IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
A REFORMA LUCIO COSTA E O ENSINO DA ARQUITETURA E DO URBANISMO DA ENBA À FNA (1931‐1946) Caio Nogueira Hosannah Cordeiro [email protected] (UFMS) Resumo A Reforma do Ensino de Arquitetura proposta por Lucio Costa em sua breve passagem como diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), em 1931, é até hoje referência para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Sua origem se remete ao movimento modernista e à introdução do pensamento urbanístico no Brasil e no plano internacional. Embora parte da historiografia trate‐a como evento casual, vinculado apenas à adesão de Lucio Costa ao ideário de Le Corbusier, a tese central da pesquisa é sua inserção no movimento político, cultural e artístico da vanguarda intelectual, que via novas possibilidades e demandas na sociedade que se urbanizava. Nessas circunstâncias, a educação tornava‐se uma causa, e a construção de um “novo homem”, seu objeto. Na efervescência da chamada Revolução de 1930, os debates que ocorrem na Associação Brasileira de Educação (ABE) vão desencadear o Manifesto dos Pioneiros, as Reformas Estaduais do Ensino e a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Esses debates também repercutiram entre os arquitetos em suas entidades representativas. Desde os anos 1920, grandes operações imobiliárias e investimentos em infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, contribuíram para uma nova visão de cidade que perpassava diversos setores da sociedade e campos da ciência. É neste quadro que Lucio Costa assume a direção da ENBA e propõe a reforma que desvinculava o ensino de Arquitetura das Belas Artes e incluía em seu currículo as disciplinas do Urbanismo e do Paisagismo. O ensino de Arquitetura assumiria identidade própria, mais próxima da problemática urbana e das novas técnicas da indústria da construção. Rejeitada nos embates iniciais da ENBA, a Reforma seria implantada apenas em 1946, com a fundação da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ. A pesquisa estudará a trajetória da Reforma e sua inserção no movimento político, cultural e artístico do período. Conhecer os objetivos e princípios norteadores da reforma do ensino de Arquitetura proposta por Lucio Costa é aproximar‐se do entendimento não apenas das lições da Arquitetura Moderna sobre o conjunto da obra edificada e das intervenções urbanísticas, mas também compreender a relação entre os instrumentos do trabalho didático do ensino superior, seus procedimentos e resultados. O objetivo geral da pesquisa volta‐se, assim, para a análise e compreensão do trabalho didático naqueles anos na Escola de Belas Artes e, na criação da Faculdade Nacional de Arquitetura, a partir de uma visão histórica de sua proposição e efeitos sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Os limites temporais da pesquisa são alguns dos principais marcos do processo de aceitação e consolidação do modernismo como estética oficial da arquitetura brasileira. Inicia‐se com a apresentação da proposta de reforma, em 1931, e conclui‐se em 1946, com a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura. Palavras chaves: Educação superior. Arquitetura. Ensino de Arquitetura. Lucio Costa. Introdução A Reforma do Ensino de Arquitetura proposta por Lucio Costa em sua breve passagem como diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), em 1931, é até hoje referência para o 945 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Sua origem se remete ao movimento modernista e à introdução do pensamento urbanístico no Brasil e no plano internacional. Embora parte da historiografia trate‐a como evento casual, vinculado apenas à adesão de Lucio Costa ao ideário de Le Corbusier, a tese central da pesquisa é sua inserção no movimento político, cultural e artístico da vanguarda intelectual, que via novas possibilidades e demandas na sociedade que se urbanizava. Nessas circunstâncias, a educação tornava‐se uma causa, e a construção de um “novo homem”, seu objeto. Na efervescência da chamada Revolução de 1930, os debates que ocorrem na Associação Brasileira de Educação (ABE) vão desencadear o Manifesto dos Pioneiros, as Reformas Estaduais do Ensino e a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Esses debates também repercutiram entre os arquitetos em suas entidades representativas. Desde os anos 1920, grandes operações imobiliárias e investimentos em infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, contribuíram para uma nova visão de cidade que perpassava diversos setores da sociedade e campos da ciência. É neste quadro que Lucio Costa assume a direção da ENBA e propõe a reforma que desvinculava o ensino de Arquitetura das Belas Artes e incluía em seu currículo as disciplinas do Urbanismo e do Paisagismo. O ensino de Arquitetura assumiria identidade própria, mais próxima da problemática urbana e das novas técnicas da indústria da construção. Rejeitada nos embates iniciais da ENBA, a Reforma seria implantada apenas em 1946, com a fundação da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ. A pesquisa estudará a trajetória da Reforma e sua inserção no movimento político, cultural e artístico do período. Conhecer os objetivos e princípios norteadores da reforma do ensino de Arquitetura proposta por Lucio Costa é aproximar‐se do entendimento não apenas das lições da Arquitetura Moderna sobre o conjunto da obra edificada e das intervenções urbanísticas, mas também compreender a relação entre os instrumentos do trabalho didático do ensino superior, seus procedimentos e resultados. O objetivo geral da pesquisa volta‐se, assim, para a análise e compreensão do trabalho didático naqueles anos na Escola de Belas Artes e, na criação da 946 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Faculdade Nacional de Arquitetura, a partir de uma visão histórica de sua proposição e efeitos sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Os limites temporais da pesquisa são alguns dos principais marcos do processo de aceitação e consolidação do modernismo como estética oficial da arquitetura brasileira. Inicia‐se com a apresentação da proposta de reforma, em 1931, e conclui‐se em 1946, com a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura. Metodologia A metodologia do trabalho de pesquisa é compreendida como a forma de conduzir o trabalho de investigação, associado a um modo de ver o mundo, a uma doutrina, como define Abbagnano, ou mais precisamente a uma epistemologia. [...] não há doutrina que não possa ser considerada e chamada de Método, se encarada como ordem ou procedimento de pesquisa. Portanto, a classificação dos métodos filosóficos e científicos sem dúvida seria uma classificação das respectivas doutrinas. (ABBAGNANO, 2000, p.668) A opção por determinados procedimentos e técnicas de pesquisa decorrem da matriz metodológica e de características que são particulares ao objeto e aos objetivos que se quer alcançar. É assim que, a cada pesquisa, a metodologia deve ser problematizada, adequando‐se aos fins da pesquisa, de modo a evitar “engessamentos” que, muitas das vezes, tornam a visão do pesquisador demasiadamente distante do objeto, apoiando‐se em uma perspectiva que lhe é exterior. Para Pierre Bourdieu, a definição da metodologia científica, se tratada como algo dado, previsível e aplicável a todo objeto significaria a criação de uma ciência de todas as ciências e, sobre esta hipótese, argúi: Quais são os usos sociais da ciência? É possível fazer uma ciência da ciência, uma ciência social da produção da ciência, capaz de descrever e de orientar os usos sociais da ciência? Para ter condições de responder a essas questões, devo começar por lembrar algumas noções, como condições para uma reflexão combativa, e em particular a noção de campo, da qual evocarei rapidamente a gênese. Todas as produções culturais, a filosofia, a história, a ciência, a arte, a literatura etc., são objetos de análises com pretensões científicas. Há uma história da 947 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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literatura, uma história da filosofia, uma história das ciências etc., e em todos esses campos encontra‐se a mesma oposição, o mesmo antagonismo, freqüentemente considerados como irredutíveis ‐ sendo o domínio da arte, certamente, um dos lugares onde essa oposição é mais forte ‐ entre as interpretações que podem ser chamadas internalistas ou internas e aquelas que se podem chamar de externalistas ou externas. Grosso modo, há, de um lado, os que sustentam que, para compreender a literatura ou a filosofia, basta ler os textos. Para os defensores desse fetichismo do texto autonomizado que floresceu na França com a semiologia e que refloresce hoje em todos os lugares do mundo com o que se chama de pós‐modernismo, o texto é o alfa e o ômega e nada mais há para ser conhecido, quer se trate de um texto filosófico, de um código jurídico ou de um poema, a não ser a letra do texto. “Esquematizo um pouco, mas bem pouco. (BOURDIEU, 2004, p.18) A crítica de Pierre Bourdieu, ao definir a idéia de “Campo” como microcosmo relativamente autônomo dirige‐se, principalmente, de um lado, à fenomenologia, e de outro ao marxismo. Para ele o texto autonomizado, isto é, tratado como fonte única do conhecimento sobre o objeto restringe a pesquisa a uma visão incompleta. A crítica se dirige, por outro lado, ao marxismo, que seria, [...] em oposição, uma outra tradição, freqüentemente representada por pessoas que se filiam ao marxismo, quer relacionar o texto ao contexto e propõe‐se a interpretar as obras colocando‐as em relação com o mundo social ou o mundo econômico. Há toda sorte de exemplos dessa oposição, e remeto os interessados ao meu livro Les regles de l'art (As regras da arte), no qual evoco de modo mais preciso as diferentes correntes e referências bibliográficas de apoio. (BOURDIEU, 2004, p.19). A noção de Campo Científico é uma criação de Bourdieu, para quem, todas as produções culturais, em que se incluem a educação e a arquitetura, podem ser objetos de análise científica. Segundo ele, há uma história da literatura, uma história da filosofia, uma história das ciências etc., e em todos esses campos encontra‐se o mesmo antagonismo entre as interpretações que podem ser chamadas internalistas ou internas (em que se enquadraria a análise fenomenológica) e aquelas que se podem chamar de externalistas ou externas (marxista). O Campo Científico trata desse espaço que seria relativamente autônomo e dotado de leis próprias. Se ele é submetido a leis sociais, como o macrocosmos em que se insere, não se poderia afirmar que essas leis seriam as mesmas. Por outro lado, se jamais escapa às imposições do macrocosmo, ele disporia, com 948 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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relação a ele, de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada. Esse grau de autonomia, e as redes sociais formadas pelos diversos campos, em um determinado momento histórico, deveriam ser avaliados, segundo o autor. Por outro lado, para a pesquisa científica, a despeito da avaliação que se faça do grau de autonomia de determinado campo do conhecimento, ao estudar, como em nosso caso, as condições do ensino de arquitetura ou a própria arquitetura produzida em um determinado período, torna‐se impossível dissociar a teoria ou a arte, produtos do pensamento, do espírito humano, das condicionantes de seu tempo. A arquitetura é produção humana e, como tal, é “o resultado da atividade de toda uma série de gerações”. Desse modo, não pode existir uma história da arquitetura, ou um campo específico da arquitetura, que seja dissociado da história da sociedade, que é enfim abrigo e produto de suas singularidades e universalidade. São as condicionantes de seu tempo, a totalidade concreta de um período, que constitui o que chamamos de História. Nessas condições, a compreensão de que há entrelaçamento entre Teoria e História é fundamental para a compreensão do fenômeno arquitetônico, assim como das intenções do ensino da arquitetura, isto é, da educação no enredamento entre Arte e Ciência. Para Marx, a história não é uma compilação de fatos memoráveis que se sucedem ao longo do tempo e determinam resultados sobre as gerações posteriores, mas, [...] a sucessão de diferentes gerações cada uma das quais explora os materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidas pelas gerações anteriores; ou seja, de um lado prossegue em condições completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de outro lado, modifica as circunstâncias anteriores através de uma atividade totalmente diversa. (MARX, 2007) Ainda segundo Marx, Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam os rumos desta, na medida em que cada um busca seus fins próprios, com a consciência e a vontade do que fazem; e a história é, precisamente, o resultado dessas numerosas vontades projetadas em direções diferentes e de sua múltipla influência sobre o mundo exterior. (MARX, 2008) Evidentemente, a ciência aplicada à História da Arte não pode prescindir da visão totalizante do objeto, que deve incluir não apenas as condicionantes históricas de sua produção e 949 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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fruição, mas a observação do objeto em si. Todo pesquisador, em especial, o arquiteto, deve ter uma curiosidade especial em relação ao espaço que o envolve. Entretanto, quando essa curiosidade busca a totalidade do conhecimento sobre o objeto, deve‐se superar a simples observação estática do edifício, ou do objeto em si, e ampliá‐la para os horizontes da relação espaço‐tempo, que é indissolúvel. O método empírico pode ser promovido a ciência, o método teórico a filosofia, mas o procedimento que permite enquadrar os fenômenos artísticos no contexto da civilização é a história da arte. Faz‐se história da arte não apenas porque se pensa que se tenha de conservar e transmitir a memória dos fatos artísticos, mas porque se julga que o único modo de objetivá‐los e explicá‐los seja o de "historicizá‐los”. (ARGAN, 1998, p.14) A rigor, a história da Arquitetura é a história da aventura humana que produz arte ao construir seu habitat. É neste entrelaçamento entre a produção material e a representação humana traduzida em arte, sobre as condições dadas à sua época, que reside a dimensão histórica da arquitetura e sua transcendência ao longo do tempo para as gerações sucedentes. mi mayor interés está principalmente concentrado en el propósito de mostrar sus relaciones recíprocas con las actividades humanas y la semejanza de métodos que se emplean hoy día, lo mismo en construcción, pintura, urbanística y la ciencia. (GIEDION, 1978, p.V) A análise da proposta de ensino para a formação do arquiteto envolve o conhecimento das condições históricas do ensino da Arquitetura, seus antecedentes e demandas da sociedade quanto à participação do arquiteto como agente cultural e econômico. Além disso, é preciso identificar o movimento concreto da sociedade que, num dado período, uniu política, ciência, educação, administração pública e arte. É nesse cenário que se pretende analisar a forma histórica do ensino superior de Arquitetura e é a partir desta visão que iniciaremos a coleta de dados e a análise do objeto. 950 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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O ensino de Arquitetura no Brasil O ensino de Arquitetura foi introduzido no Brasil com a transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, em fuga da iminente invasão do território português pelas tropas napoleônicas. O crescimento da cidade e a necessidade de equipá‐la com os edifícios demandados pelas novas funções públicas, econômicas e culturais fizeram com que D. João VI trouxesse para o Brasil, em 1816, a chamada Missão Francesa. A Missão chefiada por Joachim Lebreton era composta por artistas, pesquisadores e arquitetos, que fundaram, em 12 de agosto daquele ano, a Academia Imperial de Belas Artes, à qual o curso de arquitetura se vinculava. O conhecimento antes transmitido nos canteiros de obra ou excepcionalmente nas academias militares passou a ser oferecido de modo regular sob o modelo da escola neoclássica então dominante na Europa, que se baseava na retomada do racionalismo da cultura greco‐
romana, difundido pelo iluminismo. O principal arquiteto da Missão, que se tornaria diretor da Academia Imperial, Grandjean de Montigny, é autor do projeto do edifício que passaria a abrigá‐la a partir de 1926. O programa didático dividia‐se em disciplinas do Ensino Teórico e do Ensino Prático. A primeira subdividia‐se em: História da Arquitetura através de estudo dos antigos; Construção e Perspectiva; e Estereotomia. O Ensino Prático continha aulas de Desenho, Cópia de Modelos e Estudo de Dimensões; e Composição. Pode‐se identificar que a relação entre ciência e arte é presente no ensino da arquitetura neoclássica, que se volta exclusivamente para o objeto a ser projetado como composição, isto é, combinando os elementos artísticos da arquitetura histórica, às necessidades funcionais do projeto. A ciência ainda não se voltava para os aspectos tecnológicos da construção. Não há o cálculo estrutural ou de instalações domiciliares, o conhecimento dessas disciplinas se dá pela difusão do conhecimento empírico da técnica construtiva. Por outro lado, o ideal clássico da definição matemática do belo, a partir das regras de proporção e harmonia, assim como a própria representação da forma está contido no programa em disciplinas como Perspectiva e Estudo de 951 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Dimensões. O Urbanismo não estava contemplado no curso de Arquitetura, apesar de importantes intervenções urbanísticas já houvessem ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, ainda no século XVIII. São reflexos da Missão Francesa e da Academia de Belas Artes a consolidação de uma cultura artística de caráter neoclássico e historicista que rompera com a tradição barroca e passou a ser dominante na arquitetura brasileira. A Arquitetura Neoclássica, por sua forte presença ao longo do século XIX no Brasil, é também denominada, por alguns autores, estilo Império. O esgotamento do modelo historicista, que está na essência da escola neoclássica, gera posteriormente o movimento denominado ecletismo ou “arquitetura de estilo”, predominante nas construções brasileiras, como, de resto, em todo o mundo, até as primeiras décadas do século XX. É a fase das construções “mouriscas”, “mediterrâneas”, dos “chalés suíços” e das igrejas neogóticas. Ao arquiteto, eram encomendados projetos em “estilo” definido pelo cliente, a partir de devaneios estéticos, como pastiches de épocas e regiões remotas, que em nada consideravam o conjunto da cultura e da paisagem urbana em que se assentavam. No meio acadêmico, destaca‐
se o estilo “neocolonial”, que pretendia reviver as tradições construtivas e estéticas do Brasil Colônia. O Neocolonial não foi idéia original nossa, mas da maior parte do Continente, que nas 2ª e 3ª décadas do século adotou uma espécie de Doutrina Monroe para a arquitetura (e outras manifestações da arte) preconizando como que uma independência da cultura, cada qual procurando reviver formas senão autóctones, pelo menos caldeadas no Novo Mundo ao tempo da colonização (SANTOS, 1981, p.89). Este é, de maneira geral, o panorama da Arquitetura Brasileira e do ensino de Arquitetura até o início dos anos 1930, quando Lucio Costa assume a direção da então Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e propõe a reforma que até hoje é referência para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Sua origem se remete ao movimento modernista, à introdução do pensamento urbanístico e à valorização da educação como política de Estado. Embora parte da historiografia trate‐a como evento casual, vinculado apenas à adesão de Lucio Costa ao modernismo e ao ideário de Le Corbusier, a tese central da pesquisa é a inserção da reforma no 952 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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movimento político, cultural e artístico da vanguarda da intelectualidade, que via novas possibilidades e demandas na sociedade que se urbanizava. Entre os educadores, os debates na Associação Brasileira de Educação – ABE, vão desencadear o Manifesto de 1932, a tentativa de implantação de uma política Escolanovista para a educação, Reformas Estaduais do Ensino e a criação do Ministério da Educação e da Saúde. Esses debates também repercutiram entre os arquitetos em suas entidades representativas, como se verifica em publicações e depoimentos de profissionais associados ao Instituto Brasileiro de Arquitetos. Vale destacar que, desde os anos 1920, grandes operações imobiliárias e investimentos em infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, contribuíram para uma nova visão de cidade que perpassava diversos setores da sociedade e campos da ciência. A Reforma proposta por Lucio Costa, em sua breve passagem como diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), entre dezembro de 1930 e setembro de 1931, propunha a inclusão das disciplinas de Urbanismo e Paisagismo, e a separação do ensino da Arquitetura das demais Belas Artes, assumindo identidade própria, mais próxima do pensamento modernista, da problemática urbana e das novas técnicas da indústria da construção. Rejeitada nos embates iniciais da ENBA, a reforma seria implantada apenas em 1946, com a fundação da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ. A reforma em seu contexto Embora tenha havido um importante acréscimo na bibliografia sobre a Arquitetura no Brasil nas últimas décadas, é ainda muito reduzida a literatura sobre o ensino de Arquitetura. A maior parte das obras volta‐se principalmente para a produção arquitetônica em si, sem destacar a formação do arquiteto que a produziu. A Reforma Lucio Costa é constantemente citada nos textos da historiografia da Arquitetura ainda que seu conteúdo e desdobramentos sejam pouco conhecidos. De um lado, a reforma é citada como um fenômeno de adesão ao movimento moderno, que nasce das experiências de reconstrução da Europa após a Grande Guerra. De outro, 953 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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parece‐se desconhecer os movimentos internos do país, que visavam à superação da velha ordem a partir de projetos de ensino público e de formação profissional voltados para a criação de um novo homem, em novas bases culturais e territoriais, que colocam a educação e a urbanização no centro dessas transformações. Tanto no plano internacional, como no caso brasileiro, o modernismo era, sem dúvida, uma causa. Mas deve‐se ampliar a visão sobre suas características mais visíveis, de que não se tratava apenas de uma causa social. Mas também de uma causa estética. A nova arquitetura espelhava‐se na máquina e pretendia que, como ela, a forma fosse determinada pela função, o ornamento era suprimido e condenado. Na poética da máquina, forma, função e técnica construtiva buscavam um grau de integração que não ocorria desde a construção do Partenon na acrópole ateniense. Segundo Giulio Argan, o movimento moderno, como definição, reúne as seguintes tendências. 1) a deliberação de fazer uma arte em conformidade com a época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo; 2) o desejo de diminuir a distância entre as artes "maiores" (arquitetura, pintura e escultura) e as “aplicações" aos diversos campos da produção econômica (construção civil corrente, decoração, vestuário etc.); 3) a busca de uma funcionalidade decorativa; 4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia; 5) o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia (com um pouco de ingenuidade e um pouco de hipocrisia) inspirar e redimir o industrialismo. Por isso, mesclam‐se nas correntes modernistas, muitas vezes de maneira confusa, motivos materialistas e espiritualistas, técnico‐científicos e alegórico‐
poéticos, humanitários e sociais. (ARGAN, 1992, P. 185) Diante desses cinco pontos citados por Giulio Argan como tendências modernistas, evidencia‐se que, para Lucio Costa, “a deliberação de fazer uma arte em conformidade com a época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo” (Argan 1992) é o aspecto mais visível de sua articulação com o movimento revolucionário de 1930. Em entrevista realizada em 1931 sobre a situação do ensino na Escola Nacional de Belas Artes, quando foi seu diretor, Lucio Costa descreve assim o programa da reforma que tentava implantar. A reforma visará aparelhar a escola de um ensino técnico‐científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmonia com a construção. 954 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos históricos como orientação crítica e não para aplicação direta. Acho indispensável que os nossos arquitetos deixem a escola conhecendo perfeitamente a nossa arquitetura da época colonial ‐ não com o intuito da transposição ridícula de seus motivos, não de mandar fazer falsos móveis de jacarandá ‐ os verdadeiros são lindos ‐, mas de aprender as boas lições que ele nos dá de simplicidade, perfeita adaptação ao meio e à função, e conseqüente beleza.” (COSTA, 1931, p, 89) A adaptação ao meio e à função é uma das características mais presentes na obra arquitetônica e urbanística de Lucio Costa, como também em seus textos teóricos e depoimentos. Ao rigor das linhas do racionalismo europeu, acrescentava elementos construtivos e de composição do espaço que respondiam às necessidades funcionais e de adequação ao clima tropical, à cultura e à paisagem, como elementos formadores de uma linguagem nacional. À sua obra edificada, somavam‐se os muxarabis e venezianas que aclimatavam a construção do Brasil colonial; os jardins de Burle Marx; as peças da pintura, escultura e azulejaria de Portinari, Di Cavalcanti e outros artistas. Sua visão ultrapassava a simples transposição das propostas da vanguarda internacional, nasce da reflexão sobre as novas possibilidades que se abrem para o ofício de projetar diante da realidade brasileira. A tendência de “aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia”, nas considerações de Argan, eram aqui traduzidas pelos elementos culturais e climáticos, ou “antropofagizadas”, como diria Mario de Andrade. O entrelaçamento da arquitetura moderna com outros setores da cultura brasileira torna‐
se claro e é visível o otimismo com que se identifica com as soluções que retirariam o país do atraso. Entre os educadores, um de seus principais patronos é Anísio Teixeira: Todos nós, que sonhamos um estado de entusiasmo para a grande aventura de construir a nacionalidade, temos nesse movimento da arquitetura brasileira, uma pequena amostra do que poderíamos ser, se um estado de esclarecimento e de fé se criasse, como se criou entre esses engenheiros, em nossa agricultura, nossa indústria, nosso comércio, nossa educação e nossos serviços públicos e sociais em geral. Que caracteriza, porém, a arquitetura brasileira para que estejamos a fazer afirmação desse porte? Nada mais, e também nada menos, do que 1) uma singular libertação de velhas formas mentais, 2) uma corajosa adaptação das antigas e novas funções dos prédios aos recursos novos e novas técnicas da construção; e 3) uma confiança lírica na capacidade do homem de resolver os seus problemas. Mas que outros característicos deviam marcar a ação do homem 955 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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que, nestes meados tormentosos do século XX, se deparasse com um continente a conquistar e todo um país a construir? Não será, assim, essa arquitetura como um presságio das forças latentes do país? Não será ela um sintoma, um sinal antecipado de que vamos despertar e, um dia, o espírito do arquiteto não dominará apenas as construções ocasionais que lhes entrega o acidentalismo de nossa vida pública e privada, mas todo o país e todas as suas atividades, lançadas final da grande aventura criadora de um povo entregue à construção voluntária e inteligente do seu destino?”[...] Com estas palavras é que intentamos fazer a apresentação dos novos prédios escolares que São Paulo edifica, acompanhando esse belo movimento da nova arquitetura à brasileira. A direção técnica do plano de construções foi confiada à figura de arquiteto e de artista que é Helio Duarte, em cujos projetos a fantasia delicada e jovial se mistura com uma real severidade de propósitos e a técnica mais escrupulosa. Para julgar esses prédios, entretanto, é necessário que se levem em conta os dois aspectos da arquitetura. Se, por um lado, é uma técnica a usar os conhecimentos e recursos do seu tempo a respeito dos materiais e uma arte a praticar a coragem de imaginação das novas formas, por outro lado obedece ao programa e aos objetivos da consciência de educação a que estiver servindo. Há, assim, possibilidade da construção de belos edifícios modernos para uma educação obsoleta, e essa desproporção entre os ideais e as atitudes que informam o estilo do prédio e os que inspiram os seus ocupantes torna a arquitetura moderna, no país, por vezes, como já o insinuamos, um pungente e doloroso espetáculo que, paradoxalmente tanto aflige aos que não a compreendem por isto a odeiam, como aos que a sentem e amam. Este é o resultado do desenvolvimento desarmonioso e contraditório do país, a crescer dentro da camisa de força das suas, até agora irredutíveis, cristalizações residuais. Somos, de certo modo, um fóssil a lutar por viver e crescer. E, por força, há de ser grotesco o resultado! (TEIXEIRA, 1951. p.175) Lucio Costa não foi de início um adepto do modernismo. Via com desconfiança o que chamava de “absolutismo” e o aparente desprezo de seus teóricos por tudo que dizia respeito ao passado. Entretanto, com espírito aberto fez, em viagem à Europa, o levantamento de algumas realizações dos “estilos francamente modernos”, considerando o risco de tornarem‐se “moda passageira” como o Art Nouveau e outras tentativas pré‐modernistas. Costa se preocupava com o radicalismo e um certo distanciamento da realidade brasileira. Para Yves Bruand, Costa adere ao modernismo a partir de uma conferência feita por Le Corbusier na Escola Nacional de Belas Artes: Assim, para que reconsiderasse a questão, bastou aperceber‐se de que, apesar das aparências em contrário, existia um denominador comum entre as idéias dos mestres europeus e as suas; que eles propunham um programa construtivo 956 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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coerente, não desrespeitando tanto o passado, quanto pensava inicialmente. O processo foi desencadeado por um acontecimento acidental: a primeira visita de Le Corbusier ao Brasil e uma conferência por ele feita na Escola Nacional de Belas‐
Artes do Rio, em dezembro de 1925”.(BRUAND, 1981, p.122) Embora se possa atribuir à influência de Le Corbusier a adesão de Lucio Costa ao racionalismo da arquitetura modernista, a visão de Lucio Costa sobre essa arte e seu ensino ultrapassa a simples transposição das propostas da vanguarda européias, de que o arquiteto franco‐suiço é a estrela mais fulgurante. Nasce de sua reflexão sobre as novas possibilidades que se abrem para o ofício de projetar diante da realidade brasileira: seus problemas, seus recursos e a presença de uma vanguarda cultural modernista que se consolidava em outros campos das artes plásticas, da música e da literatura. Neste sentido, o modernismo deixa de ser para ele apenas uma decisão de estilo, isto é, uma concepção de cunho estritamente estético, tornando‐se aquilo que Anatole Kopp define como uma causa. Kopp analisa o pensamento modernista, como essencialmente firmado em propostas de conteúdo social. Segundo o autor, esse ponto de vista fazia do Movimento Modernista uma causa, e não um estilo. Entre os anos 1920 e 40, parte dos arquitetos buscava uma linguagem estética, funcional e tecnológica de acordo com as condições determinadas pelo seu tempo para sua atividade. Para outros, o ofício do arquiteto estava essencialmente ligado às questões sociais ligadas à arquitetura e ao movimento da história do período. De certa forma, pode‐se considerar que havia certo desprezo entre estes últimos, em relação aos primeiros, por seu comprometimento com o mundo “burguês” e sua falta de compromisso com as transformações. O que há em comum, à primeira vista, entre Bruno Taut, Hannes Meyer e Walter Gropius na Alemanha; André Lurçat e Le Corbusier na França; Moiseï Guinzburg, os irmãos Vesnine e Ivan Lonidov na URSS? Sem dúvida, todos eles surgiram na cena da arquitetura na década de vinte, mas o mesmo pode ser dito de vários de seus adversários. Assim, não são as datas que importam, mas a ideia que aqueles que seriam os militantes e pioneiros da nova arquitetura faziam de seu papel numa sociedade que acabava de assistir, assistia e assistiria ainda a profundas transformações. Entre a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução econômica, social e política de outubro de 1917 na Rússia, o modo de produção havia mudado. O que Le Corbusier chamara de “Sociedade Maquinista” estruturara uma categoria 957 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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social que a imensa maioria dos arquitetos se obstinava em ignorar, mas a qual a vanguarda arquitetônica, considerava com razão como sua clientela potencial, não enquanto indivíduos, mas enquanto grupo social ocupando um lugar preciso na sociedade. Nas tomadas de posição desse grupo, através da expressão de suas necessidades elementares e imediatas, mas também através de suas utopias que, como as de Fourier ou de Tchernychevski, descreviam não só a sociedade ideal do futuro, mas também seu meio ambiente construído, o que se exprime são necessidades de “massa” às quais só uma produção arquitetônica também de “massa” pode tentar responder. Assim se passou de uma arquitetura reservada às realizações unidas e excepcionais à arquitetura aplicada à solução das necessidades desse novo cliente coletivo constituído basicamente dos trabalhadores nas indústrias e escritórios. (KOPP, p.16). Mais do que em nenhum outro arquiteto brasileiro, em Lucio Costa, essa definição pode ser considerada verdadeira. Por outro lado, a afirmação da cultura nacional em sua obra, como ato de “deliberação de fazer uma arte em conformidade com a época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo”, ao mesmo tempo em que coloca seu pensamento e obra nos cinco pontos de Argan, confirma sua presença no centro do movimento modernista brasileiro, não como um precursor isolado, mas como participante da síntese cultural que reunia a vanguarda das artes e da intelectualidade. Pode‐se ver na carta de Mário de Andrade para Joaquim Inojosa, em 1924, forte vínculo, do escritor, crítico e principal organizador da chamada “Semana de Arte Moderna”, de 1922, com o pensamento de Lucio Costa sobre a então atualidade da arte no Brasil. [...] dentro do Brasil também a atualidade representativa do momento histórico universal, nos veio da Europa (via França e Itália) e dos Estados Unidos. Essa atualidade tinha aqui uma possibilidade vasta de funcionar em proveito do país. E funcionou de fato. Pra ficar só no meu terreno: é impossível a gente contestar a transformação inconcebível e a vitalidade agente, palpável que se manifesta na arte brasileira depois de 1922. [...]1 E o maior benefício que a atualidade estranha trouxe pra gente foi, não coincidindo com o regionalismo e o nacionalismo que já existiam por aqui, leva pela liberdade pela procura do novo e da realidade nacional, que se levou os modernistas a matutar sobre o dualismo do fenômeno universal‐nacional. Resultou, foi uma consciência mais imediata, mais livre da realidade nacional, que [...] generalizou no sufragante a consciência artística nacional e levou toda a gente quase pro trabalho de fazer coincidir a realidade individual com a entidade nacional. Esta coincidência quando estiver normalizada e inconsciente entre nós, dará pros artistas brasileiros a mais justa, a mais fecunda e nobre 958 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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libertação. E como este problema de acomodar a invenção artística nossa com a entidade nacional era importante por demais, ele evitou que a "atualidade" histórica universal que nos vinha da França e de outros países da Europa, continuasse aqui como simples reflexo, simples macaqueação. Dum momento pro outro a inquietude européia (produto de excesso de cultura, produto de esfalfamento, produto de decadência) não coincidiu mais com a inquietude brasileira (produto de problemas nacionais ingentes, produto de progresso, produto de terra e civilização moças, principiando apenas). Com efeito, as capelas artísticas européias deixaram de repente de influir na criação brasileira, Nos interessam agora como curiosidade. Não têm mais pra nós uma importância funcional. Ninguém mais entre os espíritos já formados, se amola de estar no dernier‐bateau parisiense ou florentino. Se volta ao metro como se foge dele, se pinta palmeiras como se esculpe banhistas, sem mais a preocupação da atualidade européia. Porque já readquirimos o direito da nossa atualidade. (ANDRADE, M., 1928). Entre educadores e profissionais da estatística, percebe‐se que há convergências com o pensamento urbano que se elaborava com vistas à causa modernista de construção de um “novo homem”, que levarão posteriormente ao Manifesto dos Pioneiros, à criação do Ministério da Educação e da Saúde e à Reforma do Ensino de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, que iria incluir a disciplina de urbanismo no curso de Arquitetura. Para Margareth da Silva Pereira, analisando a participação de Teixeira de Freitas, advogado e estatístico, fundador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a relação entre educação, urbanização e a construção de um “novo homem” se interrelacionavam: Embora o estatuto da arquitetura e do urbanismo hoje nos faça parecer longínquo seu diálogo com a educação e mais ainda com a estatística, a nova arquitetura nascente não pode ser desvinculada, do amadurecimento de lutas mais abrangentes pela extensão de direitos civis e ‐ citadinos ou urbanos, de modo geral ‐, colocando‐se a ênfase, em certos temas como habitação, saúde, educação, assistência ou previdência, embora de modo diverso de um país a outro. Para sermos mais precisos, trata‐se antes de tudo de se construir não uma nova arquitetura mas uma nova cidade ‐ e às vezes um novo modelo de fixação da população no território ‐ que espelhe uma nova sociedade. Pode‐se dizer que durante a década de 1920, Teixeira de Freitas parece passar de uma percepção municipal e citadina das estatísticas e da educação, para uma visão mais ampla "urbanizada", melhor seria dizer no caso "urbanizadora" e "educadora" e que justamente tem, nas estatísticas, sua base científica. Educar é povoar, em suas palavras. (PEREIRA, 2009, p.37) 959 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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A proposta de Lucio Costa para o ensino da Arquitetura está no cerne das transformações de ordem cultural e artística que tomavam corpo entre a vanguarda da intelectualidade que iria consolidar o modernismo. Destacam‐se, mais uma vez, a introdução do urbanismo como disciplina e o desenvolvimento de projetos sob novos programas e funções, que demandavam por um novo tipo de edificação e organização do espaço urbano, para uma sociedade que se urbanizava e se preparava para a industrialização. O entrelaçamento desta nova arquitetura, isto é, da arquitetura moderna com outros setores da cultura brasileira torna‐se claro e é visível o otimismo com que se identifica com as soluções que retirariam o país do atraso. No plano internacional, Arquitetura, Urbanismo e Educação também passavam a constituir fortes laços e diálogos estreitos a partir de 1918, com o fim da Grande Guerra e os esforços de reconstrução da Europa. São exemplos desse período, em que o modernismo se introduz na Arquitetura, a Bauhaus (1926), em Dessau, na Alemanha; a École de Plein Air (1931‐1935), em Suresnes, na periferia de Paris, França; as escolas italianas dos anos 1930; e a Openluchtschool, de Jan Duiker, em Amsterdam, Holanda. As mudanças estavam diretamente ligadas à construção de um novo tipo de cidadão: um cidadão "urbanizado", isto é, adaptado ao meio urbano como queriam alguns, mas também apto a agir criticamente sobre ele e corrigi‐lo, reformá‐lo, melhorá‐lo, contribuindo para seu desenvolvimento. De um pólo ao outro é a educação deste novo "cidadão" que torna‐se o tema principal a ser discutido: da teosofia às propostas da escola nova, trata‐se de pensar a educação como processo global de formação do juízo critico de um novo indivíduo: mais solidário, menos preconceituoso e regionalista. O período de Novembro de 1930 a Outubro de 1931, marcado por fatos importantes para a cultura brasileira que se seguiram à Revolução de 1930: a criação do primeiro Ministério dedicado à Educação no país; a tentativa de implantação de uma política educacional nos moldes da Escola Nova e a Reforma na Escola de Belas Artes (ENBA), [é] considerado marco da renovação nas artes plásticas e da arquitetura. Designado diretor da instituição naquele período, o arquiteto [Lucio Costa] buscará, sem sucesso, acentuar a importância da formação em Arquitetura, introduzindo o ensino do Urbanismo e do Paisagismo, ao mesmo tempo em que pretende tornar o Curso de Arquitetura independente do ensino artístico. Estas 960 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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iniciativas e as discussões, então travadas na imprensa, contribuíram para construir uma mudança de mentalidades que está à base da qualidade plástica e do alcance social que a arquitetura no Brasil já atingiria no final da década [...] Na verdade, para balizar um pouco mais de perto este cenário é necessária uma pequena digressão, sob pena de se continuar ignorando a existência de redes de sociabilidade que uniam a política à ciência, à educação à administração e estas à arte, que a fragmentação excessiva do campo do conhecimento hoje, induz‐nos a ver como inusitadas. Essas redes interligavam os interesses de arquitetos, urbanistas, artistas, intelectuais e políticos com freqüência, sobretudo aqueles ligados ao movimento de reformas urbanas e sociais e é importante salientar que, desde o final do século XIX, o desejo muitas vezes enunciado de uma arquitetura nova esteve diretamente vinculado à construção de um também novo modo de vida. (PEREIRA, 2010, p.42) Conhecer os objetivos e princípios norteadores da reforma do ensino de Arquitetura proposta por Lucio Costa é aproximar‐se do entendimento não apenas das lições da Arquitetura Moderna sobre o conjunto da obra edificada e das intervenções urbanísticas, mas também compreender a relação entre os instrumentos do trabalho didático do ensino superior, seus procedimentos e resultados. O objetivo geral da pesquisa volta‐se, assim, para a análise e compreensão do trabalho didático naqueles anos na Escola de Belas Artes e, na criação da Faculdade Nacional de Arquitetura, a partir de uma visão histórica de sua proposição e efeitos sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Os limites temporais da pesquisa são alguns dos principais marcos do processo de aceitação e consolidação do modernismo como estética oficial da arquitetura brasileira. Inicia‐se com a apresentação da proposta de reforma, em 1931, e conclui‐se em 1946, com a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura. Embora se verifiquem transformações de caráter tecnológico nos instrumentos didáticos e de projeto, os princípios norteadores da Reforma permanecem vivos e ativos na estruturação dos cursos de Arquitetura. Esta permanência se evidencia nos conceitos de composição do projeto, de sujeição da forma à função e ao sistema estrutural, entre outros. Entretanto, ao que parece, a análise da forma urbana e o destaque sobre o urbanismo e os problemas urbanos ainda demandam maior atenção nos currículos. 961 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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A REFORMA LUCIO COSTA E O ENSINO DA