I Curso de Extensão em Direito Sanitário
Dr. Luís Filipe Moreira Lima
Diretor da ANVISA
Vou lhes dar as boas vindas ao mundo da Vigilância Sanitária. Alguns que
estão aqui já transitam nele, sabem exatamente o que é. E vocês, que fazem direito, vão
tomar conhecimento agora de um assunto muito interessante, mas também muito complexo.
O que vai exigir um esforço de quem não é da área de saúde, pois vocês provavelmente vão
entrar em contato com uma terminologia que não é característica da área de direito.
A atividade de vigilância sanitária é basicamente feita por profissionais da
saúde: farmacêuticos, médicos, bioquímicos e químicos. E onde é que entra o direito nisso?
Alguns profissionais da área da saúde acabam caminhando em direção ao direito por
trabalharem com leis, regulamento e decretos no seu cotidiano.
O Direito Sanitário é uma novidade na área da Saúde. O número de pessoas
que se dedicam a essa área ainda é muito restrito, a maioria está concentrada nas
Universidades. A absorção dessas pessoas pelos serviços do Estado, da Vigilância
Sanitária, tem sido pequena. Apenas alguns estados que apresentam uma estrutura um
pouco mais organizada de profissionais. De qualquer maneira, não existe nenhum curso de
pós-graduação ou disciplina na graduação que aborde esses assuntos em seu conjunto: a
questão da segurança e qualidade dos produtos e toda a legislação que regula a matéria e o
exercício do direito, seja no setor privado ou público.
Quando se procura por bibliografia específica deste assunto, encontram-se
alguns títulos, mas não um conjunto delimitado como uma disciplina característica. O
Convênio da ANVISA com UnB limitou-se à área de direito. Uma das metas do convênio
era justamente este curso de vigilância sanitária. Em segundo lugar, o levantamento das
ações que correram, na justiça, que envolviam o assunto de vigilância sanitária. Fez-se o
levantamento, no ano passado, de todas as ações que corriam na justiça do Distrito Federal,
nos tribunais superiores e em alguns tribunais regionais federais.
Neste trabalho de levantamento de jurisprudência, a dificuldade inicial foi
exatamente achar palavras chaves que pudessem trazer estes processos que envolvessem a
vigilância sanitária. A outra foi a abordagem necessária de ser feita junto aos juízes. Nem
todos contribuíam para se ter acesso aos processos. Hoje temos em torno de 800 sentenças.
O terceiro tema do convênio é o levantamento da legislação. Há uma quantidade enorme de
leis, normas, decretos, portarias. Hoje só se consegue achar esses diplomas de forma
esparsa. Tem um série de livros que trazem essas normas, no entanto é um material muito
dinâmico, muda tudo muito rápido. Esse assunto é importante, têm-se as normas gerais e as
normas específicas de estados e municípios e isso vai proliferando. A maioria são normas
técnicas, mas algumas têm implicações jurídicas, porque são normas que as vezes são
utilizadas por empresas, interferindo em atividades comerciais.
Boa parte do trabalho acaba ficando no âmbito administrativo do próprio
governo, não chegando a justiça. Mas é um assunto importantíssimo, não só os órgãos
governamentais necessitam da interpretação correta dessas normas para poderem
movimentar essa maquina comercial. Por outro lado tem a questão do consumidor, que é a
parte mais fraca. (alimentação, medicamentos, etc). Todo esse aparato legislativo ainda está
muito frágil em relação a essa organização produtiva e comercial que existe.
Até onde deveria ir o papel da ANVISA? Seria um papel puramente
administrativo ou a agência deve ter um papel mais ativo e auxiliar o funcionamento da
justiça e promotoria e ainda ajudar o cidadão, dando às pessoas possibilidades de se
defenderem ou possibilidade de ressarci-las a algum dano que venham sofrer?
Esse é um outro tipo de abordagem, não muito comum para um órgão do
executivo como uma Agência. É mais fácil perceber isso, por exemplo, nos Procons e
Decons, cuja finalidade é atender aos consumidores. Guardadas as devidas proposições,
seria como se a Agência Nacional de Energia Elétrica resolvesse auxiliar os usuários agora
diante do apagão, para se municiarem de informações que os levem a acionar as próprias
concessionárias. Não é uma área que se tenha muita experiência, mas é uma das
possibilidades. E talvez isso não aconteça ou não tenha acontecido até agora (coisas que já
existem em outros países), exatamente porque órgãos como a Vigilância Sanitária não
disponham de um corpo de funcionários que consigam resolver questões administrativas
normais, mas também questões voltadas para a sociedade.
Claro que a demanda seria muito grande e esse profissional teria que possuir
conhecimentos tanto da área técnica, mas também que tivessem a familiaridade de transitar
pelos órgãos da justiça, sabendo levar adiante todas essas questões. Esse tipo de
profissional, capaz de ter essa visão, é o objetivo do convênio da ANVISA com a UnB.
Com isso consegue juntar a legislação, tentar organizá-la, ter um olhar de como a justiça
vem encarando esse assunto e, ao mesmo tempo, estar formando pessoas que, com esses
conhecimentos, possam atuar nesta área.
A criação da Agência vai propiciar a curto ou médio prazo a realização de
concurso para as Agências, incluindo a Vigilância Sanitária. Nesse concurso nós teremos
que recrutar profissionais da área de direito, e em particular aqueles que tivessem
experiência em vigilância sanitária, ou seja, esse curso pode abrir para vocês a
possibilidade de virem a trabalhar na Vigilância Sanitária. Se não for na Agência federal,
pode ser nos Órgãos estaduais que também fazem a vigilância sanitária, todos os estados
tem suas áreas de vigilância sanitária e os municípios também. Vocês vão ver pela lei do
sistema único de saúde, que nas hierarquias administrativas as atribuições federais,
estaduais e municipais as atividades da Vigilância Sanitária tem representação em todos
esses níveis.
Isso é para dar a vocês uma idéia do que levou a Agência (ANVISA) a fazer
essa parceria e também dar uma idéia do que vocês estão fazendo aqui. A idéia era criar
essa área de discussão, começar a formar pessoal qualificado nesta área.
A Vigilância Sanitária é muito antiga, tanto que eu vou ler um trecho de
uma carta para vocês que alguém escreveu aos seus superiores e disse a seguinte coisa:
“A ração é ruim, cria aborrecimento e causa revolta entre os soldados. O
pão, carne e toucinho são distribuídos em menor quantidade do que o estipulado, o
bacalhau também e, na maior parte das vezes, estragado. Pelo que é lançado fora quase
todos os dias, eles são velhos de dois anos, é impossível, mesmo contra a natureza, manter
este povo com alimentos velhos.”
Isso é para dar a vocês a idéia de que esse problema da Vigilância Sanitária
é antigo. Essa carta foi escrita por um almirante em Recife, em 06 de janeiro de 1632
durante a invasão holandesa. O almirante disse: Como eu vou fazer uma guerra se os
soldados não tem o que comer ? Se os alimentos que chegam são velhos e estragados!
Esse é um dos registros mais antigos da necessidade da vigilância sanitária.
Ou seja, que era preciso ter alguém para verificar a qualidade dos produtos, para dizer se
estava ou não adequado para o consumo. Isso fazia crer que alguém lá na Holanda também
deveria prestar atenção ao prazo de validade (que não existia na época). De lá para cá a
questão fundamental ainda continua a mesma: garantir para o consumo produtos seguros e
de boa qualidade.
À medida que a tecnologia foi avançando, a possibilidade do próprio
consumidor identificar a qualidade do produto foi diminuindo. O almirante, ao olhar o
bacalhau tinha a possibilidade, dentro dos seus conhecimentos, de verificar sua qualidade.
Se fosse hoje em dia, provavelmente esses alimentos estariam chegando lá enlatados ou
processados de alguma forma que tornaria, por exemplo, mais difícil para o almirante
identificar se esse alimento estaria contaminado com algum metal pesado, pesticida ou
qualquer outra substância que nós não vemos e que pode estar presente.
Em se tratando de remédios, o assunto é mais intrincado ainda. A maioria da
população não tem a menor idéia de qual seja a composição de um medicamento. É preciso
que alguém diga para pessoa: você vai tomar isso, curará sua doença. A industria de
medicamentos é uma industria de precisão, exige tecnologia avançada. Quando você olha
um comprimido, não parece nada, parece uma balinha e é passível de falsificação, fraude
etc. Algo que pode levar até a morte ou porque o produto não funciona, ou porque funciona
diferentemente do esperado.
Para se ter uma idéia, as pílulas anticoncepcionais que fizeram uma grande
revolução social a partir da década de sessenta só puderam ser feitas porque foi
desenvolvida a tecnologia para tal. As aplicações de hormônio (progesterona, estrogênio)
são capazes de causar grandes modificações no organismo. Então, trabalha-se com o
micrograma e, no caso do hormônio, quantidades menores ainda. E essa tecnologia tão
precisa só foi possível em meados de sessenta. Isso com um controle de qualidade, tanto
que as primeiras pílulas foram as que deram o maior número de problemas, ainda não se
tinha domínio da tecnologia. Ao longo dessas quatro décadas. essa tecnologia foi sendo
aprimorada e hoje nos chegamos a várias apresentações como pílulas com outras formas de
apresentação e bem mais seguras, diminuindo os efeitos indesejados tornando mais segura a
aplicação desse medicamento.
No caso da indústria de medicamentos a questão da qualidade e da
tecnologia é fundamental. Se você olha um comprimidinho daqueles hoje, você já vai saber
que por trás dele tem muita ciência, muita tecnologia para torná-lo seguro.
Quem dá a garantia dessa segurança? Ou é uma relação direta entre o
fabricante e o consumidor, que é uma relação desproporcional, ou alguém assuma esse
comando, no caso o Estado.
Uma população com nível de instrução baixo, a condição que ela tem de
entender o que significa uma organização, como ela deve se defender, fica diminuída. Ela
tem a menor possibilidade de usar os mecanismos a sua disposição.
Isso se aplica também à questão político-partidária. A participação política
partidária no Brasil ainda é muito pouca, não basta só votar é preciso que se participe
também da escolha dos candidatos. A questão da partidarização é essencial para que a
máquina funcione. A máquina administrativa só entra em funcionamento se houver
decisões políticas anteriores, ela não funciona sozinha. A possibilidade de que um
funcionário público consiga mover sozinho a máquina administrativa com sua capacidade,
experiência e honestidade é ilusão. Toda a administração está de alguma forma subordinada
às decisões políticas, claro que se tem mecanismos para impedir ou diminuir a influência
política em certas decisões técnicas, mas mesmo assim isso tem o poder limitado, o maior
poder é ter um partido que tenha um programa identificado, que o indivíduo participou
desde o início da sua formulação e que seja tutelado eleitoralmente para conseguir atingir
esses objetivos. O funcionário que está trabalhando sobre a égide desse governo trabalhará
de acordo com as diretrizes que já foram discutidas amplamente pela sociedade.
Eu vou ler uma outra notícia aqui:
“Em 24 de abril de 2001, perante um tribunal, o senhor “J” declarou-se
culpado pelo crime de vender, no varejo, um remédio de venda sob prescrição médica (no
caso era o viagra) sem a respectiva prescrição de um profissional habilitado para tal.
Infringindo, portanto, a legislação vigente. O senhor “J”, diretor de uma companhia que ele
opera de sua própria casa e pela qual anunciou a venda do viagra pela internet, foi
sentenciado em cinco de junho pelo juiz “B”, que comentou em sua sentença a gravidade da
matéria, pois o viagra poderia não ser apropriado do ponto de vista médico para quem o
comprou e usou . O juiz impôs uma multa de quarenta mil reais para o senhor “J”.
A 5 de janeiro de 2001, perante o juiz, o senhores “AP”, “HP” e “SP”
reconheceram-se culpados por dezoito infrações, referentes a venda no atacado de produtos
médicos sem a devida licença para comercialização. O juiz “R”, ao dar a sentença, com
multas totalizando seiscentos e oitenta mil reais, declarou que as funções de regulação são
importantes e que ele não encarava as infrações como meramente técnicas, pois, de fato,
elas tinham o intuito de obter lucros comerciais, ademais ao serem descobertos os infratores
tentaram mudar as mercadorias de lugar, para acobertar o ilícito e isso foi considerado
como agravante.”
Como vocês vêem, a justiça funciona adequadamente para que a legislação
seja cumprida, melhor do que isso só se fosse no Brasil, por que isso aqui aconteceu na
Inglaterra. Teve um senhor “LE” que foi multado em quatrocentos reais porque estava com
um remédio no bolso e não pode provar, quando foi abordado por alguém da vigilância, que
tinha sido receitado. Isso também foi na Inglaterra. Todas essas sentenças vocês podem
achar no site da agência inglesa que é o www.mca.gov.uk
Um dos objetivos do convenio é fazer o levantamento de jurisprudência, já
estamos num processo de elaboração informatizada para colocar no endereço da agência
todas essas sentenças recolhidas. Das oitocentas e tantas sentenças levantadas, em 80% a
Vigilância figurava como ré.
Isso é para mostrar a vocês que se tem um longo caminho a percorrer, com
relação a todos esses aspectos que eu falei, juntando com a questão da cidadania. O
exemplo que os ingleses dão é uma expressão viva de cidadania. As pessoas lá, têm uma
idéia de que a justiça esta funcionando, de que os órgãos de fiscalização estão funcionando.
É óbvio que isso encarece a prestação de serviços púbicos, porque você precisa do juiz, do
policial, do agente da vigilância sanitária e isso tudo custa dinheiro.
Os pilares fundamentais nos quais a Vigilância Sanitária se sustenta são:
 O primeiro é a estrutura legal: leis, estatutos, normas estabelecendo
os direitos dessas relações.
 O segundo ponto importante é o conhecimento técnico-científico, o
desenvolvimento tecnológico e a necessidade de recursos humanos e
materiais especializados.

E por último, a organização do poder, o funcionamento da justiça e
os órgãos de vigilância no cumprimento das normas, que no caso
são: o IMETRO, a ANVISA, e outros órgãos de defesa do
consumidor
Hoje o conhecimento tecnológico se desenvolveu de tal forma que permitiu
por a venda produtos que até então não existia. Hoje por exemplo, você tem todo e qualquer
tipo de alimento industrializado. E isso exige que a atividade de inspeção e controle
também acompanhe esse crescimento.
No caso da soja, uma empresa (?) fez uma soja resistente ao pesticida que a
própria empresa fabrica. Agora vocês vão entender a polêmica. Quanto você planta a soja
dá um monte de outras ervas daninhas que competem com a soja pelo alimento do solo. Ou
você tira essas ervas manualmente, o que é muito trabalhoso, ou joga um herbicida, que vai
matar a soja também, ou seja, você tem uma perda de parte da produção. Com essa soja,
criada pela empresa você pode jogar pesticida à vontade que vai matar só as ervas. Essa
empresa criou também um milho que você planta e a soja que nasce não serve para
semente. Com isso você tem que comprar a semente da empresa (?). A empresa ficou com
o sujeito nas mãos, pois ele terá que comprar a soja e o herbicida da empresa.
A questão do transgênico é um desses casos de desenvolvimento científico e
tecnológico que nós vamos ter que enfrentar. Esse conhecimento está posto, não tem como
voltar atrás. Boa parte da polêmica dos transgênicos não tem haver exatamente com o grau
de dano que o transgênico pode trazer se for consumido e sim com essa questão comercial.
É claro que alguns cientistas temem que essa modificação genética passe para outras
espécies ou para outras sojas não-transgênicas, e que esse gene possa pular e sofrer alguma
modificação e ao invés de se ter uma soja de boa qualidade, se começar produzir um
veneno.
Feita essa observação sobre o ponto 2, podemos voltar ao último item que
citei como Pilar da Vigilância Sanitária, que é a organização do poder, o funcionamento da
justiça e os órgãos de vigilância no cumprimento das normas. E também o poder de
intervenção e aplicação de sanções, esse poder tanto da justiça, quanto dos órgãos de
vigilância do cumprimento das normas.
Entende-se por Vigilância Sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar,
diminuir ou prevenir riscos a saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do
meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesses da
saúde, abrangendo o controlo de bens de consumo que direta o indiretamente se relacione
com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao consumo e o
controle da prestação de serviço que se relacione direta ou indiretamente com a saúde.
Vocês podem perceber pela definição que o campo da Vigilância Sanitária é
imenso, ou seja, trata do controle de bens de consumo em todas as suas etapas, desde a
produção ao consumo e também da prestação de serviço.
Só ficou faltando então definir o risco. Risco é igual a probabilidade.
Quando falamos em risco na área da saúde, estamos falando em epidemiologia. A
epidemiologia é o conhecimento sobre o que acomete o povo. Epidemiologia de que? Pode
ser das doenças, dos acidentes, dos costumes e, por incrível que pareça, até da justiça. Na
área de saúde pública a epidemiologia é um assunto básico.
Quando se está tratando de saúde, quando eu falo em risco eu estou falando
em probabilidade que é diferente de dano. Eu tenho duas dimensões: o Risco e o Dano. O
risco é uma probabilidade que alguma coisa aconteça. Por exemplo, qual é a probabilidade
de uma criança ser infectar e ter a poliomielite? Quando se fala em probabilidade não se
pode chutar, tem que se ter um número, portanto precisamos ter um numerador e um
denominador. Denominador: População exposta ao risco. Numerador: o número de crianças
acometidas pela doença. Mas ainda precisa-se delimitar uma outra coisa: o tempo.
Já o dano pode ser os indicadores de mortalidade. Morbidade é incidência,
prevalência. A morbidade, são as medidas de incidência, de risco. A mortalidade também é
uma probabilidade, portanto tem um numerador e um denominador. Então, é o conjunto
dessas coisas que define a probabilidade de que um dano ocorra. Esse é um conceito básico.
Então vocês peguem a poliomielite, por exemplo, aqui de 1980 até 2001,
vocês vão ver o seguinte: no começo se gastava muito dinheiro para se tratar da doença, a
medida que os casos foram diminuindo, você vai imaginando que vá se gastar menos
dinheiro, mas não, por causa da vacinação. Isso mostra que a atividade de saúde pública
não é barata. A prevenção não é barata e nem sempre diminui os custos. Então qual a
vantagem de se prevenir? A vantagem é você diminuir os danos conseqüentes da doença.
Quem trabalha na Vigilância não teve um treinamento nessa área legislativa
e, mesmo assim, são obrigados a trabalharem com normas, portarias, decretos. E muitas
vezes fazem uma confusão com esse assunto de hierarquia das normas. Aqui é o seguinte:
tem a constituição, emendas constitucionais que é parte da constituição, o que se chama lei
complementar, lei ordinária, medida provisória que altera as leis, lei delegada e o
regulamento.
Ocorre que, em várias situações, um regulamento determina certas coisas
que contraria o que está escrito na lei. E isso é fonte de muito atrito entre os órgãos
executivos e os setores regulados.
No levantamento de jurisprudência, notou-se que muitas vezes os juízes
interpretam as leis diferentemente do que ela está dizendo. Às vezes, a lei não é clara
levando a interpretações errôneas. Um exemplo disso é que, em determinado momento, os
regulamentos diziam o seguinte: que os distribuidores de medicamentos, os atacadistas,
seriam obrigados a ter um farmacêutico responsável. Vários distribuidores entraram na
justiça dizendo que não precisavam de farmacêutico por que trabalhavam com um produto
já acabado e, em alguns tribunais, os juízes disseram que precisavam e em outros não.
Tem uma questão que está em discussão agora que é a da transferência de
titularidade. O que é isso? Uma empresa “A” tem um produto que nós vamos chamar de
“PA”, um produto qualquer. Aí a empresa “A” vende para a empresa “B” esse produto
“PA”, que vai passar agora a ser um produto da empresa “B”. Então, o que eles pedem?
Eles pedem uma transferência da titularidade. Por exemplo, o produto “PA” foi autorizado
pela ANVISA, registrado pelo ministério da saúde como produto da empresa “A”. Então o
que eles fazem? Eles fazem uma petição e pedem para transferir o produto da empresa
“A” para a empresa “B”. Isso é feito de uma forma mais ou menos rotineira. Nos temos um
levantamento que só nesses dois anos foram feitas mais de 600 transferências de
titularidade. O que acontece? A procuradoria considera que o registro desse produto não é
passível de comercialização por ser uma concessão pública. A agência registrou aquele
produto para empresa “A”, ou seja, esse produto é produzido em uma empresa que tem
determinadas características, que foram levadas em consideração no momento do registro.
Então, não se pode transferir pura e simplesmente o produto de “A” para “B” sem verificar
se a empresa “B” tem as mesmas condições de produção que a empresa “A”. Como a lei
não trata desse assunto, ela só diz se pode cancelar registro de produto. Pelo parecer da
procuradoria, quando a empresa “A” vende o produto para a empresa “B”, a empresa “A”
deve pedir o cancelamento e a empresa “B” deve pedir um novo registro que vai ser
analisado como um novo registro. Qual a diferença disso? A diferença é que para a
transferência da titularidade a agência cobra 1800 reais, o que não está previsto em lei. E se
for fazer um novo registro a empresa vai pagar um novo registro 20.000 reais. Esse é um
dos pontos que causa muita polêmica dentro agência. O pessoal da administração
considerou que com isso há uma evasão de receita, por que as empresas preferem fazer um
comércio de títulos e pagar menos do que fazer um novo registro. Do ponto de vista técnico
isso realmente tem que se prestar atenção. Por exemplo, se isso fosse um produto injetável
e a empresa “B” não tem área de produção de injetáveis eu pergunto, como é que ele vai
produzir se ela tem não tem área de produção de injetáveis ou ela tem a área de produção de
injetáveis mas não passou no controle de qualidade da agência ?
Isso é só para dar um exemplo de situação que está em ebulição. E que vocês
podem aproveitar para fazer uma pesquisa. Essa briga se a agência não resolver em tempo
hábil vai chegar ao Ministério Público com certeza, por causa não só da evasão de receitas,
mas a questão do controle de qualidade, o que pode causar perigo a população.
Aqui nós temos um diagrama que mostra o seguinte: relações entre os
Órgãos de Vigilância Sanitária competente e os setores regulados. Você tem de um lado
produtos, produtores e prestadores de serviço e, como nós vimos na definição, estão
sujeitos a Vigilância Sanitária e, do outro lado, você tem os órgãos de vigilância sanitária
competentes.
Nós temos aqui três grupos de ações possíveis:



Ações de caráter de prevenção, ou seja, os registros, as autorizações,
análises prévias e as inspeções prévias que são feitas na empresa para
que ela possa funcionar, essas ações todas têm um caráter preventivo.
Antes que o sujeito comece a fabricar um produto, inspeciona e vê se
ele está em condições de fabricá-lo. Ou você analisa o relatório
técnico que ele manda dizendo como que vai fazer aquele produto
pra você, isso tudo para ver se o produto tem uma fórmula
compatível, uma indicação terapêutica e uma infinidade de outras
coisas.
Existe um outro conjunto de ações que são chamadas de ações de
vigilância propriamente dita. Essas ações são as revalidações, as
análises e as inspeções. Nesse caso a empresa já foi autorizada, o
produto já foi registrado, mas você tem que manter a vigilância para
ver se não houve alteração nos parâmetros de qualidade. Para isso, a
legislação prevê de cinco em cinco anos a revalidação dos registros
de produtos, é a oportunidade que se tem para refazer as análises e
verificar se a empresa continua mantendo aquele padrão de
qualidade.
Tem um outro setor que é o de correção, que verifica as infrações. Aí
é uma característica da vigilância sanitária, a capacidade legal que
ela tem de impor penalidades. Você tem a Lei 6437, que é a lei de
infrações sanitárias. Essa lei não tem decreto regulamentador, ela é
auto-aplicável.
Esse conjunto todo é o que a vigilância exige dos produtores. Isso tudo é
feito através de uma burocracia documental, isso quer dizer que não existe uma relação
verbal dentro da vigilância sanitária e o setor regulado, é tudo por documento. Ou está
documentado no processo, ou não vale.
Essas exigências têm que ter um padrão, e o nosso é o conhecimento
científico mesmo, aquilo feito dentro dos modelos de pesquisa.
Esse é um dos problemas que nós temos, para verificar a eficácia da
homeopatia. São os estudos que dizem respeito à segurança dos medicamentos para o uso
humano. No Brasil, nós não temos um sistema de acompanhamento pós-registro eficiente,
na verdade, não se tem um sistema de acompanhamento. E isso é particularmente grave
porque afeta o cotidiano das pessoas mais do que elas mesmas imaginam.
Vou mostrar um pequeno diagrama em que dá mais ou menos como
funciona o mercado:
A bolinha em vermelho, é a prescrição médica e a bolinha em laranja é o
documento comercial (a fatura, o pedido) então vocês vejam o seguinte: o importador ele
tanto pode está trazendo matérias primas para o fabricante, como ele pode estar vendendo
diretamente para a farmácia. O fabricante, por sua vez, vende para o atacadista distribuidor,
que vende para a farmácia, que pode vender para unidade assistencial ou para o usuário que
procura a farmácia. Isso tudo mediante alguma prescrição que ele obtém que ele obtém
com o médico. Essa prescrição, por hipótese e por determinação legal, deve voltar para
cada um desses pontos para o órgão de vigilância sanitária competente. Esse órgão precisa
saber, no caso dos medicamentos, quem está tomando o que, quando e onde para poder
justamente ter, em relação à probabilidade, o denominador, porque o numerador vai ser o
número de casos que teve com uso daquela substância para ver se está fazendo mal ou não.
Para avaliar as reações adversas. Aqui no Brasil isso é teórico.
Vocês vêem nos medicamentos as faixas pretas, vermelhas, amarelas, preta e
amarela e ainda preta e vermelha. Isso parte do pressuposto de um artigo da lei 6437, os
artigos nos mostram, entre outras coisas, que não se pode vender remédio sem receita. O
que acontece aqui é que qualquer produto desses pode ser comprado sem receita.
Essas questões têm haver com os esquemas de controle de medicamentos. A
grande maioria dos medicamentos está na faixa vermelha. E qual o mecanismo de controle
para isso? Simplesmente não tem, na prática, os medicamentos de faixa vermelha no Brasil
são equivalentes aos de venda livre.
E como é que fica a questão do genérico? O genérico é igual ao de
referência. Essa igualdade é dada por quê? É dado pela bioequivalência. O que é
bioequivalência ?
A bioequivalência é derivada de uma coisa chamada biodisponibilidade
comparada. Dois produtos compostos da mesma maneira, que são equivalentes e podem ser
trocados. A biodisponibilidade todos têm que apresentar no registro.
Agora por que se pede a bioequivalência? Eu poderia ter um medicamento
que não fosse bioequivalente mas poderia ser aceitável. Não necessariamente o produto tem
que ser bioequivalente ao outro. Ele pode não ser bioequivalente e mesmo assim ser eficaz.
Se eu posso ter essa situação qual é a vantagem ? Eu vou fazer a pergunta de outra forma.
Qual é a vantagem disso para os Estados Unidos, Canadá ou Inglaterra ? A bioequivalência
na Inglaterra, por exemplo, é importante para que o farmacêutico não seja infracionado.
Quando o paciente entra numa farmácia na Inglaterra com a receita, o farmacêutico sabe o
que tem de bioequivalente àquele produto, estando autorizado a oferecer ao paciente outra
opção. Isso protege o farmacêutico. Esse é o motivo principal de terem resolvido fazer essa
tal de bioequivalência. É importante também a questão do preço, que é o grande chamariz
para o indivíduo aceitar a troca da referência pelo genérico. O preço é outro capítulo que
tem haver com a proteção de patente.
Tem um pequeno diagrama que vocês vão entender: Em 1883, na
Convenção de Paris, foi a primeira vez que se estabeleceram os critérios para proteção a
propriedade intelectual, o Brasil é signatário dessa convenção. Em 1942, quando estourou a
guerra, o Brasil suspendeu a proteção de patente. Em 1945, a guerra acabou e o Brasil
voltou a proteção patentária. Só que aconteceu o seguinte: só o processo produtivo que
tinha patente, o produto não tinha mais. Isso dura até 1967 que, por um decreto lei, diz que
não há mais proteção de patentes. Em 1971, vem a lei a 5.772/71, lei de propriedade
industrial, que corrobora tudo isso, portanto não existia mais patente no Brasil. Até que, em
1996, com a lei 9279/96, retorna-se à patente. Essa é a cronologia da patente.
Os países industrializados sempre tiveram proteção de patente. E o que eles
chamam de medicamento genérico nesses países? É o medicamento cuja patente expirou.
Vou dar um exemplo: o prozac sempre teve patente, que irá expirar em 2001, quando
terminar o prazo lá nos Estados Unidos, eles vão lançar vários produtos genéricos no
mercado, ou seja, produto sem patente. O fabricante pode colocar o nome técnico ou dar
um nome qualquer. Só que lá, o remédio só pode ser consumido mediante a prescrição, o
farmacêutico só vai poder trocar se o medicamento tiver bioequivalência. Então qual foi o
problema que aconteceu lá ? Durante vinte anos o mercado já está estabelecido, o
medicamento já foi mais que testado e consumido, já se tem vários fabricantes de matériaprima, o público e os médicos já conhecem as substâncias, as técnicas de produção já foram
otimizadas e é óbvio que quem entrar no mercado agora vai poder fazer esse produto mais
barato do que a empresa começou a produzi-lo. E esse outro vai entrar no mercado em
condições mais favoráveis. O que a empresa que o fabricava com exclusividade vai fazer?
Vai baixar o preço, lógico porque ela quer continuar vendendo. E quem ganha é o
consumidor.
Nos Estados Unidos, quem estava mais interessado nos genéricos eram os
hospitais e as seguradoras, porque iam pagar menos. Mas havia um empecilho nisso tudo,
nem o hospital, nem o farmacêutico, podiam trocar o remédio que o médico indicasse. Aí
começou uma briga entre esses grupos e a empresas. Isso chegou ao Congresso Americano
e se decidiu que os genéricos teriam que fazer a bioequivalência para provar que são iguais
aos de marca. Daí a bioequivalência passou a ser um teste exigido para que o genérico
pudesse ser intercambiado.
Não tem genérico nos Estados Unidos do Prozac, mas no Brasil já tem há
muitos anos. Então já se tinha, no Brasil, desde de 1971 até 96, medicamentos para todo o
arsenal terapêutico que estava sob proteção patentária e em geral eles eram mais baratos.
Agora apareceu uma legislação complicadíssima exigindo o teste do equivalente para um
produto que já se encontra no mercado. Se eu sou dono de uma empresa, já estou
fabricando o produto e estou vendendo, não vou parar minha produção para fazer o teste de
bioequivalência para dizer para as pessoas que podem comprar meu medicamento como já
estavam comprando antes. Quem foi que invetou essa história agora? Ou seja, isso tem uma
contrapartida, a prescrição médica é totalmente aviltada. Isso tudo foi feito mudando a
legislação. Entra a legislação, cria o genérico, faz medida provisória. Tem legislação, está
tudo muito bonito, mas esse é um desses casos em que se diz que a lei não pegou, mas a lei
não pegou por causa da irresponsabilidade das pessoas ao tomarem o remédio achando que
estão numa boa.
A indústria e o comércio acham uma maravilha porque estão vendendo
muito, o governo finge que não está vendo, por que diz o seguinte: se eu botar o controle de
receituário vai aumentar a fila do SUS. Aí nós temos essa conjunção toda e acabamos nessa
situação. A política de genérico no Brasil ela teve esse problema, pois não levou em
consideração toda propaganda que o governo fez, mas não foi por falta de aviso nem de
proposta pois é possível controlar isso de uma forma simples. Quando vocês vão ao
supermercado e compram um frango e vocês passam no caixa, o que ele faz ? Passa no
leitor de código de barras, ora se você pode controlar um frango, porque você não pode
controlar um remédio se ele já tem o código de barras?
Vocês já estão em parte preparados para em parte começar esse assunto.
Sempre que vocês tiverem alguma dúvida é só perguntar.
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Luís Filipe Moreira Lima