A CIDADE
e as
serras
RO M A N C E D E E Ç A D E Q U E I R Ó S
O QUE ACONTECIA NO FINAL DO SÉC. XIX
A CIDADE e
as serras
Evolucionismo:
O HOMEM EVOLUI COMO QUALQUER OUTRO SER VIVO E
ATRAVÉS DA LEI DA SELEÇÃO NATURAL
Positivismo:
SÓ O DADO POSITIVO (científico) É VÁLIDO. O DADO NEGATIVO
(intuitivo) DEVE SER DESCARTADO.
Determinismo:
TODAS AS ESCOLHAS DO HOMEM SÃO DEFINIDAS PELO MEIO,
PELA RAÇA E PELA CULTURA.
Socialismo:
TODOS OS MEIOS DE PRODUÇÃO PERTENCEM À COLETIVIDADE.
O QUE ACONTECIA NO FINAL DO SÉC. XIX
A CIDADE e
• Gustave Flaubert: Madame Bovary
• Oposição ao Romantismo: Questão Coimbrã
• Antero de Quental X Antonio Castilho
• Antiburguês, Antimonárquico, Anticlerical
• Portugal: Geração de 70
• EÇA DE QUEIRÓS
as serras
João Maria Eça de Queirós
(1845 - 1901)
AS FASES DE EÇA DE QUEIRÓS
A CIDADE e
as serras
1ª fase – Romântica (Prosas Bárbaras):
temas e idealizações Românticas, descrições já
Realistas e estilo de feições Simbolistas.
2ª fase – Realista (O Crime do Padre Amaro, O
Primo Basílio, Os Maias): romance de
costumes, com a análise objetiva e crítica da
sociedade.
3ª fase - Realista de Transição (A Ilustre Casa
de Ramires, A Cidade e as Serras, Últimas
Páginas): moderação no sarcasmo e na ironi,
sentimento mais afetivo em relação à Portugal.
A CIDADE E AS SERRAS
Publicado em 1901, depois da
morte do autor.
Duas concepções de vida:
vida no campo
e a vida na cidade.
A CIDADE E AS SERRAS:
UM OUTRO EÇA
DE 1875 até 1900:
Eça crítico dos excessos, dos
vícios e desvios da sociedade
burguesa. Eça pessimista, irônico,
descrente na mudança do homem.
EÇA SOCIALISTA
EM A CIDADE E AS SERRAS:
Eça crente na redenção de
Portugal. Eça moderado, otimista.
EÇA HUMANO.
A CIDADE e
as serras
O texto é uma ampliação de um conto intitulado
"Civilização" (1892). Conta-se a história de Jacinto,
neto de D. Galião. Órfão de pai, Jacinto nasceu e
cresceu em Paris, ficando desde cedo maravilhado
com a cidade e com todas as invenções e tecnologia
da época (é o período conhecido como Belle
Époque). Formulou então uma teoria, segundo a
qual, para um indivíduo tornar-se feliz deveria ser
"superiormente civilizado". Assim, reúne em seu
palacete tudo o que a civilização industrial produzira
até então: elevadores, telefones, engenhocas as
mais diversas, além de uma biblioteca de mais de 30
mil volumes.
“Com estes olhos que recebemos da Madre Natureza, lestos e
sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida,
naquela loja, uma vidraça alumiada. Nada mais! Se eu porém aos
meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de
corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões
de geléia e caixas de ameixa seca. Concluo, portanto, que é uma
mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos
desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se
agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os de meu
telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além,
no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos
golfos, toda a geografia de um astro que circula a milhares de
léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda! Tens aqui,
pois, o olho primitivo, o da natureza, elevado pela Civilização à
sua máxima potência da visão. E desde já, pelo lado do olho,
portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque
descubro realidades do universo que ele não suspeita e de que está
privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreende o meu
princípio. Enquanto à inteligência, e à felicidade que dela se tira
pela incansável acumulação das noções, só te peço que compares
Renan e o Grilo... Claro é, portanto, que nos devemos cercar de
Civilização nas máximas proporções para gozar nas máximas
proporções a vantagem de viver.”
A CIDADE e
as serras
A história é narrada por José Fernandes, melhor amigo
de Jacinto, que viera de uma propriedade rural localizada
em Guiães, Portugal, e fora a Paris estudar. José
Fernandes, a partir daí, pôde observar com maior
atenção o amigo; suas intensas atividades o
desgastavam e, com o passar do tempo, constatou que
Jacinto foi perdendo a credulidade, percebendo a
futilidade das pessoas com quem convivia, a inutilidade
de muitas coisas da sua tão decantada civilização. Nos
raros momentos em que conseguiam passear,
confessava ao amigo que o barulho das ruas o
incomodava, a multidão o molestava: ele atravessava um
período de nítido desencanto. Alguns incidentes
contribuíram sobremaneira para afetar o estado de ânimo
de Jacinto: o rompimento de um dos tubos da sala de
banho, fazendo jorrar água quente por todo o quarto,
inundando os tapetes, foi o bastante para aparecer uma
pilha de telegramas, alguns inclusive com um riso
sarcástico, com o do Grão-duque Casimiro, dizendo que
não mais apareceria pelo 202 sem que tivesse uma bóia
de salvação.
A CIDADE e
as serras
As reuniões sociais estavam ficando
maçantes. Em uma recepção ao GrãoDuque, Jacinto já não agüentava o farfalhar
das sedas das mulheres quando lhes
explicava o uso dos diferentes aparelhos, o
tetrafone, o numerador de páginas, o
microfone... O criado veio lhe informar que
o peixe a ser servido ficara preso no
elevador e os convidados puseram-se a
pescá-lo, inutilmente, porque o peixe
acabou não indo para a mesa, fato que
deixou ainda mais aborrecido o anfitrião.
A CIDADE e
as serras
“ Claramente percebia eu que o meu Jacinto
atravessava uma densa névoa de tédio, tão
densa, e ele tão afundado na sua mole
densidade, que as glórias ou os tormentos de
um camarada não o comoviam, como muito
remotas, inatingíveis, separadas da sua
sensibilidade por imensas camadas de
algodão. Pobre Príncipe Grã-Ventura,
tombado para o sofá de inércia, com os pés no
regaço do pedicuro! Em que lodoso fastio
caíra, depois de renovar tão brava mente todo
o recheio mecânico e erudito do 202, na sua
luta contra a força e a matéria!”
A CIDADE e
as serras
Preocupado, Zé Fernandes consulta o fiel
criado Grilo sobre o que está ocorrendo
com Jacinto. O homem respondeu com
tamanho conhecimento de causa que
espantou o narrador. Uma simples palavra
poderia definir todo o tédio de que era
acometido: o patrão sofria de “fartura”.
“ Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a
fartura de Paris; e na Cidade, na simbólica Cidade, fora
de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava,
iluminado) o homem do século XIX nunca poderia
saborear plenamente a "delícia de viver", ele não
encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que
o interessasse, lhe valesse o esforço de uma corrida curta
numa tipóia fácil. Pobre Jacinto! (...) Não se ocupara mais
das suas sociedades e companhias, nem dos telefones de
Constantinopla, nem das religiões esotéricas, nem do
bazar espiritualista, cujas cartas fechadas se amontoavam
sobre a mesa de ébano, de onde o Grilo as varria
tristemente como o lixo de uma vida finda. Também
lentamente se despegava de todas as sua convivências. (...)
Jazer, jazer em casa, na segurança das portas bem
cerradas e bem fendidas contra toda a intrusão do mundo,
seria uma doçura para o meu Príncipe se o seu próprio
202, com todo aquele tremendo recheio de Civilização,
não lhe desse uma sesação dolorosa de abafamento, de
atulhamento!”
A CIDADE e
as serras
Do maquinário instalado no palacete de
Jacinto, nada funciona adequadamente.
Os livros são, na verdade, reduzidos a
objetos de ostentação, uma vez que o
"Príncipe da Grã Ventura" (alcunha pela
qual o narrador se refere a Jacinto) não os
lê, sintoma entre outros do desânimo e
descrença na civilização que abraçara com
tanto ímpeto. Atira-se então à leitura do
livro bíblico Eclesiastes, segundo o qual
"tudo é vaidade", e à filosofia pessimista
de Schopenhauer, para quem a vida é um
pêndulo que oscila entre o tédio e o
sofrimento.
A CIDADE e
as serras
Em um passeio que fazem os dois amigos pelos
arredores de Paris, na colina da Basílica do Sacré-Coeur,
José diz ao amigo:
"o homem pensa que tem na cidade a base de toda a sua
grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria", e Jacinto
concorda: "sim, é talvez tudo uma ilusão... e a cidade a maior
ilusão!“
Zé Fernandes, nesse passeio, continuou a filosofar,
acrescentando preocupações de caráter pessoal,
indagando a posição dos pequenos que, como vermes, se
arrastavam pelo chão, enquanto os poderosos os
massacravam; eles iam às óperas aquecidos, lançando
aos pobres não mais que algumas migalhas.
Religiosamente, acreditava ser necessário um novo
Messias que ensinasse às multidões a humildade e a
mansidão.
Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade e os gozos
especiais que ele a cria. O resto, a escura, imensa plebe, só nela
sofre, e com sofrimento especiais, que só nela existem! (...) A tua
Civilização reclama incansavelmente regalos e pompas, que só
obterá, nesta amarga desarmonia social, se o capital der ao
trabalho, por cada arquejante esforço, uma migalha ratinhada.
Irremediável é, pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe
pene! A sua esfalfada miséria é a condição do esplendor sereno da
Cidade. (...)
Pensativamente deixou a borda do terraço, como se a presença da
Cidade, estendida na planície, fosse escandalosa. E caminhamos
devagar, sob a moleza cinzenta da tarde, filosofando considerando que para esta iniqüidade não havia cura humana,
trazida pelo esforço humano. Ah, os Efrains, os Trèves, os vorazes
e sombrios tubarões do mar humano, só abandonarão ou
afrouxarão a exploração das plebes, se uma influência celeste, por
milagre novo, mais alto que os milagres velhos, lhes converter as
almas! O burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado
- e contra ele são impotentes os prantos dos humanitários, os
raciocínios dos lógicos, as bombas dos anarquistas. Para
amolecer tão duro granito só uma doçura divina. Eis pois a
esperança da Terra novamente posta num Messias!...
Por motivos familiares, Jacinto muda-se
para sua propriedade rural em Tormes,
vizinha à de José Fernandes; antes, envia
para lá uma série de aparelhos e livros.
Partem os dois amigos de volta a Portugal.
José Fernandes estava feliz em rever a
pátria; Jacinto, aborrecido e enfadado
principalmente porque, em Medina
(Espanha), as malas ficaram em
compartimentos errados quando foi feita a
baldeação. O narrador, com o intuito de
aclamar o amigo, diz-lhe que a Companhia
cuidaria de tudo. E ficaram os dois só com a
roupa do corpo. Enfim, chegaram a Tormes.
A CIDADE e
as serras
...e ambos em pé, às janelas, esperamos com
alvoroço a pequenina estação de Tormes,
termo ditodoso das nossas provações. Ela
apareceu enfim, clara e simples, à beira do rio,
entre rochas, com sues vistoso girassóis
enchendo um jardinzinho breve, as duas altas
figueiras assombreando o pátio, e por trás, a
serra coberta de velho e denso arvoredo.
Do mesmo modo que idealizara a vida
urbana, Jacinto passa a idealizar a vida
campesina. Aos poucos, porém, percebe
que o ideal é unir o que a sociedade
urbana tem de melhor e útil, como por
exemplo o telefone, com a simplicidade
dos camponeses. Casa-se com
Joaninha, uma prima de Zé Fernandes, e
tem com ela dois filhos, Jacinto e Teresa.
Sua vida atinge o equilíbrio, sem
idealizações exageradas.
REALISMO/NATURALISMO
ROMANCE DE TESE:
Tese inicial: só a tecnologia
(CIDADE) traz felicidade
Antítese: só a simplicidade
(SERRAS) traz felicidade
Síntese: uma vida
equilibrada traz felicidade.
(alguma tecnologia + simplicidade)
A Cidade e as Serras mostra uma relação
entre as elites e as classes subalternas na
qual aquelas promovessem estas socialmente,
como faz Jacinto ao reformar sua propriedade
no campo e melhorar as condições vida dos
trabalhadores. Por meio do personagem
central, Jacinto de Tormes, que representa a
elite portuguesa, a obra critica-lhe o estilo de
vida afrancesado e desprovido de
autenticidade, que enaltece o progresso
urbano e industrial e se desenraiza do solo e
da cultura do país. Na obra, a apologia da
natureza não pode ser confundida com o
elogio da mesmice e da mediocridade da vida
campestre de Portugal. Ao contrário, trata-se
de agigantar o espírito lusitano, em seu
caráter ativo e trabalhador.
Foco narrativo
Escrito em primeira pessoa, A Cidade e as
Serras, como a maioria dos romances de
Eça de Queirós, há um narradorpersonagem, José Fernandes, o qual não se
confunde com o protagonista da obra,
Jacinto de Tormes. Este narrador coloca-se
como menos importante do que o
protagonista, como podemos perceber, por
exemplo, no início da obra. Nos primeiros
parágrafos do livro o narrador, em vez de
apresentar-se ao leitor, coloca-se em
segundo plano para apresentar toda a
descendência dos de Tormes, até aparecer a
figura de Jacinto. Além disso, dá-lhe
tratamento diferenciado, parecendo idealizar
Jacinto, na medida em que o chama de
"Príncipe da Grã-Ventura", conforme apelido
estudantil do protagonista.
Jacinto de Tormes, ao buscar a felicidade,
empreendeu uma viagem que o reencontrou
consigo mesmo e com o seu país. Tal viagem,
que é exterior e interior, inclui a pátria
portuguesa e se reveste de uma significação
particular, pode ser lida como um processo de
auto-conhecimento:
um novo Portugal e um novo português se
percebem nas serras que querem utilizam da
cidade o necessário para se civilizarem sem
se corromperem.
A Cidade e as Serras é um romance no
qual se destaca a categoria espaço, na
medida em que os ambientes são
fundamentais para a compreensão da
história, destacando-se os contrastes por
meio dos quais se contrapõem. Assim, a
amplidão da quinta de Tormes contrasta
com a estreiteza do universo tecnológico
do 202, o que aponta para a oposição
entre o espaço civilizado e o espaço
natural, presente em todo o romance.
Um registro importante a se fazer é que a
tese defendida no romance remete o
leitor ao Arcadismo (século XVIII), época
exatamente do início da Idade
Contemporânea, com as Revoluções
Industrial e Francesa. Nesse período, os
poetas propunham a fuga da cidade,
fugure urbem, e idealizam a vida
bucólica, tendo frequentemente a poesia
pastoral como tema e transformado o
campo numa espécie de território perdido
evocado em versos como os do nosso
Cláudio Manuel da Costa:
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado!
Saudade de Minha Terra
(Goia e Belmonte)
De que me adianta viver na cidade
Se a felicidade não me acompanhar
Adeus paulistinha do meu coração
Lá pro meu sertão eu quero voltar
Ver a madrugada quando a passarada
Fazendo a alvorada começa a cantar
Com satisfação, eu arreio o burrão
Cortando o estradão, eu saio a galopar
E vou escutando o galo berrando
Sabiá cantando no jequitibá
Que saudade imensa do campo e do mato
Do nosso regato que corta as campina
Aos domingo eu ia passear de canoa
Nas lindas lagoas de águas cristalinas
Que doce lembrança daquela festança
Onde tinha dança e muitas meninas
Eu vivo hoje em dia sem ter alegria
O mundo judia mas também me ensina
Eu tô contrariado, mas não derrotado
Eu sou bem guiado pelas mãos divinas
Por Nossa Senhora, meu sertão querido
Vivo arrependido por ter te deixado
Essa nova vida aqui na cidade
De tanta saudade eu tenho chorado
Aqui tem alguém, diz que me quer bem
Mas não me convém, eu tenho pensado
Eu vivo com pena, pois essa morena
Não sabe o sistema que eu fui criado
Tô aqui cantando, de longe escutando
Alguém está chorando com o rádio ligado
Pra minha mãezinha já telegrafei
E já me cansei de tanto sofrer
Essa madrugada estarei de partida
Pra terra querida que me viu nascer
Já ouço sonhando o galo cantando
O inhambu piando no escurecer
A lua prateada clareando as estradas
A relva molhada desde o anoitecer
Eu preciso ir pra ver tudo ali
Foi lá que eu nasci, lá quero morrer
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