CENTRO BR ASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ARTIGOS
VOLUME 4 - Edição Especial - ANO VI - 2011
www.cebri.org.br
Primeiro
Fórum de
MERCOSUL:
Diálogo com o Brasil:
Uma visão estratégica às
o Brasil na nova ordem
vésperas de seu 20º
global
aniversário
Quem Somos
O Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI, sediado no Rio de Janeiro, é uma OSCIP (Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público), independente, multidisciplinar e apartidária, formada com o objetivo de promover
estudos e debates sobre temas prioritários da política externa brasileira e das relações internacionais em geral.
Criado em 1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e acadêmicos, o CEBRI tornouse rapidamente uma referência nacional na promoção de encontros de alto nível, conferências e seminários internacionais.
O Centro atua como um think tank de políticas públicas na área externa do País. Sua Missão é criar um espaço para
estudos e debates, onde a sociedade brasileira possa discutir temas relativos às relações internacionais e à política externa,
com conseqüente influência no processo decisório governamental e na atuação brasileira em negociações internacionais.
Em recente pesquisa, a Universidade da Pensilvânia apontou o CEBRI como o 36° mais importante think tank do mundo
e o 3° da América Latina. A pesquisa distingue a capacidade do Centro de reunir prestigiosos acadêmicos e analistas; e de
produzir conhecimento por meio da reflexão, do debate e de publicações sobre temas de política externa.
O CEBRI produz igualmente informação e conhecimento específico na área externa e propostas para a elaboração de
políticas públicas. Linhas de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios, newsletters e outros produtos específicos
para instituições e empresas patrocinadoras.
Conselho Curador
Presidente de Honra
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Vice-Presidentes Natos
Daniel Miguel Klabin
José Botafogo Gonçalves
Luiz Felipe Lampreia
Presidente
Luiz Augusto de Castro Neves
Vice-Presidente
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Carlos Mariani Bittencourt
Célio Borja
Celso Lafer
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Gelson Fonseca Junior
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José Pio Borges de Castro Filho
Marcelo de Paiva Abreu
Marco Aurélio Garcia
Marcos Castrioto de Azambuja
Marcus Vinícius Pratini de Moraes
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Pedro Malan
Roberto Abdenur
Roberto Teixeira da Costa
Ronaldo Veirano
Sebastião do Rego Barros
Vitor Hallack
Winston Fritsch
Diretora
Fatima Berardinelli
Prof.
Gilberto
Martino
Jannuzzi
Antonio
José
Ferreira
Simões
Primeiro Fórum de
Diálogo
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o Brasil:
o Brasil
na nova ordem global
CEBRI Artigos
Volume 4 - Edição Especial - Ano VI - 2011
Primeiro Fórum de Diálogo
com o Brasil: o Brasil na nova
ordem global
Em parceria com German Institute of Global and Area Studies (GIGA)
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o Brasil na nova ordem global
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ordem global
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Índice
1.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Energética
Gilberto De Martino Jannuzzi
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2.Mudança do Clima: políticas públicas no Brasil entre desenvolvimento e proteção ambiental?
Imme Scholz13
3.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Climática
Jacques Marcovitch25
4.Energia Brasileira: estratégias e parcerias
Mariana Carpes33
5.Estratégias e Parcerias Brasileiras na Ordem Global em Transformação
Miriam Gomes Saraiva36
6.Brasil e Segurança Internacional
Monica Herz44
7.Interesses Brasileiros, Estratégias em Política Financeira
Renato Baumann56
8.Comentário à contribuição de Renato Baumann sobre:
“Interesses brasileiros e estratégias em política financeira”
Barbara Fritz62
9.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Comercial
Ricardo Sennes65
10.Cometario a la presentación realizada por Ricardo Sennes sobre:
“Interesses brasileiros, estratégias e parcerias em política comercial”
Claudia Zilla75
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Interesses Brasileiros, Estratégias e
Parcerias em Política Energética
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O setor energético do Brasil tem uma vantagem enorme na sua configuração que lhe confere
um destacado lugar em termos de participação de fontes renováveis. Enquanto que a média mundial
é de 13%, e nos países do OECD cerca de 7%, as fontes renováveis representam 46% do consumo
energético nacional (BEN, 2009). Em um contexto internacional onde se busca aumentar a participação
e integração cada vez maior de fontes renováveis nos sistemas de energia, isso dá ao país uma liderança
no desenvolvimento de algumas tecnologias e na expertise de gerenciar um sistema de energia moderno,
complexo e com alta participação de fontes renováveis.
No entanto é necessário destacar que existe uma grande concentração em torno da biomassa
(lenha/bagaço, carvão vegetal e etanol) e hidroeletricidade. A estratégia da política energética nacional
atual tem se pautado em promover maior diversificação das fontes de suprimento, ainda muito restrita
a esses energéticos citados e derivados de petróleo. Isso implica em novos desafios e envolvem aspectos
de domínio e inovação tecnológico, reformas regulatórias, incentivos a novas tecnologias e mecanismos
de mercado, iniciativas que por si próprias significam inovações na própria política energética brasileira.
A política energética nacional começa também a enfrentar novos problemas. As taxas de
crescimento da demanda de energia e em particular da eletricidade tem sido elevadas como apontam
os planos oficiais PNE 2030 e PDE 2019, Plano Nacional de Energia para 2030 e Plano Decenal de
Energia para 2019, respectivamente. O atendimento dessa crescente demanda através da expansão de
fontes renováveis convencionais como hidroeletricidade e cana de açúcar já apresentam problemas
grandes especialmente na esfera socioambiental.
Professor Adjunto em Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica e Coordenador do NIPE - Núcleo
Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade de Campinas – UNICAMP.
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As recentes descobertas de jazidas de petróleo colocarão o país em um nova situação não
vivenciada na sua história: a de ser um expressivo exportador de petróleo. As implicações dos impactos
da exploração desses recursos tanto para a política energética nacional como para a própria economia
ainda necessitam de maiores reflexões.
Outros desafios, ainda, referem-se a necessidade de assegurar a garantia de suprimento, acesso
aos serviços modernos de energia a toda população de um país continental e com forte segmentação
regional e social. Ao mesmo tempo, deve-se buscar modicidade de preços ao consumidor final.
Estratégias
Apesar do PNE 2030 projetar uma redução da participação das fontes energéticas renováveis,
as revisões subsequentes que aparecem no PDE 2019 e no novo PNE 2035, com projeções sugerem
uma manutenção dos valores atualmente verificados. Isso significa uma retomada de uma política
energética interessada em tecnologias mais limpas e fontes renováveis.
Existe, portanto o interesse em promover maior participação de fontes como eólica, solar e
biomassa, que hoje representam menos que 5% da capacidade instalada de eletricidade do país. Essas
tecnologias ainda apresentam desafios em termos de custos, necessidades de reformas regulatórias,
capacitação da indústria nacional e inclusive do próprio setor energético em planejar e operar com
novas tecnologias e fontes com maiores características de sazonalidade e intermitência.
O governo brasileiro tem declarado seu interesse e comprometimento em se perseguir estratégias
para estabilizar emissões oriundas do setor energético e a própria sociedade brasileira vem exercendo
fortes pressões contra a contínua utilização do potencial hidroelétrico da região amazônica e utilização
de terras para biomassa de cana.
É possível apontar algumas condições favoráveis a essa estratégia.
A partir das reformas setoriais realizadas a partir da década de 90, foram criados fundos públicos
para financiar a modernização e desenvolvimento tecnológico do setor energético. Mais recentemente
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tem surgido investidores aportando capital de risco e empreendedores privados que vem investindo
em alguns segmentos de tecnologias de energia, notadamente biomassa e energia solar fotovoltaica.
Diversos projetos MDL tem explorado o oportunidades com a maior utilização de gás de aterro e
projetos de energia a partir de biomassa.
As agências regulatórias ANEEL e ANP vem recentemente atuando de maneira mais inovadora
para considerar maior inserção de fontes alternativas para geração de eletricidade e biocombustíveis,
eliminando progressivamente importantes barreira e auxiliando também na tarefa de redução de custos
e tramitação de licenciamento.
Eficiência energética
As expectativas de crescimento econômico nas próximas décadas estão fortemente vinculadas
à expansão da oferta e ainda são tímidas as considerações sobre as possibilidade de busca de maior
eficiência energética da nossa economia.
Maior controle do crescimento da demanda de energia através de políticas públicas de eficiência
energética ainda é feita de maneira tímida, mas deverá fazer parte de uma estratégia para possibilitar a
manutenção de uma matriz energética com forte participação de fontes renováveis.
Eficiência energética não é uma novidade no Brasil. Diversas iniciativas na área de eficiência
energética vem sendo executadas por agentes públicos e privados desde a década de 80. Atualmente
esta em curso a elaboração de um Plano Nacional de Eficiência Energética – PNEf, sob a liderança do
Ministério das Minas e Energia – MME. Todavia, esses movimentos não tem sido acompanhados por
uma infraestrutura institucional para coordenação e inserção na própria política energética nacional,
que vem sendo ainda fortemente centrada em uma política de oferta de energia.
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Parcerias em política energética
a) Parcerias internas
As preocupações socioambientais e a própria politica nacional de mudanças climáticas
levarão a maior interlocução entre áreas da administração federal que até agora possuem ações
compartimentalizadas a procurarem atuação conjunta.
A política energética brasileira deverá buscar cada vez maior sinergia com a política ambiental,
com a política de ciência e tecnologia e política industrial. O próprio Plano Nacional de Mudanças
Climáticas contempla diversas ações atinentes ao setor energético. Existe o interesse em desenvolver a
pesquisa e indústria nacional para atender os planos futuros de energia no que se refere a tecnologias
de energia que o país necessitará no futuro.
b) Parcerias externas
O país está bem posicionado para oferecer sua experiência em política energética, tecnologias e
serviços relacionados em diversas áreas para outros países do Sul. Algumas delas se referem às chamadas
tecnologias sociais², aos biocombustíveis de primeira geração, sistemas de cogeração e sua integração.
Processos de cultivo de biomassa, sua conversão em carvão vegetal e utilização em setores modernos
da economia são outras oportunidades interessantes para serem transferidas para diversos outros países
em desenvolvimento. Essas são áreas onde existe um domínio nacional e deverão levar o país a buscar
mercados e parceiros externos.
Mesmo considerando países industrializados, o Brasil tem conhecimento, tecnologia e
capacitação industrial em algumas áreas. O país tem amplo domínio em toda a cadeia de produção de
biocombustíveis de primeira geração (etanol) e apresenta alguns avanços nas tecnologias de segunda
geração, onde maior cooperação poderá ser fundamental para o país mais rapidamente dominar
esse conhecimento. Na área de processos de conversão de biomassa para carvão vegetal, sistemas
²Aqui entendidas não só as tecnologias envolvidas mas também os programas de disseminação de sistemas de aquecimento solar para consumidores de baixa renda, LPG e programas de eletrificação rural.
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avançados de cogeração a partir de biomassa, o país também possui expertise para exportar para países
industrializados.
Por outro lado, o Brasil necessita participar cada vez mais do aprendizado e compartilhar
o desenvolvimento de algumas tecnologias que serão necessárias para seu futuro, especialmente
relacionadas a fontes eólica e solar (fotovoltaica e solar térmica), armazenagem de energia, redes
inteligentes, integração de sistemas energéticos com veículos elétricos, entre outros.
Maior cooperação é também necessária nos aspectos relacionados a regulação técnica econômica
de mercados de energia, gerenciamento de sistemas energéticos com alta participação de fontes
intermitentes.
c) Cooperação Alemanha-Brasil
Vemos com otimismo a perspectiva de uma efetiva cooperação mútua entre o Brasil e a
Alemanha no campo da política energética, em particular com relação com relação ao desenvolvimento
de mercado para energia eólica e solar e eficiência energética. A experiência alemã é relevante não
somente nos aspectos de desenvolvimento tecnológico, mas também nas suas dimensões relacionadas
com a introdução de mecanismos regulatórios, incentivos econômicos para criação de mercados para
essas tecnologias e desenvolvimento da indústria local.
Considerações finais
O sucesso de políticas públicas para acelerar a introdução de modernas tecnologias de conversão
de energia com menor impacto ambiental no Brasil dependerá estritamente da coordenação de pelo
menos três áreas que ainda possuem tratamento compartimentalizado no país: a política climática,
política energética e política de ciência e tecnologia.
Acreditamos que maior intercâmbio de experiência sobre política energética entre o Brasil e
demais países poderá ser mutuamente benéfico para se buscar maior sustentabilidade para o setor
energético.
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Prof. Gilberto De Martino Jannuzzi
Referências Bibliográficas
- EPE, Empresa de Pesquisa Energética, e Ministério de Minas e Energia (MME). “Plano Decenal de
Expansão de Energia 2019-PDE 2019,” 2010.
- EPE, Empresa de Pesquisa Energética, e Ministério de Minas e Energia (MME). “Plano Nacional de
Energia 2030,” 2007.
- Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Plano Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC
Brasil, 2008.
- CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Estudos Temáticos e de Futuro”. Brasília, 2007.
- CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Energias do Futuro”. Brasília: 131p, junho 2008.
- CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Integração de Agenda: Mudanças Climáticas Energia e Desenvolvimento”. Brasília: 118p, junho 2009.
- CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2009. “Oportunidades para a Difusão de Tecnologias de Energia Limpas: Subsídios para a Participação Nacional na Conferência de Mudança do
Clima”. Brasília: 82p, dezembro 2009.
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Mudança do Clima:
políticas públicas no Brasil entre
desenvolvimento e proteção ambiental?
Imme Scholz1
Introdução
Desde a crise financeira de 2008, os governos europeus estão presenciando com assombro uma
queda acelerada do seu poder econômico relativo e, de maneira concomitante, de seu poder político de
proposição e negociação a nível global. Isto tem sido especialmente claro nas negociações no âmbito da
UNFCCC, da convenção marco das Nações Unidas sobre a mudança do clima. A recessão econômica
no contexto da crise financeira impõe limites muito estreitos aos orçamentos públicos dos países do
euro, o que reduz tanto a capacidade de investimentos públicos (nos sistemas energéticos domésticos
e na cooperação internacional) como a vontade de correr riscos para o crescimento econômico a curto
prazo. Problemas semelhantes tem ocorrido também nos EUA e no Japão (exacerbados pelos custos da
catástrofe nuclear de Fukushima em 2011). No âmbito da política global sobre a mudança climática,
esta situação se traduz em uma paralisação das negociações sobre o Protocolo de Kyoto: dos países
industrializados, com obrigação de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, apenas a União
Europeia (UE) está disposta a se comprometer a uma segunda fase, enquanto os EUA, o Japão e o
Canadá estão fora. Mas dentro da UE as controvérsias sobre a importância da política climática também
é forte: em 2011, não tem sido possível convencer aos estados membros nem de aumentar a taxa de
redução das emissões de 20 a 30% até 2020 (ano de referência: 1990), nem de adotar o ‘Roadmap for
moving to a competitive low-carbon economy in 2050’. O conselho “reconheceu” os objetivos de reduzir
A autora é socióloga com doutorado da Universidade Livre de Berlim. Ela é vice-diretora do Instituto Alemão de Desenvolvimento (Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, DIE) sediado em Bonn, Alemanha.
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as emissões em 40% até 2030, 60% até 2040 e em 80% até 2050. Mas o conselho também enfatizou
“the need for a balanced approach that respects the principles of ‘polluter pays’, cost-effectiveness, fairness
and solidarity in the distribution of additional efforts and benefits between member states”2 .
A UE, em seus debates internos, reproduz então o debate global entre países ricos e pobres sobre
como definir as obrigações de grandes emissores do passado e do futuro, e como distribuir os custos e
benefícios. Esse debate interno e os apelos à ação dos outros grandes emissores mostram a debilidade
europeia. Nesse contexto, Connie Hedegard, membro da Comissão Europeia responsável pela política
sobre mudança do clima, recentemente falou numa entrevista concedida a um jornal australiano: “Para
quê estender o nosso compromisso (com o Protocolo de Kyoto) se nenhuma das grandes economias está
disposta a colaborar, senão hoje, então no futuro? (...) A Europa apenas representa 11% das emissões
globais. O que farão os outro 89%?”3 Esse posicionamento foi corroborado pelo comunicado do
Conselho de ministros de Ambiente da UE (10 de outubro de 2011) que afirma que o protocolo de
Kyoto “continuará existindo desde que os EUA e as economias emergentes se comprometam agora
a participar de um acordo mais amplo, no futuro. (...)” O acordo futuro, querem os europeus, terá
que ter compromissos de cortes para todas as grandes economias. Mas respeitaria o princípio das‚
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, que diz que a responsabilidade pelo aquecimento da
Terra, e a resposta dos países ao problema, tem que ser diferente, conforme o país. Os compromissos
de Europa e EUA, por exemplo, não seriam os mesmos dos de Brasil, Índia e China.4
O Brasil faz parte do grupo BASIC, com China, Índia e África do Sul, que se reúne regularmente
desde 2009, para definir bases e ações conjuntas na política do clima. Um fato importante é que os
quatro países possuem políticas nacionais que especificam objetivos e ações voluntárias para reduzir as
suas emissões de gases estufa. Dessa maneira, os países do grupo BASIC cumpriram com o compromisso
assinado em 2007 em Bali na conferência da UNFCCC: as grandes economias entre os países em
http://consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/envir/122956.pdf (12.10.2011)
http://ec.europa.eu/commission_2010-2014/hedegaard/headlines/news/2011-09-07_01_en.htm (12.10.2011)
4
Veja Daniela Chiaretti: “UE dá ultimato e exige compromisso de China e EUA para renovar Kyoto”, Valor Econômico,
11/10/2011 (13.10.2011).
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desenvolvimento aceitaram atividades voluntárias para reduzir suas emissões em relação ao crescimento
econômico e do consumo de energia, segundo a recomendação do IPCC (painel intergovernamental
sobre a mudança climática) para atingir o objetivo de limitar o aquecimento global a 2°C.
Essas políticas refletem também o significado atribuído à transformação do sistema energético e
econômico para o desenvolvimento do país. A China, claramente considera o desenvolvimento de uma
economia de baixas emissões como tema chave – é nessa área onde ocorrera a competição tecnológica
e econômica entre as grandes potências. A Índia compartilha essa convicção, mas no Brasil, a situação
é diferente, devido às diferencias entre as principais fontes das emissões de gases de efeito estufa: na
China e na Índia, é a geração de energia, baseada no carvão, enquanto no Brasil, 55% das emissões
provem do desmatamento e 14% da agricultura.
No restante do artigo, tentaremos de traçar os fundamentos da política brasileira sobre mudança
do clima, de analisa-la no contexto da estratégia brasileira de crescimento econômico e de formular
uma resposta às seguintes perguntas: A política do clima brasileira reflete uma mudança de rumo no
modelo de desenvolvimento econômico? Quais as oportunidades e as tensões entre a política climática
e a política econômica? Em que medida a mudança climática põe em perigo o desenvolvimento do
Brasil?
A política nacional sobre mudança do clima do Brasil
O Brasil foi o primeiro assinante de UNFCCC em 1992, e nos anos seguintes participou
sempre de maneira ativa e propositiva nas negociações internacionais, com negociadores de alto nível
científico e diplomático. Assim, uma das contribuições mais notáveis do Brasil tem sido o desenho do
mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) que incentiva o investimento em tecnologias de baixas
emissões em países em desenvolvimento e que facilitou a adoção do Protocolo de Kyoto.
A política nacional sobre mudança do clima foi instituída em dezembro de 2009. O seu principal
objetivo (Art. 12) é adotar „como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões
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de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por
cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 20205. O
plano nacional de ação formulado em 2008 inclui os seguintes objetivos e medidas 6:
-
Reduzir as taxas de desmatamento na Amazônia em um 70% até 2017. Na conferência
da UNFCCC em Copenhague 2009, o governo Lula anunciou uma nova meta de 80% até 2020.
Para financiar as atividades necessárias foi estabelecido o Fundo Amazônia no BNDES que conta com
doações da Noruega e da Alemanha;
-
Aumentar a eficiência energética em 10% até 2030;
-
Manter ou elevar a percentagem de energia renovável na geração de eletricidade: até
2030, gerar 11,4% da eletricidade através da cogeração (queima de bagaço na produção de etanol);
construir hidrelétricas na Amazônia; aumentar a geração através da energia eólica e fotovoltaica;
-
Incrementar o uso de agro combustíveis, sobretudo etanol e biodiesel;
-
Reduzir as emissões da agricultura, transformando os sistemas de produção e
recuperando pastagens degradadas.
O Brasil também anunciou em Copenhague a criação de um fundo de USD 5 bilhões para
apoiar medidas de adaptação em países pobres vulneráveis aos impactos da mudança climática. O
Brasil também ofereceu aos vizinhos na Amazônia e aos países da África central o uso dos seus satélites
para monitorar a cobertura vegetal. Até um 20% dos meios financeiros do Fundo Amazônia poderão
ser aplicados nos países da Amazônia para apoiar o combate ao desmatamento.7
A adoção da política nacional do clima indica uma mudança significativa na política exterior
brasileira em relação a questões da política ambiental internacional. Os seus princípios desde a primeira
Lei Nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009.
Veja Governo Federal / Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, Plano Nacional sobre Mudança do Clima –
PNMC – Brasil, Brasília 2008.
7
Veja Ronie Lima, “Dilma e Minc anunciam US$ 5 bilhões do Brasil para países pobres”, in: www.mma.gov.br/sitio/
index.php?ido=ascom.noticiaMMA&idEstrutura=8&codigo=5456 (3.2.2010).
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conferência da ONU sobre meio ambiente em 1972 foram:8
-
prioridade à soberania nacional e às prioridades nacionais de desenvolvimento, em
detrimento da responsabilidade comum para a proteção de bens ambientais públicos globais (percebida
como responsabilidade primordial dos países ricos). Desde essa perspectiva, o Brasil sempre se recusou
a desenvolver princípios internacionais obrigatórios para a política florestal;
-
exigir ações preliminares dos países ricos, e amarrar as ações dos países em
desenvolvimento a um financiamento adequado internacional;
-
identificar os países ricos geralmente como os poluidores principais, diretamente ou
indiretamente através da distribuição global desigual do poder econômico e político;
-
no transcurso do processo de modernização, eventuais problemas ambientais serão
resolvidos através do crescimento econômico e da introdução de tecnologias modernas.
Aqui podemos constatar uma mudança no pensamento: Através de medidas nacionais
voluntárias, proclamadas como compromisso no contexto de negociações internacionais, o Brasil agora
contribui ativamente na manutenção de bens globais públicos como o clima.
Em geral, o governo brasileiro espera que o plano de ação reduzira as emissões até 2020 entre
36 e 39%, em comparação com o cenário business as usual. No Brasil, esse cálculo foi imediatamente
criticado: o governo foi acusado de ter exagerado as emissões no cenário business as usual, e assim de
ter exagerado o potencial de redução delas. A Folha de São Paulo mencionou um estudo do Banco
Mundial que calcula o volume de emissões até 2030 de 1,7 bilhões de toneladas de CO2, enquanto
o governo brasileiro tinha calculado 2,2 bilhões de toneladas até 2020.9 Mas usando os cálculos do
IPCC (redução das emissões em 15-30% até 2020 em comparação com business as usual), outros
Veja Roberto Guimarães / Joana Bezerra / Roberto Pascarella, “Agenda internacional de meio ambiente: continuidade e
mudança da posição do Brasil nas negociações internacionais entre 1972 e os dias de hoje”, Rio de Janeiro 2009 (mimeo).
9
Veja Marta Salomon, “Brasil inflou dado de emissão de CO2 para 2020, sugere estudo”, in: Folha Online, 24.11.2009,
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ambiente/ult10007u656701.shtml (3.2.2010).
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julgam as medidas brasileiras como sendo adequadas.10
Mas outros acham que objetivos mais ambiciosos seriam possíveis de atingir: em 2009, McKinsey
publicou um estudo com propostas para a transição rumo a uma economia de baixo carbono.11 As
propostas incluem reduzir as emissões até 2030 em 70%. O maior potencial reside, segundo McKinsey,
no desmatamento evitado que teria um custo de 8 €/t CO2 e que representa 72% do potencial total
de redução.
Será que a política nacional do clima também inclui uma maior prioridade para objetivos
ambientais nas estratégias de desenvolvimento? Discutimos essa hipótese na próxima secção.
Tensões entre a PBNMC e a estratégia nacional de desenvolvimento
O sucesso econômico do Brasil nos últimos anos tem vários origens: o crescimento das
exportações e da agricultura, o Plano Real, e uma política econômica que favorece a integração ativa
no mercado mundial, a privatização das grandes empresas estatais e a desregulação do mercado laboral.
A participação da agricultura no PIB brasileiro é de 25% se incluirmos os insumos. O setor cresce mais
rapidamente do que a economia como um todo e produz 36% das exportações.12 O país e o maior
produtor global de cana de açúcar, café, frutos tropicais e concentrado de laranja. É o segundo produtor
de soja (somente ultrapassado pelos EUA), e um dos maiores produtores de milho, algodão, cacau,
tabaco e madeira. O Brasil tem o maior rebanho bovino do mundo, com 170 milhões de cabeças.13
O crescimento da agricultura foi produzido pela expansão da área sob lavoura desde os anos
1970s e pelos avanços na pesquisa agrária (EMBRAPA). Adaptações genéticas nas semilhas facilitaram
o uso da terra no centro-oeste – essa região hoje produz mais de 40% da colheita nacional de grãos.
Segundo o ministério da agricultura, ao redor de 60% do incremento de produtividade na agricultura
Veja http://www.climateactiontracker.org/country.php?id=1266 (3.2.2010).
Veja McKinsey&Company, “Pathways to a Low-Carbon Economy for Brazil”, sem ano.
12
Veja “Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil”, EMBRAPA/UNICAMP, São Paulo 2009,
p. 14.
13
Veja Background note Brazil, in: www.state.gov/r/pa/ei/bgn/35640.htm#econ (12.2.2010).
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se devem à pesquisa.14
A expansão da área sob lavoura ainda não concluiu no Brasil. A Amazônia é considerada a
fronteira agrícola principal por muitos investidores que apostam no gado e na soja. A expansão da
cana de açúcar tem promovido este processo de maneira indireta. Reduzir as emissões através da
redução da taxa de desmatamento entra em conflito com a estratégia dos atores privados de aumentar
a área agrícola naquela região com os preços de terra mais baixos e com instituições públicas frágeis,
encarregadas de vigilar as áreas protegidas e de implementar o zoneamento agroecológico e as leis de
proteção ambiental (incluindo o código florestal).
Desde os anos 1990 o desmatamento da Amazônia para pastagem apresenta uma alta dinâmica
que é independente de investimentos públicos. A rede de estradas na região é construída por donos de
serrarias, fazendeiros e produtores de soja. Sobretudo o escoamento da soja para os mercados externos
tem motivado a construção privada de hidrovias, estradas e portos. Desde a crise da vaca louca, as
importações europeias de carne bovina e de soja do Brasil tem aumentado significativamente. A
produção de carne na UE depende de importações de ração: 75% da ração rica em proteína (sobretudo
soja) é importada15. A Amazônia ainda não é um grande exportador de bens agrícolas. Contudo, a soja
está crescendo ao redor de Santarém, e a Amazônia também está sendo considerada para a produção
de agro combustíveis.
As medidas do governo brasileiro para proteger a Amazônia tem sido melhoradas, mas existem
incoerências entre os planos ambientais para a região (áreas protegidas, concessões florestais) e os
planos na área da energia e do transporte (construção de hidroelétricas, gasodutos, estradas). Um 80%
do desmatamento ocorre ao redor das estradas. Desde 2004, a taxa de desmatamento tem sido muito
baixa, o ministério do meio ambiente reforçou suas medidas de controle. Mas o desmatamento disparou
Veja “Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil”, EMBRAPA/UNICAMP, São Paulo 2009,
p. 15 f.
15
Veja Westhoek, H. et al., “The Protein Puzzle: The consumption and production of meat, dairy and fish in the European
Union”, The Hague: PBL Netherlands Environmental Assessment Agency, 2011
14
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após a decisão do congresso de mudar o código florestal e reduzir a percentagem das áreas privadas a
não serem desmatadas de 80 a 50%. Isso aponta a fraquezas institucionais sérias na Amazônia.
Um grande investimento público na Amazônia, a hidroelétrica de Belo Monte no Xingú, perto
de Altamira, é um caso exemplar: a hidroelétrica produzirá energia para o crescimento da economia
nacional, mas do ponto de vista local ela é julgada como séria ameaça à supervivência dos Juruna que
moram na volta grande do Xingú que no futuro receberá muito menos agua que agora. A migração
de trabalhadores a Altamira também e vista como ameaça à integridade da floresta na área. Na bacia
do Xingú existe uma das maiores áreas indígenas do Brasil, estabelecida após a quase extinção dos
Kranhacãrore no transcurso da construção da BR-163 e o deslocamento forçado deles a outra área.
A pavimentação da BR-163 foi decidida pela União para facilitar o escoamento da soja pelo porto de
Santarém. Esses dois grandes projetos – Belo Monte e a BR-163 – vão demonstrar qual o balanço que
a União vá tirar entre objetivos sociais, econômicos e ambientais.16
A União tem os instrumentos necessários para evitar os processos espontâneos de migração
e desmatamento que tradicionalmente têm acompanhado os grandes projetos na Amazônia. Esses
instrumentos incluem o controle das áreas protegidas e das concessões florestais e investimentos
no desenvolvimento local e um planejamento para acomodar os migrantes em áreas determinadas,
com infraestrutura social e econômica. Mas dos meios financeiros incluídos no PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) previstos para atividades do Ministério do Meio Ambiente na Amazônia
apenas 20% foram efetivamente gastos entre 2005-2008.17 O estudo de McKinsey também menciona
o investimento no desenvolvimento local como fundamental para reduzir a taxa de desmatamento,
mas o calculo dos custos não reflete esses investimentos. O estudo calcula € 5,7 bilhões anuais para o
desenvolvimento local (1% do PIB brasileiro).
O PAC também é a fonte principal para financiar energias renováveis e eficiência energética.
Veja também Imme Scholz: “Environmental policy co-operation among organised civil society, national public actors
and international actors in the Brazilian Amazon”, in: European Journal of Development Research 17 (4), 2004, p. 681705
17
Veja IPEA, “Brasil em desenvolvimento. Estado, planejamento e políticas públicas”, Brasília 2009, p.382-396.
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65% das despesas no PAC estão previstas para a infraestrutura do gás natural e do petróleo. As despesas
para a energia eólica e solar são muito menores.
O governo brasileiro e a administração pública têm consciência dos riscos da trajetória de
desenvolvimento da economia brasileira para a implementação da política nacional do clima. Uma das
medidas nesse contexto foi a criação no ministério da fazenda do grupo de trabalho permanente sobre
política econômica no contexto da política do clima. O objetivo do grupo é desenvolver instrumentos
ambientais e de mercado para implementar a política do clima. Um instrumento importante poderia
ser o comitê interministerial de questões da mudança climática.
Riscos da mudança climática para o crescimento econômico no Brasil
No final de 2009, foi publicado um estudo sobre a economia da mudança do clima no Brasil que
analisa os riscos para a economia brasileira. O estudo foi coordenado por Jacques Marcovitch da USP
e elaborado pelas melhores instituições de pesquisa do Brasil.18 O estudo mostrou que uma política
econômica que inclui medidas de mitigação das emissões conduz a um maior produto interno bruto do
que sem. O estudo também analisou os impactos da mudança do clima no Brasil, em particular sobre
a energia, a água e a agricultura. Os resultados principais dessa análise mostram que uma política ativa
de reduzir as emissões globais está no interesse direto do Brasil:
-
Os impactos da mudança do clima podem reduzir o PIB brasileiro até 2050 entre 0,5 e
-
“As regiões mais vulneráveis à mudança do clima no Brasil seriam a Amazônia e o
2,3%.
Nordeste”, quer dizer nas regiões com maior incidência de pobreza.
-
Na Amazônia, “o aquecimento pode chegar a 7-8°C em 2100, o que prenuncia uma
alteração radical da floresta amazônica – a chamada ‘savanização’. Estima-se que as mudanças climáticas
Veja Jacques Marcovitch, “Economia da Mudança do Clima no Brasil: custos e oportunidades”, Rio de Janeiro, 2009,
in: www.economiadoclima.org.br (3.2.2010).
18
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resultariam em redução de 40% da cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia, que
será substituída pelo bioma savana”.
-
No Nordeste, as chuvas tenderiam a diminuir consideravelmente até 2100, causando
perdas agrícolas em todos os estados da região e reduzindo a capacidade de manter rebanhos bovinos.
A vazão de rios em bacias do Nordeste poderá diminuir o que afetará “bacias importantes para a
geração de energia, como a do Parnaíba e a do Atlântico Leste, com redução de vazões de até 90%
entre 2070 e 2100”.
-
“Haveria perdas expressivas para a agricultura em todos os estados, com exceção dos
mais frios no Sul-Sudeste, que passariam a ter temperaturas mais amenas.”
-
Haverá uma “perda de confiabilidade no sistema de geração de energia hidrelétrica,
com redução de 31,5% a 29,3% da energia firme. Os impactos mais pronunciados ocorreriam nas
regiões Norte e Nordeste. No Sul e no Sudeste os impactos se mostrariam mínimos ou positivos, mas
neste caso não compensariam as perdas do Norte e do Nordeste.”19
Conclusão e novas perguntas
No contexto da análise, a política nacional da mudança do clima pode ser considerada um
primeiror passo muito importante. Mas tem duas perspectivas que justificam metas mais ambiciosas:
a prevenção de mudanças climáticas perigosas (além de 1,5 ou 2°C) e o efeito cumulativo entre
a mudança climática e mudanças globais em outras áreas (perda de biodiversidade, mudanças na
cobertura vegetal, a acidificação dos oceanos).20 Por exemplo, a política energética do Brasil prevê que
as emissões dobrarão até 2030 (em comparação com 2006). Já hoje as emissões per capita do Brasil
devidas à energia são de 7,5 toneladas de CO2. O WBGU (um conselho científico sobre mudanças
globais do governo federal da Alemanha, veja www.wbgu.de) calcula que na segunda metade do século,
as emissões médias per capita deverão ser inferiores a 2 toneladas se pretendemos limitar o aquecimento
19
20
Resumo executivo do estudo “Economia da mudança do clima no Brasil: custos e oportunidades” (2009).
Ver Johan Rockström et al. “A safe operating space for humanity”, in: Nature, 24.9.2009, p. 472-475.
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médio global a 2°C.21 Dessa perspectiva, seria recomendável definir um incremento muito maior a
curto prazo da energia eólica e solar e de outras fontes renováveis. Isso também ajudaria a evitar os
efeitos negativos das grandes hidroelétricas na Amazônia.
Além disso, é necessário pensar no aumento da eficiência energética. Aqui existem os maiores
potenciais para reduzir as emissões. A infraestrutura urbana e a eficiência energética dos prédios são
áreas de maior importância, elas não são mencionadas no estudo da USP e merecem maior atenção.
Na área de transporte, existem opções (ferrovias, transporte público urbano) que reduzem o transporte
individual e o consumo de (agro) combustíveis.
Finalmente, o Brasil (e mais ainda a Alemanha) também precisa pensar em estilos de vida,
padrões de consumo e de produção compatíveis com um mundo com uma maior população, mas com
um espaço ambiental reduzido e cada vez mais frágil.
Um dado interessante mostra que o público brasileiro está disposto em repensar o padrão de
desenvolvimento do país: Em 2001 e 2008, o CEBRI fez um levantamento entre as pessoas que influem
de maneira decisiva sobre a política exterior (legislativo, executivo, jornalistas, ONGs, acadêmicos,
setor privado). Os resultados desse estudo mostram que a proteção ambiental e a política do clima
são considerados como importantes, tanto a nível internacional como regional. O estudo diferencia
entre ameaças, objetivos da política exterior e temas da agenda multilateral. Nas três áreas, a mudança
climática aparece fortemente:22
-
Das três ameaças mais importantes, o aquecimento global é mencionado por 65%
dos entrevistados (em comparação: 64% mencionam o tráfico internacional de drogas e 50% o
protecionismo comercial dos países ricos);
-
Entre os nove objetivos considerados como “extremadamente importantes”, figuram a
Wissenschaftlicher Beirat der Bundesregierung globale Umweltveränderungen, “Solving the climate dilemma: The
budget approach”, Berlin 2009.
22
Amaury de Souza, “Brazil’s international agenda revisited: perceptions of the Brazilian foreign policy community”,
CEBRI, 2008, resumo executivo.
21
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cooperação com os países vizinhos para proteger a Amazônia (57%), e a proteção ambiental (62%).
-
O meio ambiente e a mudança climática são os novos temas que emergem na agenda
multilateral: 66% dos entrevistados apoiam a coordenação internacional para a proteção ambiental
(74% em 2011); e 90% acham que todos os países e não apenas os países industrializados devem reduzir
suas emissões de gases de efeito estufa (81% em 2001). Como resultado direto dessas preocupações,
cresceu o apoio à inclusão de cláusulas em tratados de livre comércio para a proteção de direitos de
trabalhadores e do meio ambiente (66% em 2008, 31% em 2001).
O resultado desse levantamento é auspicioso para o papel internacional do Brasil – se for
traduzido em iniciativas de política exterior na região e a nível internacional. Quais as alianças de
atores que se comprometem com essa agenda? Qual a base doméstica dessa agenda, em termos de
política econômica e social? E qual a influência dos parceiros no grupo BASIC e dos debates na aliança
com Índia e África do Sul no grupo IBSA sobre a definição de políticas exteriores nessas áreas e de
estratégias internas de desenvolvimento, nas áreas de energia, agricultura e infraestrutura urbana?
E qual o papel da parceria com Alemanha nesse contexto? O levantamento do CEBRI é negativo:
Somente uma minoria dos entrevistados espera que a Alemanha ganhe importância para o Brasil (28%
em 2008, contra 64% em 2001; no caso dos EUA, a queda também é brusca com 15% em 2008 contra
49% em 2001). A Alemanha é um dos poucos países que aposta na energia renovável para o seu futuro,
e que deixou a energia nuclear de lado para o uso doméstico (e a Siemens decidiu vender a sua secção
nuclear). A Alemanha vê no Brasil um parceiro importante para sua política do clima; qual o futuro
real dessa expectativa?
Esses são temas que merecem ser estudados no Brasil e na Alemanha.
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Interesses Brasileiros, Estratégias e
Parcerias em Política Climática
Prof. Jacques Marcovitch1
Em política climática, o Brasil sempre vinculou os seus interesses ao interesse planetário expresso em fóruns multilaterais. A estratégia ambiental brasileira está centrada na Amazônia e sua floresta
gigante que, além dos benefícios internos, reais e potenciais, também contribuem para a regulação do
clima global.
O desmatamento do grande bioma, objeto em Copenhague das metas voluntárias de redução,
formuladas pelo governo brasileiro, representa um sério risco de intensificação das catástrofes naturais
decorrentes das mudanças climáticas.
Além de fixar importantes aspectos e as principais variáveis da política climática brasileira, o
estudo A Economia das Mudanças Climáticas no Brasil reuniu pesquisadores de 11 grandes instituições
científicas em nosso país. Vão pontuados aqui alguns itens a serem focalizados, com apoio nas abordagens daquele documento.
No Brasil, a mudança do clima poderá causar redução entre 15% e 20% das áreas de florestas
e matas localizadas nos estabelecimentos agrícolas, que cederiam espaço para outros usos, dependendo do
cenário e do horizonte temporal considerados. A conversão das áreas florestais deverá ocorrer sobretudo para
o uso na pecuária, com aumento de área de pastagens entre 7% e 11%. (EMCB, cap. 3, pg. 34).
Em vista disso, recomenda-se adotar políticas de ordenamento de uso de solo para garantir o cumprimento das metas de redução de desmatamento definidas pelo governo brasileiro. O zoneamento ecológico-econômico e agrícola, no plano estadual, pode ser um instrumento poderoso para conter a conversão de
áreas de floresta nas propriedades e direcionar a produção agropecuária para áreas abandonadas ou de
Jacques Marcovitch é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de
Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo.
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pastagens degradadas, se o poder público providenciar também financiamento e assistência técnica para
tornar sua utilização rentável. (EMCB, cap. 3, pg. 34).
Perdas de espécies. Uma perda de 12% das espécies de vertebrados da região mais biodiversa do
planeta já seria um valor expressivo, mas, quando associado ao desmatamento projetado, o impacto da
mudança do clima na biodiversidade leva a um quadro catastrófico de extinção de cerca de um terço das
espécies.
Valor dos serviços dos ecossistemas. Foram utilizados os valores encontrados por Costanza et al.
(1997), entre os quais o bioma Floresta assume um valor presente médio de US$ 742 por hectare por ano.
Ajustando este valor em função da escassez relativa utilizando a curva Função ecológica que relaciona a
redução da área de um bioma com o número de espécies perdidas espécie-área, foram obtidos valores médios
atuais de US$ 591/ha/ano para a floresta amazônica.
Projeções dos biomas. Estima-se que a mudança do clima resultará em redução de 40% da
cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia, que será substituída pelo bioma savana em
2100, no cenário A2-BR.
Produtividade primária líquida. A região mais afetada é o sul-sudeste-leste da Amazônia. Os
estados do Pará e de Mato Grosso são os mais afetados negativamente.
Valor dos serviços do ecossistema. A projeção final é que o impacto da mudança do clima fique
entre US $ 14 bilhões (cenário B1) e US $ 26 bilhões (cenário A2-BR) por ano no fim deste século. É importante observar que tais impactos são medidos onde os serviços são gerados, não necessariamente consumidos.
Grande parte do valor da Amazônia está relacionada a serviços de caráter regional e global, como seu papel
na regulação do ciclo hídrico regional (com influência no cinturão agrícola do Centro-Sul do país) e no
armazenamento de carbono. (EMCB, cap. 3, pag. 36/37)
Estratégias
No Brasil, estima-se que o desmatamento na Amazônia seja responsável hoje por cerca de 60% das
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emissões nacionais, o que representa enorme potencial para atividades de mitigação. Para reduzir tais emissões, um sistema de remuneração e incentivos em parcerias com outros países está sendo negociado.
Um pagamento em quantia pelo menos igual à atual renda gerada pelo desmatamento seria recebido,
e a comunidade mundial reduziria as emissões de carbono a um custo menor. Este mecanismo, denominado REDD (redução de emissões de desmatamento e degradação de florestas), será novamente
abordado mais adiante.
A taxação de carbono, uma das alternativas em debate na negociação internacional sobre emissões,
tem como objetivo controlar a expansão ou reduzir o nível das emissões de gases do efeito estufa na economia.
Pode ser uma forma eficiente de atingir metas de redução de emissões nos processos produtivos das firmas e
no consumo das famílias.
Os setores mais prejudicados no nível de atividade por uma taxação de US$ 50/tonelada foram
aço, equipamentos de transporte, extração mineral, produtos químicos e refino. O ranking setorial pouco se
altera no caso das tarifas de US$ 10 e US$ 20. Pecuária, agricultura, alimentos e serviços foram relativamente beneficiados, seja porque são pouco intensivos no uso de combustíveis, seja pelo impacto positivo do
subsídio ao consumo das famílias. (EMCB, cap. 6, pag. 67)
Embora a taxação permita reduzir emissões de gases do efeito estufa e seja também uma política
relativamente simples de implementar, não é possível garantir que o nível de emissões se estabilize em um
patamar considerado razoável nos próximos anos. Uma trajetória de crescimento acelerado da economia
brasileira nas próximas décadas, mesmo com os impactos da crise financeira mundial a partir de 2008, requer que os níveis de emissão sejam acompanhados com atenção e que políticas de mitigação sejam ajustadas
ao longo dessa trajetória.
Cabe ressalvar novamente que não se levaram em conta as emissões decorrentes do desmatamento.
A modelagem adequada de sua relação com a atividade econômica demanda estudos mais detalhados. Os
impactos regionais das políticas de mitigação devem ser um ponto relevante na formulação de políticas e foco
relevante de pesquisa econômica no futuro. (EMCB, cap. 6, pag. 68)
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Parcerias em política climática
a) Parcerias internas
A Lei Federal de Mudanças Climáticas no Brasil e a legislação vigente em sua principal Unidade Federativa, São Paulo, consagram o princípio de indução e incentivos às empresas para a redução
do desflorestamento.
Não há, na Lei Federal, sanções fiscais ou quaisquer outras medidas punitivas. Centra-se, toda
ela, em benefícios e incentivos. Dentre aqueles que interessam mais diretamente aos agentes econômicos, destacamos o estímulo o mercado de redução de emissões, fomento às atividades sustentáveis,
linhas de crédito e financiamentos específicos e medidas tributárias (isenções e alíquotas diferenciadas)
para estimular a redução de emissões.
A Política Estadual de São Paulo para Mudanças Climáticas (PEMC) prevê 20% de redução de
emissões de CO2 equivalente até o ano de 2020, com base no inventário de 2005.
Aspectos indutores à inovação
Esfera Federal: Promoção de pesquisas e difusão de tecnologias, processos e práticas; Instrumentos econômicos, financeiros e fiscais; Cooperação internacional e regional; Utilização de programas já existentes; Preferência nas licitações e nas concorrências públicas.
Esfera Estadual Paulista: Instituição de planos e programas de estímulo à inovação e transferência tecnológica e programas de incentivo econômico a prevenção e adaptação às mudanças climáticas
e crédito à economia verde. Pagamento por serviços ambientais, que faz parte do Programa de Remanescentes Florestais (PRF).
b) Parcerias externas
O conceito de “floresta em pé” já é consensual entre o governo federal e os governos estaduais
da Amazônia. Estes governos regionais sempre defenderam a implantação do mecanismo REDD, já
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referido, com argumentos que somente em 2010 lograram sensibilizar o governo central. Os líderes da
Amazônia, em síntese, apresentam as ponderações que se seguem.
A Amazônia já tem projetos em andamento que mostram a viabilidade e os benefícios socioambientais do REDD. A inclusão do REDD no mercado de carbono não impede que sejam feitas,
também, doações governamentais dos países poluidores para os países pobres ou em desenvolvimento,
como no caso do Fundo Amazônia.
Reduzir a zero o desmatamento é bom para a Amazônia e para o Brasil por várias razões. Manteria em funcionamento a mega “bomba d´água” que alimenta com chuvas boa parte do Brasil. Isto
é bom para a produção agropecuária, a geração de energia elétrica e o abastecimento urbano de água.
Manter a floresta em pé é também essencial para a vida das populações amazônicas. Por outro lado,
se reduzíssemos a zero o desmatamento, nossa melhor ‘imagem ambiental’ favoreceria o comércio
exterior e, com isso, nossas exportações de carne, soja, etanol etc., teriam melhor acesso aos mercados
internacionais. Sairíamos da posição de 4º para o 17º lugar no ranking internacional de emissões de
gases efeito estufa.
O Brasil tem aproveitado muito pouco as oportunidades do mercado global de carbono. Dele o
Brasil participa com cerca de 3%, enquanto a China tem uma participação de 84% (dados de 2008).
O mercado de carbono deve alcançar cerca de US$ 2,1 trilhões por ano em 2020 e 14,9 trilhões em
2050.
O estudo mostrou que um preço médio de REDD na Amazônia de US$ 3 por tonelada de carbono,
aproximadamente US$ 450 por hectare, desestimularia entre 70% e 80% da criação de gado na Amazônia.
Ao preço médio de US$ 50 por tonelada de carbono, seria possível reduzir em 95% o desmatamento. O
valor presente da tonelada de carbono contida na floresta na verdade foi calculado entre US$ 0,17 a US$
0,41, se forem preservados 70% a 85% dos previstos 183 milhões de hectares a serem desmatados até 2050.
(EMCB, cap. 7, pag. 74)
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c) Cooperação Alemanha-Brasil
Vemos com otimismo a perspectiva de uma efetiva cooperação mútua entre o Brasil e a Alemanha no campo das políticas do clima, com ênfase nas questões ligadas às florestas tropicais. Além
das oportunidades criadas pela implantação do mecanismo REDD e ampliação do MDL, há um
amplo espaço para o aproveitamento, pelo Brasil, da tecnologia inovadora, voltada para a economia de
baixo carbono, que venha a ser desenvolvida neste grande centro europeu de pesquisa.
Considerações finais
Cabe reiterar que o Brasil, desde a COP realizada em Kyoto (1997), vem dando mostras de que,
em políticas para controle do clima, seus interesses se harmonizam com o ideário firmado no Protocolo
então aprovado. As estratégias do Estado brasileiro nesta matéria, salvo dificuldades eventuais não embargadoras destes propósitos, têm como diretriz uma clara posição de combate ao aquecimento global.
Neste mesmo sentido, tanto externa quanto internamente evoluem parcerias e outras iniciativas que
comprovam o nosso engajamento na batalha pela sustentabilidade.
Uma eficaz e engenhosa proposta consagrada em Kyoto foi o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), que autoriza os países desenvolvidos a computar, em parte de suas metas, redução de
emissões obtida nos projetos sustentáveis em países não inteiramente desenvolvidos. É o que se pode
chamar de solução de mercado para a questão do clima. O Brasil teve papel destacado nessa formulação. O MDL é uma proposta brasileira.
O protagonismo do Brasil nas discussões multilaterais sobre o meio ambiente, igualmente ganhou força nas Conferências das Partes em Copenhague. Ali foram anunciadas metas voluntárias e
ambiciosas do governo brasileiro para a redução do desmatamento da Amazônia, que responde por
mais de 60% das nossas emissões de gases de efeito estufa. Estas metas vêm se cumprindo à risca
desde então e os nossos compromissos nesta área demandarão, até 2020, investimentos da ordem de
R$120 bilhões. No final de 2010, com a credibilidade ganha pelo fiel cumprimento das metas, o Brasil
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contribuiu decisivamente para a declaração final da COP-16. Esta declaração trouxe, como vimos, a
fixação de regras para a implementação do mecanismo REDD.
Se há uma política pública inviável sem parceria efetiva entre governo e sociedade civil, esta é
a que se refere às mudanças climáticas. Nenhum governo central poderá implementar sozinho, internamente, uma correta estratégia nesta linha, caso dispense o engajamento de governos estaduais ou
municipais, das empresas, das organizações não-governamentais. E, no plano externo, sem o crivo
das outras nações em consensos definidos nos fóruns multilaterais. A natureza global dos fenômenos
climáticos e suas formas de controle sugerem um intenso diálogo, também global, como fator determinante e indispensável.
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Referências Bibliográficas
- A Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e a Legislação Brasileira, trabalho final da disciplina
Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, do programa de Pós-Graduação em Administração
da FEA/USP, oferecida em 2010.
- Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades, editado por Sergio Margulis e
Carolina Burle Schmidt Dubeux; coordenação geral Jacques Marcovitch. São Paulo: IBEP Gráfica,
2010. 82 p.
- MARCOVITCH, Jacques. Para Mudar o Futuro: Mudanças Climáticas, Políticas Públicas e Estratégias Empresariais. São Paulo, Edusp/Saraiva, 2006, 368 p.
- A Gestão da Amazônia: Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas. São Paulo, Edusp,
2011, 312p.
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Energia Brasileira:
estratégias e parcerias
Mariana Carpes1
Comentário
O Brasil possui grande potencial energético, quer do ponto de vista das matérias primas disponíveis – petróleo, urânio, cana-de-açúcar, água- quer do ponto de vista tecnológico, o que confere ao
país um papel de destaque nos cenários regional e internacional, bem como permite maior autonomia
para o desenvolvimento econômico nacional.
Do ponto de vista estratégico, a discussão energética convida a uma análise multifacetada da
política externa brasileira na medida em que pode ser considerada como ponte/instrumento na promoção de outras áreas, tais como aquelas abordadas nesse workshop. É, pois, considerando a política
energética em sua interface com outras áreas que tecerei alguns breves comentários destacando o potencial do petróleo e do urânio.
Uma das mais recentes descobertas brasileiras na área de energia, as reservas do pré-sal, está
para redefinir o papel internacional do país no setor. Durante o governo Lula, o Brasil vivenciou duas
importantes conquistas na área energética relacionadas ao petróleo; a auto-suficiência e a descoberta
das reservas do pré-sal que abriu ao país a possibilidade de participar do mercado de exportação do
produto. Em si essa última novidade já poderia ser considerada de grande vantagem para o comércio
exterior do país, mas apresenta algumas características que a tornam ainda mais estratégica.
A primeira diz respeito ao aumento progressivo da demanda internacional por energia, amplamente impulsionada pelo crescimento chinês, mas também pelo de outros países emergentes, o que assegura mercado para o produto brasileiro. Relacionado a isso, a segunda característica é a estabilidade
1
Doutoranda no GIGA - German Institut of Global and Area Studies em Hamburgo
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Mariana
Carpes
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regional sul-americana, comparativamente vantajosa em relação a instabilidade do Oriente Médio que
torna o preço do barril de petróleo constantemente susceptível a variações que são antes de ordem
política do que de mercado. A terceira característica é a estabilidade política brasileira e a confiabilidade adquirida pelo país como parceiro comercial frente a um perfil ideológico e instável de Bolívia e
Venezuela. E, finalmente, mas não menos relevante a própria imagem consolidada pela Petrobrás como
empresa com autonomia de decisão, capacidade de gestão de negócios e alto investimento tecnológico
na área de prospecção contam a favor do Brasil numa parceria comercial de petróleo. Além disso, as
novas descobertas trazem fôlego à indústria nacional, sobretudo a naval, aumentando a oferta de empregos diretos e indiretos no país, uma demanda doméstica constante.
Além do pré-sal, o programa nuclear brasileiro também apresenta potencialidade para a área
comercial que diz respeito ao possível ingresso do país no restrito mercado internacional de urânio enriquecido. Com apenas parte do território nacional prospectado (30%), o Brasil é dono da sexta maior
reserva de urânio do mundo, possui tecnologia para o seu enriquecimento e o domínio do ciclo do
combustível. Por essas razões, a revisão do programa nuclear brasileiro incluiu como cenário possível à
participação internacional do Brasil no setor, trabalhando com a hipótese de oferecer serviços no setor,
em etapas do ciclo de enriquecimento.
Essa fonte de energia, que responde por menos de 3% da matriz nacional, possui interfaces
relevantes para as estratégias brasileiras relacionadas às políticas climáticas e de defesa. Ainda que seja
uma parcela muito reduzida da matriz energética brasileira, contribui para a produção de energia mais
limpa do ponto de vista da emissão de gases do efeito estufa, o que se adequa as demandas internacionais para o controle do aquecimento global. Paralelamente, desempenha papel importante na indústria
de defesa na construção do submarino a propulsão nuclear, considerado importante instrumento para
o monitoramento da costa brasileira e arma de dissuasão.
A matéria nuclear também cumpre papel importante nas parcerias estratégicas internacionais
e regionais do país com destaque para o acordo entre Brasil e Franca em defesa e aos recentes docu34
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mentos assinados com a já parceira Argentina para o aprofundamento da cooperação no setor. Uma
das ambições presentes nessa parceira é a possibilidade futura de enriquecimento conjunto de urânio
visando o mercado energético regional, além da construção de dois reatores de pesquisa. Cabe ainda
mencionar os projetos relacionados ao Acordo Regional de Cooperação para a Promoção da Ciência e
da Tecnologia Nuclear na América Latina e Caribe (ARCAL) no qual o Brasil desempenha relevante
papel na difusão de conhecimento cujas aplicações na área civil incluem indústria, medicina e agricultura.
Finalmente vale mencionar as demais fontes alternativas para a geração de energia como o
etanol, a solar, a eólica, por exemplo, que abrem um horizonte de cooperações internacionais estimulando a pesquisa científica e o desenvolvimento nacional de novas tecnologias. Ainda, projetam o país
em alguns dos principais debates da governança global contemporânea, tais como o desenvolvimento
sustentável, a preservação ambiental e mudança climática, aspecto que agrega valor simbólico a um
país cuja trajetória internacional esteve tradicionalmente orientada pela busca de prestígio e pelo reconhecimento da grandeza nacional e que se coaduna hoje com uma política externa que busca aprofundar
um papel responsável do Brasil em relação aos mecanismos de governança regional.
Pergunta:
Considerando juntamente o cenário regional que indiscutivelmente desempenha um papel central na agenda brasileira de política externa, como o senhor vê as possibilidades/potencialidades de
cooperação energética entre Brasil e demais países sul-americanos em fontes renováveis. E como isso
pode refletir positivamente sobre a imagem internacional do Brasil?
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Estratégias e parcerias brasileiras na ordem
global em transformação
Miriam Gomes Saraiva1
Continuidade e descontinuidade na política externa brasileira
Em termos gerais, a política externa brasileira é identificada pela continuidade. Como pano
de fundo para esta perspectiva, pode ser identificado, por um lado, um discurso político que defende
a continuidade e, por outro, algumas crenças que orientam sua evolução há muitos anos: a autonomia, a ação universalista e a ideia de que o país virá a ocupar um lugar de mais destaque na política
internacional.2 Estas crenças podem ser identificadas com uma corporação diplomática estruturada; a
forte concentração do processo de formulação da política externa com a presença histórica do Itamaraty enquanto burocracia especializada contribuiu para um comportamento mais estável pautado em
princípios de longo prazo.
Mas a perspectiva de continuidade convive com descontinuidades. As opções podem orientar-se
para estratégias de caráter mais multipolar ou de buscar ganhos relativos no cenário internacional; para
preferência por uma atuação mais autônoma ou por liderar iniciativas de países do Sul; ou para um
comportamento do país como skateholder ou como revisionista soft.3 O conceito de autonomia assumiu
diferentes abordagens no decorrer dos últimos anos.4 Nestes casos, as alternativas foram definidas a
partir do contexto internacional, da estratégia de desenvolvimento nacional e de determinados cálculos
dos formuladores de política externa que variaram de acordo com a visão política e a percepção destes
formuladores do que seriam os interesses nacionais e da conjuntura internacional. Estas alternativas
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais/Universidade do Estado do Rio de Janeiro
A ideia da continuidade é adotada pelo diplomacia brasileira como um dado, entendendo os ganhos políticos que esta
crença pode trazer.
3
Maria Regina Soares de Lima, expondo sobre “As bases conceituais da Política Externa Brasileira” no Seminário Iniciativa México Brasil, LACC/FIU, Miami, 13 de maio de 2010 .
4
Autonomia vis a vis o exterior, autonomia pela participação, autonomia pela integração, autonomia pela diversidade.
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têm influência sobre a escolha dos parceiros externos por parte da diplomacia brasileira.
Nos marcos do Itamaraty, encontram-se basicamente duas correntes de pensamento com percepções diferentes sobre estratégias e parcerias externas. Os institucionalistas pragmáticos, predominante durante o governo de F.H.Cardoso, caracterizam-se por ter preferência por um processo de
abertura econômica condicionada e por dar maior importância ao apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência. Esta postura identifica a regulamentação das relações internacionais como um
cenário favorável ao desenvolvimento econômico brasileiro. Defende também uma estratégia de uma
inserção internacional do país a partir de uma nova visão do conceito de autonomia, aonde os valores
globais devem ser defendidos por todos. Neste caso, a autonomia comportaria um país integrado à
ordem internacional que empreenderia suas iniciativas frente a diferentes temas nos marcos das instituições internacionais e suas parcerias se orientariam para os países defensores desta ordem.
A ascensão do governo de Lula, por outro lado, reforçou a atuação da corrente autonomista; o
grupo consolidou-se como principal formulador da política externa brasileira desde então. Seu traço
mais marcante é a defesa de uma projeção mais autônoma e proativa do Brasil na política internacional a partir de um multilateralismo de caráter defensivo. Dentro desta perspectiva eles defendem
uma reforma da dinâmica das instituições internacionais no sentido de criar espaços de atuação para
o país. Nos marcos de um comportamento baseado no revisionismo soft da ordem internacional, os
autonomistas têm preocupações de caráter político-estratégico, no que se refere ao embate Norte/Sul,
e buscam estabelecer parcerias com outros países considerados emergentes que teriam características
comuns com o Brasil. A construção da liderança regional e a ascensão para a posição de potência global
são seus objetivos principais. Em grande medida, são tributários do desenvolvimentismo no campo
econômico e buscam uma estratégia de inserção econômica internacional orientada para o intercâmbio tecnológico e na expansão das empresas brasileiras principalmente em países da América do Sul e
África.
A ascensão de Lula trouxe porém uma variante no processo de formulação da política externa.
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Trouxe para o bojo do processo uma nova corrente de pensamento na área de política externa, com
poucos vínculos históricos com a diplomacia, mas que, durante o governo de Lula estabeleceu um
diálogo importante com o Itamaraty e exerceu alguma influência em decisões de política externa. Sua
origem está em acadêmicos e lideranças políticas, sobretudo do PT. O Programa de Governo do PT
para o mandato de 2003-2006 apontava um projeto de política externa orientado para a integração
regional com base em uma identidade sul americana como elemento capaz de impulsionar o desenvolvimento, e destacava contribuição do país para a diminuição das tensões internacionais e para a
construção de um mundo mais equilibrado.
A articulação entre os autonomistas, do Itamaraty e este grupo vinculado ao PT foi possibilitada pelo interesse de Lula no campo de política externa e por sua ativa diplomacia presidencial. Esta
composição trouxe uma descontinuidade na visão de mundo e nas estratégicas adotadas pela diplomacia brasileira, levando o país a um movimento de fortalecimento de sua presença internacional no
papel de global player.
Governo Lula: a ascensão do Brasil na política internacional
O discurso de posse de Lula da Silva destaca a ideia de mudança, mas as novidades em política
externa não se colocam a partir de uma ruptura e vão sendo sentidas aos poucos no decorrer dos dois
mandatos. Embora haja havido continuidade nas crenças e na utilização da política externa como
instrumento para conseguir insumos para o desenvolvimento, os autonomistas trouxeram uma descontinuidade na visão de mundo, nas estratégicas adotadas e alternativas de parcerias. Em termos
econômicos, o governo do presidente Lula teve início sem mudar a estratégia de abertura condicionada
assumida pelo governo anterior, mas foi re-introduzindo elementos próprios ao desenvolvimentismo,
como as iniciativas para o reforço da infraestrutura e um projeto de fortalecimento da industrialização
com perspectivas de avanços tecnológicos em algumas áreas. Externamente empreendeu uma política
forte de busca de mercados para as exportações do país, assim como de acordos de cooperação tec38
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nológica de diferentes tipos.
Na esfera da política internacional, o cenário de 2003 é favorável a mudanças. O ataque de 11
de Setembro abriu novas perspectivas de fragmentação da ordem com espaços para a modificação do
peso de seus atores no processo de conformação das regras do jogo. Em termos de América do Sul,
nos anos 2000 o liberalismo vem mostrando suas limitações na região e novos governos de caráter
anti-liberais foram eleitos reforçando as tendências à mudança. A crise financeira de 2008 abateu, sobretudo sobre as economias centrais abrindo espaços para maior destaque no campo econômico para
os chamados BRICs, que não foram afetados na mesma medida pela crise.
A ascensão da corrente autonomista diminuiu a convicção nos regimes internacionais, que foi
substituída por um comportamento ativo com vistas a modificá-los em favor dos países do Sul ou em
benefício próprio. A liderança regional e a ascensão como potência de corte globalista através de uma
reorganização das instituições internacionais a partir de padrões mais inclusivos foram objetivos claros.
Com vistas a implementar este projeto, a diplomacia brasileira atuou em diversos campos e
com diferentes tipos de parcerias. No campo econômico, adotou uma estratégica proativa nos foros
internacionais. Manteve com os Estados Unidos e países europeus diferenças em relação às normas do
comércio internacional, e mais particularmente com os Estados Unidos no que diz respeito aos processos de integração nas Américas. Na esfera regional, obstaculizou as negociações para a formação da
ALCA e, nos marcos do bi regionalismo Mercosul-UE, manteve suas exigências nas negociações do
acordo de associação entre os dois blocos. Por um lado, a participação mais autônoma do Brasil criou
novas áreas de atrito com os Estados Unidos, mas que foram tratadas com baixo perfil. Por outro lado,
as negociações com a Europa dividiram-se entre negociações comerciais difíceis com a União Europeia
representada pela Comissão (identificada pela diplomacia brasileira como ator complexo e de pouca
mobilidade em função de seu baixo winset nas negociações externas), e negociações bilaterais com
alguns Estados europeus concentradas mais em investimentos e compra de tecnologia. O crescimento
e a estabilidade econômica do país contribuíram para que fosse reconhecido como interlocutor pelos
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países do Norte.
Na dimensão multilateral, o governo de Lula assumiu uma atuação forte na OMC, através de
ação conjunta com outros países em desenvolvimento. O primeiro G-20, formado por países do Sul,
tornou-se um instrumento importante na estratégia brasileira. Conseguiu vincular o desfecho da Rodada de Doha às negociações agrícolas. O Fórum IBSA (Índia, Brasil e África do Sul) foi criado, com
vistas a debater questões relacionadas à ordem internacional, às Nações Unidas e à tecnologia – estes
países foram identificados como principais parceiros de eventual reformulação da ordem internacional.
Mais recentemente, o Itamaraty buscou aproveitar todos os espaços abertos pela classificação do Brasil
como parte dos BRICs aonde, além dos temas tratados no Fórum IBSA, esforços para se ordenar os
fluxos de capitais também foram implementados. Neste processo, a China consolidou sua posição de
destacado parceiro comercial brasileiro. Nos dois casos, caminham juntas as aspirações revisionistas
tanto políticas quanto econômicas, aonde outros países emergentes são vistos como “iguais” e, portanto, como potencialmente os principais parceiros da estratégia brasileira.
O ativismo no sentido de maior presença internacional cresceu de forma significativa com a
participação proativa do Brasil em foros multilaterais como o convite reiterado para participar junto
com outros países emergentes de reuniões do G-7 + Rússia, e no exemplo do novo Grupo dos 20, formado com vistas a combater a crise financeira internacional.
Em termos políticos, a maior meta da diplomacia brasileira foi a reforma das Nações Unidas
e, no seu bojo, a aceitação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança. A estratégia adotada neste campo foi à aproximação com o maior número possível de países que tivessem o
mesmo objetivo, como no caso da Índia, África do Sul, Alemanha e Japão. Outra estratégica de buscar
apoio dentre os membros permanentes atuais também foi implementada. O insucesso deste projeto
incentivou a diplomacia brasileira a atuar em diferentes fóruns multilaterais como as negociações sobre
a mudança do clima (através do BASIC) e a questão energética. Lula muniu-se de forte diplomacia
presidencial para projetar a imagem do Brasil em outros cenários, como o Oriente Médio.
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Em uma estratégia de revisionismo das instituições a partir da visão autonomista, os apoios
necessários foram diversos. Obama não tem política para América Latina, o que aumentou as oportunidades para uma política brasileira autônoma na região. A diplomacia brasileira incrementou a
aproximação com países europeus nos marcos do projeto brasileiro de global player, onde uma aliança
com os Estados Unidos (identificado como gestor da ordem atual) não se colocava. A Europa é identificada como um aliado importante em uma revisão da ordem internacional, embora com interesses
muito mais divergentes que no caso dos parceiros emergentes. Desde a visão europeia, o Brasil poderia
contribuir para a estabilidade na América do Sul. Este movimento foi coroado com a assinatura da
parceria estratégica UE-Brasil.
Foi clara a importância dada aos parceiros menores e os esforços de incluí-los em uma estratégia mais global. Através da cooperação sul-sul, o governo brasileiro reforçou seus laços bilaterais com
países sul americanos e africanos. Se com parceiros emergentes de outros continentes foram incrementados o intercâmbio tecnológico e as ações conjuntas nos foros multilaterais, em relação a parceiros da
região e países africanos a prioridade foi dada à cooperação técnica e financeira e à “não-indiferença”.
Estes países foram receptores de empresas brasileiras das áreas de empreendimentos e petróleo. Houve
um reforço importante da presença brasileira na África, assim como foram criados mecanismos de
contato como as cúpulas América do Sul-África e América do Sul-Oriente Médio. Destes parceiros, a
diplomacia brasileira espera o apoio a suas iniciativas internacionais.
Em relação à América do Sul vem à tona o debate sobre o binômio liderança regional/projeção
global. Trata-se de duas estratégias complementares, mas que podem existir de forma independente. A
construção da liderança brasileira na América do Sul vem sendo marcada pelo segundo tipo de cooperação, dentro dos padrões de soft power. O governo brasileiro busca articular processo de cooperação/
integração regional de baixa institucionalidade com o bilateralismo, e a Unasul é um mecanismo que
atende a objetivo. É um canal através do qual a diplomacia brasileira atua para construir posições
comuns com os países vizinhos frente a situações de crise, buscando sempre ocupar o papel principal
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em seu interior. Progressivamente, o governo brasileiro vem também aceitando a perspectiva do país
exercer o papel de paymaster na região, bancando alguns dos custos de um processo de integração. A
cooperação ao desenvolvimento em alguns setores começa a ser implementada com países vizinhos
através do financiamento de obras de infraestrutura e da cooperação técnica e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social passou a dar financiamentos para obras de infraestrutura em
outros países sul americanos, conduzidas por empresas brasileiras.
Nos marcos do projeto de revisão da ordem internacional, a integração brasileira com a região
vem sendo identificada com o caminho para melhor inserção internacional, que possibilitaria a realização do potencial brasileiro de formação de um bloco capaz de exercer maior influência internacional.
O Mercosul, por fim, deixou de ter um papel importante em uma estratégia mais global. Pode
ser visto dentro da perspectiva sul americana. O fortalecimento da economia brasileira e a projeção
do país no cenário internacional trouxeram para a diplomacia brasileira novas áreas de atuação que
não foram acompanhadas pela Argentina. A diplomacia brasileira vem atuando em diferentes fóruns
multilaterais sem nenhuma articulação com o país vizinho. No entanto, o processo de integração com
os vizinhos ao sul segue sendo uma política de estado. Além do Parlamento do Mercosul, a cooperação
entre diferentes ministérios (educação, cultura energia, trabalho) vem crescendo. E, sobretudo, manter
a Argentina dentro de laços de cooperação é importante para o projeto brasileiro; o renascimento de
uma rivalidade entre os países seria corrosivo para a liderança brasileira na região, e dificultaria também a projeção global.
Novas expectativas com o governo de Dilma Rousseff
O cenário atual é de defesa da continuidade nos discursos diplomáticos. Em seus dois primeiros meses, o governo de Dilma Rousseff parece significar a manutenção dos padrões atuais da política
externa. Os autonomistas mantiveram sua predominância dentro do Itamaraty. A trajetória reformista frente às instituições internacionais vem sendo mantida. Mas sua trajetória já começou a mostrar
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inflexões no que diz respeito ao processo de formulação de política externa que já apresentaram impactos nas relações com os Estados Unidos e na questão do respeito aos direitos humanos. Vigevani e
Cepaluni defendem a existência, em termos teóricos, de modificações na política externa em nível de
“mudança de tonalidade e de ênfase (ajustes)”, que não chegam necessariamente a alterar a forma de
inserção internacional do país.5 Neste caso, embora haja continuidade na utilização da política externa
como instrumento para conseguir insumos para o desenvolvimento, assim como na visão de mundo e
na estratégia de inserção externa revisionista seguida durante o governo de Lula, já podem ser identificados ajustes de ênfase e de estilo.
A diplomacia presidencial, ao que tudo indica, será reduzida, assim como o papel da presidência
como elemento equilibrador de diferentes visões de política externa. A tendência é o Itamaraty recuperar a centralidade em detrimento do grupo identificado aqui como vinculado ao PT. No interior da
corrente autonomista, por seu turno, os grupos que ascenderam a cargos decisórios têm menos resistência a uma identificação com o Ocidente o e dão preferência a um comportamento mais pragmático
frente a temas polêmicos que marcam a política internacional.
Na medida em que a nova presidente for se assentando, pode trazer novidades no campo de
política externa.
Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação.
Contexto Internacional vol 29 n.2., jul.dez./2007, p.293-335.
5
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Brasil e Segurança Internacional
Monica Herz1
Introdução
Este breve texto apresentará a interpretação das elites governantes no Brasil sobre a inserção
do país na esfera da segurança internacional salientando a definição de ameaças e a visão dos limites e
possibilidades do país diante dos mecanismos de governança nesta dimensão.
Depois do fim da ditadura no Brasil os governos eleitos buscaram uma estratégia de inserção
que incluiu a aceitação dos regimes internacionais, a participação em operações de paz da ONU e
um maior envolvimento em negociações comerciais multilaterais, além de uma ênfase na estabilidade
regional em substituição à competição existente no cone sul durante o período anterior. Observamos
elementos de continuidade que, contudo não devem impedir que captemos as significativas diferenças
entre os dois mais longos governos do período democrático: aquele presidido por Fernando Henrique
Cardoso e aquele presidido por Luís Inácio Lula da Silva.
A tradição realista, segundo a qual as normas internacionais são criadas na medida em que expressam os interesses dos Estados mais poderosos no sistema internacional e a ordem neste sistema somente pode ser produzida quando existe congruência entre a estrutura das instituições internacionais e
a distribuição de poder tem sido um dos pilares da perspectiva brasileira sobre o sistema internacional.
Os pressupostos realistas funcionam para compreensão do sistema internacional e como lente para
alocação do país na hierarquia de poder regional ou global. Assim na condição de uma potencia média
com capacidades potenciais, mas ainda não realizadas, a política externa aceita as normas geradas no
centro do sistema e ao mesmo tempo busca os meios para garantir uma participação maior em fóruns
globais.
1
Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio
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Por outro lado, a ênfase nas instituições internacionais permite ao país aumentar sua influencia
na arena internacional e proteger suas prerrogativas soberanas. Princípios universalistas e legalistas
e a lógica da reciprocidade são vistos como cruciais para garantir maior autonomia para um ator na
situação brasileira. Essa postura foi adotada em áreas diversas como negociações comerciais na Organização Internacional do Comércio, regimes ambientais e de direitos humanos e mecanismos de controle
de armas e desarmamento. O Brasil hoje respeita quase todas as normas formais e informais, tratados
e regras que governam, em embora de forma limitada, as relações internacionais. Ao mesmo tempo, os
governos nacionais têm buscado maior participação em fóruns globais, sendo um acento permanente
no Conselho de Segurança da ONU considerado uma prioridade. Mesmo na esfera regional, onde o
país tem uma posição hegemônica, a presença dos Estados Unidos ressalta a importância das instituições de caráter universal.
Ao mesmo tempo, o tamanho do país, sua população, nível de industrialização, participação
no comércio global geram a expectativa de que o Brasil deveria ter um papel mais central nas relações
internacionais, percebendo-se assim uma dissonância entre o potencial do país e seu poder real. O
interesse em construir alianças estratégicas diversificadas e de participar de diferentes grupos de negociação é expressão dessa percepção.
O governo Lula especificamente buscou uma política externa mais assertiva investindo de forma clara em relações diversificadas e alianças estratégicas com países já estabelecidos, como potências
importantes como a França ou potências emergentes como a Índia. A formação do G20 em Cancun
em 2003 e as parcerias com a África do Sul e a Índia através do fórum de diálogo IBSA, com os países
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), o investimento em relações bilaterais com países
da África, Ásia e Oriente Médio são expressões dessa tendência. A influência realista e a ênfase no multilateralismo foram mantidas, mas um descontentamento muito mais significativo como o papel do
país no cenário internacional pode ser observado. Essa postura teve claras repercussões para a política
de segurança em foco aqui. Consequentemente gastos militares aumentaram e o tema tem sido debati45
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do no país de forma mais intensa. Em média os gastos militares durante os anos 1990 representaram
1,3% do PIB, mas em 2008-2009 chegaram a 1,5 % do PIB e em 2010-11 chegarão a 3,02 % do PIB.
Um esforço modesto de modernização das forças armadas pode assim ser observado (Military Balance
2011 p.392). As forças armadas são ainda de pequeno porte, considerando o tamanho do país, mas a
América Latina é a região do planeta com nível de conflito mais baixo, e, mesmo durante o período de
ditadura militar os orçamentos eram bastante restritos, sendo o investimento em planos de industrialização privilegiados. Contudo essa situação tende a se modificar e a Estratégia Nacional de Defesa de
2008 projeta um plano de 20 anos de reconstrução da capacidade militar.
Devemos lembrar que as relações internacionais do Brasil foram marcadas pela tradição de
resolução pacífica de conflitos, com apreço pela capacidade diplomática da elite governante. A Guerra
do Paraguai foi a última disputa militarizada territorial no qual o país se envolveu e as fronteiras foram
de uma forma geral negociadas pelo Barão do Rio Branco ainda no século XIX. A ausência de rivalidades religiosas ou étnicas ou a persistência de separatismos regionais após o período de pacificação da
regência também devem ser ressaltadas.
A internacionalização da segurança nas últimas décadas e a ampliação do conceito de segurança
modificaram essa situação. As fronteiras entre o nacional e o internacional, entre questões de segurança
e questões sociais, políticas e econômicas estão mais fluidas e os objetos de referencia para o debate
sobre segurança são diversos, não mais se restringindo ao Estado.
Neste texto eu gostaria de salientar quatro características da política de segurança internacional que podem ser observadas nos últimos oito anos e que deverão ser consideradas no processo de
reconstrução da capacidade militar do país: 1- A redefinição das ameaças que passam a se concentrar
na região amazônica e no Atlântico Sul 2- A crítica ao Regime de Não Proliferação Nuclear; 3- A participação em operações de paz e 4- A liderança na América do Sul.
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Definindo ameaças
A definição de ameaças é afetada pelo legado histórico mencionado anteriormente de definição
pacífica de fronteiras, pela preocupação com partes do país onde a presença do Estado é frágil e com o
acesso aos recursos naturais, em particular aqueles vinculados ao setor energético, além da redefinição
do conceito de segurança como mencionado acima.
Durante muito tempo a elite governante brasileira considerou a Argentina a maior fonte de
ameaça externa, contudo a vasta região amazônica, que consiste de 61% do território nacional, e suas
fronteiras porosas, tornaram-se a maior preocupação durante o século XX e desde os anos 1980 o foco
na região tem crescido sistematicamente, tendo as forças armadas sido transferidas de acordo com essa
lógica. A região tem ainda uma infra-estrutura pouco desenvolvida, as relações entre o poder local e o
sistema federativo não foram ainda bem resolvidas e as características da natureza da região dificultam
o acesso, sendo assim ainda um problema o exercício da soberania do Estado. Diversas ameaças, como
o desrespeito às fronteiras, atividades econômicas ilegais, tráfego de drogas, ou mesmo a presença de
organizações não governamentais internacionais são consideradas parte de um conjunto de ameaças.
Atividades ilegais incluem a exploração de minas e madeiras, o desrespeito às regras de proteção da floresta e contrabando. A conexão entre a violência urbana e as atividades de atores transnacionais torna
o tema foco de debate público intenso.
O Sistema de Proteção da Amazônia e o Sistema de Vigilância da Amazônia foram criados pelo
governo federal para lidar com essas ameaças. Os projetos visam produzir informação, particularmente
sobre biodiversidade e atividades ilegais, gerar ação estratégica e integrada do governo, estimular o
desenvolvimento e garantir o exercício da soberania. O movimento no sentido de aumentar o grau de
integração dos países amazônicos também pode ser compreendido neste contexto. A estrada Manaus
Boa Vista-Caracas e o gasoduto Brasil-Bolívia são exemplos desta política.
O controle do Atlântico Sul, frequentemente referido como Amazônia Azul, é outro objetivo
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central da política de segurança brasileira. A proteção dos recursos naturais (petróleo e gás) na região
é um foco central desta política. A influência na África, particularmente de língua portuguesa, é parte
deste cenário (Flemes; Radseck,2009). O envolvimento de países do Atlântico Norte na região é visto
como uma ameaça, buscando-se a definição de uma zona de influência internacionalmente aceita.
A administração de Fernando H. Cardoso introduziu a ameaça terrorista ao discurso oficial sobre ameaças à segurança nacional, embora de forma periférica. O terrorismo foi definido como crime e
a legislação domestica estabelece que operações financeiras possam perder prerrogativas de informação
restrita caso o crime seja detectado. O Brasil coopera com os Estados Unidos e os países da União Europeia nesta esfera e ratificou nove dentre as 12 convenções sobre o tema. O aparato estatal está ativamente envolvido no Grupo Permanente de Trabalho do Mercosul sobre Terrorismo (com a Argentina,
o Chile, o Paraguai, e a Bolívia) e com o subgrupo sobre questões financeiras ligadas ao terrorismo.
Operações financeiras são monitoradas e uma unidade de inteligência (COAF) foi criada. A chamada
área de tríplice fronteira, uma região definida como local associado ao terrorismo pelo governo norte
americano tem merecido atenção das autoridades nacionais, embora o governo não admita a presença
destas atividades na região. Ademais a definição de terrorismo como atividade não gera uma lista de
organizações categorizadas como terroristas.
Essas definições de ameaça pelo Estado permitiram às forças armadas encontrar um novo papel
no contexto pós Guerra Fria. A democratização do país e o fim da rivalidade com a Argentina gerou
um debate sobre o papel das forças armadas e o desenho das ameaças as quais estas devem estar aptas
a responder. A crescente percepção de ameaça emanando da Amazônia e do Atlântico Sul, a forte
identidade corporativa das forças armadas, a efetividade do discurso de defesa da soberania nacional
no país e o novo papel das operações de paz no cenário internacional permitiram um lento movimento
de definição de uma política de segurança. Os militares brasileiros têm se envolvido em programas de
ação civil, de educação, de saúde e na construção de estradas, em acordo com uma definição ampliada
de segurança, buscando-se conectar a lógica do desenvolvimento e da segurança.
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Operações de paz
O novo papel das operações de paz no pós Guerra Fria colocou esta prática no centro do debate
sobre a ONU e o sistema de segurança coletivo que esta suporta. Militares brasileiros tem participado de operações de paz desde sua gênese nos anos 1950. O apoio ao sistema de segurança coletivo
é expresso na participação em operações de paz que tendem a ser tratadas na atualidade como uma
das atividades prioritárias das forças armadas (Kenkel 2010). Observa-se no período a diversificação e
aumento da participação brasileira. Operações militares conjuntas que recriam operações de paz têm
sido realizadas na América Latina, e tropas, pessoal médico, policiais, especialistas em eleições têm
sido enviados para a África, América Central, Europa e Ásia.
Mudanças de doutrina têm sido implementadas, possibilitando a adaptação a esse envolvimento. A Política Nacional de Defesa de 2008 enfatiza a relevância da participação brasileira em processos de decisão internacionais e sua colaboração para garantir a paz e a segurança internacionais. O
documento faz referencia à contribuição ativa do Brasil para a construção de uma ordem internacional
baseada na lei e que promove a paz regional e universal, além do desenvolvimento sustentável. Assim,
embora a crença de que o principal papel das forças armadas está em sua capacidade dissuasiva para
manutenção da soberania e integridade territorial, operações de paz adquiriram um lugar fundamental
no processo de redefinição dos objetivos e identidade das forças armadas. Ao mesmo tempo, desde o
final da Guerra Fria, a mudança do escopo e natureza das operações de paz tem gerado preocupação no
país, particularmente quando as resoluções que definem seus mandados são baseadas no capítulo VII
da Carta da ONU. No entanto, o movimento de ampliação das atividades e funções das operações tem
sido recebido positivamente pela elite governante brasileira, e, assim sendo, atividades de construção
de nações são normalmente apoiadas.
A participação brasileira nas operações no Timor Leste e Haiti marcam uma descontinuidade
na política adotada, já que duas das operações no Timor Leste (INTERFET 1999 e UNMISET
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2002) e a operação no Haiti são baseadas no capítulo VII da Carta da ONU. Neste último caso a
liderança da operação cabe ao Brasil, permitindo ao país exercitar seu papel de liderança regional e
administrador da segurança internacional (Cavalcante 2010). No momento o Brasil está envolvido
em nove operações (MINURSO; MINUSTAH; UNFICYP; UNMIL;UNMIN; UNMIS; UNMIT;
UNOCI,UNIFIL) (tropas enviadas: Nepal- 6, Timor Leste - 4, Haiti - 2188, Saara Ocidental- 11,
Costa do Marfim - 4, Libéria - 20, Líbano - 9 ). A participação em atividades de treinamento em 2010
inclui a UNITAS ATLANTIC na Argentina, que ocorreu em maio, Parceria das Américas, que ocorreu
no Peru em julho, PANAMAX 2010, que ocorreu no Panamá em agosto e ATLASUR, que ocorreu na
Argentina em novembro.
Crítica ao regime de não proliferação de armas nucleares
O conceito de não proliferação se tornou bastante relevante no período pós Guerra Fria para
os países mais poderosos do sistema internacional. O desmantelamento da União Soviética, o renascimento nuclear, a preocupação com a segurança de instalações nucleares nos países menos desenvolvidos, a associação entre terrorismo e armas de destruição em massa transferiram o regime de não
proliferação nuclear para o centro do debate sobre segurança internacional. A existência de um regime
gerado durante a Guerra Fria levou atores poderosos a concentrarem seus esforços no fortalecimento
do mesmo. Contudo, a legitimidade do regime é frágil, tendo em vista a ausência de um movimento
em direção a desnuclearização, a natureza discriminatória das normas estabelecidas e o temor de que
estas possam ser utilizadas para limitar o acesso a tecnologias de uso dual.
O regime foi aceito pelo Brasil nos anos 1990, mas a natureza temporária do status quo atual é
constantemente reiterada. A constituição de 1988 permite atividades nucleares apenas para fins pacíficos e quando aprovadas pelo Congresso Nacional. Em 1991, Brasil, Argentina, a Agencia Atômica
Internacional e a ABBAC (Agencia Argentino-Brasileiro de Contabilidade e Controle de Materiais
Nucleares) assinaram um acordo que sinalizou o fim da competição nuclear entre os dois países latino
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americanos. A decisão de se tornar membro pleno do Tratado de Tlatelolco (Tratado de Proibição de
Armas Nucleares na América Latina e no Caribe) foi tomada em 1994, em 1995 o Congresso aprovou
a legislação sobre exportação de materiais nucleares que permitiu ao país tornar-se membro do Grupo
de Supridores Nucleares e finalmente em setembro de 1998 o TNP foi assinado.
Essa perspectiva se adaptava bem aos planos de crescimento no campo nuclear. O renascimento
nuclear gera possibilidades lucrativas para um país com grandes reservas de uranio como o Brasil. Dois
reatores nucleares geram hoje 3% da eletricidade no país, um terceiro reator está em construção e outros estão planejados de acordo com uma estratégia de manutenção da diversidade da matriz energética
do país. A partir da mesma lógica em setembro de 2008, Brasil e Argentina assinaram um acordo para
a criação do Comitê Binacional de Energia Nuclear, visando o desenvolvimento do enriquecimento
de urânio, a produção de suprimentos médicos radiológicos, o desenvolvimento de novas aplicações
para agricultura e a construção de reatores nucleares (Patti 2003). O documento de 2008, citado anteriormente, que menciona o submarino nuclear, a completa nacionalização do ciclo de produção de
combustível nuclear, a necessidade de mapear, explorar e utilizar as reservas de uranio e desenvolver a
tecnologia de reatores expressa a relevância do tema no país.
A natureza discriminatória do Regime de Não Proliferação Nuclear e a necessidade de realizar
movimentos em direção ao desarmamento é um tema que tem sido discutido por diversos setores
da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. Contudo, o tema teve maior ressonância no
contexto do governo Lula. O incidente relativo às inspeções da Agencia Atômica Internacional em
Resende,2 as observações de membros do governo como o então Ministro da Ciência e Tecnologia
Roberto Amaral3 , do vice-presidente José de Alencar4 ou do Embaixador Samuel Pinheiro GuimaEntre março e novembro de 2004 negociações entre a Agência e o governo brasileiro levaram a um novo ajuste de procedimentos para inspeções.
3
O Ministro deixou o governo depois de fazer observações que permitiam inferir que adquirir armas nucleares era um
caminho possível para o Brasil. “Brazil´s Nuclear Ambitions” May 6 2004 available in Center for Defense Information
http://www.cdi.org/index.cfm.
4
“José de Alencar Defende que Brasil tenha bomba atômica”, Estado de São Paulo 24 de setembro 2009.
2
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rães5 são exemplos desta tendência. A completa desnuclearização é um conceito central para a posição
oficial do governo em relação ao regime. O banimento de armas químicas é visto como um modelo
a ser seguido. Qualquer tentativa de conectar a não proliferação a limitações ao acesso a tecnologia
são consideradas inaceitáveis. O argumento que qualifica o agente que possui ou utiliza armas como
racional ou irracional, ético ou antiético presente no discurso dos governos norte-americanos desde
o governo Reagan é obviamente um fator de deslegitimação do regime. Ademais os casos de Israel e
da Índia são repetidamente mencionados como exemplos da falta de coerência do regime e de sua operacionalização. Assim, após os testes nucleares paquistaneses e indianos em 1998, o Brasil tornou-se
parte da Coalizão da Nova Agenda no contexto da qual diversas propostas para a desnuclearização
global tem sido discutidas, incluindo o processo de 13 passos para o desarmamento nuclear posteriormente incluído no documento final da Conferência de Revisão do TNP de 2000.
A decisão de não aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas 6 está no centro da
política nuclear brasileira. O argumento oficial afirma que nenhum acordo adicional para não proliferação faz sentido sem que um avanço no campo da desnuclearização ocorra, que o país está proibido
de ter armas nucleares pela sua própria constituição e pelo Tratado de Tlatelolco.
Em maio de 2010 o Brasil, a Turquia e o Irã assinaram um acordo para a troca de combustível
nuclear. O mesmo previa a transferência de uranio enriquecido para a Turquia e posteriormente para a
França e para a Rússia. O material seria finalmente devolvido ao Iran para uso em atividades civis sob
supervisão da Agencia Atômica Internacional. Em contraste com essa tentativa de resolver os conflitos
entre o Iran e a Agencia e diversas potências de forma negociada, o Conselho de Segurança da ONU,
com voto contrário do Brasil e Turquia, aprovou novas sanções contra o país. Esse episódio colocou
o Brasil por um breve momento no centro do debate sobre o regime e sobre a posição do Irã, tendo a
postura brasileira se confrontado com a opção preferencial das potencias ocidentais e da Rússia.
Ministério das Relações Exteriores, Posição do Brasil sobre Desarmamento e Não Proliferação Nuclear, nota n. 525
www.mre.gov.br
6
O Protocolo Adicional foi adotado em 1997 pela Agencia Atômica Internacional visando ampliar o acesso à informação
sobre instalações nucleares
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A proposta do acordo foi resultado da opção por um papel como mediador das relações entre
os países do sul e as potências ocidentais e das mudanças na distribuição de poder no sistema internacional. Por outro lado, havia um entendimento comum aos três países partes do acordo de maio de que
o controle sobre o ciclo do combustível nuclear é um direito de qualquer país que possa desenvolver a
tecnologia e de fato o acordo explicitamente endossa o direito do Irã de enriquecer uranio. Este caso
é assim a expressão mais recente da tendência da elite governante brasileira de adotar uma postura
crítica, embora sem oposição radical, ao Regime de Não Proliferação Nuclear, e, em particular, ao
tratamento dado ao mesmo nos últimos dez anos.
Liderança na América do Sul
A América do Sul é vista como a base a partir da qual o Brasil lança-se como possível potência
mundial. Assim, o país tem sido caracterizado pela elite dominante como hegemônico em um contexto
regional de estabilidade, democracia e paz, preparado assim, para buscar projetar-se em outras regiões.
Uma das marcas da política externa brasileira no período pós Guerra Fria é o movimento em direção a
um maior envolvimento e cooperação na América do Sul (Bernal-Meza 2002). A dimensão regional é
concebida inicialmente nos anos 1990 em termos da necessidade de integração física, ou seja, no campo da comunicação, transporte e energia (Galvão 2009). O fim da rivalidade entre Brasil e Argentina,
a criação do Mercosul, a proposta de criação de um tratado de livre comércio na América do Sul7 , as
iniciativas associadas à maior integração física e econômica com os países Andinos e Amazônicos são
parte deste cenário. Desde o governo Itamar Franco (1992-1993), a política externa tem enfatizado a
cooperação regional na América do Sul (Hurrell 1998) e um investimento continuo nesta direção pode
ser observado. Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1996-2000) uma postura
de liderança mais clara pode ser detectada e a agenda regional foi ampliada para o campo estratégico
e político no período Lula. O papel de mediador regional, como ocorreu no caso da disputa territorial
A proposta de criação de uma área de livre comércio em 1994 foi lançada como uma alternativa a proposta de Washington de criar uma Área de Livre Comércio nas Américas
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entre o Peru e o Equador (Herz & Nogueira 2002) e a crise política no Paraguai em 1996, é a imagem
que se busca ressaltar.
As profundas transformações sociais e políticas que ocorrem em países da região e o consequente realinhamento na esfera internacional, a Guerra na Colômbia, conflitos entre a Colômbia e
o Equador, entre a Colômbia e a Venezuela, as atividades ilícitas do crime transnacional são desafios
para a liderança brasileira. Durante os últimos oito anos o Brasil esteve envolvido em atividades de
governança regional lidando com crises domésticas, ameaças transnacionais e conflitos inter-estatais
(Flemes 2009). O esforço para criação de instituições regionais voltadas para a segurança levou a
formação do Conselho de Defesa Sul Americano em 2009. A organização é um espaço importante
para administração de conflitos e para a coordenação do desenvolvimento de uma indústria bélica
sul-americana. O Mercosul também está envolvido na luta contra ameaças transnacionais através de
sua Conferência de Ministros do Interior, gerando coordenação entre forças policiais e o compartilhamento de informações. O governo esteve também envolvido em formas de cooperação no continente
latino americano como um todo. O mecanismo 2x9, criado para a coordenação de políticas no Haiti
permite o encontro de representantes dos governos dos países contribuindo com tropas para a operação
de paz (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guatemala,Paraguai, Peru e Uruguai). Finalmente
relações bilaterais também contribuem para a cooperação regional através de medidas de confiança
mútua, luta contra drogas e cooperação militar.
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Referências Bibliográficas
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- Cavalcante, Fernando (2010),Rendering peacekeeping instrumental? The Brazilian approach to United Nations peacekeeping during the Lula da Silva years (2003-2010)
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publications/military-balance/the-military-balance-2011/
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Interesses Brasileiros, Estratégias em
Política Financeira
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No início da década de 90 as autoridades brasileiras - provavelmente impressionadas com o
aumento sem precedentes da movimentação financeira no mercado internacional na década anterior,
quando o país não teve acesso a esses fluxos, em função das questões não resolvidas em relação à dívida
externa – promoveram um processo de abertura da Conta de Capital, aumentando as facilidades para
a atração de recursos externos, a exemplo dos fundos de investimento em bolsa de valores.
Esse movimento antecedeu a aceleração da abertura comercial. Esta teve início cauteloso no
início de 1988, mas apenas a partir da alteração dos cronogramas de redução de alíquotas em 1990 e
depois em 1994 é que começou a realmente afetar a alocação de recursos.
A convivência mais intensa com os mercados internacionais de bens, serviços e capitais, em paralelo a uma política de flexibilidade cambial, impôs à economia brasileira uma agenda nova. Desde o
final da década de 90 as variações nos fluxos de recursos externos passaram a sobre-determinar a taxa
real de câmbio e com isso o próprio dinamismo da balança comercial, entre outros efeitos.
Como corolário ganhou importância, para o país, a possibilidade de influenciar os movimentos
dos fluxos de recursos e as condições gerais para concessão de crédito. A economia brasileira promoveu
forte ajuste em suas contas externas ao longo da década de 2000, mas ficou claro que num contexto
internacional de baixo grau de disciplina dos movimentos de capital os graus de liberdade para as
políticas nacionais são relativamente limitados.
Como consequência, passou-se a observar um grau de pró-atividade mais pronunciado por
parte dos negociadores brasileiros nos foros onde pode haver influência sobre os movimentos de capital.
IPEA e Universidade de Brasília. Nota preparada para apresentação e debate no Seminário O Brasil na Nova Ordem
Global, realizado em Hamburgo, 14-15 de abril de 2011. As opiniões aqui são inteiramente de responsabilidade pessoal e
podem não corresponder à posição oficial dessas instituições.
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É importante registrar que essa não é uma excentricidade nacional, mas correspondeu a manifestações
semelhantes de parte de outras economias emergentes, assim como de parte de algumas agências multilaterais.
Esta nota procura identificar os interesses brasileiros no tocante às questões financeiras internacionais e mostrar algumas das estratégias adotadas. O argumento é apresentado em quatro itens,
relativos aos interesses brasileiros a curto, médio e longo prazo, e às estratégias adotadas até aqui.
Interesses a curto prazo
O Brasil tem sido um dos países mais afetados pela pressão baixista sobre a taxa de câmbio,
em função de apresentar nos últimos anos um crescimento razoável do PIB, de oferecer oportunidade
para ganhos financeiros relacionados com as elevadas taxas de juros internas. Além disso, a economia
brasileira tem se mostrado atraente para o investimento externo direto, em função de uma política
macroeconômica relativamente estável, de apresentar bons indicadores de solvência e liquidez externas,
das expectativas de crescimento do produto nos próximos anos. A isso se somam novas oportunidades
potenciais, abertas com a perspectiva de exploração de óleo no pré-sal, e com a realização, no país, da
próxima Copa do Mundo de futebol e da Olimpíada (além dos Jogos Militares).
Nesse contexto, chama a atenção ainda o fato de que por não haver restrição de liquidez no
mercado internacional, diversas empresas brasileiras têm captado recursos no exterior, para aproveitar
as condições mais favoráveis de custos, o que reforça a entrada de divisas, que pressiona ainda mais a
taxa de câmbio no mercado local de divisas.
Isso gera – da perspectiva brasileira – uma preocupação em procurar ajustar o nível de liquidez
no mercado internacional. O atual excesso de liquidez – reforçado pela decisão norte-americana de
elevar a oferta monetária – tem contribuído para alimentar um processo inflacionário. Nada indica
que haverá em curto prazo (1º. semestre) modificação na postura do Federal Reserve, tendo em vista
o ritmo lento de recuperação da atividade e a geração de empregos abaixo do esperado e desejável.
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Isso tem estimulado movimentos especulativos com ´commodities`, elevando seus preços, assim como
movimentos de arbitragem de juros, gerando enormes entradas de divisas nas economias em desenvolvimento, sobretudo aquelas com expectativa de crescimento, estabilidade política e elevadas taxas
de juros, como a economia brasileira.
A curto prazo, portanto, a preocupação maior do ponto de vista de política financeira externa é
procurar os meios para promover um ajuste no excesso de liquidez de dólares, como forma de permitir
à autoridade monetária nacional maiores graus de ingerência na determinação da taxa de câmbio.
Em paralelo, há grande preocupação em não se permitir o avanço de iniciativas heterodoxas
que levem a controles das variações de preços de ´commodities` de forma a afetar negativamente os
resultados comerciais do país. Este é um tema surgido no âmbito do G-20, e o argumento do Brasil e
de outros países exportadores desses produtos é de que se há necessidade de se criar algum mecanismo
de influência sobre os preços, que ele opere em ambas direções, ajustando os preços nos movimentos
de alta como de baixa excessiva.
Interesses a médio prazo
Como já dito, a preocupação com a liquidez no mercado internacional de divisas não é uma
particularidade brasileira, mas é clara e explicitamente compartilhada por outras economias em desenvolvimento.
A agenda de médio prazo nesse sentido compreende, por exemplo, o interesse compartilhado
com diversos países em regular a movimentação financeira nos paraísos fiscais, como forma de reduzir
os canais de transmissão de movimentos financeiros e aumentar o grau de transparência dessas movimentações.
Também em médio prazo existe o propósito de alterar o perfil de governança nos principais
organismos multilaterais. É reconhecido que as estruturas vigentes refletem uma situação já ultrapassada, e não correspondem ao efetivo peso econômico das principais economias. Por essa linha de
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argumentação as economias em desenvolvimento deveriam ter mais peso no processo decisório desses
organismos. Inclusive porque a atuação dessas instituições pode contribuir para a maior ou menor
disciplina no mercado de capitais, assim como pode contribuir para a liquidez disponível nesses mercados. Segue-se como instrumento importante de política externa a articulação com outros países em
desenvolvimento para conseguir aumentar o número de quotas no Banco Mundial e no FMI.
O Brasil é um dos países participantes do chamado G-20, que se pretende passe a ser a instância maior de coordenação macroeconômica, em substituição ao antigo G-8. Esse espaço negociador é
ainda uma criatura em formação e em processo de amadurecimento. Mas tem havido claramente uma
pró-atividade no G-20 em relação às paridades cambiais, e os negociadores brasileiros não se caracterizam por sua passividade no tema.
A questão premente de se promover um realinhamento de paridades, em particular com a revalorização de algumas moedas cuja paridade se supõe está proporcionando a alguns países um ganho
extra em termos de competitividade no comércio internacional, tem dado origem a um paradoxo, na
atuação brasileira. Na maior parte das vezes a articulação das posições brasileiras no grupo é mais
negociada com os demais BRICs do que com os países vizinhos na América Latina ou com os países
industrializados. No entanto, o tema cambial tem levado o Brasil a uma adesão de fato à posição norteamericana de condenar a China.
Mais recentemente, o Brasil e a Argentina sinalizaram uma postura comum em relação às tentativas de disciplinar os preços de ´commodities`, uma vez que ambos são fortes exportadores desse tipo
de produtos e uma imposição de mecanismo regulador de preços ao nível internacional pode implicar
perdas significativas.
A agenda de médio prazo compreende ainda um interesse crescente em regular o investimento
direto externo, via acordos de propriedade intelectual e acordos de proteção ao investimento, em função da crescente presença de empresas brasileiras em atuação no exterior.
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Interesses a longo prazo
Os objetivos de longo prazo da economia brasileira com relação à política financeira não são
claros, mas é possível supor ao menos dois.
Primeiro, contar com um cenário internacional em que as condições sejam as mais equânimes
possíveis, com regras claras e com a participação ampliada de novas moedas – em particular de algumas economias emergentes - como reserva de valor e meio de troca. Esse pode vir a ser um sub-produto
do processo de aproximação com os demais países do grupo BRICs.
Segundo, a economia brasileira pretende consolidar um grau significativo de integração ao
nível regional, com ganhos de complementaridade produtiva entre as economias do Cone Sul. Uma
ferramenta nesse sentido é a consolidação e ampliação da política que permite o uso de moedas nacionais no comércio regional no MERCOSUL. Mas até aqui o baixo nível de coordenação macro é um
elemento limitador, assim como existem poucos mecanismos de coordenação monetária e financeira
ao nível sub-regional.
Estratégias
Entre as estratégias adotadas pelo Brasil para atender a seus interesses destaca-se, nos últimos
anos, a articulação com outros países em desenvolvimento para conseguir aumentar o número de
quotas de participação no Banco Mundial e no FMI. Essa articulação tem sido exitosa, como sabido,
tendo o país conseguido o segundo maior aumento de participação, atrás apenas dos ganhos obtidos
pela China. E esse é um processo que deve prosseguir, com eventuais aumentos de participação a serem
obtidos nas alterações previstas para os próximos dois anos. Isso aumenta o poder de voto desses países
e sua margem para influenciar a atuação desses organismos.
O Brasil tem contribuído para alterar o cenário financeiro internacional ao participar ativamente da iniciativa de redução da dívida externa dos países mais endividados.
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Como já mencionado, o país tem procurado apresentar uma postura ativa nas reuniões do
G-20, no que se refere a diversos aspectos da governabilidade internacional. Note-se que os debates no
âmbito desse grupo em relação ao cenário financeiro têm lugar em paralelo aos debates no Conselho
de Estabilidade Financeira (FSB) e no Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia, onde se negociam
as normas de regulação e supervisão do sistema financeiro.
Essa postura é consistente com um posicionamento de longa data, em que alguns brasileiros –
não necessariamente representantes do governo, mas indivíduos com experiência de gestão de política
macro – têm participado em algumas iniciativas, como o chamado Grupo dos 24, onde se discutiram
temas relacionados com o cenário financeiro global.
No âmbito regional o Brasil tem sido ativo nas discussões pós-Cúpula de Monterrey, quando
se enfatizou a necessidade de a América Latina poder contar com mecanismos de financiamento de
longo prazo. A postura brasileira tem se refletido no aumento de participação em organismos como a
CAF, na participação nos debates sobre a criação de novas unidades de financiamento, a exemplo do
Banco do Sul, assim como na criação de novas linhas de crédito no âmbito do BNDES, para projetos
em países vizinhos.
Por último, mas não menos importante, o Brasil criou seu ´fundo soberano` com recursos em
montante significativo. À diferença dos outros países que têm fundos semelhantes, o Brasil não dispõe de poupança interna elevada nem de excedentes comerciais ocasionais, derivados de exportações
de ´commodities`. No caso brasileiro o fundo foi criado com base em recursos fiscais, aparentemente
como um instrumento adicional para ajudar a controlar a taxa de câmbio.2
Para uma análise da racionalidade econômica dos fundos soberanos de diversos países ver Andre Simas Magalhães, Determinantes dos Fundos Soberanos de Investimentos e o caso Brasileiro, dissertação de Mestrado em Economia do Setor
Público, Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Dezembro de 2010.
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Comentário à contribuição de Renato
Baumann sobre
“Interesses brasileiros e estratégias em
política financeira”
Barbara Fritz1
É um prazer enorme comentar a excelente apresentação de Renato Baumann. Esta parte do diagnóstico de que o Brasil, dado seu elevado grau de abertura aos fluxos de capital internacionais, junto
a um forte ajuste de suas contas externas ao longo da última década, ficou mais claro a possibilidade e
necessidade de influenciar os movimentos dos fluxos de recursos e as condições gerais para concessão
de crédito.
A partir deste diagnóstico, identifica praticamente todos os temas e pontos de interesses brasileiros relevantes no tocante às questões financeiras internacionais e mostrar algumas das estratégias
adotadas, diferenciadas por interesses de curto, médio e longo prazo. No que refere ao curto e médio
prazo, discute de um lado o papel crescentemente proativo e relevante do Brasil na reorganização da
arquitetura financeira global e especialmente no G20, junto a uma aproximação das posições e estratégias dos chamados BRICS neste contexto. Isto inclui, entre outras, a defesa de liberdade de definição
de políticas de regulação de fluxos de capital internacionais. De outro lado, lembra à posição brasileira
bastante harmonizada com a dos Estados Unidos em relação à política cambial da China. Ao que refere
a definição de interesses de longo prazo, que por razoes naturais são os mais difíceis de apontar, menciona dois aspectos com os quais outra vez estou de pleno acordo: o interesse por regras claras e uma
participação ampliada das novas moedas, e uma maior integração regional.
Em seguida, vou primeiro buscar adicionar a esta analise, seguindo a explorar as razoes desta
ambiguidade da posição brasileira no curto e médio prazo em função de sua própria constelação macFreie Universität Berlin. Comentário para apresentação e debate no Seminário “O Brasil na Sua Nova Ordem Global”,
realizado em Hamburgo, 14-15 de abril de 2011.
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global
roeconômica e monetária a curto e médio prazo. Segundo, em base da crise recente do Euro, comentarei brevemente sobre as condições de longo prazo de uma intensificada integração regional.
No que concerne o primeiro aspecto, quero apontar para o a inércia do nível elevado da taxa
real de juros brasileiros que, em comparação mundial, representa uma das mais altas do mundo. Estes,
especialmente no contexto atual causam um forte influxo de capital internacional, junto a uma significativa revaluação da taxa de cambio. Com isto, os esforços de limitação destes influxos parecem
dar resultados somente parciais e de curto prazo. Independentemente dos argumentos de justificação
desta taxa de juros elevada – seja por dominância fiscal, ou por falta de reformas estruturais do manejo
da dívida pública brasileira – fica comprometida de certa forma a posição de defesa de liberdade de
definição de politicas de manejo da conta de capital de agentes públicos brasileiros junto aos outros
países BRIC frente aos organismos multilaterais, especialmente o FMI.
Enquanto neste aspecto o Brasil formalmente está alinhado aos seus novos parceiros estratégicos no âmbito da nova ordem financeira global, ficam mais claras as diferenças entre os países
emergentes, especialmente os BRIC, em relação ao manejo direto da taxa de cambio. Aqui, a pressão
revaluadora destes fluxos internacionais, junto a uma ampla liberalização da conta de capital, ajudou
a colocar o Brasil em uma posição de competitividade reduzida, especialmente em comparação com
a China e outros países asiáticos com altos níveis de exportação e estratégias de sub-valorização de
suas moedas. Chegando a realizar um manejo mais equilibrada de sua política monetária à vista da
taxa cambial, o Brasil teria mais espaço em alinhar-se com os países emergentes também em relação a
reforma do sistema monetário global, incluindo a regulação das taxas de cambio a nível internacional.
Meu segundo comentário visa às perspectivas do Brasil de aprofundar sua cooperação econômica regional, seguindo uma relevante tendência global de usar a integração regional como meio de proteção contra choques de volatilidade global.2 Concordo plenamente com o diagnostico de Renato BauVer UNTAD 2011: Regional Monetary Cooperation and Growth-Enhancing Policies: The New Challenges for Latin
America and the Caribbean. Study prepared by the secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development
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mann no que concerne a falta de coordenação macroeconômica como causa fundamental da limitada
integração econômica brasileira com seus vizinhos. Especialmente em consequência da crise financeira
global, podemos observar uma serie de iniciativas pequenas de cooperação monetária e financeira na
região, como por exemplo, o Banco del Sur e o Sistema de Pagos em Moeda Local entre Argentina
e Brasil. Estas devem ser consideradas relevantes, entre outras razoes, em função de seu processo de
aprendizagem e de construção gradual de confiança mutua dos países membros é necessário ter uma
visão de longo prazo para a finalidade da cooperação e integração econômica. Porém, a experiência do
Euro primeiro mostra que cooperação e integração monetária por si não resultam automaticamente em
maior crescimento ou igualdade entre os membros. Segundo, a crise atual de alguns países membros
provenientes do sul da área do Euro demonstra que os pré-requisitos para uma moeda comum parecem
ir muito além de uma coordenação das políticas fiscais e de um sistema de controle e alertas eficiente.
Deveriam provavelmente incluir também uma coordenação adequada das políticas salariais e de rendas, dos balanços externos intra-regionais, e provavelmente uma estreita coordenação dos mercados
de dívida pública entre os países membros, o que significa uma redução ainda significadamente maior
do espaço de manobra em termos de políticas econômicas a nível nacional deu que hoje realizado
na região do Euro. Com isto fica relevante pensar desde hoje que grau de coordenação econômica o
Brasil está disposto a acordar com quais países vizinhos, e quais poderiam ser as formas eficientes de
cooperação monetária e financeira aquém de uma moeda única, que sejam capazes de produzir efeitos
suficientes em términos de integração econômica, e de uma forma equilibrada para todos os membros
envolvidos.
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Interesses brasileiros, estratégias e
parcerias em política comercial
Ricardo Sennes1
Introdução
O Brasil tem apresentado nos últimos 7 anos um desempenho notável. Se após o Plano Real em
1993 o país passou a ser capaz de controlar a inflação, as contas públicas e recuperar sua capacidade de
planejamento e coordenação macro-econômica, mas com baixíssimo crescimento econômico, foi após
2002 que o país logrou combinar estabilidade com crescimento acelerado. As projeções atuais sobre
o crescimento do Brasil indicam que o país deve crescer nos próximos 5 anos a uma taxa próxima de
5% ao ano.
A apresentação irá argumentar que esse ciclo de crescimento econômico acelerado está fortemente associado ao dinamismo do mercado doméstico de bens de consumo, da demanda externa por
commodities, ao aumento do investimento público e a reestruturação de renda e do perfil do mercado
interno, porém comporta algumas características dúbias com relação ao salto tecnológico e de agregação de valor do setor produtivo. O caso da relação comercial do Brasil com a China é ilustrativo
desse processo.
Os dados elaborados pelo Ministério da Fazenda e pelo BNDES mostram que desde 2004,
a base para esse crescimento do PIB está sendo a demanda interna. Ao contrário de outros países
emergentes, cujo crescimento econômico está puxado pela alta taxa de investimento, no Brasil a alta
demanda por bens de consumos duráveis e não duráveis é o elemento chave dessa equação.
Diretor da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e professor doutor da Pontificia Universidade
Católica (Puc).
1
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Gráfico 1 - Decomposição do crescimento do PIB (% a.a.)
Nota:*Estimativas Ministério da Fazenda. Fonte: IBGE. Elaboração: Ministério da Fazenda + BNDES, 2010.
Do ponto de vista dos ingressos de Investimento Externo Direto (IED) no país estão se concentrando principalmente no setor de serviços. Entre 2007 e 2009, sua participação saiu de 49,1% para
53,6%. A indústria aumentou sua participação de 36,1% para 45,5% e a indústria extrativa mineral,
a agricultura e a pecuária tiveram sua participação reduzida de 14,8% para um por cento no total dos
IEDs. Parte significativa desses investimentos está voltado para setores non-tradable, tais como telecom, distribuição, entre outros no setor de serviços, e setores de bens de consumo duráveis no setor
industrial.
Essas prioridades estão refletidas nas projeções do BNDES. Segundo relatório do banco, o
investimento no Brasil nos próximos anos será dinamizado por cinco grandes vetores: petróleo e gás,
energia elétrica, logística, construção habitacional e agronegócios. Em termos de volumes de investimentos se destacam os setores de óleo e gás e eletricidade. Em termos de taxas de crescimento do
investimento destacam-se os setores de óleo e gás, ferrovias e portos.
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o Brasil:
o Brasil na nova ordem global
Tabela 1 - Perspectivas do investimento
Fonte: BNDES 2010.
Dessa forma, o ciclo e o dinamismo econômico do Brasil nos últimos anos têm sido sustentado
de maneira destacada por setores de baixa intensidade tecnológica e baixo valor agregado. Ademais, o
próprio governo tem colocado o foco no mercado doméstico e nos investimentos em infra-estrutura,
mas os setores escolhidos como prioritários para incentivos, em detrimento dos setores de maior intensidade tecnológica e de maior valor agregado. As projeções para os próximos anos tendem a indicar a
permanência dessas tendências.
No campo externo a dinâmica do país também indica tendências contraditórias. Se de um lado
o fôlego das exportações brasileiras de bens tem sido sustentável, por outro as importações tem crescidos a taxas expressivas, e as exportações de bens de maior valor agregado tem perdido aceleradamente
seu dinamismo.
A balança comercial brasileira vem obtendo saldo positivo desde 2000, sendo que as impor-
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tações cresceram mais do que as exportações a partir de 2006. Ou seja, o saldo positivo está em trajetória decrescente desde então.
Em 1998, a maior participação nos produtos exportados eram os de baixa tecnologia incorporada (32,0%), seguido dos produtos com média-alta tecnologia (25,9%) e em terceiro lugar os produtos não industrializados (19,4%). Em pouco mais de dez anos, essa composição alterou-se, chegando
a 2009 com os produtos não industrializados como principal componente das exportações (31,0%),
seguido dos produtos com baixa tecnologia incorporada (28,9%) e em terceiro lugar os produtos dos
setores com média alta tecnologia (18,1%) (Fonte: BCB).
Parte desse fenômeno está relacionada ao câmbio. A forte valorização do câmbio que está ocorrendo desde 2002, quando o dólar chegou a valer R$ 3,8 e iniciou sua trajetória de queda até o início
da crise em 2008, mas com retorno à queda já em 2009, chegando a valer, em novembro de 2010, R$
1,71. A apreciação do Real tem sido particularmente negativo para as exportações de setores de média
e baixa intensidade tecnológica, sendo mais maléfico para aqueles produtos pouco diferenciados. O
efeito do câmbio tem sido menos danoso ás exportações de commodities pois a alta dos preços internacionais desses setores tendem a compensar as perdas de competitividade cambial.
Em termos de destino, a China passou a se destacar como o principal importador de produtos
brasileiros, posto que, tradicionalmente, era ocupado pelos Estados Unidos. A crise norte-americana,
no entanto, e o forte crescimento chinês alteraram esse quadro. Devido ao fator temporal dos eventos
citados, não é possível considerar ainda que a China se consolidará como principal compradora de
produtos brasileiros.
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Brasil – Exportações 2009 - 10 Principais Destinos
Fonte: Alice Web - MDIC
As compras da China puxam as importações provenientes da Ásia, configurando esse como o
principal continente destino das exportações brasileiras. O processo de liberalização comerciais regional e de integração produtiva na América Latina é um dos principais fatores que explicam que cerca
de 23% das exportações do Brasil são regionalizadas.
Gráfico 2 - Destinos (2009) - Blocos econômicos
Fonte: SECEX - MDIC
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Os produtos manufaturados exportados pelo Brasil se destinam, principalmente, à América
Latina, como reflexo do processo de liberalização do comércio regional, assim como de ampliação das
vantagens competitivas das empresas instaladas no país, tanto nacionais como estrangeiras, frente as
dos países vizinhos.
Gráfico 3 - Composição das exportações por bloco ecnômico (%)
Fonte: SECEX - MDIC
A estratégia regional predominante do Brasil, baseada em participar de arranjos regionais rasos e operar efetivamente por meio da lógica do hub-and-spoke, parece bastante adequada diante da
grande diversidade de políticas comerciais dos países sul-americanos e dos vários arranjos econômicos
regionais existentes. Uma das características mais notáveis da região sul-americana é a sobreposição
de vários acordos regionais com escopos temáticos, densidades institucionais e abrangências regionais
distintas.
Acordos de caráter regional, tal como a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), o
Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela) e a Iniciativa para Integração Infra estrutural da América do Sul (IIRSA), convivem com arranjos sub-regionais como o Mercosul e a Comunidade
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o Brasil:
o Brasil na nova ordem global
Andina de Nações (CAN), com vários acordos bilaterais tanto previstos no âmbito da Aladi – como
os Acordos de Complementação Econômica (ACE) – como fora deles – como acordos em temas como
energia, transporte e telecomunicações. Certos países da região não fazem parte dos acordos mais
efetivos, como é o caso da Guiana e do Suriname, que são apenas parte da IIRSA. Alguns acordos
dispõem de alguma institucionalidade – embora todos sejam intergovernamentais – concretizado em
secretárias-gerais de apoio ao conselho de ministros, como Aladi e Mercosul, enquanto outros não
dispõem de nenhuma institucionalidade, como é o caso da IIRSA, este basicamente um fórum para
coordenação de projetos de infraestrutura. Alguns dispõem de mecanismos de solução de controvérsia
– como o Mercosul –, enquanto outros dependem integralmente de arbitragens e mecanismos extraacordos. Alguns países da região praticam padrões tarifários muito baixos – como é o caso do Chile
que, embora membro associado do Mercosul, apresenta média tarifária em 2009 de 1,1%, e teto tarifário de 7% –, contra um perfil de tarifas externas do Mercosul cujo modal é de 14% e o teto de 35%.
Ao contrário do que ocorre no processo europeu, no qual a convivência de vários arranjos regionais diferentes passa por fases de acomodações e fusões, na América do Sul os diferentes arranjos
seguem coexistindo e, por vezes, até competindo entre si.
Problemas surgiram no âmbito da Aladi – principal acordo quadro comercial regional – na
medida em que este prevê que seus membros devem estender aos seus parceiros regionais tratamento
tarifário semelhante ao que concederem para parceiros extra-regionais. Essa questão veio à tona com
a entrada do México no North-American Free Trade Agreeement (Nafta), em 1994, zerando suas
tarifas de importação para os EUA e Canadá. Na época, o Brasil protestou e chegou a pedir a saída do
México da Aladi. Porém, na sequência desse evento, outros países da região iniciaram negociações de
livro comércio com os EUA, assim como com países europeus e asiáticos. Esses países lograram firmar
acordos mais amplos e profundos – incluindo tarifas mais baixas e temas como comércio de serviços
e propriedade intelectual – com países de fora da região do que aqueles existentes com os países da
região, como no caso do Chile e o Peru.
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Dessa forma, prevalece na região uma sobreposição pouco articulada de acordos que, regra geral, retira do espaço sul-americano a característica de território econômico preferencial homogêneo para
seus membros. Visto do Brasil, esse processo corroeu as margens de preferências comerciais que o país
dispunha até meados dos anos 1990 na região, mas, ao mesmo tempo, não exigiu do país um padrão
de abertura comercial semelhante ao desses parceiros. Ou seja, preferiu perder margem de preferência
no acesso a esses mercados do que abrir mão de sua margem de manobra comercial e tarifária.
Curioso notar que, diante desse contexto, a estratégia oficial do Brasil tem sido, do lado
econômico, liderar o esforço de expansão do Mercosul no sentido da incorporação dos países andinos2 , mas mantendo suas características originais como instituição intergovernamental, razoável grau
de flexibilidade em relação aos acordos firmados, baixa coordenação macro e micro-econômica, e com
padrões tarifários bastante próximos aos praticados pelo país.3 O Brasil não tem logrado estabelecer
negociações no campo comercial com os países vizinhos mais amplas e profundas do que os acordos
que esses países têm com terceiros, o que tem deixado o Brasil em uma posição fragilizada para liderar
um projeto de integração econômica regional. Embora problemática no campo do comércio de bens,
essa posição é particularmente significativa no campo do comércio de serviços, onde o Mercosul dispõem de acordos muito rasos internamente e apenas um acordo-quadro com um dos países associados
– o Chile.
O Protocolo de Montevidéu – focado em serviços e negociado no âmbito do Mercosul – foi
assinado em 1994 e apenas 10 anos depois, em 2005, entrou de fato em vigor, sendo que das cinco
listas negociadas, apenas a primeira começou a ser implementada.
O Brasil possui vários exemplos de excelência em áreas de serviços e de tecnologia. Serviços de
engenharia e construção são os únicos setores na balança de pagamentos do país que são superavitários.
Em 1996, Bolívia e Chile tornaram-se associados do Mercosul, e em 2004, por meio de acordo quadro (Decisão CMC
Nº 18/04) para entrada no Mercosul dos países andinos, tornaram-se também associados a Venezuela, a Colômbia e o
Equador.
3
Argumento semelhante é desenvolvido por Vigevani et al. (2008).
2
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o Brasil na nova ordem global
No segmento de serviços de Tecnologia da Informação (TI) e BPO (Business Process Outsourcing),
área de destaque da inserção internacional da Índia, é outro exemplo de setor onde o Brasil já demonstra grande capacidade competitiva e começa a incrementar suas exportações e internacionalização.
Em algumas áreas de software, tais como comando de voz e aplicados a celular são casos também de
destaque. Boa parte dos celulares exportados pelo país – o boom recente de exportação de Manaus que
atingiu quase US$ 2 bilhões – carregam uma tecnologia embarcada de serviços embora sejam contabilizados como bens.
Outro dado relevante sobre a presença regional do Brasil é dos investimentos brasileiros diretos.
A presença produtiva de empresas brasileiras no exterior – medida pelo estoque de Investimento Direto
Brasileiro (IDB) – começou a ser contabilizado pelo Banco Central do Brasil apenas em 2001. Nesse
ano, o Brasil possuía estoque de IBD de pouco menos US$ 50 bilhões, enquanto que em 2006 esse
volume foi de US$ 114 bilhões, alta de 129,7%. Nesse processo os países da região ocupam um papel
de destaque.
Outras iniciativas de acordos comerciais do Brasil na última década não incluíram os blocos:
europeu e norte americano, mas buscou-se negociar margens de preferência com países em desenvolvimento, a chamada política Sul-Sul. Nessa dimensão foram abertas frentes com Israel, Marrocos, Países
do Golfo, bloco IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), entre outras. Desses, apenas a acordo de livre comércio com Israel está em vigor, aprovado e ratificado pelo congresso de ambos países. Essa tendência
está sofrendo pequeno ajuste no início do governo de Dilma Roussef, pois o Brasil esta negociando um
Acordo Econômico Quadro com os EUA, assim como retomou as negociações com a Mercosul-União
Europeia. Mas nos dois casos a chance de sucesso e de relevância econômica e comercial é pequena.
Já no campo multilateral, principalmente OMC, outra prioridade do país nas últimas décadas
teve o eixo de atuação no setor agrícola (em contraste com as outras frentes – inclusive regional – cujo
eixo dinâmico é o setor industrial. A estagnação da Rodada Doha – na qual a diplomacia comercial do
Brasil colocou grande peso político – fez com que pouco se alterasse em relação ao quadro dos anos 90.
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A exceção nessa dimensão foram os vários painéis abertos pelo Brasil contra a União Europeia e EUA
em relação a setores agrícolas. Em todas elas o Brasil logrou vitórias: algodão e suco de laranja com os
EUA e açúcar com a União Europeia.
Não há dúvidas de que o Brasil passa por um ciclo muito favorável de crescimento econômico
com estabilidade macro-econômica. Existe um consenso entre os analistas de que esse ciclo deve se
sustentar mais 5 ou 6 anos. As bases desse ciclo são tanto políticas públicas e atuação direta do estado
brasileiro na economia, como a atuação contundente de empresas nacionais e estrangeiras operando no
país. Também fazem parte dessa dinâmica rápidas mudanças no perfil da distribuição da renda e do
consumo na sociedade brasileira.
Contudo, alguns sinais estão indicando área de fragilidade desse ciclo. Um deles se relaciona
ao baixo dinamismo relativo dos setores de maior intensidade tecnológica e vinculados à inovação,
assim como a pouca expressividade das políticas públicas voltadas ao fomento desses setores quando
comparados à magnitude dos esforços e recursos alocados nos setores básicos da economia brasileira.
A estratégia comercial do Brasil tem buscado compensar parte dessas desvantagens, mas seu
sucesso tem sido apenas relativo.
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Cometario a la presentación realizada por
Ricardo Sennes sobre
“Interesses brasileiros, estratégias e
parcerias em política comercial”
Dr. Claudia Zilla1
El presente comentario se propone poner en perspectiva comparativa, regional e internacional,
algunas de las afirmaciones realizadas en la presentación de Ricardo Sennes.
El crecimiento brasilero a partir de 2002, si bien fue acelerado, estuvo levemente por debajo
del promedio latinoamericano, por lo que Brasil no se encuentra dentro de la categoría de países con
mayor crecimiento, sino que más bien se mueve en el campo medio. Sin embargo, el efecto de este
crecimiento económico sí fue mucho más equitativo en el caso de Brasil que en la mayoría de los
demás países de la región, en el sentido de que implicó la incorporación de capas pobres a los sectores
económicos medios de la sociedad. A esto contribuyó en gran parte la alta tasa de gasto social que en
el período 2000-2008 fue del 21 al 26% del gasto público total, convirtiéndose así en la más alta de
América Latina.2
Extendiendo la comparación más allá del continente hacia el resto del mundo, puede comprobarse que la participación brasilera en el producto bruto mundial se mantuvo prácticamente invariable
entre 2002 y 2009, siendo ésta de al rededor de 2,9%3. Así, Brasil (junto con América Latina) no logró
aprovechar más y mejor que otras regiones (como por ejemplo Asia) la positiva coyuntura internacional
existente hasta la crisis financiera y económica mundial.
El hecho de que con el correr del tiempo a Brasil no corresponda una porción cada vez mayor de
1
Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP) – German Institute for International and Security Affairs, Berlin.
2
Datos de la CEPAL.
3
Datos del IMF: World Economic Outlook Database, Octubre 2010.
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Dr. Claudia
la “torta mundial” responde a una variedad de factores que pueden ser resumidos en “baja competitividad”. La productividad sigue siendo baja y bajo es el nivel de ahorro y de inversión en infraestructura,
teconología e innovación, como así también en educación.
Brasil es el principal destino (33,4%) de las inversiones extranjeras directas (IED) que se realizan en América Latina. A la vez, la participación Brasilera en las inversiones extranjeras directas mundiales ( flows) en el período 2000-2009 se mantuvo estable, correspondiendo a un 2,3%, con pequeñas
variaciones en los años intermedios.4 Países como China e India lograron en cambio atraer más capital
del exterior, mostrando incluso una tendencia ascendente.
Alta burocratización y corrupción diminuyen la atractividad de Brasil como destino de inversiones. Según el Informe del Banco Mundial “Doing Business 2011”5, que se centra el sistema regulatorio comercial y mide la facilidad con que puede hacerse negocios, si bien Brasil se encuentra en el
cuarto puesto regional, detrás de Chile (43), Uruguay (124) y Costa Rica (125), a nivel mundial ocupa
el puesto nr. 127. En el “Corruption Perception Index 2010” de Transparency Internacional6, Brasil
se encuentra en el puesto 69 a nivel mundial, y a nivel latinoamericano por encima, es decir con más
corrupción percibida que rn Chile (21), Uruguay (24), Puerto Rico (33) y Costa Rica (41).
Brasil no sólo es receptor de capital extranjero sino que también invierte en el exterior. Desde
2006 el país invirtió más capital en el exterior del que recibió en concepto de IED. En el período 20012008, las inversiones de Brasil en América Latina y el Caribe estuvieron concentradas en los países del
MERCOSUR (78,6%). El segundo destino más importante fue Chile (7,5%) y la Comunidad Andina
(7,5%). De esta forma domina claramente Sudamérica como localización geográfica de las inversiones
brasileras. La “sudamericanización” de las empresas brasileras parece fungir como un primer paso en su
Datos de UNCTAD
World Bank: Doing Business 2011, Online: http://www.doingbusiness.org/reports/doing-business/doing-business-2011
6
Transparency International: Corruption Perception Index 2010, Online: http://www.transparency.org/policy_research/
surveys_indices/cpi/2010/results
4
5
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Dr.
Claudia
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proceso de internacionalización.7 Brasil tiende a invertir en América Latina más bien en adquisiciones
(32,1%), ampliaciones (17,3%) y fusiones estratégicas (10,%). Esto indica que la instalación de nuevas
plantas con generación de nuevo empleo es muy baja, poco frecuente. El neo activismo industrial brasilero viene asociado a la alta capacidad de lobby de las empresas del país. Su avance en Sudamérica se
encuentra en correlación con los procesos de desnacionalización en otros países de la región, como ser
la Argentina. Se observa una desarrollo general hacia una interacción de firmas de capital concentrado
sin haber significativos avances en la complementación productiva de la subregión. En este sentido, la
proyección global de Brasil parece contradecir su proyección regional.
Si bien Brasil es el país de la región que más invierte en investigación y desarrollo (seguido por
Chile, Argentina, México y Uruguay), en 2007 dicha suma correspondió a 1,1% del PIB – esto indican
los datos de un estudio realizado por el Banco Interamericano de Desarrollo (2010). El promedio de
los países de la OCDE, por ejemplo, corresponde a más del doble. Mientras que la tasa de crecimiento
anual promedio entre 2000 y 2007 fue en América Latina del 7,8%, el incremento en China fue del
22,5%. Este es un dato sumamente relevante si se tiene en cuenta que la inversión en este campo es
clave a la hora de promover crecimiento económico a largo plazo generando mayor productividad. En
relación a este punto es interesante destacar que mientras en los países de la OCDE son por sobre todo
las empresas la que financian la mayor proporción (65%), llegando en el caso de China al 70%, en
América Latina, como específicamente en Brasil, el sector empresarial es responsable sólo de poco más
del 40% de las inversiones en investigación y tecnología. El restante 60% es asumido por el Estado.
Pasando al campo comercial, si bien Brasil es la economía más grande de América Latina, no
es la más abierta. Aquí radica una de las razones, por qué la crisis financiera y económica mundial no
tuvo graves repercusiones en el país. Ni los aranceles son especialmente bajos ni la cuota de exportación
en relación con el producto interno bruto (PBI) es especialmente alta, entre los años 2007 y 2009 ésta
Véase para los datos y argumentos que siguen: Daniela Perrota, Gastón Fulgquet y Eugenia Inchauspe 2011: Luces y
sombras de la internacionalización de las empresas brasileñas en Sudamérica: ¿integración o interacción?, Documentos,
Nueva Sociedad. Online: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Luces+y+sombras+de+la+internacionalizacion++de+las+e
mpresas+brasile+as+en+Sudamerica++++integracion+o+interaccion+/16988
7
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Dr. Claudia
correspondió el 24.8% (China 58,7%). En términos comparativos, tampoco son muchos los acuerdos
de libre comercio que Brasil firmó con otros países.
El aumento de las exportaciones estuvo ligado no sólo a la aceleración de la demanda de commodities sino además y más fuertemente al aumento de su precio. Es decir, factor decisivo en este desarrollo fue más el aumento del valor que del volumen de las exportaciones.
Principal receptora de commodities de Brasil es Asia, ante todo China. Sie bien los países asiáticos generaron una diversificación en la estructura de socios comerciales de Brasil, ellos implicaron a su
vez una concentración de la paleta de productos de exportación en torno a bienes menos elaborados.
Así, como se indicó en la ponencia, las materias primas y los productos poco manufacturados fueron
ganando terreno frente a los bienes con mayor valor agregado. El vínculo comercial entre Brasil y China reproduce entonces una asimetría tradicional como la que vincula a Brasil con los países industrializados de occidente. Los productos brasileros con mayor valor agregado tienen como destino principal
América Latina. Si bien el agrobusiness brasilero está altamente tecnologizado, si nos concentramos en
el tipo de producto de exportación, se podría decir que en términos de materias primas Brasil es un
“global trader”, pero en el ámbito de las manufacturas no pasa de un “regional trader”.
Con todo, la balanza comercial global de Brasil es positiva. Sin embargo, las importaciones están creciendo a un ritmo más acelerado que las exportaciones, por lo que la brecha se está reduciendo.
En este sentido es propicio agregar, que la participación brasilera en las importaciones globales pasó
del 0,94% en el año 2000 al 1,09% en el año 2009. En el caso de las exportaciones, la proporción se
movió del 0,93% al 1,22%. Resumiendo: A nivel comercial mundial el peso de Brasil no ha aumentado
significativamente en los últimos 10 años.8
En cuanto a la estrategia regional dominante de Brasil, ésta consiste en participar de una gran
variadesd de esquemas de integración y comerciales. Tanto en América Latina como específicamente
en el caso de Brasil se pudo observar en los últimos diez años una disminución en el entusiasmo y
8
Datos de IMF: World Economic Outlook Database, Octubre 2010.
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compromiso por la liberalización comercial. En el MERCOSUR se priorizó la ampliación por sobre
la profundización. Del acquis communitaire, es decir de la normativa común, menos del 40% fue internalizado hasta el momento por los países miembros. Si bien la reciente creación del pequeño fondo
para la convergencia estructural del MERCOSUR (FOCEM) presupone un reconocimiento de las
asimetrías existentes y de la necesidad de apoyar más intensamente a los países más pequeños, el proceso de bilateralización entre la Argentina y Brasil hace adentro del MERCOSUR se pronunció y los
acuerdos proteccionistas ad hoc son cada vez menos una excepción.
Aunque el MERCOSUR, como se dijo más arriba, es relevante en términos del destino de
las inversiones brasileras, perdió relevancia comercial para el país en dos sentidos: Primero porque
disminuyó su peso, pasando a representar sólo el 10% del comercio exterior total de Brasil, cuando
en los años 1990 había alcanzado casi el 20%. Segundo, porque el MERCOSUR para Brasil ya no es
un trampolín hacia otros mercados o el mercado mundial en el contexto de un regionalismo abierto.
Brasil ya no necesita al MERCOSUR para saltar al mundo. Además, con Venezuela incluida, el MERCOSUR se ha vuelto una carga más pesada para cualquier brinco. En el último tiempo el MERCOSR
parece haberse vuelto más político que económico. Desde la creación y el protagonismo regional de
UNASUR, incluso en lo político, el MERCOSUR parece haber quedado relegado a la sombra de la
estrategia subregional de Brasil. Muy a pesar de estos desarrollos, la participación de Brasil en MERCOSUR resulta hoy día una elección irreversible.
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O CEBRI Artigos é uma publicação trimestral para a discussão de temas
da conjuntura internacional. Cada volume é elaborado por um especialista
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relevantes das relações internacionais como um todo e, em particular, da
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visibilidade às teses de doutorado que abordam assuntos internacionais
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