O INTÉRPRETE DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS NO ENSINO
FUNDAMENTAL E SEU PAPEL NA ESCOLA COMUM
Anderson Tavares Correia da Silva1
Márcio Ribeiro Macedo Júnior2
Francisco José de Lima3
RESUMO
Este artigo é fruto de uma pesquisa que teve por objetivo investigar as representações
sociais construídas pelo profissional tradutor-intérprete de Língua Brasileira de Sinais
(Libras) quanto ao seu papel na educação de alunos surdos. Para coleta de dados foi
utilizado um roteiro com perguntas semi-dirigidas. Foi constatado que os seis
intérpretes entrevistados, atuantes em salas de aula regular de ensino fundamental da
Rede Municipal de Recife, mostram ser conscientes do seu papel, mas na prática, por
motivos diversos, assumem funções e/ou se comportam como se fossem professores
dos alunos surdos. Os entrevistados consideram que os professores não estão
preparados para lidar com as especificidades dos alunos com deficiência, e por isso
transferem para os intérpretes responsabilidades docentes. Os intérpretes percebemse como sujeitos de transformação social e procuram contribuir no processo de
inclusão dos alunos.
Palavras-chave: intérpretes de Libras, surdos, inclusão.
1. INTRODUÇÃO
As pessoas que nascem surdas ou se tornam surdas antes de aprender
a língua oral não têm acesso à língua de comunicação social, ou seja, a língua
que se fala no lugar onde vivem, no caso do Brasil a Língua Portuguesa.
Paralelamente, as pessoas que se tornam surdas perdem o acesso à Língua
Portuguesa pela via oral. Uma das conseqüências disso é a exclusão destes
sujeitos das diversas dinâmicas sociais, entre elas da escolarização.
A
necessidade
de
comunicação
obriga
a
quebra
da
barreira
comunicacional. Sem acesso à língua oral, os surdos desenvolveram línguas
de sinais, permitindo a comunicação por um meio gesto-visual. No caso do
Brasil, sem acesso ao português em sua modalidade oral, os surdos
desenvolveram a Língua Brasileira de Sinais (Libras), oficializada pela Lei
10.436 em 2002 e regulamentada pelo Decreto 5.626 em 2005.
1
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected]
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – [email protected]
3
Professor adjunto do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais – Centro de Educação –
UFPE. [email protected]
2
Quando a língua de sinais é reconhecida como oficial, podemos dizer
que essa conquista significa a quebra de uma barreira comunicacional para
estes indivíduos. A língua deve ser respeitada, ensinada e difundida, a fim de
assegurar o direito das pessoas surdas à comunicação e através dela seu
acesso à sociedade.
Por outro lado, encontramos agora pessoas que não sabem falar a
língua de sinais. Neste contexto, surge o personagem de nossa pesquisa: o
tradutor-intérprete de língua de sinais para a língua de comunicação social oral.
De uma maneira mais específica, em nosso país, o intérprete de Libras e
língua portuguesa.
O intérprete é o responsável pela comunicação entre falantes de uma
língua A e falantes de uma língua B. O intérprete de Libras tem a
especificidade de traduzir a Língua Brasileira de Sinais para a Língua
Portuguesa e vice-versa, tornando-se o canal de comunicação entre falantes
de uma e de outra língua. Este intérprete pode atuar em diferentes contextos
comunicacionais como, por exemplo, em palestras, programas de televisão,
salas de aula, cultos religiosos etc.
O intérprete de Libras em sala de aula é o responsável pela
comunicação entre surdos e ouvintes no contexto escolar. Sua função é tornar
acessível aos alunos surdos não só o que é dito pelos professores, como
também todo o conteúdo não acessível por conta da deficiência auditiva: as
falas dos colegas, o sinal sonoro que anuncia o recreio, algum ruído que venha
a chamar a atenção da turma, e assim por diante.
Em nosso trabalho, vamos estudar as representações sociais
construídas pelos intérpretes de Libras quanto ao seu papel na educação de
alunos surdos, ou seja, o que estes sujeitos pensam de sua função profissional
e que contribuições consideram trazer para a vida de professores e alunos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. CONQUISTA DO DIREITO DE ACESSO À EDUCAÇÃO
Antes de falar sobre o direito à educação inclusiva e o que ela significa,
há de se lembrar que em dado momento histórico as pessoas com deficiência
não tinham acesso a nenhum tipo de escolarização. Gradualmente, através da
luta principalmente das pessoas com deficiência e de seus familiares e amigos,
2
o direito de acesso à educação foi assegurado, assim como o atendimento às
especificidades dos sujeitos com deficiência.
A respeito dos alunos surdos, de acordo com os estudos de SANTANA
(2006), a significação a respeito de quem são as pessoas com deficiência
auditiva sofreu uma evolução ao longo da história, passando por dois
momentos principais: a oralização e a aceitação das línguas de sinais. A
oralização partiu principalmente da idéia de que para o surdo se adaptar ao
mundo, se fazia necessário aprender a pronunciar bem as palavras e
compreender a fala dos outros através da leitura labial. O surgimento das
línguas de sinais deu-se do encontro desses sujeitos surdos e da necessidade
de se comunicar de uma maneira acessível.
No Brasil, o marco histórico que sempre é lembrado, inclusive nos
estudos de FONTE (2005), foi a vinda de educadores franceses ao Imperial
Instituto de Surdos-Mudos, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES-RJ). Ali há havia a experiência local da criação de uma língua de sinais,
e esta recebeu a influência da língua de sinais francesa.
A partir daí a educação de sujeitos surdos passou por constantes
transformações no que diz respeito às metodologias de ensino, configuração
das salas de aula quanto ao seu público, currículos, etc. A presença da língua
de sinais contribuiu para essas transformações.
2.2. CONQUISTA DE UMA LÍNGUA OFICIAL
Dois marcos legais devem ser citados quando se fala da Língua
Brasileira de Sinais: a LEI Nº. 10.436 de 24 de abril de 2002 que dispõe sobre
a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências e o DECRETO
Nº. 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que Regulamenta a Lei acima e o art.
18 da Lei N°. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Esta conquista foi possível
graças à luta de pessoas surdas, pais, intérpretes, professores, profissionais da
área, e em especial comunidades e associações de surdos, lembrando que até
o ano de 2002, a Libras era considerada como linguagem e não como língua.
Na concepção de COSTA (2008) a diferença entre Língua e Linguagem
consiste no fato de que:
3
O termo linguagem deve ser entendido como a faculdade
mental que distingue os humanos de outras espécies
animais e possibilita nossos modos específicos de
pensamento, conhecimento e interação com os
semelhantes. É a capacidade específica à espécie humana
de se comunicar por meio de um sistema de signos (ou
língua).
A língua é, então, entendida como forma de realização da
linguagem; como sistema lingüístico necessário ao
exercício da linguagem na interlocução ou como
instrumento do qual a linguagem se utiliza na
comunicação.
Nesse sentido a Língua se caracteriza pela sua função social, uma vez
que é utilizada como um meio de comunicação/sistema coletivo de uma
determinada
comunidade
lingüística.
E
a
Linguagem
abrangeria
o
conhecimento interno que os falantes de uma língua possuem sobre a mesma,
assim como toda manifestação que contenha uma intenção comunicativa.
Como, por exemplo, expressões corporais, sinais, mímicas, manifestações
artísticas que expressem idéias, sentimentos e etc. Portanto, ao adquirir o
status de Língua, a Libras é reconhecida como o instrumento de comunicação
legal e principal das pessoas surdas.
As organizações dos movimentos sociais e político de luta dos direitos
das pessoas surdas surgiram da união de forças entre comunidades e
associações de pessoas surdas. Para termos uma idéia, segundo dados do
IBGE (2000), a população brasileira de pessoas com algum tipo de deficiência
auditiva era de 5.735.099 pessoas, o que representa 1,4% da população total.
Felizmente
surgiram
movimentos
para
retirar
essa
população
da
marginalização lingüística, educacional e cultural que se encontravam.
A conquista legal da Libras como primeira língua do surdo representa
um grande avanço na luta contra o preconceito e a discriminação, porque vai
aos poucos permitindo uma maior comunicação e a quebra desses préconceitos através da interação entre as partes e a inclusão dessa realidade
dentro da sociedade brasileira. Sendo assim, essa conquista demanda e
oficializa o ensino de Libras nas escolas, a formação de instrutores e
intérpretes, ou seja, numa perspectiva ampla a inclusão das pessoas surdas
nas políticas de educação, trabalho, saúde e etc. É importante ressaltar que o
ensino e o uso da Língua Brasileira de Sinais pelos surdos, desde criança,
4
também é importante para o desenvolvimento de sua cognição e da sua
linguagem. Baseada nos princípios de Vigotski (2001), Lacerda (2006, p. 165)
afirma que:
A linguagem é responsável pela regulação da atividade
psíquica humana, pois é ela que permeia a estruturação dos
processos cognitivos. Assim, é assumida como constitutiva
do sujeito, pois possibilita interações fundamentais para a
construção do conhecimento.
Apenas o aparato legal não garante o cumprimento dos direitos socialhistoricamente conquistados. Felizmente, grandes avanços vêm sendo
conquistados na construção de uma sociedade inclusiva, mas a luta jamais
pode dar lugar ao conformismo.
2.3. O INTÉRPRETE DE LIBRAS
2.3.1. QUEM SÃO OS INTÉRPRETES DE LIBRAS
Os tradutores-intérpretes de língua de sinal para a língua de
comunicação social local e vice-versa são os sujeitos de nossa pesquisa,
Falando especificamente de nossa realidade, são os intérpretes de Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO),
disponível no sítio do Ministério do Trabalho e Emprego, a profissão de
tradutor-intérprete é devidamente regulamentada e reconhecida em nosso país.
Segundo o CBO, os tradutores-intérpretes são aqueles que:
Traduzem, na forma escrita, textos de qualquer natureza, de
um idioma para outro, considerando as variáveis culturais,
bem como os aspectos terminológicos e estilísticos, tendo
em vista um público-alvo específico. Interpretam oralmente,
de forma simultânea ou consecutiva, de um idioma para
outro, discursos, debates, textos, formas de comunicação
eletrônica e linguagem de sinais, respeitando o respectivo
contexto e as características culturais das partes. Tratam
das características e do desenvolvimento de uma cultura,
representados por sua linguagem; fazem a crítica dos textos.
A descrição sumária da atividade de um tradutor nos leva a perceber
que este profissional não pode ser aquele que simplesmente conhece duas
5
línguas diferentes. Ele deve ter uma formação que lhe desenvolva a
competência de interpretar, permeada pelos conceitos éticos e conhecimentos
lingüísticos e culturais pertinentes aos públicos envolvidos em suas
interpretações.
A formação do intérprete de Libras era uma questão totalmente incerta
até o surgimento do Decreto Federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Antes
disso, considerava-se intérprete simplesmente a pessoa ouvinte que tivesse
suficiente domínio da Língua Brasileira de Sinais, adquirida com o convívio com
os grupos de surdos (associações, federações, instituições em geral etc.). Com
o Decreto, ficou claro que a formação do Intérprete “deve efetivar-se por meio
de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras Língua Portuguesa” (Capítulo V, Artigo 17). O Decreto determina ainda outras
maneiras de formar intérpretes, dando por uma questão de flexibilidade um
prazo de 10 anos para adequação.
Em Recife, até a realização desta pesquisa não existe registro de oferta
de curso superior em Letras com habilitação em Libras, havendo previsão de
vestibular para a composição das primeiras turmas neste ano de 2008. No
entanto, o Governo do Estado de Pernambuco oferece o curso Técnico em
Libras para a formação de tradutores-intérpretes de Língua Brasileira de Sinais
e Língua Portuguesa.
2.3.2. O INTÉRPRETE EM SALA DE AULA DO ENSINO FUNDAMENTAL
Estes sujeitos são os responsáveis pela comunicação entre os falantes
de uma língua (no caso, a Libras) e de oura língua (no caso, o Português). No
contexto de sala de aula do ensino fundamental, eles significam um canal de
comunicação entre aluno(s) surdo(s), aluno(s) ouvinte(s) e professor (surdo ou
ouvinte). Considerando que é mais comum encontrar alunos ouvintes em
maioria, e que é muito raro um professor surdo, quase sempre o intérprete fará
a comunicação entre um ou poucos alunos surdos com a maioria ouvinte e com
o professor ouvinte. Não podemos deixar de levar em conta a realidade das
escolas especiais, onde alunos surdos são separados dos ouvintes da
composição das classes. Em nossa pesquisa, falaremos principalmente de
intérpretes que são canal de comunicação apenas entre professor ouvinte não
falante de Libras com alunos surdos.
6
2.3.3. A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E O INTÉRPRETE DE LIBRAS NA
PERSPECTIVA DA QUEBRA DE BARREIRAS COMUNICACIONAIS
Na história da educação dos surdos, quando a sociedade construía uma
escola, não pensava que naquela instituição estudariam pessoas com
deficiência (por exemplo, um surdo).
A história das línguas de sinais se confunde com a história da educação
de surdos. A partir do ponto de vista do movimento integracionista, os surdos
eram obrigados a aprender a pronunciar bem as palavras e a ler os lábios.
Essa era a maneira encontrada de adaptar os surdos ao mundo. É o que
chamamos de “oralização”.
Quanto às línguas de sinais, existem registros sobre a sua existência
desde três séculos antes de Cristo. Era do encontro de pessoas surdas que
surgia uma língua, com regras e vocabulário próprio. No Brasil, a primeira
escola para surdos foi o Instituto dos Surdos-Mudos, hoje Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), fundado em 1857 no Rio de Janeiro. O INES foi
fundado por educadores franceses, que trouxeram ao nosso país a sua
experiência em uma língua gesto-visual, que atendia as necessidades
comunicacionais de pessoas que não escutam.
No resto do Brasil, a reação ocorrida foi a união das pessoas surdas,
familiares, profissionais da área ou interessados pela questão, em torno de
uma proposta: no intuito de garantir a estas pessoas um direito fundamental
como a educação, criaram mais escolas especiais, focadas nas especificidades
da deficiência.
Todo deste movimento deve ter sua importância reconhecida. Essas
pessoas se uniram para lutar por seus direitos e não se cansam até terem
reconhecida a sua dignidade.
O reconhecimento da Libras por instrumentos legais tem um significado
às vezes não compreendido pelos brasileiros. Sem desprezar o contexto em
que a língua foi criada e difundida, não podemos esquecer a dimensão de
LÍNGUA da Libras: a partir de sua regulamentação, qualquer pessoa pode
fazer uso dela se assim preferir.
Em sala de aula, a língua de sinais é um instrumento que aumenta as
possibilidades de acesso ao conteúdo das aulas e possibilita o fortalecimento
7
das relações entre os sujeitos surdos e os não-surdos. O intérprete de língua
de sinais ocupa neste contexto uma tarefa de grande importância, pois será o
responsável por intermediar a comunicação entre pessoas, quebrando
barreiras e promovendo um ambiente inclusivo.
2.3.4. OS PROBLEMAS QUE PODEM SURGIR NA INTERPRETAÇÃO
Para uma melhor compreensão dos problemas que porventura possa
surgir, faz-se necessário alguns esclarecimentos sobre o que é e a função do
intérprete de Libras, em especial o intérprete em sala de aula. Segundo
Quadros (2002, p. 59): “O intérprete educacional é aquele que atua como
profissional intérprete de língua de sinais na educação”. E ressalta que “É a
área de interpretação mais requisitada atualmente”. E no que diz respeito à sua
função a autora destaca que cabe ao intérprete realizar a interpretação da
língua falada, o português ou língua fonte, para a língua sinalizada, a Libras ou
língua alvo, e vice-versa.
É dessa relação de intermediação em sala de aula que surgem os
problemas, geralmente relacionados aos preceitos éticos que regem as
relações demandadas pela interpretação e entre os sujeitos envolvidos:
professores x alunos, alunos surdos x alunos ouvintes e intérprete x
professores.
Então, os problemas mais comuns que surgem dessas interações,
segundo Quadros (2002, p. 60) são quando:
O papel do intérprete em sala de aula acaba sendo
confundido com o papel do professor; (...) os alunos dirigem
questões diretamente ao intérprete, comentam e travam
discussões em relação aos tópicos abordados com o
intérprete e não com o professor; (...) o próprio professor
delega ao intérprete a responsabilidade de assumir o ensino
dos conteúdos desenvolvidos em aula ao intérprete; (...)
muitas vezes, o professor consulta o intérprete a respeito do
desenvolvimento do aluno surdo, como sendo ele a pessoa
mais indicada a dar um parecer a respeito; (...) o intérprete,
por sua vez, se assumir todos os papéis delegados por parte
dos professores e alunos, acaba sendo sobrecarregado e,
também, acaba por confundir o seu papel dentro do
processo educacional, um papel que está sendo constituído;
(...) se o intérprete está atuando na educação infantil ou
fundamental, mais difícil torna-se a sua tarefa. As crianças
mais novas têm mais dificuldades em entender que aquele
8
que está passando a informação é um intérprete, é apenas
aquele que está intermediando a relação entre o professor e
ela.
Como vimos são vários e muito complexos os problemas que podem
surgir na interpretação, e foi pensando nessas e em outras questões relativas
ao tema, que no II Encontro Nacional de Intérpretes realizado pela FENEIS na
cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992, foi aprovado (como parte integrante
do Regimento Interno do Departamento Nacional de Intérpretes) o Código de
Ética dos intérpretes (citado por Quadros - 2002), que diz em seu primeiro
artigo quais são os deveres fundamentais do intérprete:
O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da
sua habilidade, sempre transmitindo o pensamento, a
intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar dos
limites de sua função e não ir além de sua
responsabilidade.
Este código serve de alicerce para que esses profissionais possam
orientar sua atuação, tendo em vista a superação de tais problemas ou então
minimizá-los o máximo possível.
Outro problema encontrado diz respeito à formação profissional do
intérprete, porque muitas vezes esses profissionais aprenderam Libras em
alguma instituição como, por exemplo, em igrejas, ou então convivendo com
pessoas surdas e começam a trabalhar como intérpretes só porque “dominam”
a língua de sinais, sem nenhuma qualificação profissional devidamente
reconhecida que o habilite a assumir tal função.
2.3.5. O INTÉRPRETE DE LIBRAS NA ESCOLA É APENAS UM MEDIADOR
OU O INTÉRPRETE TAMBÉM É UM EDUCADOR?
Partindo do nosso objeto de estudo, que são as representações sociais
construídas pelos profissionais Intérpretes de Libras do Ensino Fundamental
em salas de aula de surdo e salas de aula inclusivas, encontramos em nossa
pesquisa várias definições sobre qual seria a concepção que esses
profissionais poderiam ter em relação à função que eles exercem como
intérpretes. Apresentaremos a seguir três concepções, sendo as duas
primeiras seguindo uma mesma linha de raciocínio e uma terceira que defende
uma idéia contrária.
9
Segundo Aranha (2005, pág. 98) seria de “Mediador na comunicação
entre surdos e ouvintes, nas diferentes situações de interação social”.
Na concepção de Quadros (2002, pág. 28):
Realizar a interpretação da língua falada para a língua
sinalizada e vice-versa observando os seguintes preceitos
éticos: a) Confiabilidade (sigilo profissional); b)
Imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir
com opiniões próprias); c) Discrição (o intérprete deve
estabelecer limites no seu envolvimento durante a
atuação); d) Distância profissional (o profissional intérprete
e sua vida profissional são separados); e) Fidelidade (a
interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a
informação por querer ajudar ou ter opiniões a respeito de
algum assunto, o objetivo da interpretação é realmente
passar o que foi dito).
E para Souza (2007, págs. 159 e 160):
A ação do intérprete não pode ser considerada similar a
de um language translator, ele é, antes de tudo, também
um educador. (...) Ou seja, aquele profissional partícipe da
formação educativa de crianças e jovens surdos em
instituições de ensino. Estou propensa a acreditar que a
interpretação em contexto escolar, tal como tecnicamente
muitas vezes é reduzida a interpretação, é da ordem da
impossibilidade.
Podemos dizer que Aranha e Quadros consideram que o intérprete seria
um mediador das línguas, portuguesa e Libras, que realizaria essa
interpretação, passagem de uma da língua fonte para a língua alvo e/ou viceversa sem nenhuma interferência do intermediário. Ou seja, o intérprete
conseguiria se manter neutro e manter na íntegra tudo que está sendo
interpretado, como se ele fosse apenas mais uma ferramenta pedagógica ou
uma máquina de tradução a serviço do professor regente.
Já Souza acredita que a função do intérprete vai bem mais além do ato
de interpretar, chegando a afirmar, na perspectiva adotada por ela, que isso é
praticamente impossível. Vimos nesta pesquisa que um dos principais
problemas que podem surgir na interpretação em sala de aula é a confusão de
papéis: os alunos surdos se dirigem ao intérprete, devido à relação que eles
mantêm em sala de aula, como se ele fosse o professor. Enfim, para maiores
10
detalhes consultar o tópico referente aos problemas. Talvez isso aconteça
porque o intérprete em sala de aula seja diferente de um intérprete em uma
palestra, por exemplo. Para Souza isso implica que o “intérprete educacional”
deva ir além da transmissão de conteúdo, ou seja, deve construir conhecimento
junto com o aluno.
Sendo assim, era de se esperar que surgissem tantos problemas,
justificados por Souza (2007, Pág. 160) no seu trabalho intitulado “O professor
intérprete de língua de sinais em sala de aula: Ponto de partida para se
repensar a relação ensino, sujeito e linguagem”. Em referência a uma pesquisa
apresentada no Simpósio: Linguagem e Formação Docente no Contexto
Escolar, ocorrido em 01 de maio de 2007 na cidade de São Paulo, o trabalho
cita que os intérpretes presentes “apontaram a necessidade urgente de
medidas regulamentadoras da profissão e justificaram: praticamente 95% dos
intérpretes em exercício não possuem formação minimamente necessária para
serem considerados profissionais”.
A falta de formação mínima alimenta o risco de uma atividade
profissional tão séria como a interpretação em Libras tornar-se um trabalho
improvisado. Não é por acaso que o MEC (Ministério da Educação), atualmente
tem como objetivo, a proposta de formar intérpretes com alguma licenciatura ou
então selecionar professores da rede regular e capacitá-los para serem
intérpretes.
Finalmente, depois de entender quem são os intérpretes de Libras e
como deve ser sua prática profissional, nos inquieta descobrir o que pensam
estes intérpretes a respeito de sua prática, de sua função na educação de
alunos surdos: suas representações sociais. O mundo é estruturado por
representações sociais que influenciam as pessoas em seu cotidiano, nas
tomadas de decisões, nas práticas profissionais. Segundo WOLFGANG (2000,
p. 4), citado por FERNANDES (2003), as representações sociais são:
Um conteúdo mental estruturado - isto é, cognitivo, avaliativo
e simbólico - sobre um fenômeno social relevante, que toma
a forma de imagens ou metáforas, e que é conscientemente
compartilhado com outros membros do grupo social.
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O referido autor considera representação social como a elaboração de
um objeto pela comunidade. Conhecer como os intérpretes de Libras se
representam diante desta função torna-se de suma importância, como
exemplifica FREITAS e CASTRO (2004):
Ao reconhecer as representações sociais, sabemos que elas
influenciam no cotidiano, nas atitudes, nas tomadas de
decisão, em fim, nas práticas. Elas não são estanques, e
transcendem do aparente, estão relacionadas às mudanças
sociais e a alterações da dinâmica de relações entre os
grupos sociais.
Conhecemos através da literatura, em nossos estudos anteriores, todo o
contexto em que surge a Língua Brasileira de Sinais e falamos sobre como
deve atuar um intérprete de Libras. Mostramos também um pouco a respeito
das representações sociais. Partindo dessas premissas buscaremos identificar
e comparar quais são as representações sociais que os intérpretes de língua
brasileira de sinais têm a respeito do seu papel na escola.
3. OBJETIVOS
Objetivo Geral: investigar as representações sociais construídas pelo
profissional tradutor-intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) quanto ao
seu papel na educação de alunos surdos.
Objetivos específicos: identificar e comparar qual a compreensão que o
intérprete de Libras tem a respeito do seu trabalho em sala de aula; o seu
papel/função e sua subjetividade, frente à própria prática e à inserção do aluno
surdo no ensino regular.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a consolidação dos objetivos deste artigo utilizamos o enfoque
qualitativo, pois nesse processo o próprio objeto de pesquisa requer uma
análise a partir das subjetividades dos sujeitos que estão inseridos num
contexto histórico determinado.
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Selecionamos
uma
escola
tida
como
referência
na
Educação
Especial/Inclusiva da Rede Municipal de Ensino do Recife, por dois motivos:
essa escola foi uma das pioneiras nessa perspectiva de ensino e foi onde
realizamos as visitas e análises para as cinco disciplinas de Pesquisa e Prática
Pedagógicas exigidas ao longo de nossa Graduação.
Nesta escola, entrevistamos os seis intérpretes de Libras do ensino
fundamental que trabalham nos turnos da manhã e da tarde, horários
destinados às turmas regulares.
Para a coleta de dados utilizamos um roteiro com perguntas SemiDirigidas, um gravador de áudio, papel e caneta. Gravamos todas as
entrevistas, depois transcrevemos uma a uma na íntegra e em seguida fizemos
à análise dos dados.
Nosso roteiro de entrevista foi estruturado a partir das questões
relacionadas com as atribuições do intérprete de Libras na escola, o seu
exercício profissional e o desenvolvimento do seu fazer cotidiano.
A análise dos dados foi feita a partir de extratos das falas que
demonstraram as representações sociais das pessoas, enquanto intérpretes,
no desenvolvimento de suas funções/atribuições, do seu papel na escola e na
inclusão dos alunos surdos no ensino regular. Buscamos também enfatizar as
questões que denotam como o intérprete atua efetivamente e como ele se vê e
sente frente à realidade na qual está inserido. Agrupamos essas falas, sempre
que possível, em representações iguais, similares e/ou contraditórias.
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste capítulo apresentamos a análise dos dados coletados nas
entrevistas, comparados ao que descobrimos na literatura utilizada.
Na escola em que realizamos as entrevistas, pudemos conversar com os
seis intérpretes que atuam em salas regulares especiais (onde todos os alunos
da sala são surdos) ou mistas (alunos surdos e ouvintes na mesma sala).
Cinco intérpretes são do sexo feminino e apenas um do sexo masculino. A
idade varia de 19 a 31 anos, a média de idade é de vinte e três anos. Todos
têm o ensino médio completo; três deles cursam o Técnico em Libras, sendo
uma delas aluna de graduação em Turismo; uma intérprete é aluna de
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Pedagogia, outro intérprete é graduando em Letras e uma única intérprete
cursa a pós-graduação em Estudos Surdos. O tempo de experiência na área
varia de um a dois anos e meio, e a média é de 19 meses. Quatro dos
intérpretes tiveram o primeiro contato com a Libras por conta da religião, e
duas por conta de amigos e conhecidos surdos. Os intérpretes são contratados
como estagiários pela Rede Municipal de Ensino do Recife, com contrato que
dura no máximo dois anos.
A respeito do conhecimento dos sujeitos em relação ao que significa ser
intérprete de Libras, pudemos encontrar basicamente dois tipos de resposta. O
primeiro tipo, apresentado por três sujeitos, foi de respostas objetivas e focadas
em como deve ser a atuação de um intérprete de Libras, segundo o que já
estudaram. Estas respostas são coerentes com o que encontramos em nossos
estudos anteriores.
“É mediador. (...) É uma ponte de interação entre ouvintes e surdos”
(INTÉRPRETE 02).
"É aquela pessoa que faz a, a, vamos dizer assim o transporte, é a ponte entre
o professor e o aluno". (INTÉRPRETE 03)
"O intérprete de Libras é aquele que faz a interpretação de uma língua oral
para uma língua gestual ou vice-versa." (INTÉRPRETE 05)
O segundo tipo de resposta foi acompanhado de profundas reflexões
subjetivas a respeito do que os entrevistados têm visto e presenciado em seu
meio de trabalho, denunciando inclusive o que consideramos anteriormente
como problemas que podem ocorrer durante a interpretação.
"Eu acho que é bastante cultura. (...) eu tô percebendo outros intérpretes
interpretarem, (...) os intérpretes não interpretam muitas vezes o que o professor está
dizendo, ou resumem. Então eu acho que a profissão de intérprete é uma profissão
muito séria. E não é pra todos." (INTÉRPRETE 01).
Quando questionados sobre o papel do intérprete em sala de aula, os
entrevistados apresentaram dois tipos de resposta. Encontramos intérpretes
conscientes de sua função no processo pedagógico, já que eles são um canal
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de comunicação entre os sujeitos que falam Português e os sujeitos que falam
Libras.
“Eu não sou mediadora do conhecimento, o mediador do conhecimento é o
professor, é ele que vai mediar o conhecimento pro aluno, eu sou mediadora do
mediador.” (INTÉRPRETE 04).
Também encontramos intérpretes que admitiram realizar tarefas que não
são de sua responsabilidade, como por exemplo, auxiliar nas atividades da
secretaria, substituir professores e dar aulas.
“... pra não ficar lá à toa eu fico disponível pra qualquer outra tarefa. (...) se for
num dia em que a professora de sala especial falta, então eu assumo, eu dou aula
para os surdos no idioma deles. E se for falta da professora de uma sala de inclusão,
pode acontecer também.“ (INTÉRPRETE 02)
As entrevistas permitiram avaliar a consciência que a maioria dos
intérpretes tem sobre as contribuições que trazem para a inclusão dos alunos
surdos. Ouvimos depoimentos que mostram o intérprete intermediando
conversas não apenas na hora das aulas, mas também nos momentos de
entrada, intervalo e saída das mesmas. Também descobrimos a preocupação
de intérpretes em contribuir com as aulas daqueles professores que não têm
experiência com alunos surdos, sugerindo que tragam materiais e utilizem
metodologias acessíveis. Mostraram que sua presença colabora para que
estes professores repensem na forma de significar seus alunos surdos. Os
sujeitos entrevistados mostraram-se conscientes da mudança que vem
ocorrendo, de uma maneira geral, na relação professor-aluno intermediada por
um intérprete.
“(...) muitas vezes fora da aula os ouvintes chamam os intérpretes, no caso,
para conversar, principalmente com alguma coisa que o surdo não está entendendo.
Aí ele chama o intérprete. No começo perguntam, mas depois começam a
conversarem sozinhos. (...) A gente percebe que tem surgindo uma relação maior
entre o professor e o aluno. O intérprete é responsável por tornar essa relação mais
próxima.” (INTÉRPRETE 01).
15
"Sem intérprete como é que o surdo fica em sala de aula? Sem comunicação
nenhuma
né,
então
o
processo
de
ensino-aprendizagem
não
acontece."
(INTÉRPRETE 04)
O intérprete de Libras, segundo nossos estudos, deve ser o mediador na
comunicação entre surdos e ouvintes em situações de interação social.
Segundo
seu
código
de
ética,
ele
deve
apresentar
confiabilidade,
imparcialidade, discrição, distância profissional e fidelidade no discurso que
interpreta (QUADROS, 2002). No entanto, durante as entrevistas nos
confrontamos com discursos de intérpretes que se vêm como professores.
Perguntados como procedem quando um aluno surdo faz a ele uma pergunta
cuja resposta já conheça, alguns admitiram responder diretamente ao aluno
sem levar a pergunta ao professor. Ao agir desta maneira, o intérprete deixa de
ser apenas um mediador na comunicação e toma o lugar do professor. São
esses alguns dos problemas que podem surgir na interpretação em sala de
aula, citados em nossos estudos anteriores.
“Se eu já soubesse a resposta? Eu responderia.” (INTÉRPRETE 02).
“Às vezes acontece de eu responder imediatamente apesar de saber não ser a
forma certa, tem que perguntar direto pro professor.” (INTÉRPRETE 06).
A ocorrência de outros problemas foi confirmada por falas em
entrevistas, algumas em primeira pessoa, quando o entrevistado admitia adotar
posturas incompatíveis com sua função, e outras em terceira pessoa, em
denúncias feitas por entrevistados a respeito da atuação de intérpretes e
professores de seu convívio. Os professores, regentes da aula, muitas vezes
são aqueles que estimulam este costume por não saber lidar com as
especificidades das pessoas com deficiência.
"Professor diz assim: ‘fique com seus alunos e eu fico com os meus’. Os
intérpretes não são professores de surdos. Os alunos são dos professores! A gente tá
interpretando! Alguns professores acreditam que o surdo é aluno do intérprete.
Acreditam que o surdo é seu aluno, é sua responsabilidade docente, mas não é. A
responsabilidade docente é do professor." (INTÉRPRETE 01).
16
A formação dos intérpretes entrevistados não corresponde ao proposto
na legislação. Os intérpretes têm aprendido o que sabem nos cursos que lhe
são acessíveis e principalmente na prática e no convívio com falantes de
Libras, pessoas surdas e outros intérpretes. Mesmo diante da falta de
qualificação ideal e de condições desfavoráveis de trabalho, como o convívio
de professores despreparados para lidar com as questões da diversidade
humana, foi possível aprender muito com o discurso dos intérpretes
entrevistados, através de falas reveladoras.
"(...) a gente pede que preparem recursos visuais, pra que os surdos possam
perceber melhor, e assim todos conseguem compreender. (...) Eu dou alguns
conselhos, algumas coisas que são interessantes para o surdo.“ (INTÉRPRETE 06).
“Havia um certo preconceito, (...) uma discriminação dentro da sala de aula, até
por professores que nunca trabalharam com alunos surdos. Então meu papel ali como
intérprete foi muito importante, no caso, nessa interação dos meninos. Acho muito
interessante, meu papel ali foi muito grande na parte de inclusão“ (INTÉRPRETE 01)
Compreendemos que os entrevistados, de uma maneira geral, percebem
os benefícios do bom desempenho de suas funções, especialmente quando
também os professores colaboram com isso. A relação entre os dois não deve
se resumir ao que acontece durante a aula. A presença do intérprete de Libras
não basta para que a postura do professor seja inclusiva. Este deve se esforçar
e buscar aprender a língua de seus alunos. Da mesma forma, o fato de um
professor dominar a língua de sinais não exclui a necessidade da presença de
um intérprete em suas aulas. Essa percepção foi expressa na fala dos
entrevistados.
"... é impossível você falar duas línguas ao mesmo tempo, mesmo que o
professor saiba Libras, ele não pode dar aulas em Português e em Libras. Então é
necessário, mesmo que o professor saiba Libras, que se tenha um intérprete."
(INTÉRPRETE 05)
"... às vezes, eu sinto a abertura pra chegar e dizer, dar uma sugestão, mas
tem que professores que não aceitam, que não querem. Então (...) precisa de
cooperação do professor e intérprete senão a coisa não flui. Só que isso é muito
limitado ainda. Porque uma coisa é eu ter uma boa relação contigo e eu ir lá e fazer
17
uma coisa contigo. Outra coisa é eu profissional, tu profissional, a gente sentar e
trabalhar um plano de aula juntos pra eu ter entendimento do que tu está fazendo, pra
eu fazer uma cooperação profissional é muito diferente e ainda não existe, só poucos,
raros, que a gente não pode generalizar". (INTÉRPRETE 04)
As falas nos revelaram que os intérpretes entrevistados sentem-se
sujeitos de transformação social. A falta da formação acadêmica ideal não
significou um impedimento para que formassem a consciência de como
desempenhar sua função de maneira promovedora de inclusão. Embora alguns
tenham revelado reproduzir as mesmas falhas encontradas na literatura, de
uma maneira geral podemos afirmar que conhecemos sujeitos responsáveis,
conscientes de que sua presença contribui para a quebra de barreiras
comunicacionais, fazendo da escola um lugar inclusivo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos dizer que os intérpretes, de maneira geral, estão conscientes
da sua função e do seu papel em sala de aula. Em todas as entrevistas,
quando perguntados sobre o que é ser intérprete de Libras e como ele deve
atuar, as respostas foram coerentes com as definições encontradas na
literatura estudada. Porém, eles também relataram que na prática assumiam
funções/papéis que não eram seus e que por sua vez vão de encontro aos
princípios do código de ética dos intérpretes. No caso são os problemas que
podem surgir da triangulação professor x intérprete x alunos (surdos e
ouvintes).
Como vimos esses problemas, que podemos chamar de confusão de
papéis, surgem dessa relação de intermediação, principalmente pela falta de
informação sobre o que é a surdez e quais são as especificidades das pessoas
surdas.
Este
desconhecimento
é
responsável
pela
perpetuação
de
preconceitos e/ou solidificação de barreiras atitudinais entre o professor
regente e o(s) aluno(s) surdo(s), prejudicando essas pessoas que até pouco
tempo atrás só poderiam estudar segregadas em escolas especiais.
Partindo do princípio que todos os alunos são iguais pelo simples fato de
todos serem diferentes, não é interessante nem justo que uns tenham
18
privilégios e oportunidades e outros não. Todos irão desenvolver estratégias de
aprendizagem diferentes, e por isso mesmo cabe ao professor ficar atento a
essas questões, aproximar-se de todos os seus alunos para construir e
desenvolver, neles e com eles, todas as estratégias e aptidões necessárias
para um bom desenvolvimento educacional.
Quanto ao intérprete de Libras na escola, é inegável que ele tenha uma
função educativa, mas não do educador. Portanto, ele não só pode como deve
participar da construção do conhecimento dos alunos surdos. Mas, para isso o
professor regente terá que estar disponível e aberto a mudanças, a
aprendizagens e ao diálogo. Esta será uma ótima oportunidade para o
intérprete contribuir com a formação dos alunos, já que assim ele terá acesso
com antecedência ao conteúdo que será passado, à metodologia e aos
objetivos. Isso permitirá ao professor e ao intérprete de Libras selecionar
materiais e recursos, e estratégias de aprendizagem, enfim, planejar atividades
em parceria, contribuindo um com o outro de uma forma solidária, mas não
arbitrária.
Essa enriquecedora troca de experiências, permitirá uma relação mais
harmoniosa dentro e fora da sala de aula, assim como a definição dos papéis/
funções de cada um. O resultado poderá ser o favorecimento da relação
ensino-aprendizagem e em especial a inclusão dos alunos surdos no ensino
regular.
Pensamos que o interesse por conhecer as especificidades das pessoas
com deficiência por parte dos professores e a iniciativa dos mesmos por
aprender a língua de sinais são ações que permitiriam um melhor
aproveitamento das aulas na presença de intérprete de Libras em salas de/com
alunos surdos. O professor não pode se esquivar da tarefa de aprender a
língua pela simples existência do intérprete.
Concluímos que a responsabilidade pela aprendizagem/construção do
conhecimento de todos os alunos e das relações demandadas dessas
interações, dentro da sala de aula, é do professor. Cabe ao intérprete de Libras
na escola ser o mediador na comunicação entre surdos e ouvintes em
situações de interação social. Seguindo seu código de ética, apresentar
confiabilidade, imparcialidade, discrição, distância profissional e fidelidade no
discurso que interpreta. Acrescentaríamos a esta definição (QUADROS, 2002),
19
a co-responsabilidade pelo planejamento das aulas. Acreditamos que essa
inter - multi ou pluri - disciplinaridade favorecerá a superação dos desafios e
obstáculos gerados pela proposta da inclusão.
20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Desenvolvendo
competências
para
o
atendimento
às
necessidades
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Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005, páginas 96105.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei
10.436/2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e dá outras
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5.626/2005. Regulamenta a Lei Nº. 10.436, de 24 de abril de 2002.
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Conheça
o
INES
–
150
anos
de
história.
Disponível
em
<http://www.ines.gov.br/Paginas/historico.asp>, acessado em 23 de dezembro
de 2007.
21
LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. A inclusão escolar de alunos surdos: o
que dizem alunos professores e intérpretes sobre esta experiência. Cad.
Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006.
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WOLFGANG, Wagner. Sócio-Gênese e Características das Representações
Sociais. In: FERNANDES, Sandra Maria Castiel. Revista Benjamin Constant,
edição 24, Abril de 2003.
22
APÊNDICE 01
Roteiro da entrevista Semi-Dirigida.
Nome, idade, profissão.
Qual a sua formação? (geral e especifica).
O que o levou a escolher ser intérprete de Libras? Como foi que você se
tornou intérprete de Libras?
4 Há quanto tempo atua na área e há quanto tempo é intérprete?
5 Para você o que é Língua Brasileira de Sinais? (concepção subjetiva/o
que isso significa?).
6 O que é um intérprete de Libras? O que é ser intérprete?
7 Segundo sua experiência, como ele atua?
8 Qual o papel do intérprete no processo educacional? (Como ele atua?).
9 Para você, qual o papel do intérprete de Libras na educação de alunos
surdos?
10 E qual é esse papel na educação dos demais alunos, em salas que
alunos surdos estudam? (ensino/aprendizagem de Libras para os alunos
ouvintes)
11 O que você faz como intérprete de Libras?
12 Como você definiria sua função em sala de aula? (a ele pode ser
atribuído um papel mais amplo do que interpretar).
Como é que você se percebe no processo educacional, enquanto
intérprete de Libras?
13 Como é? / Qual é a concepção que a Secretaria Municipal de Educação
tem de vocês intérpretes?
14 Como é que o professor te percebe nesse papel de intérprete?
15 E os alunos, como é que eles te percebem? Vêem-te?
16 Como é a sua interação com os alunos e demais operadores (professor,
diretor, funcionários em geral) da educação?
17 Como é isso? Como é seu trabalho na escola?
18 O professor olha pra você quando vai fazer uma pergunta?
19 O aluno se dirige a você quando vai perguntar algo?
20 Quando o aluno surdo tem duvida, como é que ele tira essa duvida?
21 Como é que o professor avalia os alunos surdos? Ele usa o mesmo
método com os alunos surdos?
22 Você participa da avaliação dos alunos surdos?
23 Onde você fica, na sala, para interpretar?
24 Você gostaria de acrescentar alguma coisa?
1
2
3
23
etes entrevistados.
2
3
4
5
6
Masculino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
26
31
21
20
19
Graduando
Graduanda
Graduanda
Ensino
Ensino
em Letras
em
em Turismo
médio
médio
Curso
Curso
Técnico de
Técnico de
Libras
Libras
Pedagogia
Cursos
Cursos
Cursos livres
livres de
livres de
de Libras e
Libras
Libras
curso
Técnico de
Libras
2 anos
1 ano
1 ano
1 ano
2 anos
Conhecidos
Conhecidos
Curiosidade
Conhecidos
Conhecidos
surdos na
surdos na
por uma
surdos na
surdos na
igreja
igreja
nova língua
igreja
igreja
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O intérprete de língua brasileira de sinais no ensino fundamental e