Hudson Marcelo da Silva “COMENTÁRIOS SOBRE UMA TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA” 1 O objetivo geral de Downs ao conceber esta obra foi o de, semelhantemente as regras deduzidas pela teoria econômica aplicáveis ao caso de consumidores e produtores racionais, demonstrar uma regra comportamental para o governo democrático e, conseqüentemente, prevenir as suas implicações. O autor pressupõe de maneira radical que os agentes políticos se comportem de forma igual aos agentes econômicos buscando maximizar seus interesses pessoais, e estabelece uma perfeita analogia entre o mercado e a política. Para cumprir a sua tarefa, Downs parte do conceito de racionalidade da teoria econômica onde as decisões sempre são examinadas como se tomadas por mentes racionais. E assim deve ser, pois as previsões das ações humanas só podem ocorrer ante a existência de padrões definidos. O modelo de Downs aceita a aplicação dos métodos tradicionais de previsão e análise. A aplicação de tais métodos tem como pressuposto a necessidade do teórico conhecer previamente os objetivos daquele que tomará a decisão, o que 1 DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. Trad. trad. Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. Edusp, 2002. Hudson Marcelo da Silva possibilitará àquele prever os passos deste. Para isso o teórico deverá proceder da seguinte maneira: “(1) ele calcula o caminho mais razoável para aquele que toma a decisão atingir suas metas, e (2) presume que esse caminho será realmente escolhido porque aquele que toma decisão é racional.”2 Assim, a análise acima consistirá, primeiramente, em descobrir os objetivos perseguidos por aquele que toma decisão e, em segundo lugar, analisar quais são os meios mais racionais para atingir tais objetivos, aqueles que exigem a menor aplicação de recursos escassos. No entanto, em razão da impossibilidade de se traçar apenas um caminho para aquele que toma a decisão seguir, os teóricos fixaram o seguinte postulado: as firmas maximizam os lucros e os consumidores maximizam a utilidade. Assim, o termo racional não é aplicado aos fins do agente, mas sim aos meios. Portanto, racional terá como definição a idéia de eficiente, ou seja, a capacidade de maximizar o produto no caso de um dado insumo, ou minimizar o insumo no caso de um dado produto, capacidade esta do indivíduo de usar o mínimo insumo possível de recursos escassos por unidade de produto valorizado. Ainda em conformidade com o pensamento de Downs, os economistas podem analisar, planejar e decidirem racionalmente. Dessa maneira, crêem poder prever as decisões, pois sempre serão tomadas as consideradas mais razoáveis para se alcançar os objetivos previstos. Portanto, o homem racional sempre age de acordo com os seguintes critérios: (I) consegue tomar uma decisão quando 2 Neste ponto surge a necessidade de indagarmos o seguinte: seria a racionalidade um pressuposto para que o teórico faça suas previsões ou seria um dado empírico que contata as preferências subjetivas do indivíduo? 2 Hudson Marcelo da Silva confrontado com várias alternativas; (II) classifica todas as alternativas em ordem de preferência; (III) seu ranking de preferências é transitivo, ou seja, pode ser mudado; (IV) a escolha recai sempre sobre a primeira preferência; (V) a decisão sempre é a mesma quando são dadas as mesmas preferências. Destarte, a racionalidade aqui definida estará adstrita aos procedimentos empregados e não aos fins ou êxitos do agente em alcançar os fins desejados. Podemos antever que, pela teoria de Downs, caberia aos cidadãos, empregando os melhores meios, escolherem um governo com o escopo de realizarem os seus interesses privados. Haverá, contudo, a necessidade de conhecer os fins do agente para que se possa decidir se o comportamento é racional, no referido caso. Downs dispensa sua atenção para as metas econômicas e políticas de cada indivíduo ou grupo. O autor reconhece que a separação dessas metas de outras é uma atitude arbitrária, no entanto, necessária, por tratar-se de um estudo de racionalidade econômica e política, não de psicologia.3 Assim, para Downs, “A função política das eleições numa democracia, presumimos, é selecionar um governo. Portanto, comportamento racional vinculado às eleições é comportamento orientado para esse fim e nenhum outro.” 4 O modelo de homem aqui empregado por Downs é o da teoria econômica tradicional, a do consumidor racional, um homo politicus que corresponda ao homo economicus, caracterizado pelo “homem-médio” do eleitorado. Não será este homem o modelo empregado pelos utilitaristas, já que o mesmo poderá ter incertezas, “No entanto, ele permanecerá sendo uma abstração da plenitude real da personalidade humana. Presumimos que ele aborda cada situação com um olho nos 3 4 Downs, p. 29 idem. 3 Hudson Marcelo da Silva ganhos a ser obtidos, o outro olho nos custos, uma capacidade delicada de equilibrá-los e um forte desejo de ir aonde quer que a racionalidade o leve” 5. Downs ainda afirma que as decisões nem sempre serão politicamente racionais, como no exemplo do marido que vota no partido “A” para agradar a esposa6, porque os homens sempre visam algum fim e os benefícios devem sempre superar os custos. Surge aqui a necessidade de se inscrever, segundo o autor, uma distinção entre erros racionais e comportamento irracional. O critério empregado por Downs é o da “possibilidade de correção”, pois entende que “um homem racional que está sistematicamente cometendo algum erro vai parar de fazê-lo se (1) ele descobrir qual é o erro e (2) o custo de sua eliminação for menor que os benefícios. Nas mesmas condições, um homem irracional deixará de corrigir seus erros porque ele possui propensão não-lógicas a repeti-los”7. Muito embora objeções foram elaboradas a este critério de distinção, Downs entende que as mesmas não procedem porque, primeiro, não devemos nos privar de fazer análises sobre questões essenciais abordadas pelas ciências sociais, havendo a necessidade da elaboração de hipóteses quando necessário, mesmo que experimentalmente as asserções não possam ser provadas. Segundo, caso um homem exiba um comportamento político que não o ajude a atingir os seus fins políticos de maneira eficiente, este homem não poderá ser rotulado como sendo racional e sim irracional do ponto de vista político, pois deverá sempre demonstrar um comportamento mais eficiente. 5 idem. idem. 7 idem, p. 31 6 4 Hudson Marcelo da Silva Para que o comportamento racional possa ser aferido surge a necessidade de uma “ordem social previsível”8. Urge a necessidade de que os indivíduos estejam insertos numa sociedade em que seja possível prever, ao menos de maneira aproximada, os atos dos outros indivíduos e do governo, em contraposição a uma sociedade onde prevaleça o caos. A estabilidade política se faz essencial no presente caso, entretanto, o aumento acentuado da incerteza poderá dificultar a racionalidade política. Para Downs o governo terá a tarefa essencial de fornecer os referenciais para a atuação dos indivíduos em sociedade, pois “o comportamento racional é impossível sem a estabilidade ordenada que o governo proporciona”9. No entanto, a tarefa do governo só será possível se o sistema político funcionar de maneira eficiente, ou sejam, enquanto for racional. Assim, segundo Downs, “a racionalidade política é sine qua non de todas as formas de comportamento político”.10 Por outro lado o comportamento do governo no modelo deverá ser orientado para maximizar o apoio político. Como pressuposto essencial requer-se o modelo de democracia liberal11 com a adoção de eleições periódicas, tendo o governo como objetivo principal a reeleição. Aos partidos que, diretamente e indiretamente, encontram-se fora do poder deverão objetivar a eleição. Muito embora o objetivo do partido governante seja a reeleição o mesmo estará limitado em suas ações, limites estes impostos pela Constituição. Os principais limites apontados por Downs são os seguintes: “o partido governante não pode impedir as 8 idem, p. 32 idem, p. 33 10 idem 11 As principais características das atuais democracias liberais: governos e legislaturas escolhidas direta ou indiretamente; eleições periódicas; sufrágio universal; a escolha dos votantes é geralmente uma escolha entre partidos; grau suficiente de liberdades civis (liberdade de expressão, de imprensa, de associação e garantia quanto a detenção ou prisão arbitrárias) de modo a tornar eficaz o direito de escolha; igualdade formal perante a lei; certa proteção das minorias; aceitação geral de um princípio de máxima liberdade individual compatível com igual liberdade para todos. 9 5 Hudson Marcelo da Silva operações de outros partidos políticos na sociedade. Não pode restringir sua liberdade de expressão, ou sua capacidade de fazer campanhas vitoriosas, ou a liberdade de qualquer cidadão de falar abertamente contra qualquer partido. Também não pode alterar o calendário das eleições, que se repetem em intervalos fixos”12. No campo da economia, no entanto, o governo não tem limites, com exceção de que estará impedido de estatuir políticas econômicas que objetivem especificamente prejudicar os partidos políticos. Ocorre, no entanto, que este Estado Democrático concebido por Downs não se trata de um mundo de equilíbrio geral, pois a incerteza o impermeia. A incerteza, na opinião de Downs é uma força básica pois afeta todas as atividades humanas, sobretudo a econômica. Acrescenta o autor que “nós simplesmente supomos que a intensidade da incerteza pode ser reduzida pela informação, que pode ser obtida apenas através do gasto de recursos escassos”13. O verdadeiro cidadão informado será aquele capaz e que seja possuidor de conhecimento contextual e informação sobre as áreas relevantes as quais irão incidir as suas decisões. Os partidos políticos e eleitores, finalmente, segundo Downs, à semelhança de empresários e consumidores, atuam racionalmente, pois os partidos calculam a trajetória e os meios de sua ação para maximizar seus votos ou lucros, enquanto os eleitores, da mesma forma, procuram maximizar suas vantagens, ou seja, as suas utilidades. Como conseqüência, a necessidade de maximizar votos impedirá o político de servir exclusivamente aos interesses de sua classe ou dos grupos a quem esteja ligado pessoalmente. E essa seria a razão porque o governo cumpre suas 12 13 Downs, p. 33-34 idem, p. 97 6 Hudson Marcelo da Silva funções sociais, mesmo quando os motivos de sua atuação não guardam relação com elas. A teoria de Downs é uma obra de engenharia política. Não se presta, notadamente, a trazer qualquer acréscimo à Teoria Democrática. È uma obra que se presta à análise da conjuntura, em especial a norte-americana, oferecendo as possibilidades do governo acatar as medidas que irão atender as preferências e demandas dos indivíduos, meros eleitores-consumidores. O governo poderá alcançar suas metas “executando aquelas ações governamentais que mais agradam os eleitores”14. Em sua teoria, portanto, existirá a possibilidade de se perceber e antever as conseqüências de ações deliberadas ou não sobre determinadas práticas. A teoria formulada por Downs, entretanto, não dará respostas a diversos problemas contemporâneos. A crise da democracia representativa, nos moldes da doutrina liberal, é manifesta e evidenciada há décadas. A veia crítica engendrada pelo marxismo conduziu os pensadores liberais a acatarem muitas das críticas a eles dirigidas, obrigando-os a abrirem as portas para as questões sociais. Do outro lado, o marxismo, cujo foco básico sempre esteve voltado para as desigualdades estruturais, viu-se obrigado a preocupar-se com os aspectos formais da democracia. A sociedade moderna, nos mais variados campos deste mundo, clama por maior participação nas decisões governamentais. Seja pelo viés liberal através das novas organizações não governamentais, ou pelo viés democrático do efetivo exercício soberano do povo, os cidadãos aspiram maior participação e poder político. A teoria de Downs não nos oferta essa possibilidade, pois reduz o cidadão ao típico homem burguês, mero consumidor e maximizador de suas utilidades. Sequer 14 Downs, p. 310 7 Hudson Marcelo da Silva vislumbramos em sua teoria o princípio ético central do liberalismo, idealizado sobretudo por Mill, da garantia da liberdade individual para que o indivíduo concretize suas capacidades humanas. Ademais, a obra de Downs é insuficiente para dar respostas a questões atuais, tais como a do aumento do orçamento destinado a realização de obras nos períodos que antecipam o processo eleitoral. Essa é uma questão muito discutida nos dias atuais e que provoca a indignação dos cidadãos em geral. Impede que os partidos no poder, ou seja, o governo execute suas metas de maneira uniforme e eficaz. Impede o surgimento de outra lógica na tomada da decisão governamental, pois o único objetivo do governo é a reeleição. Por conseguinte, provoca um círculo vicioso, pois os partidos políticos que não estão no poder passam a agir da mesma maneira, praticando ações governamentais tão somente com o escopo de reelegerem-se, impedidos que estão por essa lógica de perpetrarem mudanças estruturais e radicais. O modelo de Downs depende, ademais, de um aparato ideológico eficaz e um modelo midiático que o assegure. O que dizer das políticas externas, sobretudo as praticas pelos Estados Unidos, concernentes aos assuntos de natureza bélica? Notadamente, como no caso da invasão do Iraque, a mídia norte-americana teve um papel essencial para que o governo estadunidense tivesse o devido apoio junto ao eleitorado. Isso, porém, não eliminou a oposição de parte dos cidadãos aos atos praticados pelo governo da Casa Branca em sua política externa. A qualidade das informações ofertadas aos eleitores é um requisito essencial para que o modelo de Downs seja eficaz e não nos parece verdadeira a proposição de que os cidadãos deverão ter as informações necessárias das áreas as quais suas decisões irão incidir, pois se assim o for, certamente os governos não se sentirão tranqüilos em apenas buscarem a reeleição. 8