas pesquisas têm apontado: que, no caso de aprendizes,
é interessante trabalhar com textos curtos, com textos narrativos
e com textos já conhecidos, e ir introduzindo as novidades devagar
no processo de ampliação do acervo de obras.
É comum também na rememoração, o olhar do sujeito que, voltando ao passado, reconstrói as cenas de leitura, seleciona elementos concretos, que, ao contrário, não se repetem e marcam a subjetividade de cada história de leitura. Sejam as manhãs cotidianas e
bíblicas de Sydnea, aquela manhã especial de Moacyr “na salinha
da frente”, ou ainda quando a menina Lygia estava “superfresquinha
de recém ter aprendido a ler”. As histórias de leitura se atraem e se
repelem. Expõem sociabilidades e sentimentos de pertença a uma
história coletiva, mas, ao mesmo tempo, preservam as individualidades, guardadas cada qual com a chave única da experiência, que se
deixa captar por alguns instantes, em textos como esses.
O registro da história individual de leitura é, pois, documento imprescindível para a constituição da história da leitura no Brasil, mesmo nos relatos dos escritores, os quais (convém ponderar) advogam
em causa própria.
· 24 ·
Na página 39 do fascículo teórico há um “Roteiro para uma história de leitura”, que poderá guiar você na escrita da sua própria
história de leitura.
Para saber mais
ANDRADE, Carlos Drummond de. “Como comecei a escrever”. Para gostar de
ler, Crônicas. v. 4. São Paulo: Ática, 1980.
COLASANTI, Marina. “Que escritor seria eu se não tivesse lido?, disponível em:
http://www.leiabrasil.org.br/doc/doc_suporte/doc_simposio/escritor_lido.
doc, acesso em 14/10/2009.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
MACHADO, Ana Maria. “De leitora a escritora”, disponível em: http://www.leiabrasil.org.br/doc/doc_suporte/doc_simposio/leitora_escritora.doc,
acesso
em 14/10/2009.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. “O livro é passaporte, é bilhete de partida”,
disponível em: http://www.leiabrasil.org.br/pdf/material_apoio/BartolomeuCampos.pdf, acesso em 14/10/2009.
RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record/Itatiaia, s.d.
SANTOS, Joel Rufino dos. “Como me apaixonei por livros”, disponível em:
http://www.leiabrasil.org.br/pdf/material_apoio/joelrufino.pdf,
acesso
em
14/10/2009.
Para envolver seus alunos
Leia com e para seus alunos o poema abaixo, que é de uma professora paulista, Presciliana Duarte Almeida. Leia-o de forma viva e
animada! Se possível, faça cópias do poema e distribua-as à classe.
− Pra mim, livro bonito
É aquele que tem figuras,
Pra você não é, Carlito?
· 25 ·
− Pra mim é o que tem doçuras,
E nossas almas retrata
E da terra as formosuras!
Mas a mim também é grata
Uma gravura risonha,
Com vermelho, azul e prata...
Perto d’água uma cegonha,
E nos verdores da mata,
Um passarinho que sonha...
ALMEIDA. Presciliana Duarte. Páginas infantis. São Paulo: Typografia Brazil de
Rothschild & Co., 1910. p. 11-12.
Discuta com seus alunos o que é, para eles, um livro bonito.
Conte-lhes o que é, para você, um livro bonito. Ouça-os e provoqueos a falarem. Você vai ficar conhecendo melhor o imaginário deles e
as expectativas que têm em relação a livros e leituras. Se quiser, termine a atividade pedindo que “ilustrem” o poema (com desenhos,
recortes, colagens, letras..., trabalho que pode ser elaborado em papéis de diferentes cores e tamanhos), fazendo de conta que a folha
onde está o poema é uma página de um “livro bonito”.
· 26 ·
3. Lendo histórias de
leitura na escola
Fundamentando a atividade
Uma rápida pesquisa em sites de relacionamento indica paixões
e rejeições dos internautas pela leitura, pela literatura e pelos livros.
Em consulta feita em março de 2008 num desses sites, o Orkut,
ferramenta do Google que reúne uma infinidade de usuários, foi possível encontrar comunidades que amam ler bem como comunidades
que odeiam ler.
Alguns nomes dessas comunidades se autoexplicam. Entre os
amantes da leitura, estavam grupos de pessoas reunidas em torno
de expressões como: Eu amo ler (283.073 membros), O que você
está lendo (115.509 membros), Minha paixão por livros (88.669
membros), Viciados em livros (65.108 membros), Eu amo poemas,
poesias e versos (45.258 membros), Maníacos por livro (32.143
· 27 ·
membros), Devoradores de livros (25.640 membros), Me dê livros
de presente (21.478), Quero morar numa livraria (19.706 membros), Eu amo poesia (19.315 membros), Eu amo livros/ler (13.534
membros), Apaixonados por livro (6.353 membros), Eu adoro aula
de português (4.667 membros), Eu amo Pedro Bandeira!!! (2.698
membros), Eu amo ler gibis (1.998 membros), Eu amo ler romances (1.683 membros), Eu amo Clarice Lispector (1.604 membros),
Eu amo literatura (1.391 membros), Eu amo as poesias de Drummond (1.180 membros), Ler amplia os horizontes (779 membros),
Eu amo Guimarães Rosa (767 membros), Eu amo aulas de Literatura (606 membros), Amo Literatura Infantil (268 membros), Amo
ler Literatura Brasileira (239 membros), Eu amo Machado de Assis
(221 membros).
Entre aqueles que expressavam horror à leitura, constatou-se
que, embora fosse também grande o número de comunidades, a
quantidade de membros reunidos em torno delas era sempre muito
inferior à do tipo anterior. Isto talvez se deva, em parte, à ampla valorização social da leitura, que pode funcionar como um freio, tornando mais difícil confessar publicamente a aversão à leitura, sobretudo
num ambiente de relacionamento social, ainda que virtual.
As comunidades contrárias à leitura, literatura e livros tinham nomes como: Eu odeio aula de português!!! (33.280 membros), Conto
as páginas antes de ler (10.451), Não leio livro, leio resumo! (6.341
membros), Odeio ler! (4.857 membros), Resumos de livros (2.578
membros), Só leio resumo de livro (2.147 membros), Odeio ler livros
de escola (2.615 membros), Eu odeio literatura (1.477 membros), Eu
nunca li um livro inteiro (1.150 membros), Eu nunca li um livro na escola (618 membros), Odeio ler livros (422 membros), Eu odeio poesia
(352 membros), Odeio ler livros chatos!!! (294 membros), Odeio ler
em voz alta na sala (253 membros), Eu odeio Machado de Assis (175
membros), Eu odeio ler em público (145 membros), Odeio literatura
brasileira (121 membros), Eu odeio a aula de leitura (110 membros),
· 28 ·
Feche um livro e vá ver TV (110 membros), Odeio ler livro por obrigação (99 membros).
O que chama a atenção nessas comunidades contrárias a certos
tipos de livros e de leituras é a presença negativa da escola e do
efeito “repelente” de algumas práticas e materiais sobre aqueles
que foram ou que ainda são alunos. Os nomes das comunidades
apontam desencontros entre textos escolhidos, práticas adotadas e
expectativas de leitura e de aprendizagem, de alunos e professores.
Detectar e compreender problemas e dificuldades de leitura na
escola, por si só, não é suficiente para resolvê-los, mas é caminho seguro para encontrar alternativas de superação, quando se considera
historicamente a escola como um lugar privilegiado para o encontro
de crianças e jovens com a leitura, sendo o professor seu principal articulador. É apostando nessas premissas que Marisa Lajolo introduz
a discussão sobre a leitura na escola, no fascículo teórico. Nas páginas iniciais (5-12) você irá encontrar dados históricos sobre o caráter
coletivo e individual da leitura em nosso país, o papel fundamental da
escola na aproximação entre alunos e material de leitura e a importância do professor como principal mediador desse encontro.
Propondo a atividade
1. A
lém das páginas iniciais (5-12), leia no fascículo teórico os
depoimentos de Luiz Marques (página 23) e de Patativa do
Assaré (página 40). Releia os textos de Carlos Drummond
de Andrade e do internauta R., reproduzidos na primeira
atividade deste caderno. Imagine que cada leitor retratado nessas histórias (Marques, Patativa, Drummond e R.)
tivesse que escolher uma comunidade para fazer parte do
Orkut. Qual seria? Escolha por eles, entre aquelas que já
foram citadas, ou invente uma nova comunidade. Justifique
sua escolha.
· 29 ·
2. P
erceba que nas quatro histórias de leitura (Marques, Patativa,
Drummond e R.) a escolha do material ocupa lugar importante
no desenvolvimento das atividades. Destaque o material de
leitura mencionado em cada história e procure deduzir quais
práticas foram mobilizadas em sala de aula (leitura individual,
coletiva, memorizada, silenciosa, em voz alta, não definida).
Indique também se há identificação ou resistência do alunoleitor em relação ao material ou às práticas de leitura mencionadas. Coloque esses dados de cada texto (material de leitura, práticas escolares, adesão e rejeição do aluno-leitor) numa
tabela, que será compartilhada com os colegas. Compare e
comente a tabela de um colega. Responda ao comentário.
Texto
Material de
leitura
Práticas
escolares
Adesão
Rejeição
Luiz Marques
Patativa do Assaré
C. Drummond de Andrade
Internauta R.
Comentários e desdobramentos
Se considerarmos a história da leitura escolar no Brasil, é óbvio
que as queixas atuais não podem ser comparadas às práticas escolares do período colonial, nem mesmo àquelas de épocas posteriores, quando o aprendizado das primeiras letras era evocado por seu
aspecto penoso. O ensino era pautado, sobretudo, na memorização
e repetição da palavra escrita e, não raro, era guiado por castigos
onde tangiam a vara de marmelo e a palmatória, fazendo jus ao antigo ditado “com sangue a letra entra”.
· 30 ·
Esse era o retrato das práticas de leitura do início do século XIX,
descritas no trecho de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antonio de Almeida, reproduzido no fascículo teórico (página 8), onde
o “mestre” era considerado “um dos mais acreditados na cidade”
por distribuir fartamente golpes de palmatória aos alunos (“bolos”).
Sobre a escola de um século mais tarde encontramos relatos bem
parecidos, como o do trecho a seguir, do poema de Cora Coralina:
A escola da mestra Silvina
Minha escola primária...
Escola antiga de antiga mestra.
Repartida em dois períodos
para a mesma meninada,
Das 8 às 11, da 1 às 4.
Nem recreio, nem exames.
Nem notas, nem férias.
Sem cânticos, sem merenda...
Digo mal — sempre havia
distribuídos
alguns bolos de palmatória...
A granel?
Não, que a Mestra
era boa, velha, cansada, aposentada.
Tinha já ensinado a uma geração
antes da minha.
A gente chegava “— Bença, Mestra.”
Sentava em bancos compridos,
escorridos, sem encosto.
Lia alto lições de rotina:
o velho abecedário,
lição salteada.
· 31 ·
Aprendia a soletrar.
Vinham depois:
Primeiro, segundo,
terceiro e quarto livros
do erudito pedagogo
Abílio César Borges —
Barão de Macaúbas.
E as máximas sapientes
do Marquês de Maricá.
Não se usava quadro-negro,
As contas se faziam
em pequenas lousas
individuais.
Não havia chamada
e sim o ritual
de entradas, compassadas.
“— Bença, Mestra...”
Banco dos meninos.
Banco das meninas.
Tudo muito sério.
Não se brincava.
Muito respeito.
Leitura alta.
Soletrava-se.
Cobria-se o debuxo.
Dava-se a lição.
Tinha dia certo de argumento
com a palmatória pedagógica
em cena.
Cantava-se em coro a velha tabuada.
[...]
· 32 ·
E a Mestra?...
Está no Céu.
Tem nas mãos um grande livro de ouro
e ensina a soletrar
aos anjos.
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1965. p. 19-22.
Várias outras histórias de leitura na escola aparecem no fascículo teórico. O controle do professor Berredo sobre o material a ser
lido pelas normalistas (página 9); a descoberta de um texto literário
significativo, pelos alunos de Luiz Marques (página 23); a boa lembrança que Patativa do Assaré guardava dos primeiros (e únicos)
livros escolares (página 40); o confronto de Carlinhos Brown com a
leitura e a escrita (página 41); as perdas e ganhos de Carolina Maria
de Jesus, na sua entrada para a escola (páginas 42-43).
Positivas e negativas, as experiências de leitura indicam a escola
como espaço privilegiado para a aproximação entre leitores e materiais
de leitura. Apontam, ainda, o papel central do professor como mediador capaz de ensinar aos alunos o gosto pela leitura − sempre sujeito
a preferências e resistências. De qualquer maneira, gostos e desgostos dos alunos são também um termômetro das práticas escolares
e do material de leitura selecionado, que podem ou não determinar o
sucesso ou fracasso da aprendizagem. Por isso, é necessário sempre
adaptar práticas e materiais de leitura a seus alunos, e só você, professor, é quem sabe e quem pode fazer isso, pois conhece o percurso
de leitura de cada um deles, onde estão e onde deverão chegar.
Com relação às histórias de leitura de José Marques, Patativa do
Assaré, Carlos Drummond de Andrade e do internauta R., convém
salientar que todos tratam da leitura realizada na escola com diversos materiais impressos e por meio de variadas práticas, as quais
deveriam possibilitar ao leitor o ajuste da leitura a diferentes tipos
· 33 ·
de texto, situações e objetivos, o que nem sempre ocorre, posto que
a construção dos sentidos varia de acordo com as possibilidades de
cada leitor, com o momento em que vive e com suas leituras prévias
(textos que já leu, expectativas, situações), elementos que irá relacionar com o texto que está lendo.
Assim, Marques se vê surpreso com o repentino interesse de
seus alunos pelos textos de Guimarães Rosa, após uma leitura que
fez em voz alta; Patativa relembra a afeição que lhe causaram as
lições e figuras dos livros didáticos; Drummond compara o sacrifício
que inspirava a leitura da obra adotada na escola, sobre cultivo agrícola, com o prazer que podiam provocar os livros de literatura de Júlio
Verne; e o internauta R., ao contrário, considera fúteis as leituras de
obras literárias e subjetivas, como as de Machado de Assis, quando
comparadas com a utilidade dos livros objetivos de economia.
Para além das preferências de cada leitor, as atividades propostas pelo professor precisam levar em conta as diferentes formas de
ler os diferentes tipos de textos, com diferentes finalidades e em
diferentes situações. E a escola é o lugar privilegiado para proporcionar aos alunos tais vivências. Procurar apenas dados históricos
ou objetivos em um texto literário, ou ainda, esperar que a leitura de
um livro de agricultura traga o mesmo prazer que a leitura de uma
obra de ficção são expectativas fadadas ao fracasso e à frustração
e, por conseguinte, à indisposição do leitor com o texto e até com o
autor − no caso, os dois Assis.
A comparação entre os quatro textos, por sua vez, indica que o
material de leitura considerado chato ou difícil por um leitor pode
ser gratificante e esclarecedor para outro, da mesma forma que
a leitura obrigatória de um livro didático pode ser frustrante para
alguns e inspiradora para outros, e assim por diante. É possível,
ainda, depreender das histórias de leitura que aspectos externos
ao texto podem influenciar sua recepção, a materialidade dos impressos, por exemplo, que inclui desde formato, tamanho, qualida-
· 34 ·
de do papel e da impressão, até o tamanho e a forma das letras,
cores, ilustrações e capa.
Todos esses aspectos internos e externos aos textos devem ser
tratados nas atividades de leitura planejadas pelo professor para
que os alunos não só compreendam tal diversidade de leituras, textos, objetivos e situações, mas também consigam efetuar os ajustes
necessários que irão aproximá-los da leitura e dos livros, em vez de
afastá-los. O diagnóstico de leitura dos alunos (com suas preferências e rejeições) é importante para iniciar o projeto de leitura, guiar a
escolha dos primeiros textos e indicar práticas que o professor terá
que lançar mão em cada turma, prevendo que poderá haver correções de rumo ao longo do caminho.
Para saber mais
ABREU, Márcia. “Da maneira correta de ler: leituras e leitores das Belas Letras
no Brasil colonial”. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura.
Campinas, SP: Mercado de Letras, ALB; São Paulo: FAPESP, 2000.
_______________ . Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora da
Unesp, 2006.
_______________ . “Diferentes formas de ler”. In “Ensaios”, disponível em:
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm, acesso em
14/10/2009.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,
1993.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Histórias e histórias: guia do usuário do Programa
Nacional de Biblioteca da Escola. PNBE 1999. Brasília: MEC, Secretaria de
Ensino Fundamental, 2001.
PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
· 35 ·
Para envolver seus alunos
Para conhecer e poder mudar uma situação em que nossos alunos parecem não gostar de ler, nós professores precisamos, antes
de tudo, descobrir por que eles rejeitam a leitura ou qual aspecto os
afasta dos livros. Convém primeiro identificar quais elementos (práticas, materiais de leitura e reações dos alunos) contribuem para criar
o cenário de uma turma que não gosta de ler.
Cada professor tem uma forma de fazer o diagnóstico dos hábitos de leitura de seus alunos, o qual deve ser o ponto de partida
para planejar o projeto de leitura. Se possível, é importante falar
também com os pais, conhecer os hábitos de leitura da família, se
conversam com os filhos desde pequenos, se contam histórias, se
leem para e com eles.
1. S
e os alunos são menores, do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, convém começar o diagnóstico com uma brincadeira
coletiva. Depois de contar algumas histórias e rememorá-las
em dias diferentes, escreva na lousa temas de livros de literatura infantil (adivinhas, animais, bruxas, contos de fada,
folclore, medo, quadrinhas) ou, se preferir, escreva o próprio
título da obra e peça a cada um deles para responder se gosta
ou não daquela história, e por que a prefere. Se puderem dar
exemplos e comentar onde e quem contou a história a eles,
melhor. Na lousa, abaixo de cada tema, escreva o primeiro
nome do aluno para que ele possa desenhar ao lado, uma
carinha rindo , ou triste , conforme a resposta. Enquanto
isso, você pode anotar a informação numa tabela, preparada
previamente com os nomes e temas. Mais tarde, passe os
dados das preferências dos alunos para uma ficha individual,
onde você também poderá anotar outros dados importantes
sobre o desenvolvimento da leitura de seus alunos.
· 36 ·
2. S
e os alunos são maiores, a partir do 3º, mas sobretudo no
4º e 5º anos do Ensino Fundamental, você poderá pedir a eles
que preencham a ficha de preferências de leitura que você irá
elaborar. Talvez eles gostem de expressar suas preferências
de leitura com os desenhos de carinhas, com estrelas ou uma
outra forma de avaliação. O trabalho poderá ser feito como
um exercício escrito em classe, depois de um debate sobre
“o que e como gostam e o que odeiam ler”. Para isso, é claro,
eles precisam conhecer vários tipos de história, dar exemplos
e justificar as escolhas. Depois anote as preferências de cada
um na ficha individual, onde você irá registrar outras informações que observar durante o desenvolvimento do projeto de
leitura. Na ficha do aluno pode constar, por exemplo, como ele
demonstra gostar e não gostar de ler, seus textos preferidos e
rejeitados, sua reação às práticas de leitura (individual, coletiva, silenciosa, em voz alta, compreensão, participação, exercícios escritos), suas dificuldades; propostas de solução; o que
você tem feito para incentivar a leitura, etc. Faça também um
mapa da classe que resuma as preferências de leitura (temas,
títulos, práticas).
3. S
e puder, fotografe as atividades de leitura ou grave algumas
aulas. Esse material poderá lhe fornecer pontos de vista diferentes do seu trabalho com a classe e, talvez, mostrar aspectos que você não tinha percebido antes. Além do mais, fotos,
sons e imagens constituem material rico para atividades de
leitura e escrita com seus alunos (mas, cuidado: se for publicar na internet, será necessário pedir autorização, por escrito,
aos pais das crianças). Certamente, eles se identificarão com
cenas das quais participaram e você poderá, ainda, usar o
material em seus relatórios. Perceba que o processo de fazer
o diagnóstico de leitura da sua turma leva algum tempo e exige planejamento e organização.
· 37 ·
4. Implementando o
projeto de leitura
La maîtresse d’école. Gravura a buril, de Bernard Lépicié, 1740
Fundamentando a atividade
A história da leitura de cada um de nós, realizada individualmente e com a família, na escola, na comunidade, juntas e articuladas
a várias outras histórias, formam a história da leitura no Brasil. Por
isso é importante registrar as histórias individual e coletiva e, mesmo quando elas não foram escritas, é possível retomar a história
da leitura em outras épocas por meio de discursos e práticas que
determinaram normas, escolhas e condutas.
O material de leitura, inclusive o literário, sempre passou pelo crivo dos professores e/ou dos patrocinadores da educação, fossem
de instituição pública, privada, religiosa ou leiga. No século XIX e
início do XX, Os Lusíadas, de Luís Camões, por exemplo, foi obra que
teve muitas edições escolares no Brasil e em Portugal, nas quais
· 38 ·
não apareciam trechos considerados impróprios para a leitura dos
meninos. O episódio da “Ilha dos Amores”, considerado erótico para
os padrões da época, era sempre cortado nessas edições.
Nos anos de 1950, em tempos de Guerra Fria e de intensa patrulha anticomunista, os livros infantis de Monteiro Lobato (18821948) foram acusados de não respeitar a religião católica e de incitar o comunismo nas crianças. Também nessa época, e na década
seguinte, os gibis eram considerados materiais impróprios para a
leitura das crianças, fosse ela realizada em casa ou na escola.
Mesmo entre educadores houve sempre divergências na hora da
escolha do material de leitura. Embora os textos a seguir, de Balthazar Vieira de Mello e de Monteiro Lobato, estejam bem recuados no
tempo em relação aos dias de hoje, discussões entre educadores
continuam a existir na hora de escolher as obras que devem entrar
nos acervos escolares e muitas dúvidas são levantadas. Veja que
no texto de Balthazar Vieira de Mello podemos concordar com vários
pontos e discordar de outros:
Quanto aos processos de leitura, os que melhores resultados
fornecem são os que revestem a aparência de brinquedos, não só
despertando a atenção da criança, como fazendo com que ela tome
parte da lição.
E como a atenção depende da vontade ou da atração do assunto,
só por este último processo, estimulado pelo instinto de curiosidade,
se obtém a atenção na criança, ponto de partida para o desenvolvimento da memória e da reflexão.
Fazer com que a criança tome parte na lição, é ainda ensinar-lhe
a refletir, é desenvolver a sua espontaneidade.
Todavia, mais difícil é manter que atrair a atenção da criança, já
pela imobilidade das suas impressões, o que é uma lei providencial
para a saúde do cérebro infantil, já pelo cansaço que logo se manifesta, seguido de dores de cabeça, tonteira, zunido nos ouvidos,
· 39 ·
hemorragias nasais, perda do apetite e irregularidades do caráter.
Uma medida deve, pois, existir para graduar a atenção da criança; e, como a atenção é tanto mais tensa quanto mais abstrato é o
assunto, a atenção da criança deve ser despertada pela variedade e
medida pelo grau de sua curiosidade.
O uso e mesmo abuso que se comete em algumas escolas, fazendo as crianças cantarem, para aprender, dá em resultado, muita
vez, a repetição automática do que se lhes pretende ensinar.
Outro inconveniente, em livros adotados nas escolas, consiste
nos contos e historietas inverossímeis, tais como quadrúpedes e
aves a falarem.
A curiosidade infantil levando a criança a indagar da realidade do
que ouve ou lê, circunstância de alto valor para acostumá-la a ler com
inteligência e expressão, é de todo interesse pedagógico e higiênico
a escolha dos livros para os seus primeiros ensaios de leitura.
Ao invés de historietas fantásticas, deem-se-lhes livros de ação,
verdadeiros, onde a criança aprenda a contar com seus esforços, a
agir por si mesma.
MELLO, Balthazar Vieira de. Higiene escolar. São Paulo: Tipografia do Diário
Oficial, 1902, p. 30-32. Ortografia atualizada.
Mello, que era médico da repartição encarregada da higiene escolar, aponta estudos sobre a atenção infantil, os quais, na época,
indicavam os males causados pela repetição automática, prática escolar comum que consistia na memorização do alfabeto, sílabas, palavras e textos, sem garantir às crianças a compreensão do sentido
do que estavam decorando.
Hoje, a prática da memorização automática parece ter sido banida
das escolas, mas continuamos interessados em manter a atenção
das crianças, como importante requisito de aprendizagem. Do mesmo
modo, podemos concordar com Vieira de Mello que uma das formas
de se conseguir a atenção das crianças é criar situações lúdicas,
· 40 ·
como a que ele sugeriu, da leitura com “aparência de brinquedos”,
como se fosse um jogo. No entanto, não se pode concordar com a
preferência exclusiva que ele tinha pelas histórias de ação, em detrimento de fábulas e outras histórias que chamou de “inverossímeis”.
Já o texto de Monteiro Lobato, ao contrário do anterior, não só
exalta a adequação da leitura das fábulas pelas crianças, como também alinha as versões criadas pelo autor a uma longa tradição, incitando o contato das crianças com uma “sabedoria” que vem sendo
“acumulada” através dos tempos, em outros países e no nosso:
Advertência
As fábulas constituem um alimento espiritual correspondente ao
leite na primeira infância. Por intermédio delas a moral, que não
é outra coisa mais que a própria sabedoria da vida acumulada na
consciência da humanidade, penetra na alma infante, conduzida pela
loquacidade inventiva da imaginação.
Esta boa fada mobiliza a natureza, dá fala aos animais, às árvores, às águas e tece com esses elementos pequeninas tragédias
donde ressurte a “moralidade”, isto é, a lição da vida.
O maravilhoso é o açúcar que disfarça o medicamento amargo e
torna agradável a sua ingestão.
O autor nada mais fez senão dar forma sua às velhas fábulas
que Esopo, La Fontaine e outros criaram. Algumas são tomadas do
nosso “folclore” e todas trazem em mira contribuir para a criação
da fábula brasileira, pondo nelas a nossa natureza e os nossos animais, sempre que é isso possível.
LOBATO, Monteiro. Fábulas. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1922, p.
171. Ortografia atualizada.
Convém destacar que não só Lobato está justificando a publicação de suas versões das fábulas tradicionais, como ele retoma e
· 41 ·
renova a metáfora do “alimento espiritual” ao se referir ao material
de leitura, atribuindo à moral o valor de “medicamento amargo”,
como vimos, valor contrário ao verificado no discurso religioso, de O
mentor dos meninos (1861), ao tratar dos “Maus Livros”, no trecho
reproduzido na primeira atividade deste caderno.
Essa antiga questão, da escolha do material de leitura, foi retomada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que indicam a diversidade de gêneros textuais que deve ser trabalhada em classe. Enfim,
ela é retomada toda vez que temos que selecionar o material de
leitura de nossos alunos.
E para oferecer aos nossos alunos experiências variadas de leitura, com diferentes textos, situações e finalidades, é preciso dispor
de um acervo que tenha um pouco de tudo, ficção e não-ficção, de
forma que livros informativos, jornais e revistas sejam conhecidos e
trabalhados pelos alunos como as publicações de literatura infantil,
que costumam ocupar lugar de destaque na escola, pelo interesse
que despertam nas crianças.
Por isso, podemos concordar com Lobato, não só em relação
às fábulas, como às outras narrativas tradicionais (lendas, mitos,
contos de fadas, contos maravilhosos e contos folclóricos), que ainda hoje são textos que não podem faltar em qualquer acervo de
leitura escolar, com a vantagem de que as narrativas tradicionais
facilitam a aquisição da leitura, por já serem conhecidas de muitas
crianças. Como você já deve ter percebido, em assuntos de leitura,
aqui, teoria e história vêm junto com as práticas que elas, teoria e
história, respectivamente teorizam e historiam. E é disso que trata
esta atividade.
Propondo a atividade
1. R
eleia o capítulo “Implementando o projeto”, do fascículo
teórico (páginas 13-20), que trata de vários aspectos da or-
· 42 ·
ganização do projeto de leitura, refletindo sobre eles. Faça o
levantamento dos impressos disponíveis na escola, dando
atenção a vários gêneros textuais e veja com quantos livros
poderá contar.
2. Identifique, entre 20 e 30 livros disponíveis em sua escola,
os quais você escolheria para trabalhar com seus alunos.
Se os livros disponíveis não chegarem a 20, chegue o mais
perto possível, mas comece a pensar no que fazer para ampliar o acervo.
3. Organize uma lista de tais livros, na sequência de sua familiaridade com eles, isto é: aqueles com os quais você
tem mais familiaridade vêm antes daqueles com os quais
você tem pouca familiaridade. Para cada livro, indique autor
(sobrenome + nome), título, cidade, editora e data, no seguinte formato:
BILAC, Olavo. Poesias infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909.
4. U
se o modelo “Tabela” do seu editor de texto (Word) para fazer
a lista, pois ele permite que você depois classifique os dados
de várias maneiras: por autor, por título, etc. Para classificar,
selecione a área da tabela; depois, vá na barra de ferramentas do Word, em Tabela, escolha classificar. Na caixa de diálogo aparecem os itens e os tipos de classificação, crescente e
decrescente; escolha a que lhe convém e dê Ok.
1
Autor
Título
Cidade
Editora
Ano
BILAC, Olavo
Poesias infantis
Rio de Janeiro
Francisco Alves
1909
2
5. C
ompartilhe sua lista com os colegas e escolha uma outra lista para comentar. Responda ao comentário que você recebeu.
· 43 ·
Comentando a atividade
O capítulo “Implementando o projeto”, do fascículo teórico (páginas 13-20), apresenta e discute algumas providências necessárias
para a montagem de um projeto de leitura na escola. Os tópicos
abordados – com algumas adaptações – são comuns a projetos de
diferentes envergaduras, tanto a projetos a serem desenvolvidos em
uma classe, como em várias classes ou mesmo em várias escolas.
Sobre as atividades de leitura, a autora parte do princípio que
elas devem: 1) ser planejadas e não improvisadas; 2) envolver diferentes instâncias da escola; 3) partir do levantamento do acervo
disponível; 4) estar comprometidas com a organização, manutenção, ampliação e diversificação de tal acervo. O capítulo discute
ainda que os educadores envolvidos em projetos de leitura devem:
5) ser leitores competentes das várias linguagens de que se constitui um livro; 6) ter familiaridade com o acervo disponível; 7) ser
capazes de perceber e respeitar a pluralidade de leituras que cada
texto permite, bem como de 8) discernir o peso social de determinadas leituras.
Recuperar discursos e práticas de leitura em segmentos de tempo diferentes do nosso pode ser um exercício instrutivo para refletir
sobre nossas práticas e discussões cotidianas. O esforço de compreendê-los em seu contexto e de comparar o quanto estão próximos
ou distantes do que se pensa e pratica hoje mostra o quanto nossos
discursos e práticas estão ligados às nossas crenças e valores e
são determinados pelas crenças e valores de nosso tempo.
Da mesma forma, detectamos a atualidade de questões antigas,
como as discussões em torno da escolha do material de leitura.
Outra vantagem do ponto de vista histórico é que ele permite ir além
das discussões normativas, colocando no centro da reflexão o papel
fundamental do professor na formação de leitores. Parece óbvio,
· 44 ·
mas nem sempre temos consciência disso, principalmente, quando
se trata de discutir currículo, programas e normas, ou de selecionar
o material ou práticas para o ensino da leitura na escola.
Quanto à escolha do material de leitura, a ideia de instruir e
divertir, mais rara em textos de educadores antes de Comenius
(1592-1670), ganhou impulso no século XIX, quando houve grande
expansão dos sistemas nacionais de educação elementar. A popularização da alfabetização em níveis nunca antes atingidos também
estimulou o crescimento do público leitor composto de crianças e
jovens. No século XIX, junto com as edições cada vez mais frequentes que visavam o público infantil, repletas de ilustrações, surgiu a
imprensa destinada às crianças. Desde então, a literatura infantojuvenil passou a ocupar espaço privilegiado na educação doméstica
e escolar. Nesse longo processo, observa-se que a “leitura útil” foi
lentamente cedendo lugar à “leitura prazerosa” (ou de fruição) nas
práticas sociais e na escola.
No Brasil, observa-se que a literatura infantil teve um novo pico
de desenvolvimento no início dos anos 1970, com a massificação
do ensino, e hoje ocupa lugar de destaque no Ensino Fundamental,
dentro das salas de aula, nas bibliotecas e nos programas oficiais
de distribuição de livros, como o PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola. Portanto, conhecer os livros de literatura infantil e
juvenil e a produção impressa destinada às crianças é parte da formação básica do professor dos anos iniciais, mediador da leitura na
escola e modelo de leitor para os alunos.
Obviamente é muito difícil para o professor manter-se atualizado, dada a avalanche de livros lançada todo ano. Mas é imprescindível que ele conheça ao menos o acervo da escola. Na
atualização de dados sobre a produção de livros infantis, o professor poderá consultar sites e catálogos de editoras e livrarias
especializadas, além de recorrer às listas de obras selecionadas
aos prêmios de literatura infanto-juvenil, como o Jabuti, promovido
· 45 ·
pela Câmara Brasileira do Livro, e o do Fundo Nacional de Literatura Infantil e Juvenil4.
A escolha do acervo de livros precisa ser variada, mas não pode
ser infinita, porque é imprescindível que o professor conheça bem todas as obras do acervo, o que, por si, já limita seu tamanho. O acervo deve ser variado, mas a literatura precisa ser privilegiada, pois,
no nosso país, há crianças que só terão oportunidade de conhecer
tais obras na escola. É verdade que as obras que o professor gosta
devem estar neste acervo, mas ele não pode se limitar somente ao
gosto do professor, pois gosto é gosto, não é mesmo? O importante
é ter generosidade na hora de oferecer diferentes tipos de livros aos
seus alunos e aceitar o gosto de cada um.
Para saber mais
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.
COTRONEO, Roberto. Se uma criança, numa manhã de verão. Rio de Janeiro:
Rocco, 2004.
LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.
LYONS, Martin. “Os novos leitores no século XIX: mulheres, crianças, operários”. In CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo
ocidental. São Paulo: Ática, 2002.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
_______________ . “A literatura deve dar prazer”. In Nova Escola, disponível
em http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/
literatura-deve-dar-prazer-423594.shtml, acesso em 14/10/2009.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
4
Para os vencedores do prêmio Jabuti acesse http://www.cbl.org.br/jabuti/; para os vencedores do prêmio FNLIJ acesse http://www.fnlij.org.br/principal.asp?cod_mat=16&cod_
menu=150. Acesso em 14/10/2009.
· 46 ·
Para envolver seus alunos
Dê um jeito de seus alunos terem acesso ao poema “Prima pulga”, reproduzido na página 49 do fascículo teórico.
Explique à classe: 1) que se trata de um poema que circula oralmente há muito tempo, tendo se perdido a identidade do poeta que
o compôs. 2) que se trata de uma “quadra”, que é um poema de
quatro versos; 3) que é um texto muito ritmado (todos os versos
têm sete sílabas, se contarmos as sílabas até a última sílaba tônica
de cada verso) e musical (o verso dois de cada estrofe rima com o
verso quatro).
Proponha que seus alunos decorem o poema. Uma vez decorado
e treinado, proponha que o apresentem em casa (ou em outras classes da escola) e recolham outras quadrinhas de que as pessoas da
família ou da escola se recordem. Monte um mural com as quadrinhas que eles levarem, e organize uma sessão de declamação, na
qual muitos alunos declamem muitos poemas.
Se achar adequado, leve-os a ver que quando um poema só tem
circulação oral, é muito possível que surjam variantes dele, isto é,
que o texto sofra alterações. Proponha que inventem variantes para
as quadras recolhidas por Sílvio Romero, substituindo, por exemplo,
os bichos mencionados na primeira estrofe, ou os vegetais citados
na segunda. Leve-os a ver que o poema não pode perder o ritmo...
as variantes precisam respeitar ritmo e rima.
Esse exercício é divertido e familiarizará sua classe com propriedades importantes da linguagem oral muito presentes na poesia popular.
· 47 ·
5. Planejando a leitura escolar
Fundamentando a atividade
O capítulo “O projeto no dia a dia da escola” (páginas 21-36)
é o mais longo do fascículo teórico. Ele inclui algumas questões
amplas sobre o ato de ler e discute também questões pontuais,
como providências que devem preceder uma aula de leitura. “O
projeto no dia a dia da escola” se constitui dos seguintes tópicos
fundamentais:
P Caráter coletivo do aprendizado do desenvolvimento do gosto
pela leitura. Rotinas e procedimentos variados que considerem os usos sociais da língua escrita.
P Recolha e registro de histórias de leitura da comunidade interna e da comunidade externa à escola.
P Transformação de registro de histórias de leitura em instrumentos de discussão de leitura.
P Vantagens da organização do tempo e do espaço destinados
às atividades de leitura escolar.
· 48 ·
P
P
P
ecisão quanto à modalidade de leitura (silenciosa, oralizada,
D
individual, em duplas, em grupo), observando as várias funções da linguagem (divertir, informar, criticar, manipular, etc.).
Os diferentes modos de leitura motivados por diferentes gêneros textuais, diferentes suportes e diferentes situações.
Elementos a serem considerados para que as atividades de
leitura oral sejam eficientes: a) treino prévio para garantir qualidade de leitura; b) treino da audiência para uma escuta respeitosa, atenta e ativa; c) conversa posterior à leitura.
Propondo a atividade
1. Releia com lápis na mão o capítulo “O projeto no dia a dia
da escola”, do fascículo teórico (páginas 21-36). Selecione
um trecho dele que contradiga ou reforce uma experiência
de leitura escolar da qual você tenha participado. Justifique a contradição ou o reforço observado entre fascículo e
experiência.
2. C
ompartilhe com os colegas de curso o trecho selecionado
do fascículo, a justificativa da contradição ou do reforço e
o relato da experiência. Escolha o relato de um colega. Comente a pertinência da relação lá estabelecida entre o texto
extraído do fascículo e a experiência relatada. Responda ao
comentário que recebeu.
3. P
ara planejar e depois relatar um projeto de leitura na escola
você precisará definir os seguintes tópicos: população-alvo,
objetivo(s), duração, pessoas responsáveis pelo projeto, escolha do material, procedimentos, tipo de avaliação, dificuldades e soluções encontradas. Veja o quadro, no final desta
atividade, com três sugestões de planejamento de projetos
de leitura. Leia e pense sobre ele.
· 49 ·
4. R
etome a sua “Lista de Livros”, aquela que você elaborou na
atividade anterior deste caderno. Veja se é possível incorporar a ela mais algum título sugerido pelas listas dos outros
colegas de curso, ou se há possibilidade de adquirir algum
título novo. Acrescente uma coluna para “Assunto” e outra
para “Observação”. Depois de finalizada, classifique sua lista por “Autor” ou por “Título”.
5. C
om base na sua “Lista de Livros” e no “Quadro de Planejamento de Projeto de Leitura na Escola” (veja a seguir),
cujas sugestões você já leu e sobre as quais refletiu, faça o
planejamento de um projeto de leitura para sua classe. Não
se esqueça de acrescentar um cronograma.
6. C
ompartilhe o seu “Planejamento” com os colegas. Escolha
um plano para comentar. Responda ao colega o comentário.
QUADRO DE PLANEJAMENTO DE PROJETO DE LEITURA NA ESCOLA
Tópicos
População
Objetivo(s)
Duração
Responsáveis
Projeto 1
Projeto 2
Todos os alunos
do período matutino do 2º ao 5º ano
do EF
Todos os alunos do
4º ano
Os alunos do 4º
ano B
Familiarizar os
alunos com vários
tipos de impressos, sobretudo
livros de literatura
infantil.
Levar os alunos a
perceberem a pluralidade de leituras
e significados nos
textos literários e
informativos.
Levar os alunos a
entenderem, discutirem, decorarem e apresentarem oralmente de
forma inventiva,
um poema.
1 semestre
1 bimestre
2 semanas
Professores do 2º
ao 5º ano, direção,
coordenador, APM
e os pais
Professores dos 4º
anos, coordenador
Professor do 4º
ano B
· 50 ·
Projeto 3
Escolha do
material
Procedimentos
Avaliação
Seleção de impressos e livros de
literatura infantil
Seleção dos textos
a serem trabalhados
Seleção do poema
1. Levantamento
de fundos para
aquisição de impressos e livros de
literatura infantil;
2. visita com os
alunos à biblioteca
infantil da cidade
para contato com
vários impressos e
livros de literatura
infantil;
3. orçamento e
contato com editoras para conseguir
descontos;
4. aquisição de
estantes para a
organização dos
livros na biblioteca
ou nas classes;
5. aquisição e
arrumação dos
livros;
6. definição de
horários e regras
para consulta e
empréstimo.
1. Preparação de
atividades de interpretação que construam diferentes
significados para
os textos selecionados;
2. realização de
atividades de interpretação;
3. discussão das
atividades realizadas;
4. discussão de
outros textos incentivando diferentes interpretações;
5. discussão entre os alunos de
diferentes interpretações para o
mesmo texto;
6. discussão com
e entre os alunos
de interpretações
menos e mais aceitáveis.
1. Distribuição
aos alunos do poema selecionado;
2. diferentes leituras expressivas
do poema pelo
professor;
3. diferentes leituras expressivas
do poema pelos
alunos;
4. discussão de
diferentes significados do poema
(diferenças de
significado, geralmente se exprimem por diferentes maneiras de
ler ou apresentar
um poema oralmente);
5. declamação do
poema.
Comparação da
competência leitora e da produção
de textos dos
alunos no início do
projeto e no final
do semestre
Desempenho dos
alunos em atividades de interpretação (de textos literários, de notícias
de jornal, de relatos de colegas).
Fluência, clareza e
versatilidade das
apresentações;
solicitação dos
alunos para repetição da atividade.
· 51 ·
Dificuldades e
soluções
Recursos insuficientes para aquisição de livros e
estantes. Pedido
de patrocínio para
pessoas físicas e
jurídicas, à APM,
pedido de autorização à secretaria
de educação para
uso dos recursos
do Fundeb-MEC.
Os alunos ficam
esperando a interpretação do professor, como se fosse
a certa. É importante trabalhar
com várias versões
de narrativas tradicionais (paráfrases
e paródias) ou de
notícias de jornais
para mostrar a
eles as diferentes
interpretações.
Alunos mais tímidos têm pavor de
se apresentar. É
preciso pedir que
treinem muito
antes e que a
apresentação seja
feita em duplas
ou em grupo de
alunos, em forma
de jogral.
Comentários e desdobramentos
Assim como é importante fazer o diagnóstico das preferências
dos alunos antes da escolha dos livros e do material impresso que
serão usados no projeto de leitura da escola, as atividades devem
ser planejadas com antecedência, visando aprendizagens e experiências variadas de leitura, com definições claras dos objetivos a
serem alcançados. Para isso, é preciso que estejam envolvidas no
projeto de leitura várias instâncias que compõem a organização da
escola, como direção, coordenação, corpo docente, funcionários,
APM, alunos e pais, de acordo com cada projeto.
É igualmente importante que o projeto seja planejado a partir do
acervo de livros e impressos de que a escola dispõe, assim como
esteja vinculado com a organização, manutenção, ampliação e diversificação de tal acervo. Por isso a elaboração de listas de livros deve
anteceder o planejamento das atividades de leitura, com vistas à
ampliação do acervo de livros e impressos.
Da mesma forma que é necessário aceitar a diversidade de gostos, é necessário aceitar a diversidade de leituras de um mesmo
· 52 ·
texto, respeitando a pluralidade de leituras que cada texto permite,
mas chamando a atenção, ao mesmo tempo, para a diferença do
peso social de determinadas leituras, sem deixar de considerar as
possibilidades de cada leitor na construção dos sentidos, os quais
variam de acordo com o momento em que vive e com suas leituras
prévias (textos que já leu, expectativas, situações), elementos que
irá relacionar com o texto que está lendo.
Aos tópicos elencados no quadro de planejamento (populaçãoalvo, objetivo(s), duração, pessoas responsáveis pelo projeto, escolha
do material, procedimentos, tipo de avaliação, dificuldades e soluções encontradas), além do cronograma, podemos acrescentar outros itens, tais como, o registro (escrito e por meio de imagens) das
etapas do projeto (ou making of), formas de divulgação e de mobilização, participação dos pais e da comunidade, assim como formas de
avaliação do projeto e do alcance dos objetivos.
A escolha dos títulos é outro ponto chave para determinar o sucesso do projeto de leitura. O material de leitura precisa ser variado para atender à pluralidade de leituras que suscitam diferentes
tipos de textos, em diferentes situações, com diferentes finalidades. A literatura infantil ocupa lugar especial na preferência dos
alunos, e a escolha pode obedecer a diferentes gostos de leitura.
O acervo deve ser bem conhecido pelo professor e, se possível, é
necessário incluir títulos novos e não apenas aqueles que são da
preferência do professor, ou que ele esteja habituado a trabalhar
com os alunos.
Com relação à formação e manutenção de acervos escolares,
convém destacar a resolução do FNDE-MEC publicada em 16 de
maio de 2008, a qual estabelece a previsão de fornecimento de
livros de literatura e de informação para as escolas públicas no âmbito do PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola5.
5
Disponível em ftp://ftp.fnde.gov.br/web/resolucoes_2008/res020_16052008.pdf.,
acesso em 14/10/2009.
· 53 ·
Como a aprendizagem se beneficia da novidade tanto quanto das
rotinas de leitura, além da seleção variada de títulos, é importante
lançar mão de estratégias variadas de leitura, ainda que se mantenham cotidianamente certas práticas de leitura, como um ritual.
A leitura feita pelo professor precisa de treino prévio antes de
chegar à sala de aula, pois ela servirá de modelo aos alunos. Na
leitura em voz alta a atenção do professor deve ser redobrada no
uso dos recursos que a envolvem: a respiração, a entonação, as
pausas, a articulação das palavras, o clima da história, a atmosfera
de tranquilidade e conforto do espaço, que permite a concentração
dos alunos na leitura.
Para saber mais
CHARTIER, Anne-Marie, CLESSE, Christiane e HÉBRARD, Jean. Ler e escrever:
entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: ArtMed, 1996.
JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: ArtMed, 1993.
KUHLTHAU, Carol. Como usar a biblioteca na escola. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
VIEIRA, Adriana Silene et al. Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leituras. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Básica, Secretaria de
Educação a Distância; Universidade Estadual de Campinas, 2006. (Coleção
Pró-Letramento. Fascículo 3)
Para envolver seus alunos
Leia com e/ou para seus alunos o conto, a seguir:
Madame Teófila
Teofile Gautier
Madame Teófila era uma gata avermelhada, de peito branco, nariz
cor de rosa e olhos azuis, assim chamada porque vivia comigo numa
· 54 ·
perfeita intimidade, dormindo aos pés da minha cama, fazendo a sesta no encosto da minha poltrona, enquanto eu escrevia, acompanhando-me ao jardim nos meus passeios, assistindo às minhas refeições
e interceptando, muitas vezes, o bocado que eu ia levar à boca.
Uma vez, um dos meus amigos, afastando-se por alguns dias,
confiou-me um papagaio, para que eu o guardasse enquanto durasse a sua ausência. O pássaro, sentindo-se deslocado, subira até o
alto do poleiro, e circunvagava em torno, com ar desconfiado, aqueles
olhos semelhantes a tachas de latão, encarquilhando as membranas
brancas que lhe servem de pálpebras. Madame Teófila nunca vira em
toda a vida um papagaio; e esse animal, novo para ela, causava-lhe
evidente surpresa. Imóvel, tão imóvel como um gato embalsamado do
Egito nas suas faixas, mirava o pássaro, reunindo com um ar de meditação profunda todos os conhecimentos de história natural que pudera colher nos seus passeios sobre o telhado, no quintal e no jardim.
A sombra de seus pensamentos passava-lhe pelas pupilas móveis, e nelas pude ler este resumo do seu exame: “Decididamente
é um pinto verde”.
Firme nesta conclusão, a gata saltou da mesa onde estabelecera o seu observatório, e foi agachar-se a um canto da sala, com o
ventre por terra, os cotovelos para a frente, a cabeça baixa, o dorso
estirado, como a pantera negra do quadro de Gérome, espreitando
as gazelas que vão beber no lago.
O papagaio seguia os movimentos da gata com a inquietação
febril; eriçava as penas, mexia com a corrente, passava o bico pelo
bordo do vaso da comida.
Instintivamente, via ele na gata um inimigo, meditando e planejando alguma peça.
Quanto aos olhos da gata, fixos sobre o pássaro com uma intensidade fascinadora, diziam, numa linguagem que o papagaio muito
bem compreendia: ”Não obstante ser verde, este pinto deve ser bom
para comer!”
· 55 ·
E eu seguia, com interesse, esta cena, pronto a intervir quando
fosse preciso. Madame Teófila aproximou-se insensivelmente: as
narinas róseas tremiam-lhe; e semicerrava os olhos, estendia e contraia as garras.
Calafrios corriam-lhe o dorso, como a um gastrônomo que caminha para uma mesa bem servida; deleitava-se com a ideia do repasto suculento e raro que ia fazer. Aquele manjar exótico aguçava-lhe
o apetite.
De repente, o seu dorso se encurvou como um arco retesado,
e, de um salto, ela foi cair prestemente sobre a gaiola. O papagaio,
vendo o perigo, com uma voz baixa, grave e profunda como a de um
filósofo, gritou: “Já almoçaste, Jacquot?”
Esta frase causou um indizível terror à gata, que imediatamente saltou para trás. Uma fanfarra de clarins, um monte de pratos
despedaçando-se, o estampido de uma espingarda nos ouvidos, não
lhe teriam causado mais vertiginoso medo. Todas as suas ideias
ornitológicas esboroavam-se.
− Que? manjar do rei? – continuou o papagaio.
− A fisionomia da gata, exprimia, claramente: “Não é um pinto, é
um homem; ele fala!
“Quando eu bebo um pouco mais,
no botequim tudo dança.” – cantou o pássaro com estrondos de
voz ensurdecedores, como se houvesse compreendido que a sua
palavra era o seu melhor meio de defesa. A gata lançou-lhe um olhar
cheio de interrogações, e, não recebendo resposta satisfatória, foi
estender-se na cama, de onde não saiu todo o resto do dia.
As pessoas que não têm o hábito de tratar com os animais pensarão talvez que estou emprestando intenções à ave e ao quadrúpede.
Mas não fiz mais do que traduzir fielmente as suas ideias em
linguagem humana...
No dia seguinte, Madame Teófila, um pouco serenada, ensaiou
· 56 ·
um novo ataque e foi repelida pelo mesmo processo. Deu-se por
satisfeita e aceitou o pássaro como homem.
Treine a leitura antes. Na classe, leia a história, com gosto, de
forma a minimizar os problemas de vocabulário, que certamente haverá: trata-se de um texto antigo, traduzido. Ele fazia parte de um
livro de leitura muito popular no começo do século XX. Converse
com seus alunos sobre a história. As aves capazes de imitar a fala
humana sempre fascinaram as pessoas. E, pelo visto, também os
gatos, não é mesmo?
É bem provável que alguns de seus alunos, ou mesmo você, tenha ou tenha tido gatos e papagaios. A história, então, não poderia
se passar na casa de qualquer um?
Quem sabe seus alunos, em duplas ou em grupos, montem
um diálogo entre um papagaio e um gato, em forma de história em
quadrinhos, recortando ou desenhando figuras de gatos e de papagaios? O diálogo deve ser inspirado pela história, e disponibilizado
no mural. A classe (ou outra classe) elege o melhor trabalho que,
circulando pela sala, será objeto de leitura dramática por todos os
alunos (em duplas ou em grupo).
· 57 ·
6. Lendo poesia
Manuscrito, Livro de Horas de Louis de Savoie,
c. 1450.
Fundamentando a atividade
Fazer poesia é das atividades mais antigas da humanidade.
Aparentemente, não há povo que não tenha a poesia entre suas
tradições culturais. Misturada à religião, ao trabalho, às festas e
cerimônias públicas, aos rituais... a poesia está presente em todas
as sociedades humanas.
A forma de poesia que conhecemos hoje, em sociedades como a
brasileira, é fortemente ligada à escrita. Escreve-se e lê-se poesia.
No entanto, este caráter escrito da atividade poética é moderno: em
seu nascimento a poesia era oral, produto da fala e da voz, muitas
vezes ligada à música e ao canto.
Mesmo depois de articular-se à escrita, a poesia mantém as
marcas de ter-se originado na fala humana. A oralidade e a musicalidade permanecem. De forma muito mais marcada do que em outros
· 58 ·
gêneros, na poesia a forma pela qual se registra alguma coisa é
tão importante quanto o conteúdo que se registra. Ou seja: um poema chama nossa atenção não apenas pelo que diz, mas também
pela forma pela qual diz. Quando ouvimos (ou lemos em voz alta)
um poema, o significado das frases disputa nossa atenção com a
forma delas: a ordem das palavras, seu som, rima, ritmo, imagens,
disposição gráfica na página, são parte integrante do sentido do
texto poético.
Observe o poema “Sonhei que era um gatinho”, de Correia Júnior:
Sonhei que era um gatinho
− Miau!... miau!...
3
Que ia por um caminho
4
− Miau!... miau!...
5
Perseguindo um ratinho
6
− Miau!... miau!...
7
E ao ver-me pertinho
8
− Miau!... miau!...
9
Gemia o bichinho
10
Que mau!... que mau!...
1
2
Correia Júnior. Barquinho de papel. In Lajolo, 2005, p. 47.
Leia o poema em voz alta. Note que é possível identificar nele
vários elementos, como: sons, imagens, sensações e significados.
Releia o poema e tente refletir sobre cada elemento, pensando nas
seguintes questões:
Sons
Liste os sons que chamaram sua atenção e explique por
quê.
Imagens
Registre que imagens surgiram em sua mente, conforme
você ia lendo o poema, e que palavras sugeriram essas
imagens
Sensações
O poema provocou alguma sensação, ou algumas sensações
em você? Qual, ou quais? Que palavras suscitaram essas
sensações?
· 59 ·
Significados
Que significados você atribuiu ao gato e ao rato? Ambos
são quadrúpedes? Um é felino e o outro roedor? Ambos são
dissílabos? Simbolizam alguma coisa?
Em primeiro lugar, os sons semelhantes são numerosos, como
os finais em “inho” do primeiro, terceiro, quinto, sétimo e nono versos. A repetição de sons iguais ou parecidos é chamada de rima
– talvez um dos recursos mais famosos e fáceis de identificar da
poesia. Nem todo poema apresenta rima, mas ela é característica
do gênero poético.
O poema começa com uma imagem bastante
Eu-lírico: é o “eu” a que se
sugestiva: “Sonhei que era um gatinho”. Devido
referem verbos em primeira
pessoa, num poema. A ideia
ao verbo na primeira pessoa, o leitor é tentado
deste conceito é favorecer
a identificar-se com o eu-lírico que sonha. Passa
leituras não biográficas de
a compartilhar, então, a experiência de “ser um
poemas escritos em primeira pessoa.
gato”, um gato pequeno. O uso de diminutivos em
todo o poema faz pensar em bichos pequenos,
não é?
Onomatopeias: são palaO segundo verso apresenta onomatopeias que
vras cujos sons tentam reimitam o miado de um gato. Ao lê-las, o leitor pode
produzir o som daquilo que
nomeiam – como o “miau”
ter reforçada a sensação de também ser um gato,
do poema.
juntamente com o eu-lírico.
Vem então o terceiro verso: “Que ia por um caminho”. Cada leitor, provavelmente, imaginará um tipo de caminho:
reto ou cheio de curvas? Pavimentado ou de terra? Esburacado?
Ladeado de prédios ou de plantas?
Nova intercalação de verso com miados e, logo depois, surge a
imagem de um ratinho, que muda tudo. O gato não está passeando,
afinal; está caçando! A imagem do rato surge no final do quinto verso,
provocando surpresa. O sexto verso começa com um novo “Miau” –
que se torna bem diferente, agora que sabemos que a boca que mia
talvez também queira comer o rato. Note que a figura do rato aparece
no meio do poema, que muda a partir desse surgimento.
· 60 ·
No sétimo verso, “E ao ver-me pertinho”, ocorre uma mudança
de perspectiva: não é mais só o gato que vê o rato, mas o rato que
vê o gato. Essa nova perspectiva se intensifica no penúltimo e no
último versos: “Gemia o bichinho/ Que mau!... que mau!...” O leitor,
que provavelmente imaginara um gato fofinho no começo da leitura,
é agora surpreendido pela visão que faz do gato o algoz do rato. Será
que continuará achando o gato bonitinho e inofensivo?
Note como palavras de sons parecidos, mas de significados
completamente diferentes, como “miau” e “mau”, são usadas de
forma sofisticada: o que as diferencia é apenas um “i” – mas
quanta distância há entre o miado do gato e o medo do rato! Gato
e rato também são palavras muito parecidas; a mudança de um
som no início de cada uma delas é que as torna significativamente
diferentes.
O poema se desenvolve, então, de modo a nos sugerir, no início,
que somos, como o eu-lírico, um gatinho. No meio do poema surge
um ratinho, e a mudança de perspectiva suscitada pelos versos finais pode fazer com que nos coloquemos no lugar do rato, e vejamos o gato de uma outra maneira.
A utilização de recursos sonoros, de imagens que se justapõem
e surpreendem, de versos construídos de tal modo que nos provocam sensações (como dó do rato ou medo do gato, neste poema),
sem que essas sensações sejam explicitamente mencionadas, são
atributos da poesia.
Agora, passemos para outro poema, “Pirilampos”, do poeta pernambucano João Batista de Siqueira (1912-1982), mais conhecido
por Cancão. Trata-se de poema bem curto, com apenas uma estrofe (conjunto de versos) de seis versos (linhas), por isso chamada
de sextilha ou sexteto:
· 61 ·
Pirilampos
Centenas de pirilampos
Que se espalham n’amplidão,
3
Parecem um bando de loucos
4
Com lanterninhas na mão,
5
Iluminando os caminhos
6
Sem saberem pra onde vão
1
2
Propondo a atividade
1. C
omece por ler o poema “Pirilampos” em voz alta, sem ninguém por perto, como se estivesse ensaiando a leitura que
você faria na classe para seus alunos. Respire antes de começar − você não quer perder o fôlego bem no meio de um
verso, não é mesmo? Você está lendo sem plateia. Não tenha
pressa. As palavras de um texto não são como batatas quentes, das quais você quer se livrar o mais depressa possível.
Todas são importantes e precisam ser ouvidas por todos. Saboreie cada uma delas. Role-as na boca.
2. Observe que cada verso não ocupa uma linha inteira. Em sua
leitura, marque – modulando a voz – a quebra de linha, isto
é, o final de cada verso. A pausa ao final de cada verso fará
ressaltar a rima (= identidade de sons) entre, por exemplo,
os versos 2, 4 e 6. A pausa final também fará ressaltar que
cada verso tem o mesmo número de sílabas métricas, isto é,
o mesmo tamanho.
3. Duas pessoas podem ler o mesmo poema de formas diferentes, enfatizando determinadas sequências de sons e
enfraquecendo outras. O ritmo do poema se constrói através
desta alternância de sílabas fortes (realçadas na leitura) e
sílabas mais fracas.
4. Agora, que sua familiaridade é grande com os versos deste
· 62 ·
poema, imagine duas situações de leitura: a) na primeira, leia
os versos como alguém que está encantado com a visão dos
pirilampos, e que considera muito sugestiva – uma maravilha,
mesmo! – a comparação entre eles e os loucos; alguém que
ache que o poema o fez pensar em diferentes formas de encarar a loucura, alguém que se encantou com a metáfora de caminhos que levam a um destino desconhecido; b) na segunda
situação, leia os versos como alguém que considera pirilampos
insetos interessantes, bonitos mesmo, mas nada além disso;
alguém que não se impressiona com a metáfora de caminhos
sem destino; alguém que acha a ideia de iluminar um caminho
que não leva a parte alguma até meio ridícula.
5. A
note os elementos do poema verificados em ambas as leituras e faça um quadro para cada uma delas. Compare os
dois quadros e compartilhe suas reflexões com os colegas.
Sons
Liste que sons chamaram sua atenção e explique por quê.
Imagens
Registre que imagens surgiram em sua mente, conforme você
ia lendo o poema, e que palavras sugeriram essas imagens
Sensações
O poema provocou alguma sensação, ou sensações, em
você? Qual, ou quais? Que palavras suscitaram essas
sensações?
Significados
Que significados você atribuiu aos pirilampos? E aos
loucos? E a oposição lanterninhas/escuridão? O que diz de
“caminhos” com relação ao último verso?
6. S
uponha que você é responsável por uma oficina de capacitação de professores para trabalharem com poesia. Planeje
uma atividade com o poema “Pirilampos”, solicitando que a
atividade leve em conta os dois significados que você atribuiu ao poema, isto é, a leitura deve exprimir o significado.
7. C
ompartilhe com seus colegas a atividade que você montou.
Comente a atividade de um colega. Responda ao comentário
que um colega fez sobre suas interpretações.
· 63 ·
Comentando a atividade
Você deve ter percebido que além de versos de final igual, o poema “Pirilampos” tem uma incrível sucessão de sílabas anasaladas.
Essa repetição de sons parecidos também contribui para a sonoridade do poema.
É importante notar – em outras situações de sua vida de leitor –
que quanto mais vezes você lê um texto, mais familiarizado se sente
com ele. Porém, o exercício de leitura oral não melhora a performance do leitor apenas naquele determinado texto que ele está lendo.
Melhora a capacidade geral de leitura da pessoa. Quanto mais você
praticar a leitura oral, mais à vontade vai se sentir para ler em voz
alta. Aos poucos, seus olhos vão conseguir trabalhar com segmentos maiores do texto, você vai conseguir antecipar novas sequências
e, portanto, preparar melhor a verbalização delas.
As duas situações de leitura propostas para o poema de Cancão
representam duas interpretações do poema − bastante diferentes uma
da outra, não é? A forma pela qual lemos um texto depende de como o
interpretamos. Ou seja, a interpretação gera a performance. Contudo,
o contrário também é verdadeiro: por tabela, nossos ouvintes – ouvindo-nos ler – familiarizam-se não apenas com o que diz o texto mas
também com o que interpretamos do texto no momento da leitura.
Outra forma de comprovar isso é selecionar várias gravações de
poemas, algumas produzidas pelos próprios poetas, como é o caso
de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de
Melo Neto.
Versões de filmes, novelas e peças de teatro, baseadas em romances, podem oferecer parâmetros importantes de comparação
entre o texto e as diferentes performances dos atores. Se quiser
testar, vá ao site do YouTube (http://br.youtube.com/), que reúne
uma infinidade de vídeos. Procure por vídeos de um mesmo filme,
· 64 ·
com várias versões, de épocas distintas. Os filmes baseados nos
romances da escritora inglesa Jane Austen, por exemplo, tiveram
muitas versões para o cinema e para a televisão.
Quanto à poesia, a escola precisa sensibilizar os alunos para a
especificidade do texto poético. E para sensibilizá-los é necessário que
eles participem de atividades de poesia oral. Poesia lida, declamada,
jogralizada, dramatizada e mais todas as formas e versões de dar voz
ao poema escrito na folha de papel constituem aprendizado para que
seus alunos familiarizem-se com a poesia e aprendam a gostar dela.
Para saber mais
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons e ritmos. São Paulo: Ática, 1998.
LAJOLO, Marisa. “Poesia: uma frágil vítima da escola”. In: LAJOLO, Marisa. Do
mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.
MERMELSTEIN, Miriam. “Subsídios para trabalhar com poesia em sala de
aula”, disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/lei_a.php?t=020,
acesso em 14/10/2009.
MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia não é difícil. São Paulo: Artes e Ofícios, 1996.
PINHEIRO, Hélder (org.). Poemas para crianças: reflexões, experiências, sugestões. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 2000.
Para envolver seus alunos
A poesia é um gênero literário que, geralmente, agrada às crianças. Para incrementar esse gosto e trabalhar melhor com poemas,
é importante conhecer bem os elementos característicos da poesia,
como fizemos antes.
1. L eia para e com seus alunos o poema de Correia Junior,
“Sonhei que era um gatinho”. Na leitura dos alunos peça
para alternarem as falas do gato e do rato, sugira que eles
“miem” de diferentes maneiras, expressando ternura, ameaça, indiferença...
· 65 ·
2. F aça chegar aos alunos, também, o poema “Vozes dos animais”, de Cândido Teixeira dos Santos. É preferível que eles
tenham uma cópia do poema, mesmo que seja copiado da
lousa para o caderno.
Canário trina e pipila;
Silva a cobra, inseto adeja,
3
Berra o sapo, anun voeja,
4
Bala a marrã, o ar sibila;
5
Ladra o cão, pato desfila,
6
Frango cisca e cacareja,
7
A mosca espalha a vareja;
8
Rincha o poldro, brota a planta;
9
Todo mundo vibra e canta,
10
No sertão quando troveja.
1
2
3. L eia e releia o texto, muitas vezes, em voz alta. Procure no
dicionário o significado das palavras que lhe são desconhecidas. Marrã, por exemplo, pode ser porca ou, em Pernambuco, ovelha novinha. Ensaie a leitura para a aula que você
vai dar para seus alunos: afinal, você estará emprestando
sua voz para cantar o coro de ruídos com que, segundo o
poeta, a natureza toda celebra sinais de chuva... Visualize
os bichos em seus diferentes habitáts, monte a cena em
sua cabeça. Comece a preparar sua interpretação – ou suas
interpretações – para o poema.
4. Diferentemente do poema “Pirilampos” – que tinha seis versos, por isso chamado sextilha – o poema “Vozes dos animais” tem 10 versos: é uma décima. E suas rimas também
se distribuem diferentemente: observe como a posição e a
variedade delas é diversa nas duas estrofes: enquanto o
poema de Cancão trabalha com um mesmo som (ão), que se
repete três vezes, Cândido Teixeira dos Santos trabalha com
três sons (ila, eja, anta) que se distribuem caprichosamente
· 66 ·
ao longo das dez linhas do poema. Em sua opinião, que efeito isso pode ter para quem ouve o poema?
Pirilampos
Centenas de pirilampos
2
Que se espalham n’amplidão,
3
Parecem um bando de loucos
4
Com lanterninhas na mão,
5
Iluminando os caminhos
6
Sem saberem pra onde vão
1
Vozes dos animais
Canário trina e pipila;
2
Silva a cobra, inseto adeja,
3
Berra o sapo, anun voeja,
4
Bala a marrã, o ar sibila;
5
Ladra o cão, pato desfila,
6
Frango cisca e cacareja,
7
A mosca espalha a vareja;
8
Rincha o poldro, brota a planta;
9
Todo mundo vibra e canta,
10
No sertão quando troveja.
1
5. D
ando vozes aos animais, o poema de Cândido Teixeira dos
Santos retoma uma antiga tradição escolar brasileira, que
era conhecer os verbos que indicavam as “vozes” dos animais, um ponto obrigatório para alunos das primeiras séries
do Ensino Fundamental (o antigo Curso Primário). Se você
prestar bem atenção a esses verbos, verá que alguns deles
tentam “reproduzir” o som que o animal produz. Tente reproduzir o “trinar” e “pipilar” do canário, o “silvar” da cobra, o
“balar” da marrã, o “cacarejar” do frango e o “rinchar” do
poldro. A sonoridade das palavras que indicam esses verbos
não lembra o som que o bicho faz? Essas palavras, cujo som
parece reproduzir o som daquilo que representam, chamamse, como já vimos, onomatopeia.
6. A
o preparar sua interpretação do poema, pense, por exemplo, em duas situações de leitura para ele: a) na primeira
situação, leia o poema como se ele estivesse sendo lido em
voz alta por duas pessoas, uma que faz interrogações ou
abre reticências, a que a outra responde ou completa; b) na
segunda situação, leia o poema como se ele estivesse sen-
· 67 ·
do lido por uma só pessoa, mas que tem dificuldade para se
lembrar da palavra que representa algumas das “vozes dos
animais”.
7. O
rganize sessões de leitura do poema “Vozes dos animais”
nas quais os alunos mergulhem na sonoridade do poema.
Quem sabe eles imitam os vários bichos? Crianças costumam gostar disso. Mostre-lhes também como o poema atribui um “sentido” ao coro dos animais: todos juntos, e junto
também com outros seres vivos (as plantas que brotam) eles
celebram coletivamente a expectativa de chuva.
8. D
iscuta com seus alunos como, tradicionalmente, alguns animais são relacionados a certas atividades, a certas horas
do dia, a certos estados de espírito. A formiga não costuma
ser vista como trabalhadora, não se diz que o galo anuncia o
nascer do dia, e que o cão representa fidelidade?
9. N
o caso do poema de Cândido, o caminho para interpretar o
comportamento dos bichos e plantas começa por enumerar
as ações praticadas por cada animal e termina por relacionar o conjunto de ações a um outro elemento da natureza,
as trovoadas. Qual seria o efeito se o poema fosse lido de
cabeça para baixo, isto é, começasse a ser lido pelo verso
10 e fosse subindo, lendo-se na sequência os versos 9, 8,
7... até o primeiro verso?
10. D
iscuta com seus alunos por que os trovões são festejados
no sertão. Se eles não estão familiarizados com o grave problema das secas em algumas regiões brasileiras, converse
com eles, informe-os, leve para eles artigos de jornal, assista com eles a algum documentário. Recoloque a questão:
por que o poema de Cândido diz que bichos e plantas se
alegram com a trovoada?
11. P
ara terminar, peça que os alunos puxem pela memória:
alguém sabe de cor algum poema? Antecipadamente, puxe
· 68 ·
pela sua memória. Quando criança você conhecia algum poema de cor? E agora? Você se lembra de algum poema que
seja especial para você? Conte para seus alunos a história
de sua leitura de poemas. Peça que os alunos perguntem
em casa, na vizinhança, na escola, e que tragam para a classe uma cópia dos poemas que forem capazes de recuperar.
Com esse material, você poderá planejar atividades que ampliem o contato de seus alunos com poemas.
O trabalho com poesia na sala de aula poderá começar, ainda,
com canções populares e folclóricas e com folhetos de cordel. Há
várias antologias que reúnem trabalhos de grupos dedicados à recuperação e registro dessas produções em verso.
Os livros são acompanhados de CDs com os versos musicados,
como em Quem canta seus males espanta (São Paulo: Editora Caramelo, 1998), ou são lançados CDs de música acompanhados de
encarte com as letras, como as produções do grupo Palavra Cantada, disponíveis em http://www.palavracantada.com.br.
· 69 ·
7. Lendo narrativas tradicionais
A leiteira e a bilha de leite, ilustração de
Gustave Doré para Fábulas de La Fontaine, 1886.
Fundamentando a atividade
Assim como ouvir poemas, ouvir histórias é importante para a
formação de jovens leitores. Gostar de ouvir histórias pode levar a
gostar de ler histórias. Portanto, a prática de narrar e de ler histórias
em voz alta precisa ser muito frequente na escola. Aos poucos, as
crianças vão aprendendo que nos livros estão aquelas histórias que
elas gostaram de ouvir, além de muitas outras. Foi o que aconteceu
com Paulo, que se ligou em livros e leitura depois de ouvir Dona
Rosa, sua professora, ler histórias de um jeito muito especial (se
não lembra, confira na página 110 do fascículo teórico).
Contar e ouvir histórias são práticas sociais muito antigas, transmitidas desde a idade mais remota da humanidade. Narrativas tradicionais como mitos, lendas, fábulas, contos populares, contos de
fadas, contos maravilhosos são histórias que foram passadas oral-
· 70 ·
mente, de geração a geração, de povo a povo, através dos tempos, até
serem coligidas por escritores que deram a elas uma forma impressa.
Muitas histórias continuam a ser transmitidas apenas oralmente.
Assim como as cantigas de roda, parlendas, máximas, adivinhas,
travalínguas e outros jogos com a linguagem, as narrativas tradicionais estão associadas às situações lúdicas criaFábula: é um tipo de nardas pelo homem na vida em sociedade. Por isso, rativa breve, com personapodemos pensar na narrativa como um jogo que gens humanas ou não (anisó se inicia com o leitor, a partir da leitura e da mais, vegetais ou minerais),
cujo objetivo é transmitir de
compreensão do texto. E para compreender uma forma alegórica uma moral,
narrativa é necessário conhecer suas partes: en- ensinamento ou experiênredo, narrador, personagens, espaço e tempo, isto cia. A alegoria é uma forma
figurada de representar pené, os elementos essenciais da narrativa (veja no samentos, ideias, qualidafinal da atividade). Entre as narrativas tradicionais, des, em que cada elemento
escolhemos a fábula para realizar a atividade, por funciona como disfarce das
ideias representadas. Na
se tratar de história curta, mas que conserva esfábula podem aparecer, ou
ses cinco elementos.
não, animais com caracteA forma oral de transmissão das narrativas tra- rísticas humanas. As fábulas de Esopo, por exemplo,
dicionais e sua constante reelaboração, através
que datam do século VI a.C.,
das vozes (ou escritas) que se sucederam ao lon- apresentam forma fixa: o
go dos tempos, produziram grande quantidade de primeiro parágrafo é destiversões de uma mesma narrativa e promoveu o nado à fábula, enquanto no
segundo (e último) parágradiálogo constante entre textos.
fo é apresentada a moral.
O diálogo entre textos é chamado de intertextualidade. Esse diálogo, ou retomada de um texto, ocorre nas mais
diversas situações e nos mais diversos tipos de comunicação, e
está presente tanto nas manifestações artísticas quanto no cotidiano. Quando você resume um texto ou o capítulo da novela, conta
uma piada ou reproduz uma frase que acabou de ouvir, está usando
um tipo específico de intertextualidade, a paráfrase.
A paráfrase acompanha de perto o texto que tomou como referência, como se verifica em resumos, versões, resenhas, adaptações e tra-
· 71 ·
duções. A paráfrase ocorre quando os textos descrevem ou narram um
mesmo fato de maneira diversa, mas equivalente; trata-se da retomada
de um texto sem mudar seu fio condutor, a sua lógica. E você, talvez,
deva estar se perguntando, mas se há muitas versões de uma mesma
história, elas não seriam todas iguais? Não. As versões são diferentes
exatamente por retomar uma história anterior e recontá-la de forma particular, usando expressões e recursos narrativos distintos do texto de
referência (por exemplo, mudando a personagem principal, o ambiente,
ou alterando a linguagem, a forma de narrar). As versões estão sempre
dialogando com textos anteriores, cuja origem se perdeu no tempo.
Vejamos quatro versões de uma fábula tradicional. Vamos analisar suas partes, os elementos essenciais da narrativa, para descobrir semelhanças e diferenças entre elas.
Propondo a atividade
1. P
ara desenvolver esta atividade, primeiro leia o quadro Elementos Essenciais da Narrativa, no final dela, que explica
cada elemento. Leia a versão árabe da fábula, a seguir. Tente
reconhecer os elementos essenciais da narrativa: enredo,
narrador, personagens, espaço e tempo. Use o modelo de
tabela para a análise:
O eremita, a jarra de manteiga e mel
Disse a esposa:
– Conta-se que um asceta costumava receber de um mercador
caridoso mel, pão e manteiga para se sustentar. Comia o pão e guardava o mel e a manteiga numa jarra, que tinha pendurada numa
parede. Ao cabo de certo tempo, encheu-se a jarra, coincidindo com
isso uma alta no preço do mel e da manteiga.
Conjecturou o homem: “Se vender o que tenho por um dinar,
· 72 ·
poderei comprar dez cabras, que, ao cabo de cinco meses, me darão
dez crias...” E estendeu suas contas sobre cinco anos, chegando à
conclusão de que teria então quatrocentas cabras. E, prosseguindo,
disse consigo mesmo: “Venderei as quatrocentas cabras e comprarei cem touros e vacas. Conseguirei sementes e, com os touros,
ararei e semearei a terra, enquanto as vacas me estarão dando leite
e crias; e, assim, antes de transcorrerem outros cinco anos, terei
acumulado uma grande fortuna. Construirei, então, uma suntuosa
mansão, adquirirei vestimentas, móveis e escravos; casar-me-ei com
uma formosa mulher de nobre linhagem, que me dará um filho provido de todos os dons, em cuja formação porei todo empenho; e, se
vir que é ingrato, descarregar-lhe-ei um golpe na cabeça com esta
vara, assim...” E, erguendo a vara para mostrar o que faria, golpeou a
jarra e quebrou-a, e todo o conteúdo se despejou sobre sua cabeça,
e todos os seus planos e esperanças foram frustrados.
– Contei esta história, prosseguiu a esposa, para que te abstenhas de dizer o que ignoras e que depende somente do destino.
Aproveita, pois, a experiência daquele asceta.
AL-MUKAFA, Ibn. Calila e Dimna. Trad. Mansour Challita. Rio de Janeiro: s.ed.,
1975, p. 127.
2. V
eja que na Europa a personagem principal dessa fábula é
uma moça, cuja história foi retomada por Gil Vicente, no Auto
da Mofina Mendes (1534), e por Jean de La Fontaine, no século XVII. Agora leia a fábula recontada por Justiniano José
da Rocha (1876). Tente reconhecer os mesmos elementos:
enredo, narrador, personagens, espaço e tempo da ação.
Acrescente na tabela duas linhas, para os itens “Forma e
Linguagem” e “Moral”, comparando os elementos desta história com os elementos da fábula anterior.
· 73 ·
A mercadora de leite e seus cálculos
Alegre vinha para a cidade uma camponesa trazendo à cabeça bojuda bilha de leite. “Hei de vendê-lo todo”, dizia, “e com o favor de Deus,
sempre hei de achar no lucro o preço de uma linda frangalhona. Há de
ser tão bonita, quão boa poedeira, pois hei de escolhê-la por certo sinal
que nunca falha. De cada postura dar-me-há dezoito ovos, e, emprestando-me a vizinha alguma galinha choca, de mês em mês terei uma ninhada de dezoito pintinhos. Como são bonitos, como medram! Os machos
vou-os vendendo, e ajuntando o dinheiro, as fêmeas crescem; saem à
mãe dão-me ovos que é um regalo; crio-as até ter um cento delas. Cem?
Não: dez dúzias, é muito suficiente; não tenhamos mais, que lhes não
dê a peste. Ora, com o dinheiro dos frangãos e dos ovos, estou rica!
Qualquer tola iria comprar alguma fita para enfeitar-se aos domingos. É
bom andar uma moça faceira e bonita; mas eu antes quero fazer render
meu dinheiro. Compro pois uma porca; e por que não uma vaquinha?
E então ovos, frangãos, leite, bezerros, em menos de nada, com juízo e
economia, dão-me com que compre um lindo sítio. Eis-me senhora, enfim graças a Deus! escolho criadas jeitosas, servem-me elas para levar
à cidade o meu leite, os meus ovos, e frutas, e hortaliça; e então, se
aparecer algum rapaz bem feito, bonito, de bom gênio, e amigo de trabalhar, dou-lhe minha mão e a minha riqueza. Que fortuna e que prazer.”
Embebida nessa prosperidade, a camponesa esquece-se do que trazia a cabeça, e põe-se a dançar, a bilha vem ao chão, quebra-se;
adeus leite, adeus galinha, pintos, adeus fortuna!
MORALIDADE: A esperança toda a vida nos embala; basta-lhe qualquer circunstância, por insignificante que seja, para que nela assente seus castelos, castelos que a imaginação doura, e que o menor
sopro da realidade desfaz.
ROCHA, Justiniano José da. Fábulas (imitadas de Esopo e La Fontaine). Rio
de Janeiro: Nicolau Alves, 1876. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.
org/eLibris/fabulas.html#95, acesso em 14/10/2009.
· 74 ·
3. L eia agora uma versão de Jean de La Fontaine, apresentada
em tradução portuguesa de 1886, analisando os mesmos
elementos (personagens, narrador, espaço e tempo da ação,
forma e linguagem usada, e a moral). Perceba, ainda, que
acompanham esta versão da fábula, duas ilustrações a bico
de pena, de Gustave Doré (uma colocada na entrada desta
atividade e outra a seguir). Procure perceber qual cena foi escolhida para ilustrar a fábula e se as duas imagens apresentam diferenças e semelhanças. Na tabela, acrescente o item
“Relação texto verbal e não-verbal”. Não deixe de identificar
o autor e o título da fábula.
Ilustração de Gustave Doré para Fábulas de La Fontaine, 1886.
A leiteira e a bilha de leite
Com sua bilha à cabeça,
Maria, de pouca idade,
Vinha, marchando com pressa,
Vender o leite à cidade.
E a leiteira diligente,
Enquanto assim caminhava,
Estes cálculos na mente,
Consoladores formava:
· 75 ·
“Com o dinheiro da venda
Encho de ovos três cestinhas;
Deito os ovos, e a fazenda
Aumento a vender galinhas.
Depois, na feira anual,
Comprarei porquinho belo;
Mais tarde, no meu curral,
Terei vaquinha e vitelo.”
Antegozando um deleite
Nessas ideias, tropeça;
Cai-lhe a bilha da cabeça,
E entorna-se todo o leite.
É facil de decorar
A lição singela e breve
Que ensina que ninguém deve
Fazer castelos no ar!
Fabulas de La Fontaine. Trad. J.I. Tomo 2. Lisboa: David Corazzi; Rio de Janeiro: José de Mello, 1886, p. 345-346.
ELEMENTOS
Autor
Título
Itens relevantes
Versão 1
Há referência ao
autor?
Há título? Qual?
Ele antecipa a leitura, dá pistas ao
leitor sobre o conteúdo da história?
· 76 ·
Versão 2
Versão 3
Enredo
O enredo é linear,
isto é, os acontecimentos seguem
uma ordem cronológica, com começo, meio e fim?
Os fatos narrados
são encadeados
conforme suas
causas e consequências?
Narrador
Ele parece saber
tudo sobre os
fatos, ou seja, o
texto é escrito em
terceira pessoa?
Ou é um narrador
limitado a suas
percepções, em
primeira pessoa?
Personagens
Quantas são as
personagens?
Qual é a personagem principal?
Elas são de que
natureza (humana,
animal, vegetal)?
Há diálogos, há
alternância de
discurso direto e
indireto?
Espaço
(Cenário)
Onde se passa a
ação? Quais as
características do
cenário? Como
os objetos e costumes aparecem
na composição do
ambiente?
· 77 ·
Tempo
Forma e
linguagem
Moral
Relação entre
texto verbal e
não-verbal
Em que tempo se
passa a história?
Quanto tempo
dura a ação?
O texto é apresentado em prosa ou
em verso? Que
tipo de linguagem
é usada, só a verbal? Há palavras
que você desconhece? Há mais
verbos no passado? Há termos
típicos de determinada região?
Em geral, as fábulas são rematadas
com um dito moral, que concentra
um ensinamento,
uma experiência.
Se há moral, qual
é a frase?
Há imagens? Qual
a cena privilegiada
pelo texto nãoverbal? Como
ocorre o diálogo
texto-imagens?
4. C
ompare as três versões anteriores com a versão da fábula
criada por Monteiro Lobato (1922), tendo o cuidado de analisar os mesmos elementos essenciais da narrativa, além
de comparar linguagem, forma e moral. Use a mesma tabela
para guiar as comparações entre todos os elementos das
quatro versões, acrescentando mais uma coluna para a versão de Lobato. Finalize e revise sua tabela com a releitura
· 78 ·
das fábulas. Escolha a tabela de um colega para comentar e
responda aos comentários recebidos.
A menina do leite
Mariazinha, no seu vestido novo de pintas vermelhas, chinelos
de bezerro, trec, trec, trec, lá ia para o mercado com uma lata de leite à cabeça, o primeiro leite da sua vaquinha mocha, a Dourada. Ia
contente da vida, rindo-se e falando sozinha.
– Vendo o leite, dizia, e compro uma dúzia de ovos. Choco-os e
são, antes de um mês, uma dúzia de pintos. Morrem... dois que sejam e crescem dez – cinco frangas e cinco frangotes. Vendo os frangotes e crio as frangas, que crescem e viram cinco ótimas botadeiras
de cem ovos por ano cada uma. Cinco: quinhentos ovos!... Choco
tudo e lá me vêm duzentos e cinquenta galos e mais outro tanto de
galinhas. Vendo os galos. A dois mil réis cada um – duas vezes nada,
nada; duas vezes cinco, dez, vai um... quinhentos mil réis!... Um dinheirão! Posso aí comprar seis porcas de cria e mais uma cabrita. As
porcas dão-me, cada uma, seis leitões. Seis vezes seis...
Estava a menina neste ponto quando tropeçou, perdeu o equilíbrio e caiu, com lata e tudo, um grande tombo no chão.
Pobre Mariazinha!
Ao erguer-se, chorosa, com um ardume de esfoladura no joelho,
enquanto espanejava as roupas sujas de pó, viu sumir-se, embebido
pela terra seca, o primeiro leite da sua vaquinha mocha, e com ele
os doze ovos, as cinco botadeiras, os duzentos e cinquenta galos,
as seis porcas de cria, a cabritinha – todos os belos sonhos da sua
ardente imaginação...
LOBATO, Monteiro. Fábulas. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia.,
1922, p. 36-37.
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ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NARRATIVA
ELEMENTOS
ASPECTOS
Enredo
É o arranjo da história, como ela foi montada, como as ações
foram encadeadas; é a maneira pela qual as coisas acontecem
e se organizam na narrativa por meio da linguagem.
Nas narrativas tradicionais, tais como mitos, lendas, fábulas,
casos, contos populares, contos maravilhosos, contos de fadas, o enredo costuma aparecer organizado de forma linear,
próximo da narrativa oral, com começo, meio e fim. É comum
o encadeamento dos fatos seguir o princípio da causalidade,
isto é, os acontecimentos são organizados em torno de suas
causas e consequências, que conduzem da apresentação à
solução de um conflito.
Para que uma narrativa “funcione” e seja capaz de interessar
os leitores ou ouvintes, os fatos narrados precisam respeitar
o princípio da verossimilhança interna da obra, isto é, mesmo
em presença do extraordinário, busca-se na narrativa dos acontecimentos não a verdade, mas a aparência de verdade, como
num jogo de espelhos entre o real e a representação do real. A
verossimilhança é a qualidade do que parece verdadeiro dentro
da história (sem precisar ser), é o que parece possível ou provável na narrativa, é a representação do que poderia acontecer
(com as personagens e conosco). É por causa da verossimilhança que a narrativa nos atrai, pelo jogo que ela estabelece
entre ficção e realidade.
É aquele que tem a função de narrar, de contar a história para os
leitores ou para os ouvintes. Ele não pode ser confundido com
o autor (escritor), aquele que escreveu ou inventou a história. O
narrador é uma invenção do escritor. O narrador pode ter conhecimento mais limitado da matéria narrada (narrador em primeira
pessoa), ou saber de tudo (narrador em terceira pessoa).
Narrador
a) O narrador em terceira pessoa sabe tudo o que acontece
com as personagens (narrador onisciente) e pode estar presente em todos os lugares (onipresente). Esse narrador onisciente
em terceira pessoa se coloca acima (ou por detrás), adotando
um ponto de vista divino, na posição de observador privilegiado, não participando da ação.
Nas narrativas tradicionais, é mais comum a presença do
narrador em terceira pessoa. O narrador das narrativas tradicionais tem uma visão de conjunto e se coloca externamente
em relação aos fatos
narrados.
O uso habitual dos verbos no
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passado confere objetividade à matéria narrada, fixando os
acontecimentos no passado.
Narrador
Personagens
com as personagens (narrador onisciente) e pode estar presente em todos os lugares (onipresente). Esse narrador onisciente
em terceira pessoa se coloca acima (ou por detrás), adotando
um ponto de vista divino, na posição de observador privilegiado, não participando da ação.
b) O narrador em primeira pessoa é um “eu” que narra e que
não sabe tudo, mas funciona como filtro da narrativa, limitado
às suas percepções, pensamentos e sentimentos. Ele pode
ser o personagem principal da história, ou ocupar um lugar
de menor destaque no enredo (personagem secundário) e ser
apenas um narrador-testemunha.
Assim como o narrador não se confunde com o escritor, as
personagens não podem ser confundidas com pessoas, sejam
adultos ou crianças, pois as personagens não existem “fora
das palavras”, são seres de papel e tinta, que habitam uma
dada realidade ficcional. No entanto, as personagens só são
capazes de nos interessar na medida em que representam
pessoas ou seres vivos, porque sua composição respeita o
princípio da verossimilhança e guarda uma aparência de verdade dentro da narrativa.
Dessa forma, as personagens são capazes de nos tocar e,
muitas vezes, como ocorre nas narrativas tradicionais, seres
humanizados (por exemplo, seres e animais que aparecem
nas fábulas e contos de fada) passam a habitar o imaginário
coletivo e a fazer parte de nossas referências culturais, como
se fossem seres de verdade. Aladim, Chapeuzinho Vermelho,
o Lobo, os Três Porquinhos, Branca de Neve, Peter Pan, Cinderela, Pinóquio, Alice, Robinson Crusoé, a Cigarra e a Formiga,
Pedro Malasartes acabam extrapolando as narrativas e se
fixando em nossas memórias, como se não fossem seres inventados.
As personagens aparecem na narrativa de acordo com a maior
ou menor intervenção do narrador. Dizemos que, na cena, os
acontecimentos são mostrados diretamente, através da fala
das personagens (discurso direto), o que aproxima o leitor,
mas restringe a ação ao tempo presente. No sumário, o narrador conta e condensa os acontecimentos com suas palavras
(discurso indireto), podendo resumir um longo tempo (passado)
em poucas linhas, o que amplifica a ação no tempo e no espaço, mas distancia o leitor da matéria narrada.
a) Discurso direto – A fala dos personagens é apresentada
de maneira direta, ou ainda, o narrador cede a palavra aos
personagens, limitando-se apenas a introduzi-la, por meio de
verbos, como dizer, perguntar, responder, contestar, e pelo uso
de travessão ou de aspas nos trechos das falas das personagens. Desse modo, constroem-se diálogos em que as falas
dos personagens se·alternam
81 · (em forma de discurso direto)
costuradas pela fala do narrador.
a) Discurso direto – A fala dos personagens é apresentada
de maneira direta, ou ainda, o narrador cede a palavra aos
personagens, limitando-se apenas a introduzi-la, por meio de
verbos, como dizer, perguntar, responder, contestar, e pelo uso
de travessão ou de aspas nos trechos das falas das personagens. Desse modo, constroem-se diálogos em que as falas
dos personagens se alternam (em forma de discurso direto),
costuradas pela fala do narrador.
Personagens
b) Discurso indireto – O narrador pode se responsabilizar sozinho por apresentar ele mesmo a fala dos personagens, falar
por eles. Nesse caso, dizemos que se trata de discurso indireto, pois o narrador recria, com suas palavras, o que teria sido
dito pelos personagens.
c) Discurso indireto livre – É possível, ainda, que ocorra uma
mescla entre a voz do narrador e a dos personagens, criando
o que se designa por discurso indireto livre. Nesse caso, a fala
do personagem não é indicada por travessão, nem aspas, tampouco o narrador a anuncia com verbos como dizer, perguntar
ou responder. A fala dos personagens mistura-se às palavras
do narrador, é como se o narrador estivesse dentro da cabeça
dos personagens.
Espaço da
Ação (Cenário)
O espaço não é apenas a descrição dos limites geográficos
onde as ações dos personagens acontecem, mas é também
a caracterização social, econômica, religiosa, cultural (e até
psicológica) da matéria narrativa, o que pode ser chamado de
ambiente ou cenário.
Desta forma, a descrição (ou presença) de objetos, seres e
costumes tem muita importância na composição do cenário
de uma narrativa. São esses elementos que irão confirmar a
verossimilhança do enredo, isto é, vão revestir a narrativa com
aparência de verdade (sem precisar ser).
Há ambientes de narrativas tradicionais que reproduzem uma
determinada região, revelando sua origem na geografia, clima,
objetos, seres e costumes descritos. É comum também a
caracterização de espaços pertencentes a tempos remotos,
pois espaço e tempo andam juntos nas narrativas tradicionais.
Nos contos de fadas, por exemplo, o tempo longínquo do “Era
uma vez...” é garantido pela ambientação do espaço interno
ou externo (ou de ambos), na descrição de aldeias ou cidades
circunscritas ao redor de castelos e fortificações, geralmente
próximas de florestas.
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Tempo da ação
O tempo como elemento essencial da narrativa não é o tempo
externo, de quando a história foi publicada pelo escritor. O
tempo da narrativa é a época que está referida explicita ou implicitamente no texto. Há narrativas em que o tempo aparece
escrito no texto (o ano ou a época). Há outras em que o tempo
pode ser deduzido pelos elementos que compõem o espaço ou
as personagens. A fórmula inicial do “Era uma vez...” já remete
a narrativa a um tempo remoto. Os tempos verbais também
são indicativos do tempo da narrativa.
Outro aspecto importante do tempo na narrativa diz respeito
à duração da ação. Na narrativa de Rapunzel, por exemplo,
entre o começo e o final da história se passam muitos anos.
No caso das três fábulas da atividade o tempo de duração da
ação das personagens é bem mais curto.
Nas narrativas tradicionais, o tempo histórico (ou cronológico)
aparece indeterminado e condensado por expressões gerais
como: “Era uma vez...”, “Há muitos anos...”, “Muito tempo
atrás...”, “Aconteceu um dia...”, “Uma tarde...”, “Em um dia de
inverno...”. Há narrativas em que o tempo histórico só pode ser
deduzido pelos objetos e costumes apresentados, conferindo a
noção de tempo ao ambiente.
O tempo na narrativa pode, ainda, reproduzir o tempo psicológico do narrador ou personagens. Marcado pelas experiências
individuais, o tempo psicológico geralmente rompe a linearidade cronológica, da sucessão dos acontecimentos, para seguir
as motivações mentais e emocionais do narrador ou personagem. O ritmo do tempo psicológico se alarga ou se encurta de
acordo com as emoções e reflexões do narrador-personagem,
conforme seu estado interior (alegria, tristeza, angústia, ansiedade, medo, raiva, euforia).
Comentando a atividade
A origem das narrativas tradicionais é incerta, longínqua e “está
em todos os caminhos, como uma poeira dispersa nas pegadas dos
homens”, como destacou Ítalo Calvino, nas Fábulas italianas (São
Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 29). Grande parte dessas
· 83 ·
histórias viajou longas distâncias, mudando de narrador, de país e
de língua inúmeras vezes.
Esse é o caso das fábulas encontradas na Grécia do século VI a.C.,
com Esopo; depois, na tradição indiana, do livro Pañcatantra ou
Pantchatantri (século I d.C.); expandindo-se por meio da versão
árabe de Calila e Dimna (século VIII d.C.) e espalhando-se pela Europa e América, com as coletâneas do francês Jean de La Fontaine,
que publicou suas Fábulas, em versos, a partir de 1668. O sucesso
das Fábulas de La Fontaine foi enorme no século XIX, e Gustave
Doré foi o ilustrador mais celebrado desses contos.
Você conheceu (ou relembrou) quatro versões de uma fábula tradicional, cujo enredo linear trata dos planos frustrados de uma personagem
para enriquecer no futuro. A versão árabe parece ser a mais distinta de
todas, enquanto as demais conservam entre elas maior semelhança.
A versão árabe tem origem indiana, na história de O Eremita e
o Mangusto, uma das “cinco histórias” do Pantchatantri, que também significa “tesouros dos bons conselhos”, conforme apontou o
tradutor, Mansour Chalitta. Nessa versão, a personagem principal
é um eremita, alguém que, por penitência, vive em lugar deserto;
ou ainda, um asceta, homem dedicado à vida espiritual, por meio
de meditações, orações e privações.
Já na versão do escritor francês Jean de La Fontaine, nesta tradução portuguesa do século XIX, a personagem Maria, de “pouca idade”, é representada nas belas gravuras de Gustave Doré, como uma
moça. Da mesma forma, são femininas as personagens das outras
histórias, uma camponesa, na versão de Justiniano da Rocha, e uma
menina, a Mariazinha, na versão de Monteiro Lobato.
Na versão árabe Calila e Dimna, o narrador, ou melhor, a narradora,
é a esposa de um homem que está ouvindo a história. O conto do
eremita se encaixa dentro de outras histórias, as quais, por sua vez,
estão sendo contadas por outros narradores e ouvidas por outros personagens (não incluídos, porém, no trecho aqui reproduzido). As histó-
· 84 ·
rias mantêm um liame por meio do narrador principal, o filósofo Báidaba, que está contando essa e outras histórias a um ouvinte principal,
Dabshalim, rei da Índia, com o objetivo de instruir e dar conselho.
A narração é feita, portanto, na forma de “caixa de surpresas”,
onde as histórias vão se sucedendo, saindo uma de dentro da outra.
Esta forma tradicional de narrar é a mesma usada por Sherazade, nos
contos de As mil e uma noites, em que ela vai encadeando uma narração depois da outra, a cada noite, para um ouvinte principal, no caso,
o sultão. A técnica narrativa é também o estratagema encontrado por
Sherazade para se livrar da morte, uma vez que o sultão, a cada noite,
desiste de matá-la, para poder continuar ouvindo suas histórias.
Nas outras três versões da fábula o narrador em terceira pessoa
é alguém que conta a história sem se identificar, sabe tudo o que
acontece com as personagens, conhece os fatos, mas não participa
da ação. É muito comum a presença do narrador em terceira pessoa
nas narrativas tradicionais, assim como é comum que ele seja capaz
de aconselhar ou de fazer uma sugestão prática.
No caso específico das fábulas, a moral no fim da história reforça essa função utilitária da fala do narrador, de transmitir um
ensinamento moral, ou uma sugestão prática, um provérbio, uma
norma de vida ao ouvinte-leitor. Essa função utilitária sempre foi
muito apreciada no contexto escolar, daí a presença constante das
fábulas nos programas curriculares. Tal preferência também explica o sucesso de Fábulas de La Fontaine, que teve cerca de 1.200
edições no século XIX.
Entre as quatro versões, só o narrador de Lobato escapa aos
pormenores da informação moral no fim da história. Ele deixa para
o leitor concluir, ao mesmo tempo em que se identifica com o infortúnio da personagem, exclamando “Pobre Mariazinha!”. O narrador
de Lobato aplica a técnica indireta de aconselhar e, portanto, não se
confunde com o adulto que ralha e amedronta para instruir. O conselho do narrador não é explícito, está embutido na forma simétrica que
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expõe a situação da personagem, premida entre o “ardume de esfoladura no joelho” e “os belos sonhos da sua ardente imaginação”.
A forma das quatro histórias difere, apenas, na versão contada
por La Fontaine, apresentada em verso, junto com duas imagens,
enquanto as demais foram escritas em prosa, sem ilustrações. Percebe-se, com isso, que as narrativas podem ser contadas em prosa
ou em verso, incluindo ou não imagens, sem perder seus elementos
constitutivos. As fábulas de Esopo, por exemplo, que datam de século VI a.C., apresentam uma forma fixa: o primeiro parágrafo é destinado à fábula, enquanto no segundo (e último) parágrafo vem a moral.
A linguagem das narrativas tradicionais é próxima daquela que
se fala no dia a dia, herança da origem oral dessas histórias. Além
de diálogos informais, é comum encontrar reiterações e onomatopeias, como em “trec, trec, trec”, na versão de Lobato, usada para
indicar o barulho dos chinelos da menina.
A linguagem da fábula, em particular, se caracteriza, ainda, pela
concisão, que pode ser observada nas quatro versões. Tal atributo
é também apreciado no ambiente escolar, pois o texto curto permite
que sejam feitas várias atividades no transcorrer de uma única aula.
Além de onomatopeias, Lobato usa outros recursos de linguagem
(ajuste da personagem principal com o público-alvo, particularização
afetiva do animal que fornece o produto que dispara os planos de
ações futuras, ritmo entre aumentativos e diminutivos, reprodução
das operações matemáticas realizadas oralmente pela personagem,
aproximando-as das práticas escolares da época), os quais, certamente, aproximam o leitor da matéria narrada, reunindo condições
de agradar às crianças, seus potenciais leitores.
A escolha de termos regionais marca também, na linguagem, o
espaço e o tempo da ação. Na versão Calila e Dimna, nota-se a seleção de palavras ligadas ao espaço das histórias árabes tradicionais,
que não chega a ser o deserto, mas é um cenário isolado e agrícola
em que há escassez de produtos. Ainda que o eremita não saia de
· 86 ·
seu ambiente doméstico, onde guarda a jarra de manteiga e mel,
ele projeta um cenário de riqueza e um tempo futuro, subentendidos
nos termos “suntuosa mansão”, “vestimentas, móveis e escravos”,
“formosa mulher de nobre linhagem”. Estes, por sua vez, encadeados, remetem a reinos distantes (no tempo e no espaço) dos quais
tais elementos fariam parte.
Nas demais versões os termos também se referem ao campo,
mas ele está indefinido, como costuma acontecer nas narrativas tradicionais. O campo é cenário da personagem que lida com animais
de cria, em oposição ao mercado, ou à cidade, que é o alvo, o local
da venda do produto campestre, o leite. E, finalmente, o trajeto do
campo até o mercado complementa o espaço e o tempo da narrativa, reservados aos sonhos da personagem, de adquirir riqueza e
fortuna, projetando outro cenário num tempo futuro.
Para maior detalhamento dos elementos essenciais da narrativa,
veja a Série Princípios (Teoria do Conto, de Nádia Battella Gotlib; O
Enredo, de Samira Nahid de Mesquita; O Foco Narrativo, de Ligia
Chiappini Moraes Leite; A Personagem, de Beth Brait; Espaço e Romance, de Antonio Dimas; Paródia e Paráfrase, de Affonso Romano
de Sant’Anna), e a Série Fundamentos (O Tempo na Narrativa, de
Benedito Nunes), ambas da Editora Ática.
A viagem ou deslocamento da personagem é também elemento recorrente nos contos tradicionais. Nestas versões, da moça ou menina
com a bilha de leite, antes de atingir seu objetivo, ocorre a quebra do
recipiente e a perda do produto, que leva embora desejos e projeções.
Como os contos populares são anônimos e a tradição oral não
só permite como convida cada narrador a enfeitar ou a enxugar a
história como quiser, podemos encontrar outras versões da mesma
história em que haja descrições com elementos que remetam a outros espaços e tempos.
As ilustrações são elementos que colocam um ou mais aspectos da narrativa em evidência. O ilustrador geralmente escolhe uma
· 87 ·
cena e/ou personagem central para traduzir em imagem, a qual dará
força reiterativa ao(s) elemento(s) escolhido(s) através do diálogo
que passa a existir entre o texto verbal e o não-verbal.
No caso das fábulas lidas, apenas a versão de La Fontaine incluiu duas ilustrações, sendo que ambas reproduzem a mesma cena
final, a da quebra do pote (ou bilha) com a perda do leite, reforçando
o caráter moral da história. Já o livro de Fábulas, de Lobato, embora
incluísse desde a primeira edição (1922) algumas imagens em forma de silhuetas (em preto) que lembram o teatro de sombras, essa
fábula só apareceria ilustrada em edições posteriores.
A análise das versões de uma narrativa tradicional mostra como
as histórias podem viajar no tempo, de continente a continente, de
cultura para cultura. Indica, ainda, permanências e alterações ao
longo do caminho e os diferentes modos de narrar de cada autor. Revela, por fim, o caráter intertextual, isto é, o processo de acumulação
e retomada constante nas sucessivas versões.
A grande circulação das narrativas tradicionais e sua forma oral
de transmissão potencializam a importância dessas histórias na escola, pois elas podem ser conhecidas das crianças antes mesmo do
período de escolarização. Por isso, o ponto de partida do trabalho
com narrativas tradicionais na escola é descobrir se as narrativas
(orais e escritas) ocupam alguma função no grupo social de seus
alunos, valorizando o material narrativo que eles trazem para a escola e, ao mesmo tempo, ampliando o acesso a outros materiais,
como os que aparecem nos livros infantis.
Narrativas curtas como as fábulas são também muito apropriadas para os exercícios de leitura e escrita na escola, porque elas introduzem de forma lúdica noções que as crianças têm dificuldade de
compreender, como conceitos de tempo (presente, passado, futuro;
sequência, duração, simultaneidade).
A forma oral de transmissão e a reelaboração, através das vozes
(ou escritas) que se sucederam ao longo dos tempos, fazem das
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narrativas tradicionais um patrimônio cultural acumulado e constantemente revisitado e reproduzido, promovendo ligações entre textos
ou a intertextualidade.
Há reelaborações que partem da fábula tradicional para lhe dar
uma continuação, como é o caso da fábula da menina sonhadora,
em Eu tropeço e não desisto, de Giselda Laporta Nicolelis. A autora
partiu da fábula tradicional, para seguir com a história da “Menina
do leite” que, no dia seguinte, tenta novamente e, dessa vez, consegue vender o produto e realizar seus sonhos, reformulando a moral
antiga, desde o título da fábula.
Quanto mais o professor ler um texto imaginando os efeitos que
ele pode causar nos leitores, reconhecendo suas partes, analisando
seus elementos narrativos essenciais e as modulações de linguagem que foram mobilizados para causar tais efeitos, comparando-o
com outros textos que, por sua vez, podem produzir outros efeitos
sobre os leitores, melhor será para si mesmo, enquanto leitor, e para
formar novos leitores, capazes de se apropriar do conjunto de características que compõem as narrativas tradicionais e do conjunto de
práticas de leitura cada vez mais ampliadas e enredadas.
Para saber mais
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1946.
DEZOTTI, Maria Celeste (org.). A tradição da fábula. Brasília: Editora UNB; São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
LISBOA, Henriqueta. Literatura oral para a infância e a juventude. São Paulo:
Peirópolis, 2002.
LOBATO, Monteiro. Histórias de tia Nastácia. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1937.
PIMENTEL, Alberto Figueiredo. Histórias da Carochinha. Belo Horizonte: Garnier,
1992.
_______________ . Histórias da Avozinha. Belo Horizonte: Garnier, 1994.
· 89 ·
PINHEIRO, Hélder e LUCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São
Paulo: Livraria Duas Cidades, 2001.
ROMERO, Silvio. Cantos populares do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
_______________ . Contos populares do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
Para envolver seus alunos
Leia e conte muitas histórias para seus alunos com regularidade.
Procure oferecer mais de uma versão, sobretudo aos alunos mais
adiantados, que gostam de variações desses contos. Nas quatro
versões acima, vimos diferentes formas de narrar uma fábula tradicional sem mudar o fio condutor ou sua lógica principal. Vimos que
se trata da paráfrase, um tipo de intertextualidade que acompanha
de perto o texto de referência.
Quando o diálogo com o texto anterior inverte ou modifica a narrativa (sua ideia central) chamamos esse processo intertextual de
paródia. Na paródia, o texto anterior (ou de referência) perde sua
ideia básica, a narrativa é invertida ou subvertida, em geral, com objetivo de crítica, de questionamento, combinada ou não com humor
ou escárnio, com intenção de divertir, como num jogo.
A literatura infantil apresenta inúmeras paródias de narrativas
tradicionais. Entre as paródias de contos de fadas estão: O fantástico mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira; História Meio ao
Contrário, de Ana Maria Machado; O Patinho Realmente Feio e A Verdadeira História dos Três Porquinhos, ambos do escritor americano
Jon Scièszka, já traduzidos no Brasil. Da mesma forma, as fábulas
têm sido alvo de muitas paródias, isto é, de reelaborações que modificam ou invertem o(s) texto(s) de referência.
Millôr Fernandes publicou diversas paródias, com o título de
Fábulas Fabulosas. A fábula que corresponde à da “Menina do
· 90 ·
leite” é “O menino favelado de espírito empreendedor”, que subverte a lógica das versões das fábulas tradicionais apresentadas
anteriormente.
Por outro lado, há livros de literatura infantil que renovam o diálogo com as narrativas tradicionais e recriam formas de complementaridade entre os textos, como ocorre em O carteiro chegou, de Janet
e Allan Ahlberg, publicação inglesa de 1986, que recebeu vários prêmios internacionais, traduzida no Brasil em 2007, pela Companhia
das Letrinhas. O carteiro, que é o personagem principal, entrega cartas a vários personagens de contos de fadas, retomando narrativas
tradicionais como: Cachinhos Dourados, João e Maria, João e o Pé
de Feijão, A Gata Borralheira, Os Três Porquinhos e Chapeuzinho Vermelho. A sequência se repete a cada entrega de correspondência e
mantém um ritmo predeterminado e inesperado: cada cena começa
com a chegada do carteiro no endereço do destinatário, depois focaliza a entrega e a leitura da correspondência, que é bem variada (carta
pessoal, folheto de propaganda, cartão-postal, cartas comerciais e
cartão de aniversário), porém inclui, de maneira intercalada e surpreendente, em folhas duplas e coladas com o formato de envelopes,
as próprias correspondências recebidas, de forma que o leitor pode
também vivenciar o contato com elas, como fazem os personagens.
É importante notar que tanto na paródia como em recriações das
narrativas tradicionais como essa do carteiro, mais do que na paráfrase, é imprescindível que o leitor conheça previamente o texto de
referência, para poder detectar os efeitos causados por diferenças e
inversões entre os textos, em jogo constante com as semelhanças,
vértice no qual estão situados os recursos narrativos que provocam
crítica e/ou riso.
Quem sabe, após o trabalho com os contos de fadas e com o
livro O carteiro chegou, você decida aproveitar a ideia dos autores
ingleses... Seria interessante, por exemplo, propor aos alunos que
escrevam cartas ou outro tipo de mensagem a algum personagem
· 91 ·
que lhes inspire simpatia. E, depois da escrita e reescrita, eles poderão desenhar os personagens recebendo as correspondências. Mensagens e desenhos da classe poderão ser juntados numa pasta,
como as usadas para exibir catálogos, que têm folhas de plástico,
na qual tudo poderá ser colocado e depois folheado e lido. Nessa
pasta a classe irá montar uma grande história coletiva, feita com
as histórias individuais, de cartas e desenhos. Por fim, você poderá
fazer as folhas que intercalam e ligam uma história na outra, ou seja,
ficará com a incumbência de ser o narrador, ou, se os alunos forem
mais velhos, a função de narrador poderá ser feita também pela
classe. Vocês poderão combinar quando cada aluno poderá levar a
pasta-livro para casa, e por quanto tempo poderá ficar com ela para
ler com a família.
· 92 ·
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Você, eles, nós Leitores na sala de aula - IEL