XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-21
DO DESENVOLVIMENTO LOCAL AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
José Ferreira
[email protected]
Mestrando de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
CPDA/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Resumo: Desenvolvimento territorial apareceu no léxico dos planejadores locais há
relativamente poucos anos. Para muitos desenvolvimento territorial é um novo nome
para as iniciativas de desenvolvimento local que se difundiram nos anos 90; para
outros, nos quais nos incluímos, o desenvolvimento territorial traz novidades que o
distinguem do desenvolvimento local. Este texto faz uma comparação entre uma
abordagem de desenvolvimento local (a abordagem LEADER da Comissão Européia) e
uma abordagem de desenvolvimento territorial (a metodologia DTPN da FAO) para
analisar dessas diferenças.
Palavras chave: Desenvolvimento local, desenvolvimento territorial, LEADER, DTPN
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XIX ENGA, São Paulo, 2009
FERREIRA, J.
Introdução
Qualquer tentativa de definição positiva do conceito de desenvolvimento está
condenada ao fracasso. Definir desenvolvimento como um “ato planificado de
mudança” tem pouca utilidade, devido à grande abrangência da definição. Por outro
lado, as tentativas de definir o conceito de forma mais estrita implicam sempre opções
de caráter normativo. Resta, pois, analisar as diferentes definições de desenvolvimento
em busca dos valores que as normam.
O texto aqui apresentado propõe-se contribuir para a análise do conceito de
desenvolvimento analisando um fenômeno ocorrido no virar do milênio: a substituição
do adjetivo local pelo objetivo territorial. Para fazê-lo pretendemos demonstrar duas
hipóteses:
Existem
diferenças
significativas
entre
o
desenvolvimento
local
e
o
desenvolvimento territorial.
Essas diferenças são dadas por uma evolução dos conceitos utilizados, mas
também por uma mudança de objetivos
Esta análise far-se-á pela comparação da proposta da Comissão Européia (CE)
de desenvolvimento local durante a década de 90, encerrada na iniciativa comunitária
LEADER,
e
a
proposta
de
metodológica
de
desenvolvimento
territorial
(Desenvolvimento Territorial Participado e Negociado – DTPN) apresentado pela FAO,
cujo primeiro documento que temos conhecimento data de 2003. Não se deixará, no
entanto, de fazer uma referência a outras metodologias de desenvolvimento local e
territorial que permitem complementar e reforçar o argumento que queremos defender.
A experiência de desenvolvimento local na Europa
O LEADER é uma experiência de desenvolvimento local em meio rural que
surgiu na Europa em 1992. Podemos destacar duas grandes fases do LEADER: uma
primeira fase em que esta teve o estatuto de Iniciativa comunitária (IC), que vai desde a
sua origem até 2006, e uma nova fase que se inicia agora de 2007 até, pelo menos
2013. Nesta fase o LEADER deixa de ser uma IC para ser o eixo 4 do Fundo Europeu
Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).
A passagem de IC a eixo do FEADER é significativa, uma vez que as ICs são
programas de caráter experimental cujo objetivo é testar novas abordagens para os
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fundos estruturais. O FEADER é um desses fundos estruturais, isto é, assistiu-se em
2007 a uma institucionalização da abordagem LEADER1.
Antecedentes da IC LEADER
Os autores divergem sobre os antecedentes do programa LEADER, mas esta
divergência deve-se muito mais ao ângulo da abordagem do que a divergências na
análise dos fatos. Por exemplo, Moreno (2007) faz uma análise a partir das
organizações da sociedade civil e, portanto, para ele a critica ao desenvolvimento
centralizado pelo Estado nos anos 80 está na gênese do desenvolvimento local.
Já Syrett (1995) tem uma abordagem a partir das organizações estatais e paraestatais e vê a origem do desenvolvimento local num documento da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aí se recomendava a promoção
de soluções locais para a regeneração de emprego, em alternativa ao modelo esgotado
de crescimento centrado em plataformas industriais (Syrett 1995).
Convém ainda acrescentar o impacto teórico das pesquisas sobre o pósfordismo industrial e sobre o que ficou conhecido como Terceira Itália. De certa
maneira, a IC LEADER tentou reproduzir esta realidade nos territórios rurais da Europa.
Vejamos então cada um dos aspectos referidos.
As críticas ao desenvolvimento econômico e o surgimento do desenvolvimento
auto-centrado
O Maio de 68 e a crise do petróleo de 1972/73 apresentam o início do fim de um
ciclo de desenvolvimento. Este ciclo veio a terminar com a queda do Muro de Berlim
em 1986, e a posterior queda da União Soviética em 1991 (Hobsbawn 1995). Não
obstante, o modelo de desenvolvimento no Ocidente já se estava a alterar na década
de 70. Os Programas de Ajustamento Estrutural promovidos pelo FMI foram um dos
efeitos mais visíveis desta mudança. O primeiro destes programas foi aplicado em
1973 no Chile.
A crise do desenvolvimento econômico tem outra faceta para além do regresso
do livre comércio e o enfraquecimento do Estado: o reclame da sociedade civil pela
1
Convém dizer que esta institucionalização já existia, de certo modo, na prática. A IC LEADER teve três períodos:
LEADER (1992-93), LEADER II (1994-1999) e LEADER + (2000-06), e ao fim de 14 anos de existência não se
pode afirmar que a iniciativa continuava a ser olhada como experimental. Por outro lado, verificou-se a partir do
LEADER + um maior controle da CE sobre a gestão do programa, nomeadamente com a gestão direta do
Observatório do Desenvolvimento Rural, até então gerido por uma rede da sociedade civil com o objetivo de refletir
sobre a experiência LEADER. Ou seja, se o LEADER + foi formalmente experimental, de acordo com o seu
estatuto de IC, será difícil afirmar que o foi na prática. Houve, de fato, um declínio manifesto de produção teórica e
reflexão do LEADER II para o LEADER +.
3
J. Ferreira, CPDA/UFRRJ
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participação nas decisões do desenvolvimento. O “excedente” de formação, traduzido
pelo aparecimento de uma massa de desempregados qualificados na Europa, em
particular em França, no final da década de 60, criou as condições para o surgimento
destas criticas (Moreno 1999).
As criticas ao modelo de desenvolvimento baseado no crescimento econômico
são várias. Por um lado a insustentabilidade desse crescimento devido à necessidade
de recursos não renováveis, em particular o petróleo como foi demonstrado pelo livro
“Os limites do crescimento” e logo reafirmado por E. Shumacher (1985). Por outro lado,
as críticas ao desequilíbrio territorial desse mesmo desenvolvimento. A transformação
do discurso das desigualdades de classes em desigualdade de regiões, pelo marxismo
heterodoxo, vieram dar sustento teórico ao argumento do desequilíbrio territorial (Syrett
1995).
A terceira Itália
Os trabalhos de Becantti e Bagnasco publicados no fim da década de 70 sobre
as condições econômicas da região noroeste de Itália produziram um intenso debate
sobre a emergência de uma economia pós-fordista, com conseqüências tanto na
economia como na política. Afirmava-se que a partir dos anos 50 teria surgido naquela
região uma economia competitiva, baseada em pequenas empresas conectadas entre
si (Bianchi 1998).
Até ao final da década de 70, a análise econômica de Itália estava baseada na
dicotomia Norte/Sul: no primeiro estavam localizadas as grandes empresas e se
assistia a um desenvolvimento econômico e a um nível de riqueza “saudáveis”,
enquanto no sul era o oposto. No sul predominava a agricultura latifundiária e a
estagnação econômica. É a partir do final da década de 70 que alguns economistas
vão falar numa terceira Itália, onde “uma densa e flexível rede de pequenas e médias
empresas, fortemente interligadas” permitiram um crescimento econômico forte após
1950 (Boschma 1998, 7).
Para um surgimento desta configuração econômica e social, concorreram vários
fatores, sobretudo de ordem cultural. Boschma (1998) e Bianchi (1998), ambos partindo
de uma revisão bibliográfica, fazem uma inventário dos fatores que contribuíram ao
surgimento desta configuração.
Estes fatores eram três. O primeiro é a tradição de cooperação, gerada pelo
trabalho agrícola. Este fator é crucial para um modelo econômico onde a confiança
entre os agentes aumenta a capacidade competitiva das empresas, já que aqui as
empresas se especializaram em fases do processo produtivo, e ficaram fortemente
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dependentes das outras para completar o processo produtivo. De certo modo, pode
afirmar-se, que a região da Terceira Itália funcionava com uma única grande empresa.
O segundo é a disponibilização da mão-de-obra agrícola a baixo custo,
sobretudo através de esquemas de pluriatividade. Na década de 50 verificou-se na
região uma redução da mão-de-obra agrícola que forneceu mão-de-obra para a
indústria emergente. Mas como este êxodo foi apenas parcial, permitiu à indústria
pagar salários baixos uma vez que estes eram compensados pela produção agrícola
remanescente.
O terceiro fator que identificamos na leitura das duas revisões supracitadas, é a
relativa independência de recursos externos para o desenvolvimento da indústria,
enquanto que a produção não se limitou ao mercado regional, mas alcançou o mercado
nacional. Uma vez que se tratava de artesanato, ele não depende de grandes
quantidades de capital nem de uma educação formal especializada.
As iniciativas locais de emprego
As Iniciativas Locais de Emprego (ILE) são uma medida de financiamento de
pequenas empresas criadas pela Comissão Européia em 1986. Trata-se de uma
iniciativa conjunta de vários países da OCDE (Mendes 2004), liderado por França e
Itália (OCDE s.d.).
Segundo Henriques, citado por Mendes, estas iniciativas “tinham como objectivo
encorajar o auto-emprego e a iniciativa empresarial entre desempregados como forma
de ensaiar novas metodologias de resposta ao desemprego estrutural surgido ao longo
dos anos setenta” (Mendes 2004, 223). As ILEs existem até hoje.
Para Syrett (1995), as ILEs são a mais antiga iniciativa de desenvolvimento local
da Comissão Européia e, portanto, um antecedente da IC LEADER. Para Moreno
(2007), as ILEs e mais tarde a IC LEADER são uma resposta às demandas da
sociedade civil apresentadas acima. Qualquer dos dois pontos de vista permite-nos
afirmar que o desenvolvimento local tem um caráter fundamentalmente econômico na
sua origem. Vamos voltar a esse ponto neste texto.
5
J. Ferreira, CPDA/UFRRJ
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FERREIRA, J.
Ligações Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural
Sem entrar em detalhe na descrição da IC LEADER pretende-se, pelo menos,
apresentar as suas principais medidas e formas de execução. Vamos aqui usar o
trabalho de Atance (2003) para fazer uma curta apresentação da IC LEADER.
A estrutura da IC LEADER é decidida no Plano de Ação Local (PAL), elabora no
nível local e submetido à aprovação pela Unidade de Gestão Nacional. Apesar de o
PAL definir as prioridades do investimento num determinado local, ele tem de
enquadrar-se numa estrutura definida pela própria iniciativa.
O LEADER tem por objetivo financiar iniciativas locais. Estas iniciativas são, em
grande parte, empreendimentos de geração ou fortalecimento dos empregos rurais não
agrícolas, mas também incluem a criação de infra-estruturas e ações imateriais –
animação e formação – que façam surgir ou fortaleçam as competências
empreendedoras da população do território.
Para a promoção do programa e animação do território deve ser formado um
Grupo de Ação Local (GAL) coordenado por uma Junta Diretiva. O GAL conta com uma
Equipa Técnica Local (ETL) cuja função é animar o processo e tramitar as solicitações
de investimento. Apesar de se requerer à ETL uma proposta de resolução aos pedidos
de financiamento, é à Junta Diretiva que compete resolver definitivamente tais pedidos,
tendo em consideração o PAL aprovado no estabelecimento do GAL (Atance 2003).
Finalmente, uma palavra para o tipo de ações apoiadas. Estes financiamentos
priorizam freqüentemente o financiamento de empreendimentos que valorizem o
patrimônio e a cultura local. Neste sentido, os empreendimentos turísticos têm captado
a maior fatia dos recursos (Atance 2003). Outro tipo de empreendimentos muito
apoiados pelo LEADER são os empreendimentos que visão valorizar os produtos
agrícolas: queijarias, salsicharias, lagares de azeite, etc. Sublinhe-se que o LEADER
não pôde, até 2007, financiar investimentos agrícolas propriamente ditos.
Se bem que podemos identificar um padrão no apoio do LEADER ao
fortalecimento dos produtos locais tradicionais e ao turismo rural, esse apoio não se
reduz ao co-financiamento da iniciativa privada (como no caso das ILE’s), mas incluiu o
apoio à iniciativa pública e de caráter associativo. É bastante comum o LEADER
financiar atividades dos municípios e associações, sejam elas materiais – como a
construção de um parque de recreio para turistas – ou imateriais – como a organização
de uma feira de produtos locais.
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A reestruturação da governabilidade local
Embora a IC LEADER se caracterize pelos incentivos financeiros à promoção do
micro-empreendedorismo, ela incorpora também mecanismos não financeiros (Tabela
1). Tais incentivos não financeiros da IC LEADER constituem uma reconfiguração da
governabilidade local.
As novas formas de governabilidade manifestam-se em duas dimensões: na
transferência do poder de decisão para o nível local (subsidariedade); e nos apelos à
participação das populações locais através de parcerias entre os vários sectores da
sociedade.
A subsidariedade foi uma das principais componentes do LEADER: a
transferência das competências em matéria de decisão e gestão do financiamento dos
projetos para o nível local, nomeadamente para os Grupos de Ação Local (GAL), teve
como objetivo simplificar os procedimentos e adaptá-los aos contextos locais.
Os pedidos de financiamento são analisados e sancionados pelo GAL de acordo
com o seu programa plurianual. Ou seja, a decisão sobre os pedidos de financiamento
e a gestão desse financiamento faz-se a nível local de acordo com critérios
predefinidos. Esses critérios encontram-se estabelecidos no seu Programa de Ação
Local, cujas estratégias foram igualmente estabelecidas a nível local.
A subsidariedade fortaleceu muito o papel das autarquias que se envolveram
diretamente na gestão do programa. Segundo Atance (2003), a participação das
autarquias na IC LEADER foi tão significativa, que na Fase II houve a necessidade de
limitar a percentagem de votos atribuídos a entidades de natureza pública a 50%. A
limitação da participação das instituições públicas na gestão da IC LEADER permite a
participação de outras entidades, em particular das empresas e das organizações da
sociedade civil, nessa mesma gestão.
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J. Ferreira, CPDA/UFRRJ
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FERREIRA, J.
Abordagem
territorial
Desenvolvimento a partir das realidades, forças e
fraquezas específicas de uma determinada zona com certa
homogeneidade e caracterizada pela sua coesão interna, entidade
partilhada e presença de recursos endógenos.
Abordagem
ascendente
Participação das populações na tomada de decisão, o que
implica recorrer à animação e formação das populações.
Grupo de Ação
Convocação de agentes públicos e privados para a
elaboração de uma estratégia comum. Implica a redefinição
organizacional do território através da institucionalização desta
parceria (o GAL).
Inovação
Promover ações de caráter inovador, demonstrativas e
replicáveis, capazes de trazer novas respostas às fraquezas e
problemas das zonas rurais.
Local
Ações coordenadas num conjunto coerente: de tipo
vertical ou de fileira (acrescentar valor aos produtos no território),
e, principalmente, de tipo horizontal (integração inter-setorial
criando oportunidades que um enfoque sectorial não permite).
Abordagem
integrada
Colocação
rede
em
Promover a cooperação entre territórios. Facilitar o
intercâmbio de informação e a difusão de inovações.
Delegação no GAL de uma parte importante da tomada de
Financiamento de
decisão em matéria de financiamento e gestão do programa.
proximidade
Tabela 1 - Elementos inovadores da abordagem LEADER
Para ir ao encontro de cada um dos objetivos associados à participação, o GAL
é constituído por vários atores envolvidos por uma parceria. Mas, ao mesmo tempo, o
GAL está incumbido de animar e mobilizar a população para o debate em torno do
projeto de desenvolvimento do território ou, pelo menos, para a apresentação de
projetos de investimento no território.
É precisamente esta dimensão da abordagem LEADER que inspirou o
surgimento do conceito de desenvolvimento territorial. Como vamos ver, a IC LEADER
apresenta algumas limitações que são resolvidas, pelo menos por algumas,
abordagens de desenvolvimento territorial.
Do desenvolvimento local ao desenvolvimento territorial, pp. 1-21
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O desenvolvimento territorial: uma leitura a partir da proposta do Serviço de
Sistemas fundiários da FAO
Até agora definimos os contornos do desenvolvimento local, tomando como
objeto a IC LEADER. A partir de agora vamos apresentar os contornos do
desenvolvimento territorial. Para fazê-lo vamos partir da metodologia proposta pela
FAO “Diagnóstico territorial negociado e participado”. Mas ao fazê-lo, vamos ter em
conta outras propostas de desenvolvimento territorial2.
Estas
metodologias
têm
como
antecedentes
as
experiências
de
desenvolvimento local, com destaque para o LEADER. De fato, é possível observar
referências às reflexões produzidas pelo Observatório do LEADER II nas quatro
metodologias analisadas.
O diagnóstico territorial participado e negociado (DTPN)
O DTPN é uma metodologia proposta pelo Serviço de Sistemas Fundiários
(SDAA) da FAO, cuja primeira publicação que conhecemos data de 2003. Até esta
data, o SDAA/FAO utilizou a metodologia de diagnóstico de sistemas agrários proposta
por Marcel Mazoyer para prestar assistência técnica a processos de reforma agrária.
Por esta razão as primeiras propostas do DTPN tinham uma influência muito
grande do diagnóstico de sistemas agrários. Com o tempo a proposta vai mostrando
uma cada vez maior permeabilidade aos métodos participativos atualmente em voga,
como a análise de atores e o diagnóstico rural participativo (PRA), e, ao mesmo tempo,
uma desvalorização da fase de diagnóstico para considerar todo o processo de
desenvolvimento
Em seguida iremos apresentar brevemente a metodologia de diagnóstico de
sistemas agrários de Marcel Mazoyer, seguida de algumas notas biográficas do DTPN.
Diagnóstico de sistemas agrários de Marcel Mazoyer
A metodologia de diagnóstico de sistemas agrários foi publicada em 1992 pelo
autor (Mazoyer 1992-93), e encontra-se também publicado pelo SDAA/FAO (FAO
1999). A proposta mais consistente foi publicada por Dufumier (1996), colega de
Mazoyer que o sucede como responsável pela disciplina de agricultura comparada no
2
A proposta de Desenvolvimento territorial rural da Rede Internacional de Metodologia de Investigação em
Sistemas de Produção (Chile); a proposta de Gestão territorial rural do PRISMA: Projeto Salvadorenho de
Investigação Sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (El Salvador); e a proposta de Desenvolvimento territorial
da UCA: Universidade Centroamericana de Nicarágua (Nicarágua).
9
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Instituto de Agronomia de Paris-Grignon. A metodologia divide-se em duas etapas:
análise das situações agrárias e caracterização de sistemas de produção.
Estas
etapas correspondem, respectivamente, ao terceiro e quarto capítulos do livro de
Dufumier.
A primeira etapa é uma caracterização regional que implica análise espacial (de
paisagem) e histórica. Os objetivos são três: identificar zonas ecologicamente
homogêneas; identificar os processos de mudança3; e identificar os tipos de
agricultores. Cada tipo de agricultor em cada zona é depois caracterizado, através de
critérios econômicos, no que concerne a sua eficiência e sustentabilidade.
Não é aqui lugar para entrar em detalhes sobre o método; basta entendermos a
existência de duas etapas e que a passagem da primeira para a segunda é mediada
pela elaboração de uma tipologia de agricultores, ou melhor, de explorações agrícolas.
Este fato é importante porque reduz a análise ao sector agrícola, tornando invisíveis as
relações sociais não agrícolas.
A percepção desta limitação, num contexto de diversificação da economia rural,
vai motivar que aqueles que utilizavam o método, como a SDAA, busquem alternativas.
As propostas iniciais implicaram o aprofundamento da análise das situações agrárias –
agora chamada de análise territorial ou regional – e a dispensa da segunda fase.
Subsídios para uma biografia do DTPN
O primeiro documento que conhecemos sobre esta nova metodologia foi
publicado em 2003, com o nome “Diagnóstico Territorial Participativo até à mesa de
negociação” (FAO 2003). Nela se verificam já os três aspectos que caracterizam a
metodologia:
A aproximação às metodologias participativas, como a análise de atores
[stakeholders] e o diagnóstico rural participativo.
A manutenção dos princípios de investigação da análise de sistemas
agrários: iterativo, baseado em hipóteses, estratificação da realidade,
procurando a explicação – não apenas a descrição.
A formulação de propostas alternativas para uma mesa de diálogo
participada por todos os atores.
Um resumo dessa proposta é publicado na revista Land Reform, Settlements
and Cooperatives na mesma altura (Groppo, Clementi y Ravera 2003), onde, 10 anos
antes, tinha sido publicada a metodologia de Mazoyer.
3
“Faits de natures très diverses [qui] peuvent s’enchaîner les uns aux autres pour aboutir à une transformation
profonde des réalités agraires” (Dufumier 1996, 56-57).
Do desenvolvimento local ao desenvolvimento territorial, pp. 1-21
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Após estas publicações, é de referir o trabalho de Ravera (2004) no qual é
sistematizada a aplicação do método a um caso concreto no Perú. Outra publicação
que ajudou a formular o método é resultante de uma experiência na Bosnia Herzgovina
(Biancalani 2004). Estes trabalhos apresentam uma viragem importante na discussão
metodológica: a preocupação deixa de estar centrada no processo de diagnóstico para
centrar-se no processo de facilitação.
Em 2005 é publicado o manual de Diagnóstico Territorial Participado e
Negociado (FAO 2005). Este manual apresenta o processo em quatro fases: (1)
panoramas4; (2) horizontes; (3) negociação; e (4) pacto territorial.
A primeira fase corresponde, em muito, à análise territorial herdada do
diagnóstico de sistemas agrários, mas apenas no que toca aos seus princípios. Já no
que toca às técnicas, notamos a incorporação de metodologias participativas. No
entanto, é preciso ter em conta que o diagnóstico de sistemas agrários se centrava,
sobretudo, na análise dos tipos de produtores e, por essa razão, oferecia poucos
instrumentos para a análise do território.
A segunda fase corresponde à preparação da negociação. Na nossa leitura, ela
implica preparar os atores para a negociação (capacitar os marginalizados e cativar os
poderosos) e preparar as propostas de negociação. É sublinhada, por um lado, a
importância de preparar os atores desempoderados, pois estes correm o risco de não
ter capacidade de negociação para sequer manter os direitos previamente adquiridos
durante o processo. Ao mesmo tempo, é destacada a importância de múltiplas
propostas alternativas aos problemas identificados, a fim de aumentar a probabilidade
de chegar a acordos.
A terceira e quarta fase são apresentadas conjuntamente no manual. A elas
corresponde a negociação de soluções para os problemas identificados, envolvendo
todos os atores, e o acompanhamento às decisões que decorrem dessa negociação.
Aqui se afirma a importância de um facilitador, como garante das regras do jogo e
responsável pelo fluxo de informação, e de uma estratégia de negociação orientada a
interesses. Discute-se também a importância dos notáveis locais para viabilizar a
negociação.
4
Em 2005 a primeira fase do método aparece como ‘views’ na versão em inglês do manual e ‘miradas’ na versão
em espanhol; na versão em português aparece ‘objetivo’. É numa versão posterior (FAO 2007) que aparece a
palavra ‘panoramas’. Somos tentados a considerar que houve um erro de tradução na versão de 2005.
11
J. Ferreira, CPDA/UFRRJ
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Em particular nestas fases, mas durante todo o documento nota-se uma
preocupação muito grande com o papel do facilitador. Logo na primeira fase se discute
a necessidade da intervenção e a legitimidade do facilitador para levá-la a cabo. Na
segunda fase se faz uma discussão sobre métodos participativos e estratégias de
comunicação. A duas fases, o papel da facilitação é, como se viu, o tema central em
debate.
Em 2007 é publicado o manual de facilitação da metodologia (Rossi y Cenerini
2007). Ela contém grande parte das reflexões que já tinham sido feitas nos documentos
anteriores, mas apresenta também algumas inovações.
Sustentando-nos neste documento, mas também nos trabalhos anteriores,
verificamos que o facilitador do desenvolvimento territorial se opõe a noção de
facilitador do diagnóstico rural participativo em dois aspectos. Em primeiro lugar, ele
não é neutro: tem como objetivo equilibrar as relações de poder, pelo terá de tomar
algumas vezes a posição dos atores fracos. Em segundo lugar, ele não é um indivíduo,
mas uma organização, uma vez que a facilitação territorial exige múltiplas
competências.
Do desenvolvimento local ao desenvolvimento territorial
As descrições que fizemos até agora do LEADER e do DTPN não esgotam a
sua apresentação. Até aqui centramo-nos nos seus aspectos operativos. A partir daqui
afloram-se com mais acuidade os seus aspectos teóricos, recorrendo a uma dicotomia
desenvolvimento local/desenvolvimento territorial (Figura 1).
Para o LEADER, o território é definido “uma representação coletiva, baseada na
integração das dimensões geográficas, econômicas, sociais, culturais, políticas, etc.”
(AIELD 2001). Esta representação é interna – identidade – e externa – imagem. A
identidade territorial permite uma cooperação mais estreita entre os atores em
presença, facilitando a busca de sinergias entre os diversos atores. A imagem permite
a valorização econômica do território por consumidores externos a ele; fala-se então
dos produtos de qualidade e turismo rural.
Do desenvolvimento local ao desenvolvimento territorial, pp. 1-21
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Desenvolvimento
local
Território
(nível espacial)
Identidade
(local)
Atores
(Institucionalidade)
Parceria
público/privado
(GAL)
Objetivos
Crescimento
econômico
Desenvolvimento
territorial
Identidades
múltiplas
Partes
interessadas
(Institucionalidade
complexa)
Arena de
negociação
(multi-escalar)
Outros
objetivos
Múltiplos objetivos
Figura 1 – Análise conceptual do desenvolvimento local e territorial
Afirma AIELD (2001), “os intervenientes dispõem de uma grande margem de
manobra em termos de definição do território de aplicação (com a obrigação de
corresponder
a
uma
certa
identidade
natural
e/ou
cultural,
sem
coincidir
necessariamente com os limites administrativos)”. A identidade adquire assim
importância na definição dos territórios, sobrepondo-se aos limites administrativos
preestabelecidos.
Não obstante, a continuidade do debate em torno da definição do conceito de
território e dos limites territoriais, tornou clara a existência de múltiplas identidades e
múltiplos territórios. Sem pretensão de contribuir para tal debate, as cartas de uma
missionária dando aulas no norte de Moçambique, publicadas recentemente em livro,
demonstram de forma brilhante este fato.
Na cabeça de um homem há muitas línguas a falar diferente. E, na
cabeça dos nossos alunos, as muitas línguas a falar diferente se
complicam e “confusionam” mais com os dialectos a pensar diferente.
Desconhecem fronteiras linguísticas, contrabandeiam palavras alheias.
Falam com bocados umas das outras, e “texturam” textos que,
espontânea e naturalmente, entretecem o português, o chichewa e o
inglês (…) Mas o que mais me surpreendeu foi encontrar, na palhota de
um moçambicano, no lugar mais nobre da exígua sala, não o retrato do
Chissano (que tem lugar cativo e altivo em todos os edifícios públicos),
mas a fotografia emoldurada do Bakili Muluzi, o Presidente da
República de Malawi! Quando admirei tão insólita ocorrência, na casa
do filho do chefe da aldeia, fui assim explicada “Desconsegui a foto do
13
J. Ferreira, CPDA/UFRRJ
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XIX ENGA, São Paulo, 2009
FERREIRA, J.
Chissano, então pendurei essa própria do Muluzi. Precisava de um
retrato de Presidente a guarnecer a sala…”
(…) Não sei, pois, se todas estas manifestações são resultado de uma
crise de identidade, de uma falta de patriotismo ou de um excesso de
pátrias (Portela 2008, 102-104).
O excerto demonstra de maneira brilhante como três identidades se misturam na
cabeça das pessoas na região. Mas os limites territoriais não dependem apenas de
culturas sobrepostas, mas também de sectores sobrepostos. O mesmo texto relata
como a economia e a política se definem em espaços diferentes: “Na moagem de aqui
da Missão, as mamãs pagam sobretudo com kwachas e no mercado da Fonte Boa as
capulanas são mais baratas se pagarmos com dinheiro malawiano. Aliás, a maior parte
dos feirantes vêm do outro lado da fronteira” (Portela 2008, 103).
Finalmente há que considerar as diferenças de identidade/relação com o espaço
que têm os diferentes atores. Distintos atores têm diferentes relações com o espaço,
devido a diferentes status sociais que por sua vez conforma relações sociais
espacialmente distintas. Frente a esta análise, resta uma abordagem pragmática da
definição dos limites do território.
Para o RIMISP “la definición operacional de territorio es puramente
instrumental, es decir, funcional a los objetivos y alcances del proyecto que se
proponen los agentes de los procesos de desarrollo territorial rural” (Schejtman e
Berdergué 2004, 33). Para a FAO o próprio processo desenvolvimento territorial, o
“pacto
social
territorial,
pode
resultar,
entre
outras
coisas,
(…)
no
estabelecimento dos limites territoriais considerando os limites costumeiros”
(FAO 2007, 56).
É neste sentido que podemos “conceber o território com uma arena de diálogo e
negociação” (FAO 2005, 10), isto é um espaço pelo uso do qual os atores estabelecem
relações de conflito e cooperação.
Mas a aceitação desta definição de território implica outras considerações. Para
além da dimensão local, as dimensões regional, nacional e até mesmo global cabem
na definição estrita de território. Num workshop em Nueva Sergovia, se construía esta
noção de multi-territorialidade a partir da idéia “YO SOY: Nica, Segoviano, Jalapeño, y
sigo siendo ‘yo’, al mismo tiempo que sigo siendo todo lo otro” (Hurtado 2005). Tanto a
metodologia de desenvolvimento da UCA como a da FAO inovam ao afirmar a
necessidade de articular os níveis de espacialidade. “De fato, esta estratégia [de
desenvolvimento
territorial]
integra
múltiplas
dimensões
dos
processos
de
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desenvolvimento: gerir diversas problemáticas e envolver diferentes níveis do governo,
com o intento de estabelecer um ambiente condutivo ao desenvolvimento territorial
ascendente, negociado” (FAO 2005, 78).
Algumas observações mais contundentes a este respeito foram feitas
recentemente. Para Groppo, “porque muchas de las decisiones que determinan
las políticas públicas a nivel local se toman en los centros políticos del país:
pensamos por ejemplo a la necesidad de articular las intervenciones entre
distintos ministerios así como la necesidad de estructurar un dialogo con los
sectores que poseen el control de los recursos y las orientaciones de política
macroeconómica, que al final son los que determinan el nivel de recursos
disponibles” (Groppo 2007, 7).
Passemos agora ao segundo aspecto evidenciado na Figura 1: os atores. A
relação
do
desenvolvimento
local
foi
originalmente
baseada
na
dicotomia
Estado/Privado. No Dossiê pedagógico do LEADER (AIELD 2001), é referida a
necessidade de convocar os vários atores: coletividades locais; Estado; representantes
profissionais; setor cooperativo; setor associativo; agentes de desenvolvimento; setor
financeiro e outros.
Não obstante, o equilíbrio na relação Estado/Privado percorre todo o texto como
uma matriz de análise da diversidade dos atores: “a criação de um produto ou de um
serviço que exija a contribuição de diversos agentes públicos, privados ou associativos”
(AIELD 2001). É natural, uma vez que o desenvolvimento local se opunha ao
desenvolvimento econômico orientado pelo Estado onde os interesses privados eram
vistos como opostos aos interesses coletivos.
A evolução da experiência de desenvolvimento local levou ao reconhecimento
de uma heterogeneidade de atores em cada uma das esferas de participação social.
Se a dicotomia Estado/Privado foi a chave com que o LEADER lidou com a
multiplicidade de atores; para o RIMISP, a chave de análise é pobre/não pobre:
Definimos el DTR como un proceso de transformación productiva e
institucional en un espacio rural determinado, cuyo fin es reducir la
pobreza rural. La transformación productiva tiene el propósito de
articular competitiva y sustentablemente a la economía del territorio a
mercados dinámicos. El desarrollo institucional tiene los propósitos de
estimular y facilitar la interacción y la concertación de los actores locales
entre sí y entre ellos y los agentes externos relevantes, y de incrementar
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las oportunidades para que la población pobre participe del proceso y
sus beneficios (Schejtman e Berdergué 2004, 4).
Ao mesmo tempo, o DTPN coloca as relações de poder como eixo de
interpretação da heterogeneidade de atores as relações de poder. De fato, essa
relação já está contida na definição de território enquanto arena de conflito e
cooperação. Relacionado com este aspecto, é a reflexão permanente da SDAA sobre
duas faces do mesmo problema: como atrair os atores fortes para a mesa de
negociação e como empoderar os atores fracos para que estes não percam direitos na
mesa de negociação.
Com o objetivo de resolver a heterogeneidade dos atores, é necessária uma
institucionalidade para o efeito. Para o LEADER essa institucionalidade é o Grupo de
Ação Local: uma instituição de caráter territorial que congrega a todos os atores, numa
parceria local. Para o DTPN ela implica a existência de fórum de concentração entre os
atores a vários níveis de espacialidade. O RIMISP propõe uma arquitetura institucional
complexa.
Uma proposta interessante é feita pela UCA: a matriz de territorialidade. Esta
matriz
é
um
instrumento
que
permite
identificar
sinergias
e
lacunas
na
institucionalidade existente num território. Deste modo, não se preconiza uma
instituição territorial, mas o fortalecimento da institucionalidade existente, tendo em
conta a dimensão espacial e a divisão sectorial.
Em suma, o reconhecimento da multiplicidade de atores que vai além da
tradicional dicotomia Estado/Privado, leva imediatamente à busca de soluções
institucionais mais complexas, embora as propostas mudem de autor para autor.
Finalmente chegamos ao terceiro aspecto da dicotomia entre desenvolvimento
local e desenvolvimento territorial proposta: a dos objetivos. Argumentamos antes que
o LEADER teve por base a tentativa de reprodução de uma economia em rede
baseada em pequenas empresas, tal como foi identificada na região central de Itália. É
nesse sentido que afirmamos que o LEADER, embora se opondo ao tipo de
crescimento econômico baseado em grandes investimentos estatais, não deixa de
buscar o desenvolvimento econômico. Aliás, ele aparece com uma solução mais
complexa que as ILEs para resolver o problema do emprego em meio rural. Para
alcançar o seu objetivo o LEADER recorreu a mudanças na governabilidade local –
para as quais também contribuíram as exigências de descentralização da sociedade
civil.
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As várias experiências de desenvolvimento territorial vão apropriar-se da
experiência criada pelo LEADER e outros programas similares para perseguir outros
objetivos. Um exemplo disto é o PRISMA, em El Salvador, e as suas experiências de
conservação da natureza documentadas por Gómez, Kandel y Rosa (2003).
Para o DTPN os objetivos do desenvolvimento territorial são resolver os
múltiplos problemas que surgem da gestão dos recursos naturais de um território. Ao
centrar a sua abordagem no reforço da governabilidade, isto é, ao colocar como
objetivo o que anteriormente foi um meio, o DTPN deixa em aberto os sectores de
intervenção, ou antes, procura intervir em todos os setores:
Os resultados do processo de tomada de decisão podem ser diversos.
Quando se busca o Pacto Social Territorial não se persegue o resultado
contratual, mas sim, o fato de que a tomada de decisão pelos atores é
socialmente legítima, e, portanto, abre caminho para a reativação do
processo sobre novas e amplas questões. Por isso, quando se apóia
um processo de diálogo, o centro da atenção não se refere tanto à
decisão adotada, se esta enfoca as fraturas sociais enraizadas, e sim, à
busca de uma base comum para o acordo entre os atores e a
construção da confiança ao longo do processo. Isso pode formar a base
de um diálogo renovado e construtivo sobre as problemáticas territoriais
(FAO 2007, 56).
Em jeito de conclusão: uma rota de investigação sobre desenvolvimento
territorial
Tentamos demonstrar acima quais as alterações mais significativas que
acompanharam
a
substituição
do
adjetivo
local
por
territorial
atribuído
ao
desenvolvimento, um fenômeno que para nós aconteceu na viragem da década de 90
para o novo milênio. Não iremos novamente refletir sobre os limites da análise
proposta, como já fizemos na introdução. Queremos antes refletir sobre os desafios
que esta viragem política coloca à ciência enquanto construtora de conhecimento e
respostas.
Das três inovações atribuídas ao desenvolvimento territorial, aquela que nos
parece mais significativa é a dimensão multi-territorial do processo de desenvolvimento.
De fato, parece que todos os praticantes de desenvolvimento local e territorial estão a
chegar ao consenso da necessidade de considerar diferentes dimensões espaciais: a
FAO fala em articulação de diferentes escalas territoriais (FAO 2007); a UCA usa o
termo multi-territorialidade para referir-se à sobreposição de dimensões espaciais
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(Dietsch, Novoa y Picado 2006); e o PRISMA fala da importância das relações
extraterritoriais (Kandel y Cuellar 2007). Não obstante, muito pouco foi dito sobre como
enfrentar esta questão.
Conceitos como rede social, capital social, ou infra-estrutura social, para usar um
termo de Taylor (2003), devem ser convocados para esta análise.
Este trabalho, não pode, contudo, descuidar as outras dimensões da mudança.
A institucionalidade múltipla oferece parte da solução, mas também aumenta a
complexidade do problema. Para Groppo, a articulação entre escalas “se trata por lo
tanto de un juego en distintos niveles complementarios: mesa de negociación nacional;
momentos de interlocución para asegurar la retaguardia (articulación con los demás
actores); mesas de negociación local para asegurar el apoyo local (departamental y
municipal) para aquellas áreas demostrativas donde se implementarán los principios
constitutivos de la futura política de tierras” (Groppo 2007, 7).
Por outras palavras esta articulação dá-se tanto por dentro como por fora do
Estado, ou seja, dá-se também nas organizações da sociedade civil que estão quase
sempre representadas tanto ao nível local como nacional (e global, em certos casos).
Finalmente, a mudança do foco econômico para o foco político (governabilidade)
impõe olhares renovados sobre o conceito de desenvolvimento local/territorial. Não se
trata de uma questão de mercados, mas de formulação de políticas. Perguntar-se-á
então qual é o espaço do local na formulação de políticas nacionais.
As contribuições da ciência para esta problemática começam a ser construídas.
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