A CULTURA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO CASTAINHO
José Geraldo Maciel
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, como parte do módulo de Desenvolvimento Social e Rural
do Curso de Mestrado em Missiologia, teve como objetivo diagnosticar a vida dos negros do
Quilombo do Castainho, a partir do seu cotidiano e do resgate da História Vivida,
aproveitando a memória do próprio negro. Os depoimentos revelam formas e situações de
consciência do grupo, nos seguintes aspectos: educação, moradia, saúde, segurança, religião,
trabalho, questão da terra, sobrevivência e perspectiva de vida.
Começamos a pesquisa de campo tentando descobrir a origem da formação do
grupo e ao mesmo tempo procurando testar a existência de formas de pensamento ideológico
entre as pessoas, no que diz respeito a qualquer tipo de luta enquanto grupo de cor. Com o
andamento da pesquisa, percebemos que são completamente submissos em situação de
eventuais desentendimentos com pessoas residentes na área, basicamente contidos pelo
preconceito de cor, que se exterioriza em termos de estereótipos negativos do negro de
Castainho pela gente de fora.
Com relação aos sítios da área, Castainho tem uma característica diferente dos
demais. Ele é habitado por um grupo de famílias na sua maioria negras. Essa característica
implica no acréscimo de alguns problemas gerados pelo preconceito de cor existente na área,
e pelas formas de adaptação criadas pelas várias gerações das famílias negras. Mas cada dia
que passa a tendência é de desaparecimento dessas formas de adaptação, pois o ideal dessas
famílias é de assimilar todos os costumes do povo branco. Esse fato leva ao processo de
mudanças, dirigido de um lado pelo próprio processo civilizatório e, por outro, pelo valor que
dão as “coisas do branco”.
Utilizamos para elaboração da pesquisa material literário, entrevista formal e
informal, contendo algumas gravações, a história de vida, a observação participante em várias
tarefas e reuniões sociais.
2. RAÍZES HISTÓRICAS: UMA APRESENTAÇÃO
O bairro rural (sítio) de Castainho, objeto de nosso estudo, encontra-se na zona
rural no município de Garanhuns, situado no agreste do Estado de Pernambuco. O agreste
corresponde a uma extensão de terra entre as zonas da mata e o sertão. Trata-se de uma zona
de transição, onde podemos encontrar faixas úmidas e secas. Nesta extensão de terra do
Estado de Pernambuco deparamos com o Planalto da Borborema, tendo o seu lado meridional
ocupado pelo Planalto de Garanhuns, onde está inserido o município do mesmo nome.
O município de Garanhuns dista em linha reta da cidade do Recife 200km e sua
sede tem uma altitude de 896m. Possui um constituído de argila, areia e calcários. Seu clima
mesotérmico de verões do tipo Csa, difere das regiões próximas e é considerado dos melhores
do Estado. A temperatura média das máximas e mínimas é de 22° e 15°. O clima, a paisagem
e suas fontes de água mineral fazem com que ela seja muito procurada para tratamento de
saúde.
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Castainho dista 6km da cidade de Garanhuns. A única via de acesso entre os sítios
e fazendas dessa área com a sede do município é uma estrada de barro, estreita e mal
conservada, transitável em tempo seco por qualquer tipo de veículo. Seu terreno é acidentado
e o solo encontra-se esgotado devido aos longos anos de plantio. Cada família que vive no
bairro possui pouca quantidade de terra, e isto faz com que o plantio seja feito no mesmo
local, não podendo assim existir nem mesmo o sistema de rodízio do solo para “descanso” da
terra cultivável.
A parte hidrográfica do sítio restringe-se ao riacho Cajueiro (perene), que corta de
sul para oeste e serve de linha divisória ao sul. A água potável consumida é retirada de duas
cacimbas em terras de sítios vizinhos. Uma fica na propriedade vizinha, ao sul; a outra, no
limite do extremo-oeste.
Sua paisagem não difere dos outros pequenos sítios da região, onde predomina a
agricultura de subsistência. Todo espaço de terra é ocupado pela lavoura e construções, sendo
comum encontrarem-se nos fundos e nas laterais das residências, árvores frutíferas como: a
mangueira, o cajueiro, a pitombeira, o mamoeiro, a jaqueira, a bananeira, etc.
O município de Garanhuns está situado em um planalto, onde o seu relevo, em
certos trechos, se apresenta acidentado. Em um desses trechos localiza-se o sítio, cujo relevo
configura-se em três níveis. No primeiro nível, que denominamos de chã, encontra-se a capela
católica, tendo em sua frente o marco com uma cruz de madeira, a escola, as residências, as
casas de farinha e as vendas (que vende secos e molhados, bar).
No segundo nível, que designamos de encosta, mais pronunciada na direção do
sul, distribuem-se as residências, uma venda e casas de farinha. No terceiro nível, que
chamamos de Várzea – por onde corre o riacho Cajueiro – localizam-se uma olaria, uma casa
de farinha e residências. Em uma delas encontra-se a “senzala” (compartimento da casa em
que está instalado permanentemente o altar e onde acontece o culto sincrético que possui
elementos de cultos de origem católica, indígena e africana).
As plantações estão distribuídas pelos três níveis, na chã, na encosta e na Várzea.
De certa forma esse relevo acidentado condicionou diferenças sutis no comportamento de
seus habitantes. Pode-se observar, por exemplo, que comparadas às famílias da encosta e da
Várzea, as famílias residentes na chã têm condições de maior contato com pessoas residentes
em outros bairros ou sedes de municípios, pois a chã é servida pela estrada que liga a sede do
município de Garanhuns com as propriedades dessa área e de municípios vizinhos. Este tipo
de relevo favorece, assim, maior contato de seus moradores com pessoas residentes em outros
lugares, facilita a troca de mercadorias no local, e ao mesmo tempo permite ampliar o
universo cultural dessas famílias através de contatos mais freqüentes com o mundo que as
circundam. Assim, sempre comparativamente, as famílias residentes na chã: a) são menos
fechadas ao contato direto com pessoas que não pertencem ao seu grupo; b) exercem tipos de
trabalho ligados à zona urbana, como a intermediação na transação de alguns produtos, e os
ofícios de carpinteiro, pedreiro, etc; c) ampliam o seu campo de relacionamento social, que as
diferenciam das demais famílias residentes nos outros níveis do relevo do sítio distantes da
influência da estrada.
2.1. Povoamento e População
Durante o século XVII a ação do desbravamento se fez sentir com o surgimento
da luta dos pecuaristas com os primitivos habitantes da região: os índios Cariris. Essas
constantes lutas levaram aos poucos os índios para outros lugares, menos acessíveis aos seus
inimigos.
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Durante a ocupação holandesa, a população litorânea, amedrontada com as lutas e
destruições provocadas pelo invasor, resolveu fugir para o interior e para outros Estados. O
mesmo aconteceu com os escravos que aproveitaram a ocasião e formaram diversos
quilombos. Após a expulsão dos holandeses, a área que corresponde ao município de
Garanhuns pertencia à sesmaria dos Garanhuns, que não pôde prosperar devido aos constantes
ataques dos quilombolas. Surgiu então a necessidade de combater os diversos quilombos da
região, principalmente o de Palmares, que exerceu influência por uma extensa área, que
abrangia inclusive o atual município de Garanhuns. Diégues Júnior explica que a formação
étnica dessa região se fez através de elementos que possuíam um vício de origem – o ódio. O
índio sendo repelido para o interior pela população do litoral e, por sua vez, o negro fugindo
do cativeiro e aumentando os quilombos.
Com a extinção dos quilombos, criaram-se grandes fazendas, onde se
desenvolveram a criação de gado e, posteriormente, as culturas do algodão e do café. Essas
culturas vão proporcionar ao pequeno proprietário trabalho para complementar a sua renda
familiar. Em geral, o pequeno proprietário se dedicava, e ainda se dedica à agricultura de
subsistência, mas, ao mesmo tempo, alugava seus braços alguns dias por semana no trabalho
do plantio e colheita do algodão e café, ou então, nos seus poucos hectares fazia plantação
intercalada do produto de subsistência que no caso de haver excedente, era destinado à venda.
Sobre a origem do povoamento do sítio existem pelo menos três versões que às
vezes se completam: a dos estudiosos, a dos moradores do município de Garanhuns e a dos
habitantes do sítio.
Para os estudiosos, como por exemplo, Dias (1954 p. 133), “núcleos de escravos
pretos fugidos salpicavam os brejos em aldeamentos esparsos que, em nossos dias, ainda se
distinguem os nomes de Castainho na “Curica” no “Quilombo” e no “Magano”, com a sua
população negra disposta em clãs nos quais a raça e os costumes se mantêm inconsúteis”.
Para os moradores do município, o sítio se originou de um pequeno quilombo
existente naquele local ou, então, teria sido povoado por famílias negras remanescentes dos
antigos quilombos da região.
Para os habitantes do sítio, as terras pertenciam a uma propriedade que tinha como
dono um padre (alguns chegam a atar o nome como sendo Padre Rosa). Esse padre, certa vez,
encontrava-se num outro continente, quando teve a oportunidade de adquirir um jovem
escravo negro. Por sua vez, esse escravo foi companheiro dos mais dedicados do seu dono.
Tempos depois, com a morte do seu senhor, ele recebeu, como agradecimento, as terras que
atualmente correspondem ao sítio.
Por esse depoimento, a residência primeira, a que simboliza o germe do núcleo,
teria sido construído no nível da chã, nos fins do século passado:
“Esse causo vem de muito longe, por volta de 1898 para trás. Eu entoei isso,
vendo meus tios e meus avós falarem que esse lugar era de criação de gado e bode que viviam
soltos e que não tinham essa comunidade que tem hoje, de muita gente. Nesse tempo o
pessoal era pouco. Aqui era mato. Mato de braúna, de madeiras duras como Pau Ferro. Aqui
no Castainho, perto da ladeira tinha ali uma fazenda que era de um padre. Ele viajou para
outros lugares e trouxe para criar um morenozinho. Nesse tempo, esse pessoal moreno vivia
como escravo, havia escravidez. Era no tempo de reis. O molequinho criou-se, ficou
rapazinho e tal foi tempo que o padre morreu e deixou um pedacinho de terra para ele. Ele
construiu sua casa aqui, na cabeça da ladeira. Essa foi à primeira casa. O molequinho então
casou-se e por ali foi agerando a coisa e tal que terminou nessa multidão de moreno aqui”.
Através dessa declaração, constata-se que a ocupação inicial foi das terras da chã.
As terras que correspondem aos níveis da encosta e da várzea foram adquiridas à medida que
o número de novas famílias foi surgindo e necessitando de local para suas casas. Essa posse se
deu através de compra ou da união com membros de famílias proprietárias, sendo algumas
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delas famílias brancas. Segundo um informante “Os mais novos foram casando daqui pra colá
e foi crescendo a terra e baldiando, que nesse entre meio tem moreno, fusco, moreno mais
claro e assim aquela misturada que nem arroz dentro de um bocado de café torrado”.
Assim, atualmente, as duas formas de ocupação da terra se caracterizam,
primeiramente, pelos proprietários, que a adquiriram através de herança ou compra, e, em
segundo lugar, pelos moradores, que se estabelecem em terra cedida (sem pagamento) por
parentes ou amigos).
Formas de Ocupação da terra e unidades residenciais
TIPOS
Proprietários
Moradores
TOTAL
QUANTIDADE
45
5
50
%
90
10
100
Os proprietários e moradores, em conjunto, ocupam, um total de 50 unidades
residenciais, sendo que os primeiros, em número de 45, alcançam uma percentagem de 90%
em relação aos moradores, em número de 5, que ficam com os 10% restantes.
Por sua vez, o aumento de unidades residenciais, exigindo a ocupação de novos
espaços físicos e, conseqüentemente, ampliando os limites do sítio além da chã, está ligado a
certo padrão de neolocalismo. Esse padrão, que no passado foi forte e que hoje ainda perdura,
embora enfraquecido, consiste em o homem, ao casar, deixar a casa de seus pais e construir
uma nova morada nas terras de sua família de orientação.
Atualmente, sob a ação de dois fatores, este padrão se enfraquece e muitos
encontram dificuldades em seguí-lo: a) não há mais condições de dividir a terra ao fato dela
ser pequena em tamanho e de existir muitos herdeiros; b) devido à mudança de produção na
região, onde o café foi substituído pela pecuária que exige pouca mão-de-obra.
O primeiro fator pode responder por três fenômenos: 1. Adoção de uma espécie de
adaptação do padrão de neolocalidade – Exemplo: um homem, cuja família não dispõe mais
de espaço para construção de nova casa, constrói, ao casar, a sua morada em terra de parentes;
2. A constituição de famílias extensas, na medida em que a nova família constituída, sem
espaço para construir sua casa, “agrega-se” à família – tronco; 3. Pode simplesmente obrigar o
indivíduo a abandonar o sítio, em busca de trabalho.
O segundo fator pode ser responsável pela emigração. Esses fatores, conjugados,
levaram alguns jovens a emigrarem à procura de emprego e até mesmo a se fixarem em outras
paragens. O local escolhido pode ser outro estado, município ou até mesmo um sítio vizinho.
Essa última opção é a mais usada pelos jovens que já têm família constituída. Eles
ultrapassam os limites do sítio e tentam se fixar como moradores em outros locais.
A população residente no sítio corresponde a um total de 239 habitantes, sendo
69,88% de pretos, 20,92% de mulatos e 9,20% de brancos. Este total de habitantes está
distribuído entre 43 famílias, onde 72,10% delas são homogêneas no que diz respeito à cor e
de seus elementos formadores, isto é, todos são de uma só cor, e 27,90% são mistas, ou seja,
possuem elementos de mais de uma cor.
A existência de famílias mistas explica-se: a) pelo casamento misto; b) pela norma
de “criar” netos e filhos de outra família mais necessitada; c) pela aceitação de outro tipo de
agregado como: pai, mãe, irmã(ão), tia(o), sobrinha(o), prima(o), genro, nora. Mesmo
havendo esses fatores que contribuem para a mistura de cor, isso não implica que as famílias
homogêneas não tenham agregados como os demais.
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As famílias (pretas ou brancas) se distribuem por todo o sítio e suas teias de
relações sociais se estendem, também, por toda a população do bairro, independentemente de
cor.
Examinando a distribuição das famílias por cor através dos níveis do relevo,
observa-se que as homogêneas predominam nos três níveis, como mostra a tabela abaixo:
NÍVEIS
CHÃ
ENCOSTA
VÁRZEA
TOTAL
HOMOGÊNEAS
15
14
2
31
FAMÍLIAS
%
MISTAS
48,39
9
45,16
3
6,45
100,00
12
%
75,00
25,00
100,00
Na várzea há um número reduzido de famílias, o que se explica, pela pequena
extensão dessa faixa de terra, se comparada às outras duas.
2.2. Habitação
A área do sítio corresponde a um total de 38,3 hectares, onde as habitações estão
dispostas irregularmente, não obedecendo a nenhum padrão de alinhamento e o total de
habitações é de 64, assim distribuídas: 53 residências, três vendas, cinco casas de farinha, uma
olaria, uma igreja e uma escola.
Densidade das unidades domésticas
N° DE PESSOAS
1a5
6 a 10
11 a 15
TOTAL
N° DE UNIDADE
32
16
2
50
%
64
32
4
100
As unidades compostas de uma a cinco pessoas detêm o maior percentual do seu
total, 64%; as compostas de seis a dez pessoas, 32%, e, por último, as unidades contendo de
11 a 15 pessoas, 4%. Essa densidade baixa deve-se às seguintes causas: a) saída para outros
locais; de mais de uma pessoa de uma mesma unidade. Essas pessoas geralmente são do sexo
masculino; b) acentuada mortalidade infantil; c) mobilidade interna no que diz respeito à
passagem de pessoas de uma unidade para outra.
As vendas são conjugadas à residência de seu proprietário a fim de conciliar as
diversas atividades da família; ou seja, no caso da ausência do homem a mulher pode
substituí-lo no trabalho da venda sem abandonar as suas obrigações domésticas. As casas de
farinha também são construídas próximas à residência do proprietário, com a mesma
finalidade de harmonizar as atividades da família. A única olaria existente encontra-se no
nível da várzea. Sua edificação compreende apenas um alpendre com simples cobertura de
telha-vã e o forno para queimar as telhas. A igreja e a escola encontram-se conjugadas. Elas
estão localizadas na entrada do sítio, na bifurcação da estrada principal com outra que
percorre apenas parte do sítio. Foram construídas através das doações do terreno, do material
e do trabalho de algumas pessoas do grupo.
No tocante ao material empregado nas habitações, há três tipos de construção: 1)
alvenaria, com piso de cimento; 2) alvenaria, com piso de barro batido; 3) taipa, com piso de
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barro batido. Todas possuem o teto de telha, as portas e janelas de madeira e suas paredes
internas não chegam até o teto.
O primeiro e o segundo tipo alcançam juntos, apenas 16% ao total de construções,
ficando a casa de taipa, com piso de barro batido, com o percentual restante. Portanto, o
terceiro tipo é o mais difundido no sítio.
A divisão interna de uma moradia obedece a quatro modelos: 1) uma sala, um
quarto, cozinha; 2) uma sala, dois quartos, cozinha; 3) duas salas, um quarto, cozinha; 4) duas
salas, dois quartos, cozinha. A quantidade de cômodos depende do nível de renda de cada
família. Pode-se, por exemplo, encontrar uma família numerosa residindo em uma casa com
poucos cômodos, onde os filhos passam a dormir na sala; como pode ocorrer também que
uma família composta de apenas três membros more numa casa que possua maior número de
divisões internas.
A ligação casa-terreiro é importante. O terreiro serve quase sempre como
continuidade da casa. Trabalhos, como a confecção de chapéus, vassouras, derivados da
mandioca; diversões, como jogos, danças e reuniões, com finalidade de conversar, são
realizados nele. Pode-se dizer que nessas ocasiões ele faz às vezes de um “cômodo” da casa.
Através de algumas observações feitas por elementos do grupo, nota-se que ele serve também
como medida de avaliação da mulher como dona-de-casa. Exemplo de uma afirmação:
“aquela mulher é boa dona-de-casa. O seu terreiro está sempre limpo, em ordem”.
O aproveitamento social e a incorporação cultural do espaço físico do terreiro está
na dependência das duas estações do ano: verão e inverno. Entre os cômodos e o terreiro da
residência há uma ordem preferencial de uso. No verão, a dona-de-casa distribui seus afazeres
domésticos entre a cozinha (onde a família faz suas refeições) e o terreiro. Neste período, a
sala é utilizada apenas quando aparece visita, com a qual se mantém um relacionamento
formal ou, quando a família, por ser numerosa, à noite transforma a sala em quarto para os
filhos. No inverno, passa a utilizar mais a cozinha, podendo, às vezes, se estender até a sala.
Assim, dentro de uma hierarquia preferencial de uso, cozinha e terreiro, são os espaços mais
requisitados, vindo em seguida à sala e o quarto.
O mobiliário das residências é simples e mantém padrão homogêneo no que diz
respeito ao tipo de mobília e sua distribuição através dos cômodos. Todo ele é disposto junto
às paredes, ficando o centro dos cômodos livres.
A sala é mobiliada, de um lado, por uma mesa acompanhada de tamboretes e, do
outro, por um ou dois bancos. As suas paredes, em geral, são revestidas com fotografias de
familiares, calendários, estampas de santos, etc.
O quarto geralmente é composto de uma cama e uma mala sobre cavalete, onde
são guardadas as roupas. Como o número de pessoas geralmente ultrapassa o número de
camas, adota-se o costume de várias dormirem agrupadas numa mesma cama. Assim, dormem
agrupados: pais e filhos menores; várias crianças independentemente do sexo.
Na cozinha, além do fogão de lenha, há jarras grandes de barro para depósito de
água, armário para guardar louças e mantimentos, pilão de madeira para triturar alimentos.
Como foi descrito anteriormente, as habitações podem ser de alvenaria ou taipa.
As construções de alvenaria são realizadas exclusivamente pelo sexo masculino. As casas de
taipa são executadas pelo homem, mulher e criança, dentro de quatro etapas.
A primeira, executada pelo sexo masculino, corresponde à escolha do local dentro
da terra da família e marcação no chão do tamanho e largura das quadras (divisões).
A segunda consiste em cavar os buracos para os esteios; levantar, montar e
colocar os caibros (suporte das ripas); enripar (gradear o telhado para receber a cobertura);
envarar as paredes com pipó, enxamear e colocar as telhas. Essa segunda etapa também é
trabalho do sexo masculino.
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A terceira corresponde ao que chamam de “tapagem de casa”, dela participando
homens, mulheres e crianças. Estas, independentemente do sexo, executam trabalhos
destinados ao sexo feminino.
E a quarta etapa corresponde ao ato de “bater o chão”.
A terceira e quarta etapas passam a ser um trabalho que vai além do âmbito da
família. Todo o grupo pode participar. As famílias são avisadas do dia da “tapagem” e aqueles
que querem participar reúnem-se cedo para começar o trabalho. O homem retira o barro do
barreiro, amassa e transporta o “bangüê” (caixa de madeira de forma quadrada, fixada em dois
paus horizontais) para junto da casa que está sendo construída. O trabalho de carregar água,
colocar o barro na parede e alisar, tem a participação da mulher e da criança. Depois da
“tapagem” pronta, os homens ficam encarregados de colocar o barro no piso da casa.
A quarta etapa está vinculada à terceira. Na noite do mesmo dia da “tapagem”
deve ocorrer a festa (dança e bebida) com a finalidade de “bater o chão”. O sexo e o papel
desempenhado dentro da dança expressam os princípios estruturais e organizatórios da festa.
Assim, de um lado, os homens dividem-se em duas alas: a) a dos que “fabricam” a música,
isto é, tocam os instrumentos (em geral, o ganzá) e cantam; b) a dos que “consomem” a
música, isto é, observam ou observam e dançam. De outro lado, as mulheres apenas repetem o
canto e dançam o coco dentro da casa em construção, batendo os pés e assim “fabricando” o
chão da casa, através da dança. Esta etapa de construção da casa representa também um
momento de vida comunitária, quando categorias sociais e culturais tomadas, teoricamente,
como antagônicas se harmonizam na construção de um ato social: homens e mulheres; formas
de trabalho e formas de lazer.
O quadro acima descrito passa, atualmente, por uma série de mudanças, sob a
ação de vários fatores, entre os quais é destacada pelo grupo a influência de pessoas estranhas
que além de “trazerem novidades” ainda bebem em excesso e provocam brigas. Assim,
algumas casas passam a ser construídas sem haver a festa.
Quando o costume tradicional é obedecido, nota-se que algumas modificações
passam a ocorrer, como por exemplo: a) o instrumento musical usado é o ganzá, mas, às
vezes, a ele se juntam outros como a viola, ou sanfona, através da presença de tocadores de
outro local; b) anteriormente, somente as mulheres batiam o chão através da dança, hoje já é
possível perceber-se a presença masculina; c) era comum à dança do coco e hoje as pessoas
mais velhas persistem em dançá-la, mas os jovens preferem o samba de roda.
Atualmente, nas casas que são construídas sem festa o piso passa a ser batido pelo
dono da construção através da enxada, dos pés e do “socador” (pedaço de madeira retangular,
tendo aproximadamente 30 a 50 cm de comprimento por 20 a 30 cm de largura, com cabo
vertical fixado no seu meio).
Das cinco casas de farinha, cada uma com um único cômodo, quatro são de taipa e
uma de alvenaria. Elas têm o piso de barro batido, porta de madeira e cobertura de telha.
A igreja é constituída de um cômodo onde se realizam as cerimônias religiosas e
uma de alvenaria, revestida de cimento e pintada com água de cal.
3. ETNOGRAFIA
3.1. A Família
Segundo informações do grupo, ele se originou de um ex-escravo que constituiu
família do tipo simples, isto é, composta do homem, mulher e filhos que “por ali for
agerando” e formando novas famílias. À medida que essas novas famílias foram surgindo, a
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estrutura familiar foi se diversificando. Além da família simples, passou a existir a família
grande, composta do homem, mulher, filhos e agregados. Esses agregados, em geral,
correspondiam a pessoas que ficaram sós e passaram a residir na casa de outra família, com a
qual eram ligados por laços de parentesco.
As famílias podem ser classificadas dentro dos seguintes tipos estruturais:
1. Família Simples – composta do homem e mulher, ou homem, mulher e
filho(s);
2. Família Incompleta Simples, composta da mulher e filho(s). Em geral, neste
tipo de família, com a ausência do homem, a mulher assume a chefia do grupo
doméstico em caráter temporário ou não;
3. Família Grande – composta do homem, mulher, filho(s) e agregado(s)
(genro, nora, neto(s), avós, primos, irmãos, etc);
4. Família Incompleta Maternal Grande – composta da mulher, filho(s) e
agregado(s), em geral, da mesma parentela. Neste tipo de família, a chefia
também fica a cargo da mulher.
Estes tipos estão quantitativamente, assim distribuídos:
Os arranjos identificados às famílias grandes resultam de dois processos de
agregação: o primeiro, que é percentualmente mais expressivo, consiste, por um lado, na
agregação de neto(s) à família dos avós paterno e materno. Este fato se dá em três situações:
a)
quando algum filho (a), independentemente dos motivos, não tem
condições econômicas de criar toda a prole, alguns passam a residir com os
avós ou avó que tiver melhor condição financeira;
b)
quando os netos nascidos na zona urbana (geralmente filhos de prostitutas)
são repudiados pela mãe, que não quer ou não pode sustentá-los;
c)
quando o neto é filho de mãe solteira.
Por outro lado, consiste na agregação à família-tronco, ou família de orientação,
de família simples ou nuclear formada pelo descendente, que devido à fragmentação da
propriedade não tem mais espaço para formar a sua família em casa separada. É a quebra do
padrão de neolocalidade, como já vimos, e a sua substituição preferencial pelo princípio de
patri ou virilocalidade. Por sua vez, este princípio pode ser contrariado por questões
econômicas. Isto ocorre quando a família da mulher está em condições econômicas mais
favoráveis do que a família do marido.
O segundo processo responde pela agregação a determinada família de pessoas
que se ligam por maior ou menor grau de parentesco, ou ainda por pessoas não-aparentadas,
incluindo nesta categoria os filhos adotivos que a família “pegou para criar”.
Ao lado destes grupos familiares, há duas unidades residenciais que abrigam um
grupo não-familiar. Um destes é formado pelo homem, cunhado e primo. A esposa morreu,
seus filhos casaram e foram residir em outras casas no sítio. Pela norma ele deveria morar
com um dos filhos, mas brigaram por questão de herança. Por isso, mora com dois agregados
que também ficaram sós. O outro grupo não-familial é formado pela mulher, sobrinha e
sobrinho-neto. Os filhos emigraram para outros locais e a sobrinha com o filho passaram a
residir com ela.
Além desses dois grupos, há também cinco unidades residenciais, cada uma delas
habitada por uma mulher idosa. Todas elas preferem morar em suas casas no sítio, onde
sempre viveram. Duas ficaram viúvas e os filhos emigraram para centros urbanos devido a
pouca quantidade de terra herdade e à falta de emprego na região, provocada pela mudança de
produção nas grandes fazendas, que passaram da atividade agrícola para a pecuária, que
necessita de pouca mão-de-obra; a terceira teve vários esposos temporários e um único filho
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que, por desentendimento com ela, emigrou para a zona urbana do interior do Estado de São
Paulo; a quarta teve vários esposos temporários e os filhos constituíram família e residem em
outras casas. Ela continua preferindo morar só; a quinta teve um só esposo que a abandonou e
não teve filhos. Prefere morar só e passar a residir na casa de algum parente.
Talvez possamos dizer que estas situações-limites são resíduos finais de um
processo de desintegração de famílias do núcleo, afetadas pela emigração de seus membros
masculinos.
3.2. Chefia
As chefias das famílias estão distribuídas entre masculina e a feminina. Esses dois
tipos de chefia estão, de certa forma, relacionados a dois modelos definidos por Bastide. O
que denominamos de família com chefia masculina é o que ele chama de modelo europeu,
que corresponde à família paternal, a qual, às vezes, é sancionada pelo casamento religioso
com efeito civil, que é tido pelo grupo como o “ideal”, mas pouco realizável devido ao alto
preço. A chefia feminina é o que ele chama de novo modelo negro, que se define “pela
matrifocalidade e o casamento costumeiro, em ligação funcional com a organização
econômica e social da comunidade negra”.
Diversos fatores levam a mulher em Castainho a assumir a chefia da família, mas
há pelo menos duas situações relativamente típicas: a primeira está ligada à formação de
casais derivados de uniões temporárias, o que leva a mulher a passar por várias uniões com
diferentes companheiros. Nos intervalos entre uma e outra, ela ocupa provisoriamente a chefia
da família; enquanto aguardar o novo companheiro. A segunda ocorre quando, ao perder o
companheiro, pela morte ou pelo abandono, a mulher passa a preferir aventuras, sem deixar
que o homem ou homens ocasionais assumam a responsabilidade de sua família. Isto acontece
quando ela possui filho(s) do sexo masculino crescido(s), ou no caso de ter outro tipo de
dependente do sexo masculino adulto residindo em sua casa, e quando a situação econômica
da família é relativamente estável.
Embora desempenhando o papel de chefe de família, provisória ou
definitivamente, naquele contexto comunitário, são sempre reservados à mulher os papéis,
secundários e subalternos, ligados principalmente à divisão sexual do trabalho. Isto faz com
que as famílias que possuem chefia feminina enfrentem maiores dificuldades para sobreviver.
Nem todos os trabalhos são permitidos à mulher, e, caso alguma resolva transgredir estes
padrões, será motivo de comentários depreciativos por parte de outras famílias.
Decorre daí serem mais valorizadas e respeitadas no âmbito da comunidade as
famílias que possuem chefia masculina. Constatação corriqueira, se se considerar a tradição
patriarcal que predomina em toda aquela área, e que no esquema assimétrico de relações entre
sexos à mulher é sempre a subordinada.
3.3. O Namoro e o Casamento
Nas fases que antecedem a união conjugal, não há padrão bem estabelecido com
relação à maneira de agir dos jovens. Para alguns, o ato de noivar é importante. Outros casam
sem passar pelo período de noivado. Namoram, e quando o rapaz resolva fazer o pedido já é
para casar. Podem ocorrer casos de namorarem uma e fugirem com outra. Isso se dá quando
uma das famílias não quer a união ou quando há concorrência entre pretendentes. Segundo um
informante “o rapaz foge com uma e deixa a outra na mão”.
10
Para a fase do namoro ou noivado não existe um tempo limitado. Caso esse tempo
se prolongue por muitos anos, o fato passa a ser criticado pelo grupo. Os encontros devem se
realizar na casa da moça, perto de seus familiares, mas nem sempre a norma é seguida pelos
jovens.
A mulher só deve ter filho depois de casada. Se ficar grávida em solteira e o rapaz
assumir a paternidade, a família procurará casá-los. Quando o rapaz não quer ou não pode
assumir a paternidade, a família adota o neto, mas a mãe solteira passa a ser punida através do
afastamento das pessoas amigas e dos próprios membros de sua família. Naturalmente, o
padrão moral aplicado ao homem é outro: antes de casar ele pode ter ligações amorosas, sem
qualquer punição.
Nesse período que antecede a união conjugal, tanto o homem quanto a mulher
devem cumprir certas obrigações. Para ele casar, é necessário que já tenha escolhido o lugar
onde vai residir. Em seguida, deve construir sua futura casa e mobiliar cada um dos seus
compartimentos. Por sua vez, a mulher deve levar o enxoval e as louças.
Nem sempre essas obrigações são cumpridas. Elas são postas em prática quando a
situação econômica da família as permite. Quando ocorre a união de um casal sem o ato do
casamento civil ou religioso, ao homem cabe escolher o local onde quer residir e construir sua
casa. Após a participação pública, através de uma festa, o casal passa a residir em sua casa e
tentará, após o casamento, completar o que deveria ser feito antes.
Para serem cumpridas algumas normas sociais, é necessário que as famílias
tenham uma situação econômica relativamente estável. Assim sendo, as de situação precária
sentem-se inferiorizadas e até mesmo se autodesvalorizam por se comportarem de forma
diferente das demais. Apesar deste fato, a divisão das obrigações de trabalho do sexo
masculino e feminino é a mesma em qualquer situação ou nível econômico, que em geral não
ultrapassa os limites da sobrevivência.
As formas de união conjugal estão inseridas nos tipos das chamadas uniões
monogâmicas. Anteriormente, a forma mais comum era a mancebia, ocorrendo alguns casos
de casamento religioso. Atualmente persiste a mancebia, mas já existem formas de união
através do casamento civil, religioso ou religioso com efeito civil. Este último tem sido
imposto pelo juiz do município, através de sacerdote católico que dá assistência periódica ao
grupo.
A festa de comemoração pela formação de um novo casal só é realizada quando a
união é aceita pelas duas famílias. Ela é feita pela família que detenha maior poder
econômico. Caso as duas tenham o mesmo nível precário de subsistência, os gastos com os
preparativos deverão ser divididos. Quando o casamento é religioso, realiza-se a cerimônia
numa igreja da zona urbana do município de Garanhuns e faz-se a festa no sítio.
Na escolha do cônjuge existe certa preferência pelo homem e pela mulher branca.
Muitos acham que fisicamente os brancos são mais bonitos do que os pretos. Isto nos leva a
discutir a ocorrência de casamentos mistos. Dada a predominância de famílias homogêneas
(no tocante à cor) pode-se concluir que o grupo se orienta pelo padrão da endogamia.
Todavia, há condições que favorecem a quebra deste padrão, surgindo daí as famílias mistas
(ou heterogêneas), e que têm, como preliminar, uma certa valorização estética do cônjuge
branco por parte da população negra, o que parece ser generalizado em todo o Brasil –
concretamente, estas condições surgem em duas situações:
1.
Quando o homem emigra à procura de trabalho temporário em outros locais.
Este fato tem levado alguns homens a constituírem família com mulheres
brancas (que quando provêem da zona urbana geralmente são prostitutas), as
quais não são bem aceitas pelo grupo, por possuírem hábitos diferentes não
cuidarem bem da casa e dos filhos, e devido ao seu comportamento anterior.
11
2.
Essa rejeição é mais acentuada entre as mulheres do grupo que as vêem
também como suas concorrentes
Quando laços de amizade entre famílias negras de Castainho e brancas da
própria comunidade ou de sítios vizinhos favorecem a união mista. Talvez se
possa afirmar que, se dependesse da vontade dos pretos, apoiados na
valorização estética do branco, o número de famílias mistas seria maior.
Todavia, os entraves colocados pelos brancos bloqueiam esta realização.
3.4. Gravidez, Pais e Filhos
A mulher, no período da gravidez, continua a executar todas as suas obrigações. A
limitação de suas tarefas ocorre na medida em que o volume do corpo a impede de fazer
certos movimentos. Nesse período, ela deixa de ingerir bebidas alcoólicas e se abstém de
certos alimentos “que não lhe fazem bem”. A gestação não se desenvolve sob orientação
médica.
Na maioria dos casos a criança nasce em casa, tendo assistência de uma parteira
do grupo. Os cuidados com a saúde após o parto são mais intensos do que na fase de gestação.
Esse período de dieta e exclusão dos trabalhos após o parto é de 40 dias. Nessa fase, quando a
mulher passa mal, costuma tomar “chá de seixo bem alvo”. O seixo deve ser colocado
debaixo da cinza do fogão, até ficar da cor de brasa. Em seguida, é depositado no prato com
água e alecrim pesado. Antes de ser ingerido, o líquido deve ser batido com uma colher e
coado.
O aborto não é praticado. Através de uma informante, tomamos conhecimento da
existência da prática de evitar filhos, o que só é feito pelas mulheres que já conceberam várias
vezes. Essa prática não é facilmente aceita pelo homem, que, em geral, tem medo de que a
esposa “mude de comportamento”. Por isso, só as mulheres dignas de confiança da possuidora
da fórmula é que podem ter acesso a essa mistura de ervas.
Após o nascimento, o chefe da família deve dar uma festa: o “cachimbo”. Caso
ele esteja numa situação econômica difícil, as outras famílias podem oferecer a bebida como
presente.
As obrigações que os pais devem ter para com os filhos incluem, além da
subsistência alimentar, o vestuário, a educação doméstica e a orientação dos trabalhos que
garantam a subsistência da família. Essas obrigações variam conforme o sexo, tanto no que se
refere aos pais como aos filhos. A mãe ou à madrasta, ajudada pelas crianças do sexo
feminino, cabe todos os afazeres domésticos, como limpeza e arrumação da casa, cuidado
com determinados animais de pequeno porte, aquisição, preparação e distribuição alimentar,
aquisição e conservação do vestuário, educação dos filhos e cooperação nos trabalhos do
companheiro. Quando ela exerce a chefia da casa, assume a orientação das obrigações
destinadas ao homem. Quando não pode ensinar “coisas de homem”, pede a algum parente do
sexo masculino que o faça.
Os deveres do pai ou padrasto para com os filhos ou enteados devem ser no
sentido de ensinar-lhes as técnicas agrícolas e industriais, o trato com determinados animais e
alguns conhecimentos empíricos com relação a normas referentes à moral e tradições.
Por sua vez, os filhos têm como deveres ajudar os pais nos trabalhos diários,
obediência e respeito ao longo da vida. Segundo declaração de alguns pais, os filhos devem
“ajudar no possível”; “obedecer e ajudar em casa” e “auxiliar os pais em tudo”. Essas
declarações demonstram que a criança na família representa uma grande força de trabalho.
Entre as famílias e dentro delas, naturalmente, existe o bom e mau
relacionamento. Os conflitos derivam de desentendimentos que na maioria das vezes são
12
motivados por bebida consumida em excesso; por questões de limites nas plantações; por
posse de animais alheios; por intrigas (fuxicos) e por disputa de um mesmo homem ou de uma
mesma mulher. Além desses, outro motivo pode ser causa de conflito, ou seja, quando um
membro sai do sítio para trabalhar e depois de certo tempo regressa. Passa então a haver rixas
com um ou mais membros da mesma família. Isso deve-se ao fato de haver adquirido hábitos
diferentes daqueles da comunidade, como a forma de trajar e de se comportar, dentro de
valores estranhos.
Contudo, esses conflitos não chegam a afetar o esquema de solidariedade entre
famílias. Quando uma dona-de-casa adoece, ela poderá contar com a cooperação de membros
de outra família na execução de seu trabalho. O mesmo ocorre quando, por exemplo, alguma
família passa fome e recebe de outra ajuda em forma de mantimentos. Essa solidariedade ou
troca de favor se estende na ajuda mútua em trabalhos da indústria caseira, do plantio, etc.
3.5. Alimentação
A alimentação diária é composta de três refeições, constituídas de pouca
variedade de alimentos, tendo como base a mandioca, o milho, o feijão e o café.
Algumas famílias pela manhã tomam apenas café. Outras, quando o orçamento
assim o permite, acrescentam ao café, cuscuz, bolacha, macaxeira, tapioca, beiju ou pão. O
almoço tem o feijão e a farinha de mandioca como os alimentos básicos, que podem ter como
“mistura” (escassa) a carne, toicinho ou verdura. O jantar é composto das sobras do café e
almoço.
Em período de crise econômica, isto é, quando o ganho familiar é insuficiente, a
ingestão de frutos muitas vezes substitui uma refeição. Atualmente, acentua-se uma escassez
progressiva desses alimentos provocada pelo desmatamento da área. Isso tem levado à
diminuição da coleta de frutos, o que leva o grupo a restringir ainda mais os seus já parcos
recursos alimentares.
As refeições são feitas, cotidianamente, por todos os membros da família no
mesmo horário, na cozinha, onde sentam no chão ou em tamboretes em torno do fogão. No
caso da participação de uma pessoa estranha, que exige um tratamento mais formal, o chefe
da família faz a refeição com o visitante na mesa da sala. Na família em que a chefia é
feminina, observa-se que a mulher, mesmo exercendo a chefia da família, não tem os mesmos
direitos do homem e por isso não participa de todos os rituais da chefia. Assim, o convidado é
servido na sala tendo apenas a companhia da mulher, que lhe serve, porém, não participa da
refeição.
A alimentação é sempre preparada pela mulher – adulta ou criança. A criança
assume os papéis de dona-de-casa quando a mãe ou madrasta, por trabalhar longe de casa,
está impedida de fazer as tarefas do lar.
Além da alimentação do dia-a-dia, há as alimentações especiais ligadas a
acontecimentos festivos, como a refeição de uma festa de casamento. Esta é preparada por
uma pessoa que tanto pode ser residente do sítio ou vir de outro local. Ela executa os
trabalhos de matar os animais, tratar, temperar e cozer, tendo a colaboração dos membros da
família dos noivos. Dependendo do grau de parentesco ou amizade mantido entre ela e a
família responsável pela festa, seu trabalho pode ser oferecido em forma de presente ou então
é realizado em forma de contrato, onde presta os seus serviços, recebendo em troca dinheiro.
A quantia desse pagamento em dinheiro varia porque depende do prestígio profissional que
tem essa pessoa.
A preparadora da alimentação festiva podia, tradicionalmente, ser tanto do sexo
masculino como feminino, mas sempre residente do sítio. Atualmente, existe preferência por
13
pessoa do sexo feminino e residente na cidade de Garanhuns, devido à valorização dos
costumes urbanos.
3.6. Socialização da Criança
A criança nos seus primeiros anos de vida só tem contato mais íntimo com seus
familiares, mais diretamente com a mãe ou irmãs mais velhas. Ambos os sexos brincam
juntos, mas sempre sofrendo a vigilância de alguma pessoa mais velha. Durante o dia ela vive
no chão, brincando com objetos caseiros em desuso ou no colo da mãe ou irmã enquanto
trabalham. Essa forma de vida, onde ela apenas espreita o comportamento de seus familiares,
se prolonga até a idade de 4 anos. Nessa fase, tanto as meninas como os meninos sofrem a
orientação mais acentuada da mãe. Essa orientação educacional é mantida através de um
comportamento duplo de ação onde se misturam o sentimento afetivo e a transmissão enérgica
das normas sociais. Exemplo: uma mesma criança tanto pode receber uma enorme dose de
carinho materno, através de gestos e atenções especiais, como pode receber punição física –
“couro” – por ter infringido alguma norma. Após essa idade, a criança entra em contato com o
mundo extrafamiliar. Começa a sair com os pais ou irmãos mais velhos. Nessas saídas ela
interage com outras crianças e principia a ter e selecionar os seus desejos. Passa a expressarse melhor oralmente e através de reações comportamentais. Exemplo: nas brincadeiras
começa o processo de aprendizagem, principalmente no que diz respeito à imitação dos papéis
desempenhados pelos pais ou por outros familiares. Essa imitação refere-se aos papéis que a
família espera que venha a desempenhar. O horizonte de opções que a família lhe oferece é
pequeno e limita-se aos papéis que os membros mais velhos já executam.
É no “terreiro”, em torno da sua casa ou embaixo de alguma árvore que a criança
do sexo masculino brinca de ser oleiro, vaqueiro, carreiro, dono de venda, músico ou mesmo
chofer de algum veículo. Quando o pai é músico, ele permite ao filho participar como ouvinte
dos seus ensaios. Se a criança possui aptidão e sofre orientação, pode com o tempo
desenvolver seu talento e habilidade. A criança do sexo feminino limita-se aos afazeres de
uma dona-de-casa ou de uma professora.
Ainda dentro da família existem casos de contato freqüente com parentes que
emigram para a zona urbana de Garanhuns ou para outros municípios próximos que narram,
entre outras coisas, a existência de formas diferentes de trabalho. Influência semelhante é a
passagem pela estrada principal que corta o sítio, de pessoas estranhas ao grupo, que pedem
para descansar, beber água ou comer. A conversa entre o viajante e os adultos de sua família é
muitas vezes ouvida por ela. Este fato leva a criança a ampliar seu horizonte cultural.
Outro agente socializador são as estórias, transmitidas oralmente. É costume as
mães idosas do grupo, nas horas de folga, contarem estórias com o sentido de distrair – as
crianças – suas parentas ou vizinhas. Nessas ocasiões a mãe idosa no quintal de sua casa,
sentada no chão, tem ao seu redor crianças que prestam atenção às estórias que conta.
Após os 6 anos de idade, ela já assume a obrigação de ajudar a família nos
trabalhos diários. Só nessa fase é que passa a sofrer também a orientação paterna. É nesse
estágio que ela estende seu raio de ação fora da família. É comum nos fins de semana os
meninos atravessarem os limites do sítio, com a finalidade de caçar e pescar. Por sua vez, as
meninas vão à feira ajudar ou fazer companhia à mãe e muitas vezes conseguem escapar da
sua vigilância. Assim, fora do seu meio ambiente, ela experimenta novas sensações e tem
novas experiências de vida, diferentes daquelas de seu grupo. Muitas saem da comunidade a
procura de emprego no município de Garanhuns e, pela baixa escolaridade, só conseguem
emprego em casa de família, como domésticas.
14
Fora dos domínios domésticos, o agente socializador é a escola. Através da escola
a criança toma conhecimento de certas necessidades básicas, como as facilidades que
decorrem da aprendizagem da leitura e da escrita, e o conhecimento de outros modelos de
comportamento. A escola não funciona para reforçar valores correntes. Ela estimula
alterações de que muitas vezes os pais reclamam, e ameaçam a criança de tirá-la da escola
porque acham que seu comportamento está diferente do desejado.
3.7. Educação, Saúde e Segurança
A situação da educação, da saúde e da segurança na Comunidade Negra do
Castainho é preocupante. Atualmente a maioria dos habitantes é de jovens de até 25 anos, não
se tem uma escola de Ensino Fundamental completo. Os jovens a partir da 5ª série são
obrigados a matricularem-se nas escolas mais próximas do sítio, como as escolas Simoa
Gomes e D. João da Mata, situadas a aproximadamente 4 km de distância. Não se tem um
transporte coletivo no local e nem se tem um transporte escolar seguro; os estudantes viajam
em um caminhão tipo “pau-de-arara” com uma superlotação.
A Associação de Moradores do sítio tem se mobilizado para construir uma Escola
de Ensino Fundamental e Ensino Médio na comunidade. No dia 18 de fevereiro de 2001,
participou, junto com mais de 34 comunidades negras e indígenas, da assinatura de um
convênio para construção de casas populares, abastecimento d’água (poços artesianos),
eletrificação e escola. O convênio foi assinado no Palácio das Princesas da Capital, pelo
Governador de Pernambuco e representantes das Comunidades.
O Castainho foi contemplado com a construção de uma escola, 80 casas
populares, dois poços artesianos, que são utilizados no abastecimento das residências.
Como recursos iniciais de 3 milhões de reais, 75% desse recurso vem do Banco
Mundial, 15% do Governo do Estado e 10% dos recursos é a contra-partida da Comunidade
que entra com a mão-de-obra. Os recursos são a fundo perdido e aguardam-se apenas as
conclusões das licitações para começar a construir.
Atualmente, conta com duas escolas de Ensino Fundamental funcionando em
precárias condições, em sistema de classes multisseriadas, dificultando o trabalho dos
professores e prejudicando o aprendizado dos alunos.
A Escola Municipal Virgínia Garcia Bessa – de Ensino Fundamental – funciona
na igrejinha do Quilombo (porque o antigo prédio não oferece segurança), não tem banheiro,
livros didáticos e alguns alunos ainda não são verdadeiramente alfabetizados. Com apenas um
salão transformado na única sala de aula, os 81 alunos matriculados foram distribuídos em
duas turmas multisseriadas, nos dois turnos, manhã e tarde. A Escola funciona apenas com
uma professora e uma merendeira.
A Escola Batista da Esperança oferece melhores condições; o espaço físico foi
estruturado para funcionar como escola. Tem duas salas de aula, banheiros, cozinha e
dispensa, além de um pátio para recreação.
A Escola foi um empreendimento da Ação Mundial Batista. Funciona com 4
professoras, merendeira, todas funcionárias da Secretaria de Educação do Município de
Garanhuns.
Verificamos que na Comunidade existem jovens inteligentes, mas sem
oportunidades, mas existem também uma grande quantidade de jovens fora da escola, por
falta de cursos noturnos na Comunidade. Verificamos, ainda, um grande número de
estudantes que estão fora da faixa etária escolar e semi-analfabetos.
Se na Educação os negros do Castainho não são bem servidos, a situação fica bem
pior quando tratamos da prestação de serviços na área da saúde. A comunidade não dispõe de
15
um posto de saúde; todo e qualquer problema, tem que procurar postos de saúde em outros
bairros, até mesmo o posto de saúde mais próximo do Castainho (Cohab II), que prestava
atendimento à comunidade, foi transformado em PSF – Programa de Saúde da Família – que
atende as famílias cadastradas do bairro (Cohab II) e adjacências, excluindo a comunidade.
Segundo José Carlos, da Associação dos Moradores do Castainho, a Secretaria do Município
explica que estão planejando a construção de um Posto de Saúde na Comunidade.
O único serviço de saúde prestado à comunidade é pelo agente comunitário de
saúde, que desenvolve atividades preventivas a doenças, e presta atendimento nas ações
básicas de saúde como: planejamento familiar, no Programa Nacional de Imunização, prénatal, aleitamento materno, etc.
No Quilombo do Castainho encontramos um quadro de verminose assustador;
crianças e jovens com áscaris, amebíase, giárdia,afetando principalmente as crianças. A
esquistossomose atinge com freqüência o povo da região e do Castainho, porque é uma
verminose que se pega nas águas contaminadas, e os negros utilizam essa água do rio para
irrigação das verduras e legumes, contaminando-se no trabalho ou nos banhos de lazer nos
rios e açudes da região. A falta das noções básicas de higiene provoca também nas crianças as
doenças de pele, conhecidas como escabiose (sarna), que provoca urticária e é altamente
contagiosa.
O maior problema entre os jovens é a saúde bucal, onde a maioria da população
apresenta cáries e sérios problemas de infecção gengival.
Os princípios da Universalidade e do tratamento igualitário propostos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), se contradizem, na prática, que deixou claro a insensibilidade
no atendimento às populações mais carentes como a do Castainho. Sem perceber, se fortalece
o espírito de resistência negra, na busca do respeito e de um tratamento digno, que deveria ser
comum a todos os brasileiros.
Em se tratando de segurança, o Quilombo não possui delegacia, não existe um
posto policial. Quando há necessidade da presença ou da interferência policial, utiliza-se o
número 190 e solicita-se a viatura do plantão da Polícia Militar de Pernambuco.
Segundo depoimento do representante da comunidade, na década de 70, o
Castainho pegou a forma de um local violento, por conta de um grupo de negros ignorantes e
resistentes à socialização com outros grupos, principalmente de brancos.
Os casos de abuso que acontecem na comunidade, geralmente estão ligados ao uso
da bebida em excesso. Os moradores lembram que, antigamente, vez por outra, havia
desentendimentos entre os jovens que saiam para as festas e se desentendiam, principalmente
com jovens de sítios das redondezas.
3.8. Cultura
Neste item, procuraremos reunir as práticas culturais do Castainho, respeitando os
depoimentos dos moradores e aproveitando as impressões e as visitas que nos causaram,
principalmente os encontros festivos, como: A Festa da Mãe Preta e comemoração do dia
Nacional da Consciência Negra, que são realizados todos os anos nos meses de Maio e em
Novembro, respectivamente. A partir desses encontros, verificamos o comportamento, os
hábitos, o vestuário e o conhecimento geral do grupo.
O artesanato de palha de coco, ensinado aos negros pelos índios, foi durante
algum tempo uma boa fonte de renda e de arte. Da palha, o negro fazia a esteira para dormir,
o chapéu para trabalhar na roça e a vassoura de palha para varrer a casa e o “terreiro”. Por
falta de um artesão para repassar a arte, não existe mais o artesanato da palha de coco. Por
falta de uma política de incentivo e de preservação da cultura negra no Município de
Garanhuns, as práticas culturais no Castainho enfrentam muitas dificuldades. Não dispondo
16
dos devidos assessoramentos para desenvolver a auto-estima cultural, os negros são levados a
perdas difíceis de se reparar, prevalecendo à cultura da sociedade branca, mantendo-se os
preconceitos culturais. É furtado do jovem negro o direito de viver a cultura dos seus
antepassados, a não ser em apresentações ensaiadas em eventos promovidos na cidade ou no
próprio Quilombo. A cultura do Castainho tornou-se uma prática eventual, com datas
comemorativas. As atividades culturais que mais se destacam na comunidade são: o samba de
coco, a banda de pífano, o jogo de capoeira.
A dança de coco consta de um forte sapateado, onde os participantes, em círculo,
dançam soltos. Ela é usada apenas na última etapa de uma construção, servindo para “bater o
chão”. Essa dança está sendo esquecida e substituída pela dança de roda. Atualmente, os
jovens preferem substituir a dança de coco pela roda, que é dançada também em círculo,
constituindo-se de evoluções mais simples, e seus passos, denominados “pesadas”, são mais
fáceis de serem executados.
A dança de roda, além de estar tomando o lugar da dança de coco na última etapa
de uma construção, é também usada em qualquer outro tipo de comemoração.
A dança de parelha trocada está sendo também esquecida e raramente é praticada,
mesmo por pessoas mais velhas, em qualquer tipo de comemoração. Ela necessita do mesmo
número de homens e mulheres para formação dos pares, que dançam soltos um ao lado do
outro. Como o próprio nome sugere, ela consiste de uma complicada seqüência de troca entre
os pares.
O Quilombo do Castainho já contou com três bandas de pífano. O fundador da
primeira banda foi o Sr. João Romão, depois surgiram as bandas do Sr. Luiz Miranda Filho e
do Sr. Antônio Godoi.
A banda de seu Luiz Miranda Filho foi fundada em 1820; ainda hoje está em
atividade, sob a orientação do seu filho Luiz Miranda Neto, conhecido como Seu Vigário.
Com o nome de Folclore Verde do Castainho, a banda é formada por sete componentes e
participa de atividades culturais no Castainho e na região. Já participaram do Festival de
Inverno do Município e um dos seus componentes viajou para a França na Copa do Mundo de
Futebol no ano de 1998 para divulgar a arte do pífano.
Os instrumentos são construídos na própria comunidade, por pessoas como Seu
Vigário, de 71 anos, ainda deforma artesanal, só o prato é comprado em lojas de instrumentos
musicais. O pífano é feito de bambu e de cano PVC comum de meia polegada. A zabumba, o
surdo e a caixa são feitos com a madeira da Garoba. A madeira tem que ficar de molho por
oito dias, para envergar na forma da zabumba; o couro tem que ser de bode; com o cipó
arrodeia a zabumba por dentro e por fora, para afinar o instrumento, entrelaça com a corda de
agave.
O jogo da capoeira, diversão de defesa do negro cativo, conta com a violência do
homem branco, atualmente a capoeira é bastante divulgada e praticada nas ruas, praças e
escolas da sociedade branca, mas, no Castainho, não existe o jogo de Capoeira na atualidade.
No Quilombo do Castainho havia a prática da Capoeira Regional até o ano de
1997. O instrutor era um descendente do Quilombo, que mora na zona urbana de Garanhuns e
dava aulas aos jovens Quilombolas na casa de farinha comunitária. Entre outros fatores, a
falta de transporte e de um incentivo financeiro facilitaram a desativação das aulas. Mas,
segundo informação da Associação dos Moradores, o fator determinante foram os maus
hábitos do instrutor que comprometia a formação dos jovens que treinavam capoeira.
A capoeira de Angola é espiritualmente mais concentrada; usa os seguintes
instrumentos em jogo oficial: três berimbaus, dois pandeiros, um reco-reco, um agogô e um
atabaque. Este tipo de Capoeira, na atualidade, encontra-se em fase de resgate pela
comunidade.
17
A comunidade também está tentando resgatar a cultura dos seus antepassados
através de um grupo de dança afro e fabricação de instrumentos, como o atabaque, alfaias,
tambores, etc.
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa procuramos ver o elemento negro em condições de vida rural. Para
isso, além de descrever as bases materiais da vida do grupo, privilegiamos o estudo da
organização sócio-econômica e religiosa de um bairro rural de negros, procurando dentro de
cada um desses aspectos destacar as diferenças e graus de ação do homem e da mulher, as
adaptações criadas pelas várias gerações das famílias negras e as mudanças que ocorrem.
Considerando a forma de vida como bairro rural, acreditamos que Castainho não
se diferencia de outras concentrações rurais do Nordeste, que se caracterizam por uma
economia de subsistência, com a criação de pouco excedente e que se sustenta em força de
trabalho basicamente familiar.
Como toda a vida rural da área, Castainho, como procuramos mostrar, há algum
tempo está sendo atingido pela expansão do sistema capitalista que passou a afetar as bases
materiais, a economia, os valores, os arranjos organizatórios tradicionais do grupo.
Embora essas mudanças se façam sentir em todos os níveis, um aspecto a ser
destacado é o da migração. A mão-de-obra, ou a força de trabalho, deixa de ser usada na
manutenção da produção, do grupo para o grupo, e passa a ser vendida. De início surge à
figura do trabalhador como diaristas nas fazendas da região. Dessa forma, a emigração que é
um produto da expansão do sistema capitalista afeta outros níveis da vida social e econômica
do grupo.
Entre os traços culturais que talvez se possa ligar à herança negra estão alguns
tipos de dança como a do coco, a acentuada participação da dança e do ritmo na maioria das
expressões de vida do grupo, o hábito de contar estórias (a oralidade), e a utilização acentuada
de certos instrumentos musicais. Algumas dessas expressões culturais são encontradas na
área, mas sua prática não possui a mesma intensidade e pode deferir na forma de
apresentação.
Ao nível da oposição entre brancos e negros, a especificidade do grupo como
negro cunhada pelo branco, se manifesta a partir de atitudes preconceituosas, noções
estereotipadas, entraves discriminatórias, que fabricam uma imagem da comunidade diferente
da realidade, levando o grupo a se sentir divergente, passando a ter comportamento diferente
ou específico. A oposição por parte dos brancos é exteriorizada através da imagem negativa
atribuída ao elemento negro e reforçada com relação aos habitantes do Castainho, que é tido
como “um lugar perigoso, onde só mora negros”.
Além desse estigma, ou ajudando a compô-lo, a população do município de
Garanhuns criou imagens estereotipadas acerca dos habitantes de Castainho, como: “são
ignorantes”, “são preguiçosos”, “bebem em excesso”. Algumas dessas imagens são associadas
a fatos do passado que fazem parte do contexto histórico do município de Garanhuns, como o
costume que os quilombolas tinham quando a troca de produtos necessários e a sua
sobrevivência se tornava impossível, tentavam obter esses bens à força, assaltando em grupos
as fazendas e sítios. Daí os estereótipos como: “são violentos”, “ladrões”, “têm parte com o
diabo”, etc.
Coagido por essas formas de oposição por parte da maioria dos brancos da área, o
grupo passa a agir de maneira a se ajustar às expectativas dos brancos procurando ser melhor
aceito. Observa-se isso em relação à religiosidade, por exemplo. Assim, pela aceitação das
práticas do catolicismo, quase 80% dos habitantes da comunidade, procura superar as atitudes
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preconceituosas e eliminar as noções estereotipadas de “diferente”, como também acontece
com os seguidores das denominações evangélicas. O que restou de religiosidade afrobrasileira é muito insignificante e sofreu preconceito por parte da comunidade.
Observamos que se faz necessário um programa emergencial para que a
comunidade possa usufruir dignamente dos benefícios sócio-econômicos e culturais, além de
estratégias mais eficazes em relação aos grupos que desenvolvem atividades sociais, embora
sem compromisso em relação ao ato transformador.
O Castainho apresenta-se de forma organizada, com construções de interesse e
utilidade coletivas como: casa de farinha, lavanderia (desativada), eletrificação e projeto
recente para iniciar a construção de uma escola de ensino fundamental, de 80 casas populares
e a perfuração de dois poços artesianos.
Entretanto, na comunidade falta posto de saúde, policial, transporte coletivo,
incentivos culturais, à indústria de cerâmica, à farinha de mandioca e à agricultura.
Sabemos que a própria condição político-social do país, tem levado a Comunidade
Negra do Castainho a uma participação política formal, capaz de afetar apenas nos aspectos
secundários, incapaz de garantir uma participação real nas decisões políticas fundamentais da
sociedade de Garanhuns, mutilando a capacidade de refletir sobre a melhor forma de
participar e desenvolver a consciência de conquista política.
A prática da cidadania precisa ser mais discutida no Quilombo do Castainho, para,
a partir daí, resgatarem com consciência valores político-sociais, econômicos e culturais,
garantindo a participação dos jovens nos encontros e entidades representativas do povo negro;
facilitando a descoberta da importância da iniciação e participação política, como um
instrumento indispensável na escolha partidária e na escolha dos seus governantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Pesquisa de Campo.
GARANHUNS, 3ª ed. Rio de Janeiro, IBGE, 1970 (Col. Monografias, 475).
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A Cultura da Comunidade Quilombola do Castainho. José Geraldo