ORGANIZAÇÕES POPULARES E A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA
PÚBLICA
RUIZ, Maria José Ferreira
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
LEITE, Bruna Pierine
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
RESUMO
O acesso e a permanência na escola pública, embora sejam direitos subjetivos
constitucionais, precisam ser reivindicados pelos trabalhadores, principalmente
nos bairros periféricos das cidades, nos quais as escolas nem sempre chegam
pela iniciativa do poder público. Tendo isto em vista, neste texto temos três
objetivos que se entrelaçam, a saber: discutir a formação do espaço urbano da
cidade de Londrina-PR diante das contradições do capitalismo, sinalizar como
estas contradições contribuem para a formação das organizações populares de
bairros e, finalmente, apresentar alguns elementos sobre a luta dessas
organizações populares pela democratização da escola pública.
Palavras-chave: escola pública, democratização, organizações populares.
Introdução
Nas últimas décadas, tem sido recorrente a ação política de
organizações populares que lutam por conquistar, garantir e ampliar os direitos
sociais. Neste texto, nos interessa discutir essas ações políticas na área da
educação e seus reflexos sobre a democratização1 da escola pública.
Entre os estudiosos dessas organizações e manifestações populares
não há uma definição única que as nomine. Kauchakje (1992), em um estudo
criterioso sobre as diferentes organizações populares, ilustra que os teóricos
que se debruçam sobre elas, utilizam nomenclaturas diferenciadas ao se
referirem a esses grupos. Empregam termos como movimentos sociais,
movimentos populares, movimentos urbanos, movimentos sociais urbanos,
ação coletiva, novos movimentos sociais, redes sociais, dentre outros.
No texto optamos pela terminologia organizações populares haja vista
ser um termo mais restrito. Conceituamos esse termo como mobilizações que
ocorrem na zona urbana e que se caracterizam pela organização da classe
1
Entendemos democratização da escola como ampliação de vagas e condições de permanência na
escola.
283
trabalhadora em torno das questões de educação, saúde, moradia, transporte e
outras referentes à vida da comunidade2.
As lutas populares pela educação são objeto de estudo de vários
pesquisadores. Dentre estes, Spósito (1984 e 1993) pesquisa a incidência
destas lutas na expansão do ensino público de 1º e 2º grau na cidade de São
Paulo. Campos (1989) realiza estudo na cidade de Belo Horizonte e demonstra
como a demanda pela escola pública se articula com outras lutas populares,
como no caso da conquista da moradia. Em Salvador, Serpa (1987) também
verifica a incidência de lutas populares por educação. Estes e outros estudos
vêem referendar a idéia da escola pública como conquista popular (CAMPOS,
1983, HADDAD, 1992).
O texto a seguir insere-se neste contexto. Tem como objetivos: discutir
a formação do espaço urbano da cidade de Londrina-PR, sinalizar como esta
formação contribui/contribuiu para a formação das organizações populares de
bairros e, finalmente, apresentar alguns elementos sobre a luta dessas
organizações populares pela democratização da escola pública no bairro.
Não
deixamos
de
considerar,
no
entanto,
que
essas
lutas,
manifestações e resistências ocorrem inseridas em um contexto econômico,
político e social que é determinante e não pode deixar de ser analisado. No
entanto, o espaço restrito deste texto não nos permite entrar nesta discussão.
O texto é fruto de pesquisa de maior amplitude que se insere no grupo
de pesquisa cadastrado no CNPQ intitulado Estado, Políticas Públicas e
Gestão da Educação. Faz parte também do projeto de pesquisa: Gestão
Democrática: participação das organizações populares de bairros na gestão da
escola pública de periferia urbana.
1. Da urbanização precária à origem das organizações populares
As novas formas de organização do trabalho no sistema capitalista e a
mobilidade social que elas acarretam, levam às populações do campo a
migrarem para os centros urbanos. Esse fenômeno ocorre de forma mais ou
2
Usamos a palavra comunidade no seu sentido sociológico como um agregado de sujeitos que se
organizam em torno de objetivos comuns e vivem no mesmo local/bairro.
284
menos similar em várias regiões, salvaguardando aquilo que é característico e
específico em cada uma delas.
Entretanto, grosso modo, podemos dizer que em todas as cidades e
Estados Nacionais onde o capitalismo prolifera é percebida a saída de homens
e mulheres do campo para se estabelecerem nas cidades. Este fenômeno tem
várias causas. Podemos citar dentre elas as transformações tecnológicas que
propiciam a mecanização das atividades campestres e a conseqüente
substituição do trabalho humano por máquinas cada vez mais potentes; a
crescente aceleração da
industrialização e, principalmente, a própria
necessidade do capitalismo em criar espaços mais propícios para a sua
reprodução e para o consumo de suas mercadorias, a saber: o espaço urbano.
Sobre esse fato Hobsbawn (2007, p. 37-38) aponta que o “forte declínio
do campesinato, que até o século XIX formava a grande base da raça humana
e o alicerce da economia” tem levado ao surgimento de uma sociedade
essencialmente urbanizada. Praticamente já não existem países com mais de
cinqüenta por cento de trabalhadores alocados no campo, com raras
exceções3. O autor prescreve que em poucas décadas a humanidade deixará
de ser o que foi desde seu surgimento “uma espécie cujos membros se
dedicam, sobretudo à coleta, à caça e à produção de alimentos”.
Entretanto, essa mobilidade do campo para a cidade não é algo que
aconteça naturalmente. Nem ao menos se trata de uma questão espacial ou de
escolhas individuais das famílias que resolvem migrar para as cidades em um
determinado momento de suas vidas. Esse movimento encontra-se inserido em
um contexto muito amplo, que diz respeito, sobretudo, à expressão da
organização histórica e social do capitalismo e de seu processo de reprodução
sociometabólico que leva à crescente exploração e
alienação da força de
trabalho (MÉSZAROS, 2002).
A urbanização conduz, em grande parte das vezes, à aglomeração dos
trabalhadores rurais nos bairros periféricos das grandes cidades. Nestes
3
“Em 2006, até a China, cuja população tinha 85% de camponeses em 1950, tem hoje cerca de 50%
nesse setor”. A urbanização é recorrente mundo afora “com exceção da maior parte da África
subsaariana, os únicos bastiões sólidos que restam da sociedade rural. [...] No final da década de 1960, a
população agrícola de Taiwan e da Coréia do Sul era a metade da população total; hoje ela representa
8% e 10%, respectivamente” (HOBSBAWN, 2007, 37-38).
285
bairros esses trabalhadores vão se somar àqueles que já se encontram ali
desenvolvendo atividades precárias no mundo do trabalho, ou somam-se à fila
de trabalhadores desempregados, salvo algumas exceções que conseguem se
estabelecer com vida digna nos centros urbanos.
Sobre isso, Castells (1980, p. 20) ao analisar a experiência de algumas
associações de vizinhos em Madri aponta que os problemas sociais da vida
urbana “provém da crescente incapacidade da organização social capitalista
para assegurar a produção, a distribuição e a gestão dos meios de consumo
coletivos necessários à vida cotidiana, da moradia às escolas [...]”.
No entanto, esses problemas não acontecem apenas pela deficiência do
capitalismo na distribuição dos bens produzidos. Para esse autor eles são
conseqüências necessárias para o crescimento desse sistema. A urbanidade é
importante para o capitalismo, tendo em vista à sua necessidade de produzir,
de dar vazão à produção de seus produtos e serviços e à sua necessidade de
criar e estimular o desejo de consumo. Esses fatores encontram no setor
urbano maior possibilidade de efetivação. Nas palavras de Castells (op. cit, p.
20-21):
[...] A concentração e centralização do capital, na fase monopolista do
sistema, conduz à concentração econômica, social e espacial dos
meios de produção e das unidades de gestão, assim como da força
de trabalho necessária a seu funcionamento. A concentração espacial
dos trabalhadores em cidades e áreas metropolitanas de dimensão
cada vez maior determina, por sua vez, a concentração e a
interdependência crescente do conjunto de meios e consumos que
lhes são necessários.
O autor se reporta tanto ao consumo individual de produtos de forma
fracionada como aquele consumo coletivo de bens e serviços urbanos:
educação, moradia, transporte, saúde, dentre outros. A comercialização de
todas as coisas “conduz à criação de um verdadeiro complexo econômicosocial, que constitui a estrutura urbana dessas unidades de atividade e de
residência que são as cidades” (ibidem). Assim, as cidades, principalmente os
grandes centros urbanos, desempenham um papel cada vez mais importante
na dinâmica do sistema capitalista.
286
A construção e o surgimento das cidades são determinados pela lógica
inflexível (MÉSZAROS, 2002) da propriedade privada no capitalismo. Por
vezes, o povo institui grupos diversos que passam a cobrar do poder público
as benfeitorias necessárias para a vida da comunidade, criando assim algumas
formas e experiências de organizações populares.
O nosso entendimento é que as organizações populares que ocorrem
nos bairro periféricos das cidades, aparentemente, não têm grande expressão
em relação às mudanças estruturais e qualitativas no modo de produção
capitalista e nem se ocupam delas, já que lidam apenas com os problemas
mais emergentes e imediatos necessários à sobrevivência como a alimentação,
a moradia, o transporte, a educação, dentre outros.
Entretanto, não deixamos de considerar que essas organizações
populares sejam importantes na conquista e na efetivação dos direitos sociais,
dentre esses direitos, a educação escolar. Também não deixamos de
considerar que estas organizações populares são espaços micro políticos e
que tendem a se unir a outros movimentos populares, provocando, quem sabe,
alterações estruturais no sistema econômico vigente.
As organizações populares são, em grande parte das vezes, formas de
articulação que expressam a resistência organizada, às vezes desorganizada ou mais ou menos organizada - contra a produção e a reprodução do
capitalismo, que emperra a produção e reprodução física e social de grande
parte dos trabalhadores assalariados, os quais lutam por um mínimo de
dignidade e subsistência (EVERS, PLATENBERG e SPESSART, 1982).
Aparentemente os movimentos populares arrefeceram suas atividades
na década de 90 (GOHN, 2003). No entanto, há uma forte tendência em curso
que aponta para a alta das mobilizações populares neste início de década e
para o revigoramento dos movimentos sociais em todo o mundo. Como nos
apontam Vieitez e Dal Ri (2010, p. 71)
A crise política e intelectual das forças populares não foi ainda
debelada. [...] na América Latina, desde fins do século passado, as
massas populares de vários países voltaram a se movimentar, muitas
vezes tempestuosamente, recuperando valores das revoluções
francesa e russa em franca oposição às políticas do capitalismo
neoliberal, pretensamente democráticas.
287
As organizações populares cobram
do poder
público
benfeitorias
necessárias para a vida dos bairros, indo da instalação da rede de esgoto à
construção das escolas. Nunes e Jacobi (1982, p. 167), referenciando a
questão do movimento citadino na Espanha citam que ele
[...] apresenta uma grande diversidade, embora se unifique em torno
dos seus objetivos gerais. Se desenvolve a partir de critérios bastante
amplos, como associação aberta a todos os vizinhos, a defesa dos
interesses reivindicatórios de todos os moradores do bairro e a
vinculação aos processos mais gerais de luta pela democracia. [...] O
desenvolvimento dos movimentos reivindicatórios de bairro e da vida
associativa [...] criam uma rede de vida coletiva e de organização
social que permite acumular as demandas e resultados,
estabelecendo novos interlocutores da Administração. Constituem-se
[em espaços] com capacidade de representação e convocatória de
massas.
Embora a citação do autor seja datada da década de 80, podemos
atualmente atestar em várias partes do mundo4 que, diante de acontecimentos
recentes, novamente, há uma crescente ascensão desta
capacidade
convocatória de massas, sendo que elas, nem sempre estão ligadas a
movimentos de bairro, porém podem estar também. Atualmente, as redes
sociais digitais têm sido um importante instrumento nessas convocatórias e
temos visto grandes massas indo às ruas com protestos diversos oriundos
nestas redes.
Esses movimentos são organizados com critérios bastante amplos, nem
sempre estando ligados à questão das classes sociais, mas, sem medo de
fazer a afirmação, podemos alegar que grande parte destes movimentos é
formada pela classe trabalhadora – empregada ou desemprega. Suas
formações estão também diretamente ligadas à formação dos espaços urbanos
que ocorrem mediante as contradições engendradas pelo sistema capitalista,
no qual o desenvolvimento econômico convive com o alastrar da pobreza de
grande parte da população.
4
Vide o caso de Portugal em 2011 quando o movimento geração à rasca mobilizou 200 mil pessoas no
país e mais 300 mil espalhadas pelo mundo e os atuais protestos na Grécia, na França e muitos outros
que se alastram mundo afora.
288
É sobre a composição do espaço urbano da cidade de Londrina que
abordaremos a seguir, de forma muito breve, tendo em vista o espaço restrito
deste texto.
2. Londrina: progresso econômico e segregação social
A cidade de Londrina foi fundada em 1929, elevando-se à categoria de
município em 1934. Tem hoje setenta e sete anos e é uma cidade
relativamente jovem, tendo em vista o grande desenvolvimento econômico
alcançado. Esse crescimento econômico, no entanto, ocorre concomitante e
contraditoriamente à pauperização de uma boa parte da população.
O município alcançou um crescimento populacional muito acelerado. É
a segunda cidade mais populosa do Paraná - 506.645 habitantes - e a quarta
mais populosa da região Sul do Brasil. Londrina é um pólo de desenvolvimento
regional e nacional, centro de uma região metropolitana que agrega mais de
um milhão de sujeitos e exerce grande influência sobre o Norte Paraná,
destacando-se como uma das cidades mais importantes da região sul do país.
Londrina foi planejada pelos ingleses, quando ocorre sua fundação, para
comportar vinte mil habitantes. O número de habitantes foi superado
rapidamente nos primeiros vinte anos da cidade. O crescimento inesperado
ocorreu devido à intensa produção agrícola, tendo a economia cafeeira como
sua principal atividade. A produção de café acaba por contribuir para que
grandes somas de capital se deslocassem para a região de Londrina. O café
continuou, até a década de setenta, como o principal produto da cidade, que
fica conhecida na época como Capital Mundial do Café (RIBEIRO e
MELCHIOR, 2002).
No entanto, a cafeicultura foi prejudicada, principalmente, pela grande
geada que acometeu a região em 1974. A cultura do café, após essa geada, é
praticamente erradicada. Posteriormente, a economia da cidade volta-se mais
289
para as atividades urbanas e industriais. Com isso, há a ampliação da demanda
de trabalho no comércio e nas indústria da cidade.
Ocorre então uma acelerada mobilidade da população do campo para a
região urbana. Em 1970 a cidade tinha 288.532 habitantes dos quais 43%
viviam no campo. Atualmente, de acordo com o CENSO de 2010 a cidade tem
506.645 habitantes e apenas 2,6% destes encontram-se no campo.
Dessa forma, Londrina teve seu espaço urbano estruturado da mesma
forma que as maiorias das cidades que crescem muito rapidamente, ou seja, o
espaço foi ocupado de forma desordenada. Em poucas décadas houve uma
intensa migração das pessoas que habitavam no campo para a zona urbana da
cidade. Londrina recebeu, também em poucas décadas um grande contingente
de imigrantes vindos de outros Estados, principalmente de São Paulo e Minas
Gerais.
As pessoas recém chegadas do campo, muitas vezes, não conseguem
pagar pelas moradias
e, muitas delas não recebem ajuda espontânea do
poder público. A pauperização dessas pessoas faz com que se organizem
para lutarem pelos seus direitos. Muitas destas pessoas procuram por áreas
da cidade a fim de ali se instalarem com suas famílias. Isso resulta
na
ocupação de algumas áreas públicas ou ainda terrenos privados em
localizações distanciadas da área central. Essas regiões, por vezes, têm
características naturalmente inadequadas para habitação. Localizam-se em
encostas ou fundo de vales. Nessas regiões os sujeitos tentam constituir suas
moradias de forma precária, o que dá origem a assentamentos – bairros não
regularizados pelo poder público - e favelas (RIBEIRO e MELCHIOR, 2002).
Isso não é um fato local ou isolado. É o histórico da formação dos
bairros periféricos em quase todas as cidades do Brasil e de outros países que
convivem com a má distribuição de renda e recursos.
3. Da conquista das escolas à segregação social
Em nossa pesquisa identificamos um bairro periférico da cidade com as
características apontadas acima. Verificamos que neste bairro ocorre
290
historicamente uma ampla mobilização dos moradores o que levou à
constituição de várias organizações populares. Selecionamos cinco delas para
serem espaços empíricos da pesquisa. Entrevistamos os responsáveis por
estas organizações para identificar a natureza do trabalho que desenvolvem
nos bairros e as relações que estabeleceram/estabelecem na conquista das
escolas e a atuação que desenvolvem, ou não, atualmente nestas escolas.
Entrevistamos também diretores, diretoras e professores de duas escolas que
se localizam no bairro selecionado para a pesquisa.
A fala de uma das entrevistadas é ilustrativa sobre a conquista da escola
pela organização popular. D. Paizinha, moradora do bairro e líder comunitária,
presidente do Instituto de Educação Igapó nos relata:
Quando eu cheguei era em torno de quinze a vinte casinhas aqui no
bairro. Hoje a gente tem farmácia, mercado muito bom, lutamos pela
água, pela luz, pelo asfalto, pelo posto de saúde. Hoje o melhor posto
de saúde da região é o nosso ele atente dezesseis horas.
Enfrentamos polícia. Fomos presos na época. Eu não fui porque fui
esperta porque corri. Mas, os meus parceiros de luta foram presos.
Me lembro como se fosse agora. Arrumei um advogado, nós fomos
no Banco. Ele tirou uma quantia de cento e dez reais, pagamos a
fiança, liberamos todo mundo, graças a Deus. E aí o bairro só foi
evoluindo. A escola chegou não demorou muito tempo não. Logo em
seguida, um ano depois conseguimos uma escolinha de madeira, que
hoje é aquela grande de material.
Nos dizeres de D. Paizinha e em nossas coletas de dados em outras e
diferentes fontes, identificamos que o que chega à periferia das cidades não
chega ali pelas mãos de representantes do poder público como é alardeado
nas propagandas políticas, mas é fruto de um árduo esforço de comunidades
que para serem lembradas precisam se fazer perceber através de inúmeras
manifestações coletivas. É assim que as escolas chegam nesses bairros.
Longe de ser um fenômeno isolado que acontece em uma localidade
apenas podemos considerar que a luta popular pela democratização/acesso à
escola pública e gratuita é fato que ocorre, ou já ocorreu em diferentes regiões
do país como evidenciado nas pesquisas citadas no inicio do texto.
Assim como é necessário conquistar o direito à moradia no espaço
urbano, se faz necessário conquistar o direito de ter escola de fácil acesso para
os filhos.
Identificamos ainda que a luta não se encerra na conquista da
291
escola. Depois de instalada os moradores destes bairros continuam
mobilizados para que a merenda chegue nestas escolas, pela ampliação de
vagas, pela ampliação da oferta dos níveis de ensino, pela construção de
muros nas escolas, das quadras esportivas cobertas e muitas outras demandas
que percebem.
Entrevistamos diretores e professores nas escolas dos bairros e
identificamos que eles reconhecem a ação destas organizações e a
importância delas na conquista dos recursos infra-estruturais que as escolas
necessitam e que, sendo a escola pública e gratuita, devem ser subsidiados
pelo poder público.
Desta forma, as organizações populares fazem pressão sob o poder
público diante do descaso destes com as escolas. Pressão essa necessária,
pois, como ilustra Paro (2008, p. 17) “o Estado não tem se interessado pela
universalização de um ensino de boa qualidade. Há, pois, a necessidade de
exercer pressão sobre o Estado, para que ele se disponha a cumprir esse
dever”.
Além das lutas pela conquista da escola e suas benfeitorias,
interessamo-nos também em identificar as concepções que as organizações
populares têm da escola. Verificamos que algumas lideranças comunitárias
identificam a escola como difusora de conhecimentos científicos. Entretanto,
identificamos também uma concepção restrita de escola, atrelando-a à
possibilidade de mobilidade social.
Nossa idéia para a escola é que a função da escola é ensinar a
criança a ler e escrever. A escola tá ali pra ensinar a criança a ler a
escrever, pra educar a criança pra ter uma vida melhor, pra poder
trabalhar, como vai trabalhar se não sabe ler e escrever, né?
(Presidente do Instituto de Educação Igapó).
A escola... olha, eu vejo pelos meus filhos sabe. Tem que ir pra
escola. Tem que ir. Eu não estudei quase nada, parei pra trabalhar.
Foi difícil sobreviver sem educação. Tinha que pegar qualquer
emprego. Fazer um bico aqui, outro ali. É assim que consegui criar
eles. Ah, hoje não! Não arruma nada se não estudar (Presidente da
Associação de Bairro).
292
Sobre a concepção da escola como lócus que propicia a ascensão
social, Novaes (2011, p. 189) indica ser esta “[...] uma das ideologias mais
profundas [sobre a escola], a [ideologia] do fetiche da mobilidade social”.
Certo que a escolarização contribui para que parcelas dos trabalhadores
acessem o mundo social do trabalho e conquistem certa mobilidade social.
Entretanto, por mais que a escola se esmere em difundir conhecimentos
científicos,
ensinando
a
ler,
escrever,
ensinando
os
conhecimentos
matemáticos, naturais e sociais, ela não cria vagas de trabalho. O que
queremos dizer é que a mobilidade social depende muito mais da oferta de
empregos no sistema econômico do que da escola. O que temos visto, no
entanto, é o alastramento de um desemprego estrutural necessário a
reprodução sociometabólica do capital. Como discutiu Marx, ao apresentar a
categoria exército de reserva, compreendemos que o desemprego é
necessário ao sistema capitalista a fim de controlar salários e manter o
trabalhador submisso ao sistema econômico. Portanto, em relação ao quesito
mobilidade social pouco tem a escola a oferecer aos trabalhadores e seus
filhos.
Apontamentos finais
Concluímos reiterando a tese de que a democratização da escola
pública ocorre impulsionada por duas forças. Por um lado temos a demanda do
sistema produtivo que necessita da escolarização de seus trabalhadores. Por
outro temos o pleito dos próprios trabalhadores que vêem na sua escolarização
e na escolarização de seus filhos a possibilidade de qualificação para acessar
as vagas do mundo do trabalho. A universalização da escola, desta forma é
permeada pelos interesses antagônicos das classes sociais.
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