LIVRE PARA
SONHAR
“Difícil mesmo é saber de si, conhecer seus próprios sonhos é um
dos maiores desafios humanos”.
“Um sonho meu realizado por você é um sonho meu realizado
por mim”.
“Na verdade eu tinha certeza de que algo muito forte nos unia, sempre
senti que nos pertencíamos e ainda assim continuávamos livres”.
ERICK TÁSSIO B. NEVES
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SUMÁRIO
Quem sou-------------------------------------------------------------------------------------3
De malas prontas----------------------------------------------------------------------------3
Primeiras Experiências---------------------------------------------------------------------5
A descoberta do verdadeiro amor--------------------------------------------------------8
A certeza---------------------------------------------------------------------------------------12
Nossos dias------------------------------------------------------------------------------------14
Cada cor, cada tom, exibe um dom, um sentimento... Uma alma. A minha...
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Quem sou...
Não sou diferente de você! Sempre quis ser feliz... É a única verdade que
buscamos: FELICIDADE.
Chamo-me Gabriel, 37 anos, nunca sonhei muito além do que podia, sempre
preferi manter meus pés em solo seguro, às vezes a queda não vale à tentativa.
Disse bem... “Às vezes”, pois das que me arrisquei não me arrependo.
Sou Psicólogo e me dedico à terapia com pais e crianças durante o processo
de adoção, uma forma de assegurar uma boa relação entre as famílias que surgem
deste processo. Amo meu trabalho, não poderia viver sem ele.
Quando mais jovem saí da casa da minha mãe, a esta escolha devo muito do
que sou hoje, pude aprender com a solidão, ganhei mais tempo para pensar em
mim. Explorar meus sonhos me fez descobrir meus defeitos e as possibilidades de
mudanças.
De fato demorei a me permitir ser feliz. Sempre tive medo de investir nos
meus sonhos. Concentrava meus esforços no trabalho, mas descobri que a vida é
mais, muito mais.
A minha história é simples, não vejo impossibilidades em meus passos até
aqui traçados. Com as pessoas eu pude aprender a amar e de cada uma delas trago
um pouquinho.
Os últimos cinco anos foram os mais intensos e marcantes da minha vida,
através deles pude viver a melhor experiência que os sonhos me permitiram... A
liberdade. É preciso ser livre para amar.
De malas prontas...
Há alguns anos atrás nada fazia sentido para mim, eu acreditava na
felicidade como um bem de consumo que só a juventude poderia me oferecer, meu
ideal de vida era aproveitar sem pensar no amanhã. Experiências amorosas? Não
as tive. Nunca soube o que era o amor, apenas o intuito me guiava nesse aspecto.
Nunca fui um cara muito popular, sempre preferi o anonimato, a cautela... Silêncio.
Eu apenas não sabia aproveitar da melhor forma as minhas escolhas, o que sempre
acabava mal.
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Até os 17 anos (pré-faculdade) me mantive distante da realidade, sentia
como se eu não existisse até esse momento, não em recordo de nada que tenha me
marcado anteriormente além de braços ou pernas entregues ao Ortopedista. É...
Envolvi-me em muitos acidentes radicais. No auge da rebeldia eu queria voar,
esquecia que não tinha asas.
No meu último ano de curso, certo dia eu estava na faculdade, já passava das
seis e não havia rastros do que o sol iluminou. Mal sabia que começara também a
minha noite, o meu mundo estava para mudar. Meu telefone tocava de forma
insistente, eu não aceitava precisar perder a aula, mas era preciso. Já me irritava
tão grande insistência. No telefone era minha mãe, havia brigado com meu pai,
estavam se separando. Por um momento me senti um lixo, eu me perguntava
interiormente, onde estava quando tudo começou? Como eu não poderia ter visto a
nossa família desmoronar? Pedi calma à minha mãe, desliguei o telefone caindo em
pratos. Eu despertava para uma nova realidade, a vida não me parecia mais tão
bela assim, a velhice já me assustava. Depois da ligação não consegui me manter
concentrado. No decorrer da aula, pensava sobre mim, minha mãe, os
relacionamentos, filhos, pensava sobre o amor, o sucesso... os sonhos.
No caminho de casa não me vinha mais nada à mente. Nascia em mim o
primeiro sentimento real e verdadeiro: Desejo de mudança. Eu não estava
satisfeito comigo e com o mundo à minha volta, era preciso mudar. Embora jovem,
era maduro o suficiente para perceber que as coisas não iam bem. A idade por si só
não nos torna pessoas melhores, somos nós que fazemos isso, depende apenas de
cada um, e isso eu aprendi comigo mesmo.
Passado um ano da separação dos meus pais, tudo parecia diferente. Eu não
era mais o mesmo, minha mãe também não, ela havia descoberto a emoção de se
conhecer melhor, experiência essa que só a solidão pode nos permitir. A gente quer
sempre conhecer o outro, seus defeitos, qualidades, até mesmo seus costumes,
sonhos. Difícil mesmo é saber de si, conhecer seus próprios sonhos é um dos
maiores desafios humanos. Judicialmente divorciada, minha mãe aprendeu o valor
da tolerância, do respeito, até mesmo do auto cuidado e do zelo próprio. Com meu
pai não foi diferente, ele também pôde aprender. Percebeu o quanto era valiosa
sua relação com minha mãe, e também que é necessário cultivar o amor, pois ele é
dependente de nossos esforços.
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A vida ia seguindo, até que minha mãe reencontrou um amigo de infância, o
Adam. Na verdade ambos nutriam uma paixão desde jovens, e a distância não os
permitiu essa vivência. Apaixonados, decidiram tentar uma nova vida. Achei
estranho no começo, mas aos poucos pude ver o quanto ela estava feliz, a felicidade
não é um bem de consumo, é sim uma conquista pessoal, aprendi com minha mãe.
Nossos dias eram pacíficos, passaram-se mais dois anos, eu continuava o
mesmo, sem muita emoção, poucos amigos, namoradas “faz de conta”. Havia
terminado minha graduação, mas só algo mudava em mim, o gritante desejo de
mudança, não podia mais viver sem objetivos, expectativas, afinal eu também
queria ser feliz, não era diferente de ninguém.
Foi então que decidi me mudar. Encontrar um local onde pudesse morar
sozinho e me descobrir. Viver experiências que me levassem ao encontro do
verdadeiro amor. Eu ansiava viver a emoção que minha mãe me passava através
dos olhos estando com o Adam. De malas prontas me despedi dos dois e aluguei
um lugar só para mim. Não era grande, mas era o que eu precisava. Há um pouco
mais de um ano formado, já estava trabalhando, a escolha pelos casos de adoção
deve ter sido motivada por minhas experiências pessoais. Acho que passei a me
penalizar pelo que não fiz ou não soube fazer para salvar minha família. Acabei
então tentando salvar outros lares, ou ao menos permitir que começassem da
melhor forma possível: com muita paz. Saí de casa, à tardinha, abracei minha mãe e
senti seu perfume, aquele o qual meu olfato se acostumara desde cedo. Só nesse
momento percebi que era amor, levei muito tempo, mas agora percebi. Eu amava
muito a minha mãe, só não sabia a forma de demonstrar isso, acho que ela
percebeu. O meu abraço falou. Comigo, além das malas levava apenas uma
mensagem dentro da carteira, não sabia ao certo quem havia escrito apenas a
encontrei dentro de uma bolsa antiga da escola, mesmo assim fiz dela um amoleto:
“Estarei sempre aqui para o que precisar”. Trazia-me segurança. Segui caminhando
até a estação. Uma vida nova me esperava, e eu estava disposto a vivê-la.
Primeiras experiências...
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Na nova casa tratei de organizar o que tinha, dando um pouco do meu jeito a
cada cantinho seu. Quando acabei já era tarde o sono me batia à porta, deitei-me e
logo adormeci.
Já passava das sete quando acordei e decidi tomar o café-da-manhã sozinho
em algum lugar da cidade. Acabou não sendo muito uma opção, eu não tinha
amigos por ali. No caminho vi uma lanchonete modesta, mas que me pareceu muito
aconchegante, nela entrei:
-Bom dia, o que vocês têm para o café-da-manhã?
A atendente sem esboçar muita emoção, respondeu-me prontamente:
- Além de café? O que você deseja?
A resposta em tom irônico me gerou confusão, pudera em uma lanchonete só ter
café a oferecer aos clientes? Contive-me na resposta:
-Algo que possa acompanhar a bebida senhorita.
Ela respondeu:
-Temos alguns biscoitos e estes pães.
Gabriel: Você pode me trazer um café com leite e cinco destes biscoitos?
Atendente: Tudo bem, levarei...
O tom da voz da atendente já havia mudado, depois de reparar em mim, seu
modo de agir modificou-se, percebi que havia perdido um pouco do medo que
antes encobriu sua resposta seca, não sei por que razão ela pareceu sentir-se
segura ao olhar em meus olhos, como se visse em mim, algo familiar. Eu não pude
deixar de reparar nela também, era uma linda jovem, aparentava vinte ou vinte e
cinco anos, pele branca e suave, cabelos pretos escorridos ao ombro, estava vestida
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em um modelo simples, desprovido de luxo, mas sua simplicidade chamou bem
mais minha atenção. Sentei-me na espera do meu café. Enquanto preparava o
pedido, percebi que ela não tirava os olhos de mim, meio que timidamente, a bela
garota persistia ao olhar-me insistentemente. Para um ouvinte pode parecer
loucura, mas eu percebi que havia algo além daquele olhar.
Ao trazer o pedido, perguntei-lhe o nome, ela me respondeu timidamente
que se chamava Amanda e me perguntou:
O senhor deseja mais alguma coisa?
Gabriel: Você trabalha há muito tempo aqui Amanda?
Amanda: Não há muito tempo. Deseja mais algo?
Suas respostas curtas e desprovidas de informações me despertavam
sempre mais a curiosidade. Interessei-me por aquela moça, não sei se foi um
interesse profissional, por me sentir desafiado ao nível da Psicologia, ou se foi um
interesse pessoal. Eu não sabia ainda dividir o “Gabriel pessoa” do “Gabriel
Psicólogo”, existia uma lacuna em meu ser. Ainda assim não quis arriscar e
respondi:
Gabriel: Não, não... Amanda, está tudo bem, obrigado.
Ao pagar a conta me deparei novamente com seus olhos fitados em mim.
Desisti de analisá-la, preferi deixar por sua conta o que fazer. Ao pagar a conta
entreguei o dinheiro junto ao meu número de telefone escrito em um pedacinho de
papel, ela aceitou.
Parti para o trabalho, lembrei-me muito daquela intrigante figura da
lanchonete. No escritório fui recebido por novos colegas, pessoas interessantes
grandes advogados e psicólogos ligados aos casos de adoção. Senti-me
profissionalmente motivado nessa nova fase. Alguém me ganhou afeição desde
cedo, por sua grande atenção e preocupação com minha adaptação ao novo local de
trabalho, foi a Margarida, bela moça de seus trinta anos, na maturidade da beleza,
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tinha cabelos longos castanhos claros, pele suave, seus olhos pareciam espelhos de
tanto que brilhavam. Confesso que me senti atraído por sua beleza, não pude
deixar de repará-la. A Margarida era linda, educada, atenciosa e também parecia
uma ótima psicóloga, seria minha companhia nos dias de trabalho. Depois de um
dia corrido os recentes colegas organizaram uma confraternização à noite para
comemorar a minha chegada. Nunca me senti tão bem acolhido. Ficaram de me
buscar em casa, era a minha oportunidade de conhecer melhor as pessoas que
fariam parte do meu dia-a-dia.
À noite fomos para casa do Mike, advogado há quinze anos, o mais
experiente dos profissionais que ali trabalhavam, todos os outros tinham menos de
cinco anos de formados, inclusive eu. A festa foi maravilhosa, senão por uma
ausência, a Margarida não apareceu. Perguntei aos outros colegas se sabiam dela,
eles apenas disseram que a Margarida não gostava muito desses momentos
festivos, no entanto havia escrito um bilhete para me entregarem. Ansioso o recebi
e pude ler com atenção:
“Querido Gabriel, fico muito feliz de poder tê-lo como colega de trabalho, e acredite, estou muito alegre em
recebê-lo. Mesmo não o conhecendo ainda, creia, senti muita segurança em sua pessoa hoje no trabalho, percebi
também em seus olhos uma inocência que há tempo não vejo nos homens. Feliz em poder trabalhar com você, espero
que ocorra tudo bem” Margarida.
Palavras doces de uma mulher que acabara de me conquistar com sua
atenção, sua educação e seu carinho. Eu, um desconhecido, não era digno de tanta
confiança, mas ela pareceu me confiar o mundo, palpitações estranhas me
passavam.
Eu não conhecia a Margarida, precisava investigar sua vida, não poderia
arriscar e pedir um encontro com uma mulher casada, ou vai ver eu estava
confundindo as coisas, sei lá... Acalmei-me, agradeci pela festa e segui para casa.
A descoberta do verdadeiro amor...
Meu primeiro dia de trabalho foi recompensador e pela primeira vez eu
contava os minutos para reencontrar meus colegas, na verdade alguém em
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especial, a Margarida. Na ida para o trabalho parei novamente na lanchonete da
Amanda, para ver como ela estava e tomar o meu café-da-manhã, ela não havia me
ligado, talvez ignorou o número que deixei na primeira vez que nos vimos, ou até
não viu, achou que fosse cantada barata, e creiam, não era. Ao entrar no local,
encontrei-a dançando alegremente, sozinha, não havia mais ninguém por lá. Ainda
recordo os movimentos de seus cabelos seguindo a música. Seu sorriso transmitia
uma paz nunca vista, seu corpo adentrava aos ritmos com a maior naturalidade
possível. Não resisti a tanta espontaneidade, eu também estava feliz, juntei-me a
ela e dancei. Dançamos por alguns minutos, parecíamos crianças que se apegam a
um brinquedo e se encantam com a possibilidade de se encantar com algo tão
simples. Pegamos-nos no sorriso mais sincero, Amanda então perguntou:
-O que vai querer hoje Gabriel, o mesmo que ontem?
Evoluímos bastante até hoje, a Amanda parecia mais espontânea comigo, acredito
que a dança contribuiu.
Gabriel: Quero o mesmo Amanda. E você, está bem?
O sorriso em seu rosto dizia que sim, mas ainda assim respondeu:
-Acho que sim, hoje estou bem. Já trago seu pedido.
Após o café-da-manhã ao pagar a conta, fui surpreendido, a Amanda me deu o seu
número escrito em um pequeno papel, que também continha os seguintes dizeres:
“Pode contar comigo sempre que precisar”.
Feliz com o que via, segui ao meu trabalho ansioso para encontrar a
Margarida. Chegando lá pude vê-la conversando em seu escritório com um homem,
seus 35 anos, aparentemente jovem e bem cuidado, não pude ouvir o que
conversaram, muito embora a curiosidade de mim tomasse conta naquele
momento. A Margarida saiu da sala acompanhada e me cumprimentou com os
olhos, senti que seu coração estava tenso, algo havia acontecido. Não quis parecer
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indiscreto, preferi fingir que nada de diferente acontecera afinal eu ainda era novo
ali, não poderia me impor dessa forma.
A Margarida foi perfeita comigo, durante todo o dia, atenciosa e prestativa,
solucionamos os casos que tivemos no dia.
Passaram-se três meses e minha relação com a Margarida parecia estável,
embora minha vontade de aproximação fosse grande, o receio de perdê-la por
precipitação era maior.
Seguimos assim por um ano, e nesse tempo as únicas mudanças ocorridas
em minha vida foram com a Amanda. Uma amizade forte e bonita havia nascido,
éramos confidentes, ela já sabia inclusive de minha paixão nutrida pela Margarida.
Passado então um ano, desde quando conheci a Margarida, não pude mais
esperar, decidi convidá-la para um encontro. Com essa finalidade, preparei-me
antes, afinal seria um convite de psicólogo para psicóloga, confesso que fiquei um
pouco assustado ao pensar se ela estaria me avaliando enquanto paciente em
tempo integral. Para não enlouquecer, deixei-me abandonar das coisas da
profissão e me fiz guiar pelos sentimentos quer trazia comigo:
Margarida, eu posso falar com você?
É claro que pode Gabriel, respondeu ela em tom de doçura.
Gabriel: Você gostaria de jantar comigo hoje à noite?
Senti certo receio em responder ao meu convite, como se tivesse dúvidas sobre a
resposta certa.
Um pouco assustada, respondeu:
-Podemos sim, Gabriel, mas preciso voltar cedo, não costumo chegar muito tarde
em casa. Às 18h pode ser?
Gabriel: Pode sim, estou muito feliz por ter aceito.
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Margarida: Eu também, nos vemos mais tarde então.
Em casa escolhi a mais bonita roupa que tinha, passei sobre a pele o meu
melhor perfume, queria agradá-la, tratá-la bem.
Nos encontramos no Colina Verde, o maior restaurante da cidade, fiz
questão que fosse lá. Quando cheguei às 18:05h, a Margarida já estava à minha
espera, sempre muito pontual. A vi através do vidro com as mãos apoiadas uma
sobre a outra timidamente, estava com um lindo vestido verde e brincos discretos
que deram uma suavidade encantadora ao seu rosto. Fui ao seu encontro e não
pude deixar de dizê-la o quanto estava linda, seus olhos brilhavam ao me ver, pude
perceber o quanto a minha presença também a fazia bem.
Em meio a um ambiente tranquilo, pedimos o jantar. Foi uma noite
agradável.
A Margarida estava feliz, mas não conseguia esconder sua inquietação, a
forma como passava a mão sobre os cabelos a despia de toda calma.Reparando seu
comportamento, ousei pergunta-la:
-Está tudo bem Margarida?
Inclinando a cabeça e em meio a um sorriso disfarçado ela me respondeu:
-Estou sim Gabriel, muito feliz de estar aqui com você.
Não satisfeito com a resposta perguntei se algo a inquietava se teria visto
alguém ou algo. Ela acalmou-me, disse que não era nada, apenas o sono, as horas já
estavam adiantadas, estava na hora de irmos.
Mesmo sem aceitar totalmente o que ela me dizia não mais a questionei. A
noite foi muito bonita, não havia necessidade de estragá-la com tão pouco. Pedi a
conta e partimos.
No caminho percebi que estava em silêncio, apenas olhava com atenção
para tudo, me olhava, olhava minhas mãos sobre o volante, sorria discretamente
olhando para mim.
Já perto de casa parei o carro, quis desafiá-la:
Gabriel: Você gosta de música?
Margarida: Depende...
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Gabriel: Depende como? (Sorrindo suavemente)
Margarida: Música para mim tem que alimentar a alma, se não alimenta, não é
música.
Gabriel: Vamos combinar algo?
Margarida: O que seria...? (em tom desafiador)
Gabriel: Podemos escolher uma música, uma única música. Eu tenho algumas
opções aqui, você pode dizer as suas, o importante é que ela toque a nós dois.
Podemos fazer desta música um sinal do nosso primeiro encontro. Se em algum
momento esta música perder o sentido para nós, podemos deixar de nos ver.
Margarida: Você é meio louco, mas eu gosto disso. (sorrindo)
Gabriel: Isto quer dizer que sim?
Margarida: O que estamos esperando?
Por horas, escrevemos nomes de músicas importantes em nossas vidas,
ouvimos outras tantas e depois de muito esforço cantamos: “It's your laugh and
your smile wanna stay for a little while, I don't wanna go, I just want you in my
arms”, nossas vozes juntas pareciam parte uma da outra, embora não cantássemos
tão bem, a sintonia do momento falou mais alto do que tudo mais. Era uma música
que nos tranqüilizava, falava do nosso sentimento recém-surgido. Em meio a tudo
nos beijamos pela primeira vez. Pude sentir em seus lábios o aconchego que faltava
em minha vida, pude sentir em seu toque a certeza de que um grande amor surgia.
Em seguida deixei a Margarida em casa, nossa noite não poderia ter sido
melhor.
A certeza...
Nossos dias eram os mais felizes, Margarida e eu descobrimos juntos o
significado dos verdadeiros sentimentos. No trabalho muita cumplicidade. Na vida,
companheirismo. Formamos aos poucos parte um do outro. Nunca deixamos de
partilhar nossas alegrias, sabíamos também onde estaria o ombro na hora do
desespero, éramos total complementaridade.
Na verdade eu tinha certeza de que algo muito forte nos unia, sempre senti
que nos pertencíamos e ainda assim continuávamos livres. Vai ver o amor é assim.
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Passaram dois meses que estávamos juntos. Decidimos então oficializar o
nosso compromisso, a Margarida pediu que eu fosse discreto, não sei se fui bem
assim... Mas juro que tentei. No trabalho todos ficaram sabendo, minha mãe e o
Adam vibraram com a minha alegria.
Em um jantar de família fui apresentado aos pais da Margarida, acredito que
eles gostaram de mim, seu pai me pediu que cuidasse dela, pois era a sua vida. Eu
assumi a responsabilidade, estava pronto para amar de verdade, sabia dos desafios
da vida a dois, mas ainda assim, nada me desestimularia.
Mudamos-nos para uma casa maior. Quando sozinhos, morávamos em
lugares pequenos. Eu pretendia ter filhos, mas não falei nada à Margarida, não
queria assustá-la antes do casamento.
Morando juntos, começamos a conversar sobre como seria o nosso
casamento, já deitados. Para minha surpresa ela pareceu triste e me pediu para
que não nos casássemos. Não compreendi a razão de seu pedido. Um dos meus
sonhos e metas era casar com alguém que eu amasse, sabia que ela também, só não
entendia a sua resistência. Ao questioná-la, me respondeu:
-Não quero você preso a mim. Não precisamos de papel para atestar o nosso
compromisso. Nosso sentimento vale mais, nossas lembranças valem mais.
Gabriel: Podemos viver o nosso sentimento da forma mais perfeita possível... Você
sabe o quanto eu sonho em me casar com você, é a mulher que eu amo.
Margarida em prantos:
-Não será por muito tempo. Eu não posso fazer isso com você.
As suas palavras me assustaram, eu não podia compreender tamanha bobagem,
então respondi:
- Nós teremos o nosso tempo, estaremos juntos. Não fala assim... por quê você
chora? Não me ama?
Margarida (tentando conter-se): Amo mais que desejaria. Amo seu sorriso, seu
jeito de olhar o volante, sua mão quando encontra os seus cabelos, amo seu caráter,
sua alegria ... e é por te amar tanto, que não posso te prender.
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Gabriel: E se eu quiser? E se eu precisar ficar preso a você? Minha vida não tem
sentido se não for do seu lado. Eu não me vejo preso a mais ninguém. Me aceita...
Deixa-me ficar com você.
Margarida: Eu preciso que me faça uma promessa. Jura não me odiar se um dia eu
precisar te deixar, jura que não vai me esquecer, mesmo se um dia eu precisar me
afastar de você?
Gabriel: Você não vai precisar fazer isso, eu não vou te deixar partir, eu vou ficar
com você. Mas se a minha jura acalma o teu coração, eu digo que sim. Juro!
Nunca a nossa música havia tocado tão forte, nós nos abraçamos e a cada
movimento do nosso corpo eu podia ouvir, o sentimento aflorava nada neste
mundo importava além de nós dois.
Fizemos os nossos votos em um lindo dia de domingo. Pude ver os seus
olhos me dizendo sim e selando o nosso compromisso. Nossas juras de amor foram
ouvidas por todos os nossos amigos, minha mãe e o Adam estavam lá, a Amanda
não poderia faltar.
O nosso casamento foi uma linda cerimônia, ainda posso recordar o quão
linda ela estava. Meus olhos puseram-se em festa ao recebê-la. Foi o dia mais feliz
da minha vida.
Os nossos dias...
Sempre caminhamos juntos, lado a lado.
Cada passo dado era antes
planejado, fomos um casal modelo para tantos que não se amavam. Em nós o amor
não faltava, a nossa música nunca perdeu o sentido. Ainda tocava-nos
profundamente como naquele dia, juntos dentro do carro.
Um ano depois de casados, pude notar algumas diferenças na Margarida.
Não no seu comportamento, mas em seu corpo. Ela parecia mais fraca. Notando
que estava mudada, conversamos sobre o assunto muito embora minhas tentativas
de levá-la ao médico foram frustradas: Ela sempre escapava com uma desculpa.
Em nosso primeiro natal juntos eu já não via a força e braveza daquela mulher com
quem havia me casado. Não aceitando mais a situação, eu mesmo levei-a ao
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médico, para minha surpresa ela já tinha um. O Dr. Nicholas era Neurocirurgião, eu
já o tinha visto conversando com Margarida no nosso trabalho, no dia em que ela
conversava com ele no escritório. A Margarida precisou ficar no Hospital sobre
cuidados médicos. Sem compreender o que se passava, pedi ao médico uma
explicação. O Dr. Nicholas me pediu calma, precisava falar antes com a Margarida.
Depois de algum tempo ele me pediu para entrar no quarto onde a Margarida
estava, ela mesma me explicaria.
Gabriel: O que está acontecendo, por que nós estamos aqui? Por que você está
aqui? E esse médico? De onde você o conhece? Eu perguntava desconsolado.
Não sabia como havíamos chegado naquele ponto. Como tudo aconteceu tão
rapidamente. Eu não podia me conter. A Margarida então me respondeu:
-Eu não queria te prender. Eu não tinha o direito de te fazer refém do meu amor. O
Dr. Nicholas me acompanha há 2 anos quando fui diagnosticada de um câncer no
sistema nervoso. Eu ainda não tinha me envolvido com você, eu tentei não me
envolver... Me perdoa por ter te trazido até aqui, eu queria poder te oferecer uma
vida juntos, eu queria formar uma família com você... Você não precisa ficar aqui
comigo, eu sabia o tempo de vida que tinha e sei bem o que fiz dele. Foram os dois
anos mais felizes da minha vida. Eu não saberia o que é amar se não fosse sua
presença nos meus dias.
Gabriel: Por que não me contou? Não me contive em lágrimas.
Abraçados passamos um bom tempo juntos. Eu não sabia o que dizer, não
poderia cobrá-la uma atitude, o mundo parecia desmoronar sobre mim, a sensação
de ganhar e perder tudo ao mesmo tempo tomava conta do meu ser.
Deixei-a dormindo e pude conversar com o médico. O mesmo confirmou a
gravidade da doença e o seu pouco tempo de vida restante. Ela não poderia voltar
para casa, seria o hospital o lugar onde viveria seus últimos dias.
Tudo me feria profundamente, eu já não sabia onde buscar apoio. Não mais
resistindo liguei para a Amanda, impulsionado por seu bilhete. A Amanda me
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ajudou a tentar me levantar, foi com ela que pude contar no hospital e em casa.
Minha mãe ficou com a Margarida durante mínimos momentos em que precisei
sair do hospital para comer.
Eu sabia da vontade de ter um filho. Não somente da Margarida, mas minha
também. No final de semana deixei a minha mãe com a Margarida no hospital e fui
com a Amanda ao escritório saber como poderia acelerar um processo de adoção.
Para minha felicidade, uma criança havia sido recentemente abandonada e
precisava de um lar. O Mike, grande amigo da Margarida e ótimo advogado
acelerou a papelada e pude registrar a pequena carolina como sendo minha filha e
da Margarida.
No Hospital, com a Carolina, visitei a Margarida no que seria o nosso último
contato físico. Trazendo em meus braços mostrei-a o quanto linda era a nossa filha
e o quanto eu queria que ela fosse parecida com a mãe. As lágrimas vinham-nos
espontaneamente, não havia mais palavras. Podia ver nos olhos da Margarida a
felicidade em estar ao meu lado. Fomos sempre um do outro e ainda assim livres,
ela nunca abriu mão da minha liberdade. Apertei a sua mão e a beijei. Nosso beijo
pôde expressar em segundos a dimensão do nosso sentimento. Éramos família, eu,
ela e a Carolina, e por que não felizes? Estávamos juntos. Próximos, éramos mais
fortes. Ouvi de seus lábios um sussurro de um eu te amo contido, mas de
profundidade e significado insubstituíveis. Apertei sua mão, que apertava a minha,
nos amamos intensamente a cada segundo. Pude sentir com o coração partido, sua
mão deixando a minha, os seus olhos fitados nos meus já partiam, e creiam, não
foram tristes, havia felicidade naquele olhar, muito mais penava o meu.
Precisei chorar, senti-la perto de mim. Não podia aceitar que minha vida
estava novamente partida, eu precisava da Margarida para existir.
Guiado por todos à minha volta, saí daquele quarto, não me recordo bem
como tudo aconteceu, mas fui levado junto com a Carolina para nossa casa. Passei
alguns dias longe de tudo ao meu redor, minha mãe e a Amanda foram grandes
companheiras durante todo esse tempo. Eu precisava delas comigo.
Passados alguns dias, eu continuava ali, sem muitas razões para sorrir, mas
convicto da presença da Margarida comigo.
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Certo dia seu pai veio me visitar. Em meio à sua permanência no hospital e
em um dia de muita turbulência ela me escreveu uma carta. E como adorava
escrever... é uma das minhas mais belas recordações. Na carta em um papel bonito
e cheio de cores, me dizia:
“Gabriel, não sei se sabe, mas me acostumei a te ter por perto. Eu sei que não está sendo fácil passar por tudo
isso dessa forma e ainda mais sem mim. Nos acostumamos a viver um pelo outro e eu sei o quanto nesse momento a
minha ajuda te faz falta. Estar aqui, não significa dizer que não estou aí. Eu posso partir amanhã e ainda
assim estarei com você. Não quero que chore. Sabe o quanto eu detesto quando chora? Pois é! Não chore se não
quiser me deixar brava viu senhor?(risos) Quando a saudade bater, escuta a nossa música, estarei em cada uma
de suas notas. Se não for o suficiente apenas feche os olhos e sinta, eu estarei com você. O amor é mais forte
Gabriel do que qualquer passagem. Nós podemos vencer isto juntos, como sempre fizemos. Não se esqueça, eu te
deixo livre. Livre, mas não sem mim. Estarei com você em tudo que fizer, planejar e em tudo o que quiser que eu
esteja. Nunca amei ninguém da forma que te amei, desconheço amor mais bonito que o nosso. Sei que não serão
fáceis esses primeiros dias, mas peço, suporte por mim, suporte por nós e tenha a certeza de que se assim fizer,
estarei mais feliz”.
Pss. Como pude esquecer? Faça-me um grande favor, tenha um filho, de preferência uma menina, sempre foi
meu sonho! Como sei que não poderei realizá-lo, você poderá faze-lo por mim! Um sonho meu realizado por você
é um sonho meu realizado por mim. Beijos em seu coração, te amo. Margarida.
Com os olhos banhados em lágrimas pude ler a mais linda exibição do nosso
sentimento. O seu pai, chorando ao meu lado me falou:
- Não pude deixar de ler a carta, ela pedia que você tivesse um filho, você não só o
fez como também fez dela a mãe. A Carolina é a prova viva da sintonia de vocês.
Conte comigo para o que precisar meu filho, estamos juntos nessa.
Em meio a tantos sentimentos, tive mais uma revelação, a Amanda, aquela do bar,
minha Amiga e confidente, era a Amanda que estudou comigo na escola, aquela que
colocou em minha bolsa a mensagem de que estaria sempre comigo no que
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precisasse. Realmente ela estava, com a Amanda aprendi o verdadeiro valor da
amizade verdadeira! Não sei como não pude perceber que era ela.
O tempo passou, hoje dois anos sem a Margarida posso ver o seu rosto em
tudo que me cerca, nossa filha a Carolina, hoje em seu aniversário de 3 anos
representa o nosso amor, representa a minha vida e um sonho da minha amada.
Nada está sendo igual sem ela, não posso mentir, mas tenho aprendido. Aprendi a
viver com o que ela deixou, sua vida ainda está em mim. Não preciso de mais
motivos para viver, ela já me deu todos, ela me deu sonhos, ela me fez livre, livre
para sonhar...
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LIVRE PARA SONHAR - Recanto das Letras