A CRIANÇA E O LIVRO
[Fevereiro/2003]
Pra mim, livro é vida, desde que eu era muito pequena os livros me deram casa
e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede;
deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia
telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar
de morar em livro. (Lygia Bojunga Nunes)
Os Pais Como Modelos
A relação criança/livro só ocorre com essa intensidade se os estímulos forem
dados desde os primeiros anos de vida.
Assim, incalculáveis iniciativas por parte de profissionais - entre eles
professores, bibliotecários e livreiros - têm sido tomadas, visando aproximar a
criança do livro, despertando nela o prazer pela leitura. Porém, esses esforços
podem rolar água abaixo se no dia-a-dia os pais, os maiores modelos, não se
mostrarem interessados pelos livros.
Por mais simpáticos e atenciosos que sejam os profissionais do livro, nada
substitui a relação afetiva entre pais e filhos no momento da leitura.
Se o pai e a mãe entram numa livraria para comprar um livro ou numa
biblioteca para emprestar um livro e lê para seu filho, torna-se cúmplice dele. E
essa cumplicidade é o toque mágico que aproxima, que une, que apaixona,
que completa, que amplia uma relação. E esse comportamento passa a ser
copiado. Essa criança tem tudo para ser um leitor.
Histórias para dormir
A prática de se contar estória antes de dormir debaixo dos cobertores, se
perdeu...
Hoje, a maioria das mães trabalha fora e no final do dia está exausta. Hoje, a
televisão ocupa o pouco do tempo de lazer que os adultos possuem. Assim,
raras são as crianças que têm o privilégio de dormir mergulhando no mundo
maravilhoso das estórias infantis.
Logo hoje, que os livros brasileiros estão cada vez mais ricos em texto e
ilustração.
Campanhas estão sendo feitas para voltar-se a esses hábitos.
Professores também
Outro modelo para as crianças e jovens são os professores e deles depende
também o estímulo à leitura. A indicação precisa estar envolta numa nuvem de
emoção. E para que atinja o seu objetivo, o professor precisa estar atento às
necessidades e interesses dos seus alunos e, no mínimo, gostar de ler.
Muitos professores, na ânsia de cumprir etapas de currículos, acabam por
escolher livros desinteressantes e massantes, afastando o leitor do livro.
Leitor adulto
Se o adulto sente o desejo de recuperar o tempo e iniciar suas leituras, deve
procurar leituras curtas, em geral com temas do cotidiano e de humor.
O mais importante, é que cada leitor faça o seu próprio ritmo, encontre seu
caminho e consiga uma vivência prazerosa com os livros.
ERA UMA VEZ...
[Março/2003]
Era uma vez uma história de verdade, onde tinha uma tia de verdade, que
curtia pra valer o seu sobrinho Fernando de sobrenome Spagnuolo. Fernando
morava em Londrina e estudava numa Escola chamada Pequeno Polegar, mas
o Fernando era grande. Ele tinha 9 anos e tinha uma paixão...
Fernando era maluquinho por livros, lia todos os livros que caíam em suas
mãos (os que não caíam ele pegava).
Essa tia, que era muito especial, leu na Folha de Londrina sobre o livro Eu e a
minha luneta da Editora Formato e quis comprar o livro para dar de presente ao
Fernando. Na livraria a dona não queria vender, pois estava apaixonada pela
luneta do livro e tinha comprado só um, pra ela (muito egoísta).
A insistência de Marta fez a dona da livraria ficar curiosa (ela é sempre muito
curiosa) e a tia acabou contando que além de ler muito, Fernando escreve
coisas incríveis.
- Vou trazê-lo aqui, para você conhecer!
Aí, a história continuou e eu conheci o Fernando. E eu também fiquei fã dele.
Virei tia coruja também. Descobri as coisas criativas que ele escreve...
Idéias de Fernando
... uma pequena zebrinha que estava cansada de usar pijama listrado, só preto
e branco... resolveu comprar tecido vermelho e outro branco. Foi para a loja
comprar uma máquina de costura. Voltou para a floresta e deu uma roupa
branca com bolinhas vermelhas para todas as zebras...
Ou
... e caí num planeta com seres bem diferentes! Eles tinham poderes e raios.
Um deles com 6 pernas me atingiu com um RP (raio paralisante). Eu fiz
amizade com um extraterrestre que estica o pescoço e tem dentes enormes,
pés pequenos, coração que brilha, rosto chato e é gorduchinho...
Ou Cenas do cotidiano
Quando Fernando nasceu, ele foi muito bem recebido:
- Toma, filho, a chave da cidade!
No nascimento de sua irmãzinha, ele escreve:
- Quem é essa estranha criatura que quer roubar os meus poderes?
Estímulo constante
Atualmente, no Brasil, muitas inovações e pesquisas estão sendo feitas com o
propósito de estimular na criança o prazer em ler, além de despertar o senso
crítico e a capacidade para desenvolver o texto.
Esse estímulo, muitas vezes está na disponibilidade de tempo e paciência para
ouvir a criança e também num simples afago.
É importante que pais e professores estejam atentos para levar a criança a
"falar o mundo", "ler o mundo" e "escrever o mundo".
EU JOGO, TU JOGAS, ELE É JOGO
[Abril/2003]
O elemento lúdico é essencial na conquista e formação do leitor, ele aparece
no livro infantil em forma de rimas, travalínguas, músicas, cartas enigmáticas,
embaralhamento de páginas, movimentação de peças, cortes/recortes,
dobraduras, etc.
O ato de brincar, além de ser estimulante, torna o leitor mais participativo.
Nesse exercício democrático só não vibra, não se apaixona quem não tem
acesso ao livro.
Vários escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros criam livros-jogos; que
provocam alvoroço junto às crianças e os jovens.
O enigma, o suspense, a poesia e o humor são os melhores temperos para se
fazer do livro um brinquedo prazeroso.
O leitor decide
... o monstro avança em tua direção furibundo de raiva! Se você acha que é
mole liquidá-lo com um golpe de karatê, vá para a página 37. Se você está se
pelando de medo fuja para a página 41.
Este é um delicioso convite à aventura encontrado nos textos da Coleção
Agora Você Decide da EDIOURO. Aqui o leitor escolhe evitar perigos ou
desafiar a sorte. Não existe uma norma estabelecida, uma seqüência rígida. É
ler e escolher o seu final.
O leitor procura
Outro tipo de livro-jogo é o famoso Onde está o Wally? com várias
reimpressões, editado pela Martins Fontes desde 1990, hoje tendo outros
volumes, com aventuras na praia, no camping, na estação, no estádio.
Esta coleção, além de aguçar no leitor a percepção, provoca na família (ou na
vizinhança) a competição em achar com rapidez o Wally.
O ilustrador e escritor Ziraldo, lançou uma versão humorada do Wally chamada
Onde está o Menino Maluquinho? que, ao inverso do Wally, está em quase
todos os lugares e o leitor precisa descobrir onde ele não está.
O leitor abre janelas
Que o livro abre todas as janelas do mundo para o leitor, já é sabido, mas no
livro Eu e minha luneta, de Cláudio Martins, publicado pela Editora Formato, é
permitido abrir janelas e usar lunetas. As crianças (e adultos também) curtem
muito. Essas janelas são de um grande prédio, em cada uma delas acontece
uma estória.
Em que janela olhar? Quantas janelas são? Quantas estórias contam essas
janelas? Será que uma estória pode interferir na outra? Como termina a
estória? Ou a estória não termina e eu posso voltar atrás?
Com uma luneta na mão e, como diz o escritor Murilo Mendes, com "olhar
armado" a criança pode descobrir a cada leitura, muito mais e se divertir.
LÊ, BIBLIOTECÁRIO!
[Maio/2003]
Uma das venturas a ser partilhada no paraíso será podermos nos dedicar
às leituras todos os momentos de nossas vidas. (Jorge Luís Borges)
Por mais autoritário que o título deste texto possa parecer, é com ele que eu
vou interceder a favor da leitura. Durante os anos de exercício da minha
profissão, convivi com muitos profissionais e sempre ouvi a mesma indagação:
"O que fazer para despertar o gosto pela leitura?"
Parece simplório, mas só tenho uma resposta:
- Não há uma receita pronta para essa árdua, porém instigante tarefa. Se
houvesse, era só seguir e "colocar no forno". No entanto, existem algumas
idéias que os mediadores de leitura (entre eles o bibliotecário) devem refletir e
por em prática cotidianamente. A primeira delas é quase uma obrigação - LÊ,
BIBLIOTECÁRIO! Pois antes de ser pensar em levar alguém a se interessar
pela leitura, é primordial ser leitor para que, desta forma, venha a contagiar
outros leitores.
Não deixe que, na sua Biblioteca, a leitura seja relegada a segundo ou terceiro
plano. Elabore multidisciplinarmente um programa de estímulo à leitura de
maneira seqüencial e não apenas eventual. Aprenda a "ler" os seus leitores,
perceba as suas expectativas e interesses. Deixe o seu conhecimento, a sua
sensibilidade e o seu bom senso fluírem no momento do planejamento das
atividades a serem realizadas na biblioteca, pois nem tudo o que se faz em
nome da leitura, leva à leitura.
Torne a leitura literária algo prazeroso, para que você possa eliminar os
condicionamentos mecânicos de seu leitor e levá-lo a um verdadeiro
adentramento no texto.
Proponha textos atuais que desperte a atenção de seu leitor, para que ele
realmente "curta" o que está lendo e deseje ler sempre.
Esqueça os seus preconceitos, deixe a leitura ser plural. Faculte ao leitor o
acesso as mais variadas leituras, respeitando as suas fases e seu ritmo. Façao perceber que, acima de tudo, leitura é algo "vivo" e divertido.
Quando você conseguir tudo isso, poderá perceber que a inquietação sobre o
despertar para o gosto da leitura continuará existindo, pois você estará
buscando novamente, para e com os leitores, novos textos e novas
informações sobre a leitura.
E sem que você perceba (pois estará envolvido com novas idéias) formará
leitores enriquecidos e com uma visão mais ampla do mundo e de si mesmos.
Você pode estar pensando: Tudo isto é um sonho? E novamente, eu só tenho
uma resposta:
Aqueles que sonham acordados têm conhecimento de mil coisas que
escapam àqueles que sonham apenas adormecidos. Em suas brumosas
visões, apanham lampejos da eternidade e ao despertarem têm arrepios
ao ver que estiveram por um instante às margens do grande segredo.
(Edgar Allan Poe)
OBS: adaptação do texto originalmente publicado, em junho de 1999, com o
título - LÊ, PROFESSOR!!!
HISTÓRIAS VERDADEIRAS
[Junho/2003]
os japoneses e um mediador de leitura que queria galinhas
A literatura infanto-juvenil é repleta de histórias fantásticas, mas sem dúvida a
fantasia tem muito de verdade. Hoje quero sair um pouco da estrutura de texto
da minha coluna, quero falar de uma história verdadeira que povoou a minha
infância.
Quando criança meu pai era funcionário do Conselho Londrinense de Serviço
Social (uma instituição já extinta) e fomos morar num casarão na Vila Nova. Lá
havia sido a sede de uma comunidade japonesa e eles quando se mudaram
deixaram armários enormes (que ficavam maiores nos meus cinco anos)
cheios de livros. Esse era um dos meus poucos brinquedos. Com eles eu
passava horas me divertindo, como não era alfabetizada em português, menos
ainda em japonês; lia imagem.
Assim, começou a minha paixão por livros infantis e juvenis...
Outra história verdadeira
Falando sobre isso em sala de aula, no curso de Biblioteconomia na UEL,
Maria do Carmo, uma aluna me contou sua história: "Quando criança no sítio
dos meus pais, sempre vinha da cidade um homem, que era esperado com
muita expectativa, com livros para trocar por galinhas. Vejam só trocar livros
por galinhas!!! E foi assim que aprendi a gostar de ler e principalmente de
literatura de cordel; muitas histórias ainda tenho completas em minhas
cabeça..."
O PONTO "G" DA LEITURA
[Julho/2003]
QUE GOSTOSURA!!!
Cá estou eu novamente envolvida com meus alunos do Curso de
Biblioteconomia, que numa discussão em sala de aula me desafiaram a
escrever um texto, para essa coluna, com o título - "O ponto G da Leitura".
A polêmica surgiu quando falávamos de "fruição literária" e do que isso
significa. A palavra fruição, segundo o Dicionário Aurélio, deriva do latim
fruitione e é "a ação ou efeito de fruir; Gozo [...]". Isso nos reportou as idéias de
Freud (prazer estético), de Barthes (prazer do texto) e de Jauss (fruição
estética), pois todos eles vinculam o ato de ler (diferentes linguagens) ao
prazer e à satisfação.
E é assim que defendemos a leitura para a criança e o adolescente na escola,
com Prazer, com Gosto e Gozo. Sem avaliações e cobranças, sem uma rotina
didática e autoritária.
Na biblioteca também, pois o bibliotecário não pode esquecer que é
responsável pela mediação da leitura, que num sentido genérico é a
intermediação ou "ponte" entre o leitor e o texto. E precisa lembrar ainda, que
sua "intervenção pode ampliar ou anular possibilidades, despertar ou
adormecer sensibilidades, facilitar ou dificultar emoções" (PERROTTI, 1990,
p.17). Como intermediário de leitura, encontra-se em uma situação privilegiada,
pois tem nas mãos uma diversidade de suportes e a possibilidade de levar
crianças e jovens a infinitas descobertas.
Sugestões de Leitura:
BARTHES, Roland. O Prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
JAUSS, Hans Robert. O Prazer estético e as experiências fundamentais da
poiesis, aisthesis e katharsis. In: LIMA, Luiz Costa (Coord.). A Literatura e o
leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo:
Summus, 1990. (Novas Buscas em Educação, 38).
Agosto/2003]
Quando pensamos em leitura, imediatamente pensamos na leitura de palavra.
Porém no cotidiano somos solicitados, cada vez mais, a ler imagens. Mas será
que estamos "alfabetizados" para isso?
Minha resposta é: nós adultos da geração "SLI" (Sem Livro Infantil), não. Mas
as gerações que têm contato com diferentes fontes imagéticas, estão se
preparando para isso.
Uma das possibilidades de aprendizagem de leitura de imagem é o acesso ao
livro infantil de qualidade. E, para aqueles que costumam valorizar somente a
produção estrangeira, informo que no Brasil temos ilustradores criativos,
competentes e premiados internacionalmente. Entre eles podemos citar:
Ziraldo, Ciça Fitipaldi, Zélio, Eva Furnari, Rogério Borges, Eliardo França, Ana
Raquel, Luís Camargo, Helena Alexandrino, Rubens Matuck, Ricardo Azevedo,
Angela Lago, Regina Coeli Rennó, Luiz Maia, Roger Mello e Regina Yolanda.
Luís Camargo, autor, ilustrador e pesquisador de literatura infantil, lembra que
"tem gente que faz cara feia para livro de poucas páginas, com muitas
ilustrações, com pouco texto" e questiona: "Por que essa má vontade? As
letras impressas no papel também têm um desenho - não são pensamentos
para serem captados telepaticamente..."*
No livro infantil destinado às crianças bem pequenas, é necessário valorizar a
imagem, pois ela tem a mesma função que o texto, ou melhor, é "texto"
também.
Destaco aqui, o "livro de imagem", que é aquele que conta histórias sem a
existência de palavras. Eles são chamados também de "livros sem texto" ou
"livro mudo". O primeiro livro desse gênero, publicado no Brasil, foi Ida e Volta
de Juarez Machado em 1976 pela Editora Primor. Na atualidade ele está sendo
publicado pela Editora Agir.
Cito outros exemplos de livros de imagem brasileiros, sugerindo que sejam
lidos não somente na infância, mas pela vida toda.
BOA LEITURA !!!!
Coleção Ping-Póing
Eva Furnari
Editora FTD
Coleção - Ponto de
Encontro
Eva Furnari
Edições Paulinas
Coleção - As Meninas
Eva Furnari
Formato Editorial
Coleção Imagens
Mágicas
Regina Coeli
Rennó
Editora Lê
Coleção Bons Tempos
Rogério Borges
Editora Kuarup
QUERO SER UM CONTADOR DE HISTÓRIAS
[Novembro/2003]
Silvia Bortolin Borges (co-autora)
Mesmo sem perceber narramos histórias cotidianamente, isto por meio de uma
piada, de uma amenidade no dia-a-dia, da descrição de um capítulo da novela,
de um "causo", de um desabafo no portão da vizinha, de um relato na terapia,
de um jogo de RPG e de uma conversar na Internet.
Apesar da inovação nas formas de se narrar histórias, essa atividade continua
tendo na sua essência, a preocupação de trabalhar a afetividade, a emoção e o
imaginário do ouvinte.
E a quem cabe o papel de contar histórias? Em que lugar deve-se contar uma
história? Quando se deve contar uma história? A resposta é: todos devem
contar histórias, em todos os lugares e sempre.
Para ser um contador de histórias, não é necessário ter dom, como muitas
pessoas afirmam, mas é necessário sensibilidade e poder de encantamento.
Assim, para se contar uma história sugerimos:
· O conhecimento antecipado do texto (escrito ou imagético, impresso ou
eletrônico), observando os elementos que o compõe, vivenciando as emoções
e familiarizando-se com os personagens;
· A escolha de um texto que dê prazer, para que se possa transmiti-lo com
prazer;
· A utilização de "senhas" para iniciar e terminar a história. Alguns exemplos:
NO INÍCIO
"Era uma vez ... "
"Há muito tempo atrás ..."
"No tempo em que os bichos falavam ..."
"No tempo em que a galinha tinha dentes..."
"Numa floresta muito distante ..."
NO FINAL
Entrou por uma porta
Saiu pela outra
Quem quiser que conte outra
Entrou por uma porta
Saiu pela outra
Mande el rei, meu senhor
Que me conte outra.
Entrou pelo pé de um pinto
Saiu pelo pé de um pato
Mande el rei, meu senhor
Que conte quatro.
Minha história acabou
Um rato passou
Quem o pegar
Poderá sua pele aproveitar.
E assim terminou a história...
ALGUMAS DICAS PARA UM CONTADOR DE HISTÓRIAS
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Haja com naturalidade;
Opte por ler ou por contar a história, sem mesclar;
Não esconda as palavras difíceis. Se o ouvinte for criança fale a palavra
naturalmente, caso seja um objeto ou personagem fora de contexto,
brinque com a palavra antes de iniciar a história. Ex: urinol;
Evite utilizar a linguagem no diminutivo, "apequenando" o ouvinte; Ex:
Criancinhas, eu vou contar uma histórinha deste livrinho, mas antes
vamos cantar uma musiquinha;
A história não deve ser utilizada para dar lição de moral ou para corrigir
comportamentos;
Não apresente apenas histórias "fechadas", pelo contrário utilize-se de
histórias com facetas contraditórias. Ex: Branca de neve (branca e
bonita) Menina bonita do laço de fita - Ana Maria Machado (negra e
bonita);
Quando possível utilize músicas e cantigas, porque elas seduzem as
pessoas em qualquer faixa de idade;
Apresente diferentes versões de uma história, porém antes de iniciar,
informe ao ouvinte, pois em especial as crianças menores, não admitem
alterações;
ENFIM: faça do ato de contar histórias um momento prazeroso.
SUGESTÃO DE LEITURA
COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986.
POESIA INFANTO-JUVENIL NO BRASIL
[Janeiro/2004]
Um dia desses acordei com uma poesia infantil martelando minha cabeça,
aproveitei que o Pedro, meu sobrinho que tem apenas 2 anos, estava em casa
e declamei para ele, assim:
Uma estrelinha no céu piscando, piscando.
Parece que está me chamando.
Quando eu crescer e papai me comprar um avião.
Vou te buscar estrelinha.
Na palma da minha mão.
Nesse momento, me lembrei que já havia feito isso com minha amiga Mariana,
quando também tinha 2 anos, e a reação foi a mesma. Os dois me pediram
para repetir, repetir... e alguns dias depois, sabiam a poesia por inteiro e
recitavam também, incluindo os gestos ensinados.
Maria da Glória Bordini em seu livro "Poesia Infantil", defende que "poesia é
brinquedo de criança", e é isso que defendemos também. Ler ou ouvir poesia,
tem que ser divertido, provocar emoção e dar prazer.
Porém, durante muito tempo, a poesia foi utilizada como um instrumento para
ensinar "bons comportamentos" ou "deveres infantis".
"Um levantamento da poesia dirigida à criança e publicada no Brasil de 1965 a
1978 não inclui mais de trinta títulos acessíveis no mercado, dos quais somente
oito são comentados favoravelmente pelos analistas [da Fundação Nacional do
Livro Infantil e juvenil]" (BORDINI, 1986, p.56).
Da década de 80 para cá, houve um maior número de escritores que se
dedicaram e se dedicam a poesia para crianças e jovens. Eles publicaram e
estão publicando poesias criativas (como a que citei no começo desse texto)
que não objetivam "fazer a cabeça do leitor", mas sim diverti-lo. Um modelo de
poesia que tem musicalidade, compasso, e não obrigatoriamente rima.
Para quem não conhece, citarei os autores que mais gosto. Vou colocá-los em
ordem alfabética, não por uma tendência bibliotecária, mas para respeitá-los
em suas grandezas: Almir Correia, Angela Leite de Souza, Carlos Queiroz
Telles, Cecília Meireles, Elias José, Hardy Guedes, José de Nicola, José Paulo
Paes, Luís Camargo, Maria Dinorah, Roseana Murray, Rose Sordi, Sérgio
Caparelli, Sidônio Muralha, Sylvia Orthof e Vinícius de Moraes.
Vocês devem estar pensando que esqueci o Mário Quintana, não esqueci não,
só quero colocá-lo em destaque e em destaque colocar um poema dele que sei
que as crianças gostam muito.
HAI-KAI
No meio da ossaria
Uma caveira piscava-me
Havia um vagalume dentro dela.
Sugestão de Leitura:
BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Atlas, 1986.
QUINTANA, Mário. Sapo amarelo. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
MÚSICA E OS LIVROS INFANTIS
[Fevereiro/2004]
Entender de música eu não entendo, mas gostar de música é outra história.
Acho que não conheço sequer uma pessoa que não goste de música. E caso
exista, é preciso fazer um plágio e cantar para ela aquele refrão: "quem não
gosta de música, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé".
Se para os adultos a música é fundamental, para as crianças isso é
indiscutível. Pois a música "seduz" a criança, desde o berço, quando ouve a
voz da mãe (ou outro adulto) ao ser embalada. Por instinto, o bebê, responde
positivamente as percepções auditivas, pela repetição de um canto, com
batidas dos pés no chão, pelas palmas ritmadas ou por uma dança.
É fácil perceber o prazer que as crianças sentem quando ouvem músicas, mas
a elas é necessário apresentar a maior diversidade possível de canções; e aos
adultos cabe essa tarefa.
Por sermos uma Nação marcada fortemente pela oralidade, os conteúdos
musicais acabam sendo transmitidos de geração para geração e de uma
maneira espontânea. A cultura brasileira é rica em jogos, brincadeiras,
histórias, trava-línguas, parlendas, cantigas de roda, mnemonias, advinhações,
que quando não têm música, são envolvidos em uma musicalidade genuína,
existente nas palavras.
Quem não se lembra, por exemplo, dessa parlenda?
Cadê o toucinho que estava aqui?
O gato comeu.
Cadê o gato?
Foi para o mato.
Cadê o mato?
O fogo queimou.
Cadê o fogo?
A água apagou.
Cadê a água?
O boi bebeu.
Cadê o boi?
Foi amassar trigo.
Cadê o trigo?
A galinha espalhou.
Cadê a galinha?
Foi botar ovo.
Cadê o ovo?
O padre bebeu.
Cadê o padre?
Foi rezar missa.
Cadê a missa?
Acabou.
Cadê o povo da missa?
Passou por aqui... por aqui...por aqui...
Assim, preocupados com a ludicidade das crianças e o resgate de brincadeiras
e músicas infantis, alguns autores de literatura infantil, têm publicado livros
como:
TÍTULO
AUTOR
EDITORA
Atirei o pau no gato
Edmir Perroti
Paulinas
O cravo brigou com a rosa
Edmir Perroti
Paulinas
Enquanto seu lobo não vem
Edmir Perroti
Paulinas
Ciranda, cirandinha
Edmir Perroti
Paulinas
Dona aranha
Mônica Haibara
FTD
O sapo não lava o pé
Mônica Haibara
FTD
Jacaré
Mônica Haibara
FTD
Pombinha branca
Mônica Haibara
FTD
A barata diz que tem
Mônica Haibara
FTD
Fui morar numa casinha
Mônica Haibara
FTD
Indiozinho
Mônica Haibara
FTD
O livro do trava-língua
Ciça
Nova Fronteira
O que é o que é 1
Ruth Rocha
Quinteto Editorial
Sua alteza a divinha
Ângela Lago
RHJ
10 adivinhas picantes
Ângela Lago
RHJ
Uni duni e tê
Ângela Lago
Compor
Mini-glossário:
Trava-línguas: modalidade de parlenda, em prosa e verso, ordenada de tal
forma que é difícil pronunciá-la. Ex: Iara amarra a arara rara a rara arara de
Araraquara.
Parlenda: rimas infantis, em versos de cinco ou seis sílabas. Ex: Hoje é
domingo do pé de cachimbo...
Mnemonias: do grego menominikós (memória). Ex: um, dois, feijão com arroz;
três, quatro...
BEBETECA: uma maternidade de leitores
[Março/2004]
Mariana Senhorini
(Mariana foi minha orientanda no Curso de Biblioteconomia da UEL. Como seu
trabalho de pesquisa, além de ter sido considerado de uma excelente
qualidade, tratou de um tema inédito em nosso país, optei em abrir um espaço
nessa coluna para que ela apresentasse aos leitores um gênero muito especial
de biblioteca. Sueli Bortolin)
Muitas são as discussões sobre o incentivo à leitura devido à problemática
existente em nossa sociedade, e várias destas discussões acontecem nesse
espaço reservado aos colunistas. Então, fui convidada a apresentar um novo
espaço de incentivo a leitura chamado Bebeteca.
O estudo deste espaço foi tema de meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) e com ele pude perceber o quanto é importante o incentivo à leitura em
bebês.
Afinal, o que é uma Bebeteca?
É uma biblioteca especialmente destinada aos bebês, seus pais e demais
responsáveis a fim de trabalhar as possibilidades de leitura, envolvendo a
criança no mundo lúdico, despertando primeiramente, o prazer e a paixão pela
leitura. Por meio dessa atitude, é possível proporcionar maior convivência e
familiaridade com o livro e a leitura, inserindo-os ao seu cotidiano.
A bebeteca também procura estimular nas crianças o gosto de estar no
ambiente de uma biblioteca, contribuindo para formarem um conceito positivo
deste espaço em nossa sociedade.
Não localizamos Bebetecas no Brasil, mas em pesquisas efetuadas na internet
encontramos esse gênero de biblioteca em países como: Espanha, Colômbia,
Chile, Portugal e Argentina.
Este trabalho, além de apresentar reflexões sobre aspectos como o
desenvolvimento infantil e a participação dos pais neste período, define o perfil
dos usuários da Bebeteca, os serviços que podem ser prestados a eles,
propõe uma classificação para o acervo, espaço físico (sala de contos, cozinha,
fraldário, etc.) entre outros aspectos que uma bebeteca precisa possuir.
A integração do bibliotecário na Bebeteca ultrapassa as atividades de
organização e elaboração de atividades. O profissional precisa estar integrado
com seus usuários e participar efetivamente, aguçando ainda mais seu perfil de
educador, contribuindo com o nascimento de mais e mais leitores.
Sugestões de leitura sobre o tema Bebeteca:
BEBETECA: inculcale el amor por la lectura a tus bebés. Bogotá, 2002.
Disponível em: http://www.terra.com.co/madres/hijos/12-112002/nota72261.html
ESCARDÓ, Mercê. B: bebeteca. Disponível em:
<http://parets.org./article2.htm>
SENHORINI, Mariana. Bebeteca: prazer em conhecê-la. 2004. 87 f. TCC
(Graduação em Biblioteconomia) - Universidade Estadual de Londrina.
Londrina
Mariana Senhorini é bibliotecária. Contato: [email protected]
MONTEIRO LOBATO NO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO
[Abril/2004]
Léo Pires Ferreira
O Sítio do Picapau Amarelo foi idealizado por Monteiro Lobato para ser a sede de
todas as suas estórias infanto-juvenis. De todos os 23 títulos escritos para crianças e
jovens e, com certeza, também dirigidos aos adultos que conseguem abandonar o
falso amor próprio dessa idade com relação às coisas relativas às crianças o centro
das atenções é o Sítio.
Não há dúvidas de que o Sítio do Picapau Amarelo fazia parte da memória infantil de
Monteiro Lobato calcada na fazenda São José no município de Buquira, hoje Monteiro
Lobato, de propriedade do avô materno, o Visconde de Tremembé. Essa fazenda foi
herdada por Lobato, quando da morte do avô, em 1911.
Monteiro Lobato foi o iniciador da editoração literária no Brasil. Antes dele, havia
outras editoras que se limitavam a livros didáticos, principalmente voltados ao
primeiro e segundo graus. Naquela época (1918), inicia a publicação de escritores
brasileiros, cujos livros eram, então, editados na Europa, principalmente em Portugal
e em França. Nesse ano, Lobato edita o seu primeiro livro para adultos, com o título
Urupês.
Os mil exemplares da primeira edição esgotaram-se em trinta dias e, menos de um
ano após, já haviam sido vendidos 12 mil exemplares. Nesse livro, é lançada a figura
do personagem Jeca Tatu, descrição do caipira rural acusado por Lobato como
agente de queimadas, e ao qual chamou de piolho da terra. Mas esse personagem
criticado pejorativamente tem sua imagem refeita no livro O Problema Vital, também
de 1918, no qual Lobato se redime das críticas formuladas no Urupês, quando da
constatação de que o Jeca Tatu era (ou ainda é) um homem doente e conclui: "O
Jeca não é assim, está assim".
A produção da literatura infantil se inicia em 1920 com a publicação, pela Revista do
Brasil, de propriedade de Lobato, do livro A Menina do Narizinho Arrebitado. No
ano seguinte, esse livro, com a tiragem fantástica de 50 mil exemplares é adotado
pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo como o segundo livro de leitura
para o uso nas escolas primárias.
Com esse livro, Lobato inicia a sua produção de estórias infanto-juvenis, voltadas à
informação e formação da juventude brasileira, escrevendo 23 títulos diferentes.
Como inovações para a época, nessas obras são introduzidas ilustrações de
desenhos vistosos, dando colorido e graça aos livros.
Apesar de esses fatos terem ocorrido bem antes da Semana de Arte Moderna, de
fevereiro de 1922, Lobato, por ter escrito uma crônica (Paranóia ou Mistificação),
criticando obras de Anita Malfati, pintora que expôs seus quadros em uma vernissage
em 1917, foi alijado como participante desse movimento cultural no Brasil. Mas
Lobato era um crítico de arte àquela época, antes mesmo de se tornar o maior
escritor de obras infanto-juvenis que se conhece. Felizmente, em algumas situações,
a justiça tarda mas não falha. Um dos principais mentores daquela Semana e daquele
movimento, Oswald de Andrade, em 1943, envia uma carta a Lobato
cumprimentando-o pelos vinte e cinco anos do lançamento de Urupês (1918) e
chamando-o de "o Gandhi" do modernismo.
O objetivo do autor, entre outros, estava baseado na verdade de que é necessário
saber para crescer, não apenas biologicamente, mas culturalmente, pois só é
culturalmente livre quem tem conhecimento. Assim, nas obras infanto-juvenis de
Monteiro Lobato, não há nem a figura do vilão nem a do herói, como na quase
totalidade das outras obras infantis. O vilão, ou melhor a vilã, nas estórias de Lobato,
é a ignorância e nos seus livros, através dos seus personagens, há sempre a busca
do conhecimento, que é o herói, e que sempre derrota a ignorância.
Outro ponto que ressalta diferença nos livros de Lobato quando comparados com
outros livros infantis é a íntima união entre o real e o imaginário, situação que não
causa estranheza nem às crianças que os leem e nem aos adultos. É perfeitamente
aceitável a existência de um boneco feito de sabugo de milho, o Visconde de
Sabugosa, que fala e é um sábio, conhecedor de muita ciência, e de uma boneca de
pano, a Emília, que fala e é muito esperta e que, na realidade, é o próprio
pensamento e procedimento - alter ego - de Lobato. Há o Burro Falante, um
personagem com procedimentos e pensamentos de filósofo, há o Quindim, um
rinoceronte que foge de um circo e se refugia no Sítio do Picapau Amarelo, e é
adotado pelos seus habitantes; esse rinoceronte fala e é conhecedor de gramática,
sendo o instrutor dessa matéria à turma do Sítio que busca esses conhecimentos, no
livro Emília no País da Gramática.
Há o Faz-de-Conta da Emília, que o usa quando alguma coisa mais extravagante
precisa ser feita, e o pó de pir-lim-pim-pim, preparado pelo Visconde com seus
conhecimentos de química, que possibilita aos personagens do Sítio fazerem viagens
à Grécia e à Ilha de Creta, nos livros O Minotauro e Os Doze Trabalhos de
Hércules, e à Lua, Marte e Saturno, no livro A Viagem ao Céu, entre outros.
Completam a turma dos personagens do Sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, que
representam os adultos; a primeira, o adulto culto, a avó que dá conselhos e transmite
conhecimentos, mas que aceita as atividades dos jovens sem o processo dominante
da figura da mãe e do pai, e a segunda, o adulto de cultura popular, cheio de
crendices, muito bem contadas no livro Histórias de Tia Nastácia. Pedrinho e
Narizinho, cujo nome é Lúcia, são os representantes das crianças da faixa etária de 9
-10 anos. E o Marquês de Rabicó, um leitão que vive no sítio e que se casa com a
Emília, no livro Reinações de Narizinho.
Cientificamente falando, o Visconde de Sabugosa assume papel muito importante em
dois livros. A Reforma da Natureza, onde a Emília resolve mudar algumas coisas
como pondo torneiras no úbere das vacas, fazendo borboletas que voem mais
lentamente para que se possa pegá-las como aos besouros, moscas sem asas, mais
fáceis de controlar, e o livro comestível que, terminando de ler uma página, a mesma
seria comida porque já foi lida. Nesse mesmo livro, o Visconde altera o tamanho de
alguns animais, causando alguns problemas no Sítio. No livro O Poço do Visconde,
esse personagem dá aulas de geologia, ensinando muito sobre petróleo.
Nos outros livros, como História do Mundo para as Crianças, em que é contada a
história da espécie humana, A Chave do Tamanho, em que Emília vai ao País das
Chaves e, na tentativa de desligar a chave da guerra, desliga a chave do tamanho,
reduzindo todos os humanos ao tamanho de três centímetros, O Picapau Amarelo,
em que o Sítio é visitado por todos os personagens das histórias infantis, Os Doze
Trabalhos de Hércules, em que a Emília, o Visconde de Sabugosa e o Pedrinho
ajudam o herói Hércules nos seus difíceis trabalhos impostos por Zeus, A História
das Invenções, quando Dona Benta explica como existem o vidro, o telégrafo, a
lâmpada, o telescópio e o microscópio, As Caçadas de Pedrinho, onde eles
encontram o Quindim, A Aritmética da Emília, onde se aprende matemática,
Geografia de Dona Benta e os Serões de Dona Benta, onde muita coisa é
ensinada. Além do livro Fábulas, no qual Monteiro Lobato modifica, com a
participação principal da Emília, algumas coisas nas fábulas de Esopo e La Fontaine.
Todos devem ler os livros que Monteiro Lobato escreveu, crianças e adultos, as
crianças para aprenderem muita coisa, inclusive a formarem senso crítico positivo das
coisas que nos cercam, e os adultos para voltarem a rever conceitos que talvez
tenham esquecido ou que não tenham aprendido.
Lobato disse que "Um país se faz com homens e livros" e para isso escreveu vários
livros muito bons à formação desses seres humanos, nos seus 66 anos de vida (1882
-1948). Além dos 23 livros da literatura infanto-juvenil, escreveu outros 19 livros para
adultos, perfazendo um total de 42 livros. Mesmo com toda essa bagagem literária,
Monteiro Lobato não faz parte da Academia Brasileira de Letras, em última instância,
porque não quis.
Perto do fim da vida, Lobato disse: "Estou arrependido de ter escrito tanto para os
adultos, deveria ter escrito mais para as crianças. Perdi tempo escrevendo para
os adultos".
Foi casado com Dona Maria Pureza da Natividade, com quem teve quatro filhos:
Marta (1909), Edgar (1910), Guilherme (1912) e Ruth (1916). Lutou muito pelo
petróleo no Brasil e por isso esteve preso por três meses.
Na véspera da morte, disse: "Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o
cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é
vírgula, ponto e vírgula ou ponto final". Morreu de espasmo vascular na
madrugada de um domingo, o dia 4 de julho de 1948.
O Sítio do Picapau Amarelo está em qualquer lugar onde nossa imaginação o colocar,
e, nos leitores de Monteiro Lobato, crianças e adultos, o Sítio está dentro dos seus
corações.
_______________
Léo Pires Ferreira é agrônomo da EMBRAPA/Londrina e pesquisador da obra de
Monteiro Lobato. e-mail: [email protected]
1o. ENCONTRO PARANAENSE DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL
[Maio/2004]
Glória Kirinus uma das organizadoras do 1o Encontro Paranaense de Literatura
infanto-juvenil promovido pela Fundação Sidónio Muralha em Curitiba, me
convidou para compor uma mesa redonda nesse evento, e ela foi intitulada Como a Academia pode pensar o ensino de literatura? Apesar de não trabalhar
com o ensino de literatura na graduação, aceitei o desafio, pois trabalho
cotidianamente na educação continuada de professores, bibliotecários e
demais profissionais da leitura. Além disso, tenho um especial interesse por
essa área, por paixão e amor. Na academia não é muito "normal" falar em
paixão e amor, mas, amor é isso aí, a gente não explica, sente. Por isso, eu me
apoderei da música - "Dueto" do Chico Buarque, que é pura poesia e numa
brincadeira bradei meu amor pela literatura infanto-juvenil.
Consta nos astros.
Nos signos.
Nos búzios.
Eu li num anúncio.
Eu vi no espelho.
Tá lá no evangelho.
Garantem os orixás.
Serás o meu amor.
Serás a minha paz.
É triste saber que a academia ainda é muito resistente à poesia. E nem é
preciso de metodologia científica para perceber que na academia há muita
reflexão e pouca paixão. Mesmo quando,
Consta nos autos.
Nas bulas.
Nos dogmas.
Eu fiz uma tese.
Eu li num tratado.
Está computado.
Nos dados oficiais.
Serás o meu amor.
Serás a minha paz.
Paz? Isso é, se for possível ter paz com a literatura: porque a "boa literatura"
sempre é instigante e inquietante. E o mediador de leitura também tem que ser
instigante e mais do que isso afetuoso (cuidado! a academia, acredita que ser
afetuoso também não é uma atitude científica).
Mas vou em frente e me lembro de Teixeira Coelho (1999) quando defende
"[...] o universo do homem contemporâneo (e sobretudo dos jovens) é, em
ampla medida, afetual - quer esse afetual se manifeste e seja exercido de
forma simbólica, quer concretamente."
Portanto, o mediador de leitura seja ele um familiar, um professor, um
bibliotecário, um escritor, um editor, um crítico literário, um redator, um livreiro
ou um amigo, precisa saber que "[...] não bastam, pois, competência e
profissionalismo ao mediador de leitura; a afetividade faz parte da sua relação
consciente com o leitor, menos no sentido de gestos afetuosos e mais no
sentido de disponibilidade e compreensão no que se faz [...]"(BARROS, 1995).
Mas se a ciência provar o contrário.
E se o calendário nos contrariar.
Mas se o destino insistir.
Em nos separar.
Danem-se.
Os astros.
Os autos.
Os signos.
Os dogmas.
Os búzios.
As bulas.
Anúncios.
Tratados.
Ciganas.
Projetos.
Profetas.
Sinopses.
Espelhos.
Conselhos.
Se dane o evangelho.
E todos os orixás.
Serás o meu amor.
Serás a minha paz.
Você leitor deve estar perguntando: o que tem a música "Dueto" do Chico
Buarque com a literatura infanto-juvenil? Nada. Ela foi uma forma (ou fórmula)
que encontrei para falar para o mediador que apesar do frio em Curitiba, do
cansaço de ficar manhã - tarde - noite em um evento durante uma semana, o
encontro com os textos literários nos faz acreditar na possibilidade de que "a
vivência da leitura propicie o desenvolvimento do pensamento organizado,
capaz de levar o jovem [e as demais faixas etárias] a uma postura consciente,
reflexiva e crítica frente à realidade social em que vive e atua" (CATTANI;
AGUIAR, 1982). Portanto vale a pena!
Consta na pauta.
No Karma.
Na carne.
Passou na novela.
Está no seguro.
Picharam no muro.
Mandei fazer um cartaz.
Serás o meu amor.
Serás a minha paz.
Mas é necessário refletir sobre a prática do mediador para que se de "[...] uma
postura professoral lendo 'para' e/ou 'pelo' educando, ele passar a ler 'com',
certamente ocorrerá o intercâmbio das leituras, favorecendo a ambos, trazendo
novos elementos para um e outro" (MARTINS, 1983).
Consta nos mapas.
Nos lábios.
Nos lápis.
Consta nos Óvnis.
No Pravda.
Na vodca.
Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um
desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de leitura
pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de
uma coletividade. Espero ainda, que os mediadores facultem aos leitores uma
pluralidade de experiências, para que eles percebam a leitura não apenas
como aprendizagem escolar, mas como elemento de lazer e satisfação.
Referências
BARROS, Maria Helena T.C. de. Leitura do adolescente: uma interpretação
pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa trienal. Marília:
UNESP, 1995.
CATTANI, Maria Izabel; AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura de 1 grau: a
proposta dos currículos. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na escola:
as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
MARTINS, Maria Helena. O Que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983.
TEIXEIRA COELHO, José. Dicionário crítico de política cultural: cultura e
imaginário. 2.ed. São Paulo: Fapesp/Iluminuras, 1999.
ADONIRAN PARA CRIANÇAS
[Agosto/2004]
Ao fazer um trabalho para uma disciplina que estou cursando na
Universidade Estadual de Londrina, optei em pesquisar a linguagem utilizada
por Adoniran Barbosa em suas composições.
Já sabia muito a respeito dessa importante personalidade brasileira, mas me
deparei com um livro muito especial. Seu título é: "Adoniran: uma biografia" e
foi escrito pelo jovem jornalista - Celso de Campos Júnior, publicado pela
Editora Globo. Fiquei impressionada com o nível da pesquisa, e "alucinada"
com a riqueza de detalhes. Detalhes que uma fã sempre gosta de saber.
Nesse momento acabei indagando: será que existe um livro que apresenta
Adoniran Barbosa para as crianças? Ansiosa, logo respondi: tem que ter. As
crianças merecem ter contato com a biografia dele. Assim, comecei a busca e
localizei na Coleção Mestres da Música no Brasil um livro escrito por Juliana
Lins e André Diniz para a Editora Moderna.
E como diria meu sobrinho de quase 3 anos:
- Muito bom, titia! Muito bom!
Em linguagem acessível e ilustrado com fotografias de São Paulo e do
compositor, a criança é levada a uma viagem aos tempos em que Adoniran
viveu.
Na folha de rosto desse livro infantil, os autores incluíram a seguinte
observação: "uma história para os avós contarem e cantarem para os netos".
Isso porque, além da biografia, há também alguns trechos de músicas de
Adoniran.
E só para você ficar com "água na boca", estou trazendo uns pedaços dos
dois livros, para, quem sabe, você ler em companhia de seus filhos, netos,
sobrinhos, amigos...
Ele nasce João Rubinato e se transforma, por opção, em Adoniran Barbosa,
pois considerava que seu nome era "simplório e macarronado". Explica que
Barbosa vem de Luiz Barbosa, cantor famoso de sua época e Adoniran era
um amigo querido, companheiro de boemia (GOMES, 1987, p.18). Adoniran é
o sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, oriundos de Cavarzere
(Veneza), nasceu em Valinhos, próximo de Campinas, interior de São Paulo,
em 1912, numa família economicamente desfavorecida, portanto, começou a
trabalhar ainda criança, aos 10 anos. Como a lei da época proibia que a
criança trabalhasse antes dos 12 anos, eles falsificaram a sua certidão de
nascimento indicando que seu nascimento ocorreu em 1910.
Entre as profissões que exerceu estão a de: garagista, pintor de paredes,
entregador de marmitas, encanador, mascate vendedor de meias, operário de
fábrica de tecidos, vendedor de tecidos, vendedor dos cosméticos Helena
Rubstein, metalúrgico, esmerilhador de ferro fundido, garçom, despachante,
varredor de tecelagem, balconista, guardador de filas, mecânico e conferente
de mercadorias. Sobre seus empregos, Adoniran comentava que não
conseguia permanecer nos mesmos por muito tempo, pois os seus chefes se
irritavam com seus batuques ao compor os sambas.
Assim, "aos 16 anos João já tinha feito uma porção de coisas e comido muito
pastel com os trocados que ganhava" (LINS; DINIZ, 2003, p.9). Em 1932,
precisando ajudar na manutenção da casa em busca de um emprego mais
lucrativo, muda-se para a capital, deixando para trás sua família.
E é em São Paulo que ele descobre as profissões que ele irá exercer grande
parte da sua vida: radioator e compositor. O teatro fascinava Adoniran
Barbosa desde a adolescência, "Naturalmente que gostava de música, mas
compor para ele vinha em segundo plano, pois o seu principal objetivo era o
teatro [...]. Sonhava em ser um grande ator, e até o fim de sua vida ele
reclamava ter sido rejeitado nos meios teatrais" (GOMES, 1987, p.9).
Desencantado com o teatro, decide pela carreira de cantor radiofônico.
Carreira, esta, que exerceu a "duras penas". Sua primeira experiência foi num
Programa de Calouros, foi reprovado várias vezes, mas insistiu muito até ser
contratado.
Muitos anos se passaram, muitas dificuldades surgiram na vida de Adoniran
Barbosa, e, apenas em 1936 grava seu primeiro disco, cujo título é:
[...] Colúmbia no 8.171, lançado no mês de janeiro, com orquestração e
regência de seus parceiros, maestro José Nicolini. Gravou cantando um
samba cujo título era "Agora pode chorar", composição fraca, ainda no estilo
tradicional e que, por não acrescentar nada que merecesse aparecer,
ninguém tomou conhecimento, tornando-se mais uma tentativa frustrada para
Adoniran. Esse disco, entretanto, serve para comprovar que a voz dele era
boa e nada se assemelhava a rouquidão dos últimos tempos (GOMES, 1987,
p.14).
Ele foi casado duas vezes, primeiramente com Olga Rodrigues, seu
casamento durou aproximadamente 16 meses e dessa união nasceu apenas
uma filha, Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, que lhe deu um neto
chamado Alfredo. Com a separação a convivência com a filha no início foi
mais intensa, mas com o passar do tempo ele transferiu essa
responsabilidade para sua irmã e para o seu cunhado. Apesar de, também,
não ter convivido com o seu neto cotidianamente, Adoniran refere-se a ele da
seguinte forma: meu neto é lindinho. Está uma beleza. É o fim do mundo. Já
toca violão. Já fala errado..." (CAMPOS JUNIOR, 2004, p.546).
"Adoniran gostava de brincar e era extremamente habilidoso com as mãos.
Tanto que, mais velho, com mais tempo para ficar em casa, construiu uma
oficina nos fundos de casa e deu para inventar brinquedos. Fazia trens,
carros, carroças, bicicletas, tobogans com criancinhas escorregando,
carrocel, usando tudo que caía em suas mãos" (LINS; DINIZ, 2003, p. 30).
Porém em 1982, no último ano de vida, Adoniran Barbosa sofreu com um
enfisema pulmonar, que se agravava com o cigarro e a cachaça ou uísque.
Passou a se utilizar de nebulizador e bomba de oxigênio todos os dias. Em
conseqüência disso, alterou seus hábitos noturnos. Não perdera a calma
costumeira (era agitado, mas não violento) e nem o bom-humor, afirmando
que agora só realizava "boêmia vespertina". Na última vez que esteve
internado no Hospital São Luiz, segundo Campos Junior (2004, p.546) "[...] o
artista procurava não demostrar abatimento. Espirituoso, distribuiu apelidos
aos aparelhos hospitalares: os tambores de oxigênio eram Mercedão e
Mercedinho, o compressor era Romisetta, a máscara de oxigênio a Corneta e
o urinol o terrível Canhão de Navarone".
Fazendo referência as músicas do compositor e para finalizar o livro infantil Adoniran Barbosa de Juliana Lins e André Diniz, os autores sugerem:
"embarque nesse trem que sai agora às onze horas e vá ouvir o samba do
Arnesto numa das milhares de malocas espalhadas por aí. Mas cuidado!
Muito cuidado para não ser frechado para todo o sempre pela música de
Adoniran Barbosa".
Embarque você também !!!
Sugestão de Leitura:
CAMPOS JUNIOR, Celso de. Adoniran Barbosa: uma biografia. São Paulo:
Globo, 2004.
GOMES, Bruno. Adoniran, um sambista diferente. 2.ed. Rio de Janeiro:
Funarte, 1997.
LINS, Juliana; DINIZ, André. Adoniran Barbosa. São Paulo: Moderna, 2003.
O MEDIADOR DE LEITURA
[Junho/2007]
Esse tema tem me acompanhado por muitos anos... Ou será que sou eu que
o persigo há vários anos? Esse interesse pode ser explicado pela
preocupação que tenho em destacar a importância desse personagem
(mediador) nada vida de cada leitor. Eu defino mediador como aquele
indivíduo que aproxima o leitor do texto. Em outras palavras, o mediador é o
facilitador desta relação. E como intermediário de leitura, o mediador
encontra-se em uma situação privilegiada, pois tem nas mãos a possibilidade
de levar o leitor a infinitas descobertas.
Mas, quem pode mediar leitura? Afirmo com convicção que: os familiares, os
professores, os bibliotecários, os escritores, os editores, os críticos literários,
os jornalistas, os livreiros, os tradutores, os webdesigners, e até os amigos
que nos emprestam um livro ou indicam um CD-ROM e uma página literária
na Internet. Porém, os mediadores que mais se destacam são os familiares,
os professores e os bibliotecários; e estes precisam estar conscientes da
responsabilidade que têm.
Os familiares deveriam ser os primeiros mediadores de leitura, pois são os
primeiros elos da criança com o mundo; entretanto os pais e demais
membros da família, em geral, não têm a dimensão da influência que podem
exercer sobre as crianças, no sentido de motivá-las à leitura. Assim, aos pais,
em especial, cabe a tarefa de aproximar a criança do texto, pois o gosto pela
leitura “[...] deve ser adquirido no período em que se está ainda no processo
de aquisição da linguagem oral [...]”(POSTMAN, 1999, p.90). Ou seja, no
período em que as crianças estão mais flexíveis, inquietas, curiosas e
desejosas de aprender o novo; portanto, desprendidas de conceitos e
preconceitos, interessando-se em explorar tudo que está ao seu redor. Este é
um período em que se deve aproveitar para estreitar a convivência com o
texto literário; porém, infelizmente, nem sempre as condições econômicas do
brasileiro permitem a ele a inclusão do livro, de um CD-ROM ou da Internet
no orçamento familiar, resultando que a maioria passa toda uma vida, sem
nunca ter comprado sequer um jornal.
Desta forma, se a família não tem condições (econômicas e culturais) de
cumprir a tarefa de mediadora da leitura, as escolas, de maneira precária ou
de forma enriquecida, tentam fazer esta mediação.
Assim, o professor é encarregado compulsoriamente de aproximar o
educando da leitura; porém, é fundamental que ele faça esta mediação,
mostrando o texto como algo prazeroso e não como instrumento de avaliação
e tarefa. Além disto, se o professor não for [...] “crítico, sensível,
consciente e um bom leitor, jamais poderá passar o prazer do texto, literário
ou não literário” (JOSÉ, 1992, p.203). É preciso ler com gosto, porém, o que
acontece quotidianamente é que, muitas vezes, o professor não tem tempo
para refletir que o seu papel “[...] na intermediação do objeto lido com o leitor
é cada vez mais repensado: se, da postura professoral lendo ‘para’ e/ou ‘pelo’
educando, ele passar a ler ‘com’, certamente ocorrerá o intercâmbio das
leituras, favorecendo a ambos, trazendo novos elementos para um e outro”
(MARTINS, 1983, p.33).
E assim o leitor, além de se cumpliciar com o autor e os personagens, tem no
professor também um cúmplice; isto é, se o professor estiver disposto a
compartilhar com ele a leitura/as leituras.
Da mesma forma, esperamos que isto também ocorra com o bibliotecário.
Vou colocar nesta conversa a “voz” da minha querida amiga Maria Helena T.
C. de Barros, ex-orientadora do mestrado (ex? será que existe exorientadora?). Para ela “[...] mediar leitura, na biblioteca, significa fazer fluir
material de leitura até o leitor, eficiente e eficazmente, formando e
preservando leitores. Significa uma postura ativa, de acordo com uma
biblioteca moderna e aberta”.
Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um
desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de
leitura pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos
leitores de uma coletividade. Portanto, os mediadores interessados em uma
mediação eficiente, devem ser empáticos; para que posicionados no lugar do
outro (leitor), possam percebê-lo com maior nitidez.
E para terminar nossa conversa de maneira apetitosa, resgato a alegoria que
Paulo Freire faz a respeito da leitura e que serve como reflexão aos
mediadores:
Ler é como chegar a uma horta e saber o que é cada planta e
para que ela serve. Quem não sabe nada de “ler horta”, entra
dentro dela e só vê um punhado de plantas de mato. Um
monte de plantas diferentes, mas parecendo que é tudo igual.
Quem não aprender a “ler” a horta, a conhecer os seus
segredos, não sabe o que é cada uma, como é que se
prepara cada uma, com o que é que se come (BRANDÃO,
2005, p. 49).
E quem não ensina a ler a horta, como fica?
Resposta: perde tempo e não podemos perder tempo, precisamos cultivar a
terra brasileira!
Sugestões de Leitura:
BARROS, Maria Helena Toledo Costa de. Leitura do adolescente: uma
interpretação pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa
trienal. Marília: UNESP, 1995.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, o menino que lia o mundo:
uma história de pessoas, de letras e de palavras. São Paulo: Editora UNESP,
2005.
JOSÉ, Elias. Minando o terreno. In: CONGRESSO DE LEITURA DO
BRASIL, 8, 1991, Campinas. Anais... Campinas, 1992. p.201-204.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983.
POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro:
Graphia, 1999.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. O bibliotecário e a formação do leitor.
Leitura: teoria & prática, Campinas, v.6, n.10, p.5-10, dez. 1987.
Maio/2007]
No mês passado você conheceu duas garotas apaixonantes e apaixonadas por
leitura. E creio que tenha percebido que ambas são passionais. (Coitadinhas!
Não fale assim! Psiu!) Tá bom, eu vou sussurrar: elas são passionais, elas são
passionárias! Elas são passioneiras! Falo baixo, pois ser passional, no mundo
atual, para algumas pessoas é um grande defeito, quase uma doença a ser
tratada.
(Ainda sussurrando!) Há muito tempo venho defendendo o texto literário como
algo imprescindível em nossas vidas. Não desisto, acho que esta ainda é uma
tarefa gigantesca.
Esta conversa está te parecendo estranha? Está difícil de saber o que eu quero
dizer? Então vou voltar a falar alto: A CONVERSA NÃO É ESTRANHA NÃO! É
REAL! Pois ainda percebo no discurso de muitas pessoas a idéia equivocada
sobre a leitura literária transformar o leitor (em qualquer idade) em uma pessoa
ensimesmada, com dificuldade de relacionamento. Ainda é comum ouvir
quando alguém está com um livro nas mãos: “nossa um sol tão lindo lá fora e
você aqui lendo um livro?” ou “ler estraga os olhos, ler no sol então!”. Matilda a
minha nova amiga (personagem do livro – Matilda - Roald Dahl mesmo autor
da Fantástica Fábrica de Chocolate) escuta, com um livro nas mãos, em uma
de suas brigas com o pai, ele gritar: “vai procurar coisa mais útil para fazer”.
Considero ser estes, e outros conceitos semelhantes, sem fundamento, pois
acreditar que a leitura possa causar danos na formação da personalidade, à
saúde ou qualquer outra justificativa, é ter uma “visão estrábica” da vida.
Encontrar um texto é algo precioso, encontrar um bom texto então é uma
dádiva (presente, oferta).
Obviamente que “um bom texto” para mim, pode não o ser para outra pessoa,
ou vice-versa. Porém ele existe e assim que é lançado no “ar” (seja qual for o
formato) cria autonomia, cria vida e se desprende do autor, passando a ser reescrito pelo leitor no momento da leitura.
Um texto pode provocar no leitor “tantas emoções” (estou aproveitando essa
expressão pois o Roberto Carlos está em evidência na mídia e dessa vez não é
por causa de sua música, mas sim por causa de um texto. Roberto larga disso,
deixe o leitor ler! Autoriza Roberto!).
Polêmicas à parte, é notório na fala de muitos autores que se interessam pelo
ato de ler, a percepção apaixonada na relação leitor-texto.
Preciso contar que em geral durmo cedo, mas para conseguir matar a minha
sede de leitura, ando dormindo muito tarde. E foi na noite de ontem que
conheci o Daniel (11anos), personagem do livro – A sombra do vento. Outro
personagem encantador. Esse menino seguindo a recomendação do pai de
que quando chegasse pela primeira vez no “Cemitério dos Livros Esquecidos”
(local secreto em Barcelona) precisaria adotar um dos livros que ali se
encontrasse. Isso para garantir que o livro “nunca desapareça, que se
mantenha vivo para sempre”. Mas Daniel no momento da escolha tem a nítida
sensação de que não adotaria o livro, mas “o livro me adotaria”, e foi isso que
realmente aconteceu. A Sombra do Vento o adotou, esse “livro maldito que
mudará o rumo de sua vida e o arrastará para um labirinto de aventuras repleto
de segredos e intrigas enterrados na alma obscura da cidade”.
CONFIRA! É UM TEXTO ENVOLVENTE!
Esse envolvimento, essa reação do leitor ao encontrar um texto foi destacado
por Roland Barthes no livro O Prazer do Texto (ainda preciso me debruçar
sobre esta obra): “eu sei que são apenas palavras, mas mesmo assim...
(emociono-me como se essas palavras enunciassem uma realidade)”.
Desculpe-me, mas é impossível deixar de trazer para cá a voz de Alberto
Manguel:
[...] - e então vagamos a esmo naquelas
paisagens ficcionais, perdidos de admiração,
como dom Quixote. Mas, na maior parte do
tempo, pisamos em terra firme. Sabemos que
estamos lendo, mesmo quando suspendemos a
descrença; sabemos porque lemos mesmo
quando não sabemos como, mantendo em
nossa mente, a um só tempo, o texto e o ato de
ler. Lemos para descobrir o final, pelo prazer da
história, não pelo prazer da leitura em si. Lemos
buscando, como rastreadores, esquecidos de
onde estamos. Lemos distraidamente, pulando
páginas. Lemos com desprezo, admiração,
negligência, raiva, paixão, inveja, anelo. Lemos
em lufadas de súbito prazer, sem saber o que
provocou esse prazer. [...] E às vezes, quando
as estrelas são favoráveis, lemos de um único
fôlego, como se alguém ou algo tivesse
“caminhando sobre nosso túmulo”, como se uma
memória tivesse subitamente sido resgatada de
um lugar no fundo de nós mesmos – o
reconhecimento de algo que nunca soubemos
que estava lá, ou de algo que sentimos
vagamente, como um bruxuleio ou uma sombra,
cuja forma fantasmagórica ergue-se e instala-se
em nós sem que possamos ver o que é,
deixando-nos mais velhos e sábios (MANGUEL,
1997, p.340).
E por falar em velho, li outro dia num texto de Borralho e Viegas o pensamento
de Vicente Ferreira da Silva (que deve ser velho, pois a referência era de 1964.
Estou procurando o texto, pois é saudável gostar também de idéias velhas)
“Vicente Ferreira da Silva tinha razão quando nos alertava para o perigo de
sociedades eficazes e rentáveis feitas de gente triste e desajustada.”
AVE ALEGRIA! VIVA O TEXTO!
Sugestões de Leitura:
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1973.
BORRALHO, Maria Luisa Malato; VIEGAS, Ângela Maria Fonseca. Para uma
escola com masmorras e dragões – as estratégias do jogo de R.P.G. na sala
de aula.
DAHL, Roald. Matilda. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
ORTHOF, Sylvia. Ave alegria. São Paulo: FTD, 1989.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas:
Papirus, 1986.
ALGUNS LIVROS QUE LIDAM COM AS ANGÚSTIAS (QUASE INVISÍVEIS)
DA INFÂNCIA
[Maio/2006]
Uma Estória
Eu vou te contar uma história
agora atenção
que começa aqui no meio
da palma da tua mão
bem no meio tem uma linha
ligada ao coração
que sabia desta estória
antes mesmo da canção
dá tua mão, dá tua mão
dá tua mão, dá tua mão
Paulo Tatit
Sandra Peres (disco - Canções de
Ninar)
Puxando a linha dessa música, quero provocar uma reflexão a respeito da
afetividade durante a mediação da leitura. Em muitos casos, por inúmeros
fatores, o ato de mediar é meramente técnico e sem vida. Para que se possa
realmente formar leitores ávidos, são necessários, para o mediador, muitos
requisitos, entre eles: interesse e conhecimento prévio do texto, “curtir” a
atividade e empatia.
Avalio que o requisito mais difícil é a empatia, pois é de senso comum que
todas as crianças são felizes, portanto se interessam por todos os temas e
textos. Isso não é verdade e nem uma regra. Crianças são exigentes e mesmo
sendo da mesma idade, às vezes, se interessam por temas completamente
opostos, pois isso depende das experiências boas ou ruins que elas passaram
ou estão passando.
Assim, o conceito de infância feliz é relativo e para entender melhor essa
questão, sugiro a leitura da Antologia - “O mito da infância feliz”, organizado por
Fanny Abramovich. Nela os autores escancaram angústias que muitas vezes
passam despercebidas pela grande maioria dos adultos. Como exemplo,
extraímos dessa obra três depoimentos tristes e angustiantes:
“[...] eu devia ter uns seis anos. E, por essa época, o que eu mais tinha de
suportar eram uns apertões de moça nas minhas bochechas [...]: - Ai que olhos
lindos! Esse menino quando crescer...” (Paulo Afonso Grisolli).
ou
“Enquanto todos tentavam me convencer da minha felicidade, eu tinha ainda
que engolir Deus inteiro. A hóstia não podia tocar nem os dentes do canto da
minha boca. Era uma coisa sem gosto, branca, que me levava a desmaios
quando em jejum esperava pela missa das onze, e comungar pelas santas
mãos do padre” (Bartolomeu Campos Queiroz).
ou
“Quando ele começou a bater em mim eu mordi os dedos sem dar um grito, e
meu pai dizia: chora, seu vagabundo, chora. Mas eu não chorava, e como eu
não chorava ele batia mais [...] minha mãe chegou também gritando pára com
isso você vai matar o menino. Cala boca, sua égua, disse meu pai todo
vermelho, chora, seu vagabundo” (Luiz Fernando Emediato).
Bom, vou parar por aqui, pois o objetivo da Coluna é provocar reflexões e não
angústias. É ressaltar para o mediador de leitura que o encontro com um texto,
muitas vezes é um encontro “de si para consigo”, portanto é necessário que ele
se preocupe em escolher um texto de qualidade literária antes de apresentá-lo
as crianças.
Se preocupar também em atender as insistentes reivindicações – “lê de novo”,
“conta outra vez”, “só mais uma vez”, tentando perceber o valor de cada texto
para cada leitor.
Lamentavelmente os adultos, em geral, ainda não têm a dimensão da
importância do texto para as crianças, da afetividade no momento da leitura, do
afago no colo quente, da voz macia e dos braços acolhedores.
Pense nisso e comece a ler, primeiro para você, e depois para os outros.
E para começar listei a seguir alguns livros que tratam de separação, medo,
morte, envelhecimento, gravidez da mãe...
Título
A cristaleira
Um amigo para sempre
Nós
Eu vi mamãe nascer
Gorda e magra abracadabra
Coração conta diferente
Guilherme Augusto Araújo
Fernandes
Os rios morrem de sede
O menino e o pinto do menino
Homem não chora
Chora não...!
Paieê!
O dia de ver meu pai
Autor
Graziela Bozano
Hetzel
Marina Colasanti
Eva Furnari
Luiz Fernando
Emediato
Giselda Laporta
Nicolelis
Lino de Albergaria
Mem Fox
Wander Piroli
Wander Piroli
Flávio de Souza
Sylvia Orthof
Marcelo Pacheco
Vivina de Assis
Viana
Layla
Terezinha Alvarenga
O que está acontecendo comigo? Peter Mayle/Arthur
Robins/
Paul Walter
Quando meu irmãozinho nasceu
Walcir Carrasco
Um guri daltônico
Carlos Urbim
Palavra palavrinhas & palavrões
Ana Maria Machado
O tapa
Ciça
Quando eu comecei a crescer
Ruth Rocha
Tajá e sua gente
J.J.Veiga
Areia da grossa areia da fina areia May Shuravel
me faça ficar pequenina
Eu sou mais eu
Sylvia Orthof
De olho no escuro
Daniela Chindler
O gambá que não sabia sorrir
Rubem Alves
Editora
Ediouro
Quinteto Editorial
Global
Geração Editorial
Moderna
Scipione
Brinque-Book
Comunicação
Comunicação
Cultrix
Nova Fronteira
Quinteto Editorial
Comunicação
Miguilim
Nobel
Quinteto Editorial
Tchê
Quinteto Editorial
FTD
Nova Fronteira
Salamandra
FTD
Moderna
Salamandra
Loyola
Referência:
ABRAMOVICH, Fanny (Org.). Antologia: o mito da infância feliz. São Paulo:
Summus, 1983.
OS CONTOS DE FADAS E OS 200 ANOS DE ANDERSEN
[Agosto/2005]
(Sueli Bortolin e Rovilson José da Silva)
A coluna desse mês será composta de duas vozes, a minha e a do meu amigo
Rovilson (que também é colunista deste site). E essa conversa é a reprodução
de uma palestra que proferimos na Feira de Livro Infantis do SESC/Londrina no
mês de junho. O tema contos de fadas sempre esteve presente em nossas
vidas, pois somos contadores de histórias, mas ele recebe um tom especial por
se tratar de um dos autores mais importantes da literatura infantil universal Hans Christian Andersen.
Antes de dissertar a respeito de um autor muito apreciado por nós, gostaríamos
de lembrar que o ser humano sempre foi narrativo por natureza. Desde os
tempos imemoriais ele sentiu a necessidade de contar sobre si, sobre o que
via, o que sentia, exemplo disso é a pintura, ou escrita pictográfica e
ideográfica nas cavernas e paredes (ROCHA, 1992).
Sempre as famílias embalaram suas crianças com histórias cantadas. Histórias
foram e são inventadas pelos pais para que as crianças comam, vistam-se ou
tomem algum remédio. Há também a história da própria família... Cada família
tem uma história a ser contada. Cada história tem um tesouro a ser cultivado
para ser dividida e transmitida para a geração vindoura.
Os contos de fadas fazem parte dessas histórias antigas, transmitidas de boca
em boca, passadas de geração em geração. Eles fazem parte de uma herança
cultural que é conhecida como tradição oral. E como "quem conta um conto
aumenta um ponto" - os mesmos têm sido transmitidos ao longo dos séculos.
A estrutura dos contos de fadas, em sua maioria, possui príncipes e princesas,
reis e rainhas, castelos, bruxas, madrastas, anões, gigantes e heróis que
enfrentam perigo, magia e encantamento. É constante nos contos de fadas a
transformação dos seres e das coisas; o uso de talismãs e objetos mágicos
(lâmpada, varinha, luz azul, sangue); valores humanistas, morais, éticos (bem
versus mal) etc.
Hoje as crianças não crescem mais dentro da segurança de uma família
numerosa, ou de uma comunidade bem integrada. Por conseguinte, mais ainda
do que na época em que os contos de fadas foram inventados, é importante
prover a criança moderna com imagens de heróis que partiram para o mundo
sozinho e que [...] encontraram lugares seguros no mundo seguindo seus
caminhos com uma profunda confiança interior (BETTELHEIM, 1980).
Acreditando na importância desse gênero de literatura e na importância de
Andersen como produtor dos contos de fadas, optamos por falar a seu respeito
na coluna desse mês.
Hans Christian Andersen, nasceu na ilha Fiônia em Odensee na Dinamarca no
dia 2 de abril de 1805 (em sua homenagem é comemorado nesse dia, o Dia
Mundial do Livro Infantil).
Carvalho (1984) pesquisadora da história da literatura infantil comenta a
respeito do autor: "as regiões nórdicas, cheias de névoas e de sonhos,
guardavam o mistério de suas legendas, que tanto encantaram o menino
Andersen. Andersen adormecia embalado pelas velhas lendas do Norte,
contadas por seu pai. Muitas vezes visitava os abrigos dos pobres, para ouvir
de alguns velhinhos as extraordinárias estórias encantadas. Tudo isso povoou
sua alma de sonhos. Era de família pobre e humilde. Seu pai era um modesto
sapateiro, porém de acentuada vocação literária, estimulando no filho o gosto
que mais tarde veio torná-lo famoso. Durante a noite, enquanto trabalhava,
narrava ao filho belos contos, lia cenas de teatro, fábulas, etc.".
Sua mãe era uma lavadeira analfabeta, que acreditava em superstições e
magia. Quando seu pai morreu, Andersen tinha apenas 11 anos, ela sempre
demonstrava que não o amava e, para completar sua tristeza, casou-se
novamente. E ele acabou sendo criado pela irmã de um pastor (que era
chamado de "poeta", e que compreendia bem o jeito sonhador de Andersen).
Certo dia chega a sua terra natal uma Companhia de Teatro vinda de
Copenhague e ele, que queria ser ator, suplicou um papel até conseguir. Então
aos 15 anos vai para Copenhague, se sente novamente abandonado e lá sofre
muito. Pede apoio e assistência a um cantor lírico italiano chamado Siboni.
Mais tarde recebeu proteção de Jonas Collin e este, passou a subsidiar os
estudos até a universidade.
Seu talento começa a ser conhecido, e ele foi introduzido na casa da Família
Real (rei Frederico VI). Cada vez mais estimulado ele escreve mais contos e
estes lhe dão mais fama e reconhecimento.
Seu primeiro conto para crianças foi "O menino moribundo", escrito em 1827.
Depois deste, vieram mais 156, sendo os mais conhecidos: Patinho Feio, Os
novos trajes do Imperador ou A roupa nova do Imperador, João Pato ou João
trapalhão, O isqueiro mágico, O soldadinho de chumbo, A sombra, O rouxinol e
o Imperador da China, A pequena vendedora de fósforo, A pastora e o limpador
de chaminés, Nicolau grande e Nicolau pequeno ou João grande e João
pequeno, A pequena sereia ou Sereiazinha, Os cisnes selvagens, Pequetita, O
sino, O companheiro de viagem, O homem de neve, João e Maria, O sapo, O
pequeno Tuque, A menina que pisou no pão, O pinheirinho, A gota d'água, As
galochas da felicidade, As flores da pequena Ida, Tininha, Tommelise, A colina
dos Elfos, A verdade verdadeira e A rainha da neve.
Sem ter a pretensão de nos aprofundar, pelo contrário, apenas com a intenção
de fazer uma provocação para uma possível leitura, apresentamos no quadro a
seguir, algumas considerações retiradas de análises existentes em diferentes
obras.
Título do Conto
Abordagem
A gota d'água
As galochas da felicidade
As flores da pequena Ida
Sátira, ironia sutil.
Sapatinhos vermelhos
A sereiazinha ou A pequena sereia
Aborda o amor de maneira lírica e
trágica (amor ideal, edificante,
verdadeiro).
O Pinheirinho
Tininha
O vício não é corrigido e nem a
virtude é premiada, demonstra,
porém que devemos ter virtudes.
O patinho feio
Esse personagem é a
representação da própria vida de
Andersen (desprezado pela mãe,
pelos colegas da escola) tem que
fugir para longe e amadurecer
sozinho.
A pastora e o limpador de chaminés
Faz uma critica a desigualdade de
classes.
A pequena vendedora de fósforo
Valoriza as qualidades interiores
das pessoas.
O soldadinho de chumbo
O homem de neve
Aponta as situações precárias da
vida.
O rouxinol e o Imperador da China
Defende que a natureza é superior
às coisas artificiais da vida.
O pequeno Tuque
Os cisnes selvagens
Sugere a necessidade de
resignação perante os problemas
da vida.
A roupa do Imperador ou O novo
traje do Imperador
João grande João pequeno ou
Nicolau grande e Nicolau pequeno
Faz uma critica o ato de enganar
os outros
A menina que pisou no pão
Condena a arrogância e a
maldade.
Andersen parou de escrever apenas três anos antes de sua morte. Morreu em
1875 aos 70 anos, quando doou sua fortuna para as crianças abandonadas ou
pobres. "Andersen é filho do povo, a sua experiência é vivida e sentida:
ninguém foi mais sincera e verdadeiramente povo do que Andersen"
(CARVALHO, 1984).
Sugestões de Leitura
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 7.ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica e
crítica. 3.ed. São Paulo: Global, 1984.
ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O livro da escrita. 9.ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1992.
Sugerimos ainda a leitura da Coleção "Era uma vez... Andersen", publicada
pela Editora Kuarup de Porto Alegre.
PAI, ME CONTA UMA HISTÓRIA? Quem, eu!?
[Maio/2005]
As pessoas que me conhecem sabem que, para mim, contar histórias é uma
terapia, pois essa atividade desenvolvo com muita alegria e prazer.
Numa conversa com um pai interessado em contar histórias aos seus filhos,
ele me perguntou:
- "Por que não é comum um pai contar histórias?"
A minha resposta poderia ser superficial e tender para as corriqueiras
respostas - "a mulher é mais maternal e isso combina com as histórias...",
mas parei e de repente começou a passar um filme em minha cabeça.
Lembrei-me da minha infância, do meu avô em sua charrete, e do meu pai
em sua bicicleta, contando histórias.
Voltei aos diferentes encontros com escritores que promovi e estava lá, entre
outros, o Luis Camargo e Hardy Guedes, contando histórias.
Recordei-me que na história das bibliotecas infantis brasileiras, consta que as
crianças cercavam Monteiro Lobato para ouvi-lo contar histórias que escrevia.
Lembrei-me do meu amigo Rovilson José da Silva nas escolas municipais em
Londrina, narrando inesquecíveis histórias.
Em seguida imaginei o Oswaldo Francisco de Almeida Junior (mantenedor
deste site) inventando histórias com seus filhos (há mais de 20 anos) pelas
ruas de São Paulo, de personagens que saiam das rachaduras das calçadas
(essa história foi ele que me contou).
Imaginei também o meu oftalmologista William Procópio dos Santos contando
histórias para seus filhos fazendo sombras na parede do quarto (essa história
ele me contou há muito tempo).
De repente, como num passe de mágica voltei em 1998 quando iniciei meu
mestrado em Marília e via meu amigo Paulo Henrique Coiado Martinez, todas
as noites, contando histórias para a pequena Mariana (isso mesmo, a garota
que escreveu o texto comigo no mês de janeiro).
Nesse instante percebi que ele, o Paulo Henrique, pode mais do que eu
responder a pergunta que me foi feita:
"- Por que não é comum um pai contar histórias?"
Assim, a coluna desse mês será uma entrevista com um pai contador de
histórias e esperamos que ela (a coluna) e ele (o pai) possam motivar outros
homens a entrarem no saudável mundo de histórias, fantasia e imaginação.
SUELI: Contaram histórias para você na infância?
PAULO: Histórias de livro, propriamente, não. Minha família é grande (somos
em dez irmãos) e meu pai foi um grande contador de "causos", sempre
narrando fatos extraordinários que, geralmente, teriam ocorrido com ele. Mas
eram histórias contadas à mesa, com toda a família reunida ou então quando
tínhamos visitas. Que eu me lembre, meu pai nunca contou histórias
exclusivamente para mim, como na hora de dormir, por exemplo. Eu sou
quase a "rapa do tacho" e eram minhas irmãs, e não meus pais, que
cuidavam de mim e de meu irmão mais novo. Passei a maior parte da
infância na área rural e minhas irmãs contavam muitas histórias orais, do
folclore ou dos contos de fadas (do jeito que elas lembravam, eu acho), pois
não tínhamos acesso a livros. A maioria das histórias, porém, eu ouvia
sozinho, através de uma "vitrola". Não sei a qual dos meus irmãos pertencia,
mas havia em casa uma "vitrola" (vermelha, eu acho), daquelas portáteis, se
não me engano modelo "Sonata", e uma boa quantidade de discos de
histórias infantis, da série "Disquinho" (que foi relançada recentemente em
CD) e alguns discos antigos, tipo Long Play, daqueles pesadões de 78 rpm.
Havia a história do Junco e o Carvalho, da Formiguinha e a Neve, do Burro e
o Grilo, Peter Pan, entre outras. Eu me lembro até hoje do prazer que essas
histórias me davam, bem como o pavor que eu sentia ao ouvir a história do
Barba Ruiva. Todas as noites uma de minhas irmãs me punha para dormir,
ligava a vitrola e me deixava no quarto ouvindo as histórias.
SUELI: O que motivou você a contar histórias?
PAULO: Primeiro, porque eu gosto. Não sou um grande contador de "causos"
como meu pai, apesar de já ter contado para a Mariana a maioria das
histórias que ouvi dele e outras que aconteceram comigo (juro!), mas minha
imaginação e memória não são tão prodigiosas como as de meu pai, por isso
tenho que recorrer mais aos livros. Ademais, eu acho importante esse tipo de
contato entre pais e filhos. Você cria uma cumplicidade e consegue estimular
na criança a imaginação e o hábito da leitura de forma natural. É lógico que
demanda muito boa vontade, pois não é todo dia que você está a fim de
contar histórias. Mas o resultado é compensador. Eu tenho duas filhas, a
Mariana, com oito anos e pouco, e a Paula, com um ano e pouco. A Mariana
já foi infectada pelo vírus da leitura, tanto que quando a gente vai passear no
Shopping (aqui em Marília também tem, viu!?), o local preferido dela é a
livraria. Ela dificilmente pede para comprar brinquedos ou roupas, mas é raro
o dia que ela não peça um livro. O maior castigo que podemos impor-lhe é
colocá-la para dormir sem ouvir ao menos uma história. Ela diz não saber
ainda qual outra profissão terá, mas escritora será com certeza. A Paula, pelo
jeito, vai pelo mesmo caminho. Ela já tem seus próprios livros (repassados
pela Mariana, após criteriosa e bem cuidada seleção) e adora ficar olhando
as figuras e "adivinhar" qual virá na próxima página. Ela imita os sons dos
animais e objetos e aceita ficar pacientemente deitada na cama ou no tapete
observando as ilustrações. Acho que estamos cumprindo bem nossa missão.
SUELI: Você começou a contar histórias apenas após o nascimento da sua
primeira filha?
PAULO: Não. Acho que aprendi a gostar de contar histórias para crianças
com a Marisa (para quem não nos conhece, a Marisa [Luvizutti] é minha
esposa). Desde a época de namoro ela esteve envolvida com literatura
infantil (com certeza por influência de uma chefe "chatíssima" que ela teve no
SESC: você). Nós sempre gostamos de ler, e como temos muitos sobrinhos,
passar a contar histórias para eles foi uma coisa natural. A Marisa, inclusive,
tinha muitos livros infantis que ela adquiriu para "consumo próprio", que
depois foi repassando para a sobrinhada e para a Mariana. Era muito gostoso
realizar atividades culturais com as crianças da família. Chegamos inclusive a
fazer teatro de fantoches, com palco construído de caixa de geladeira e tudo.
SUELI: Há algum segredo para ser um contador de histórias? É preciso fazer
um curso?
PAULO: Eu não sou propriamente um contador de histórias, sou mais um
leitor em voz alta. A Mariana, inclusive, não deixa muita margem para minha
"verve criativa", pois quando estou lendo histórias, ela não gosta sequer que
eu altere o tom de voz de acordo com o personagem, por exemplo. Agora,
nas histórias orais, acho que é necessário um pouco de jeito, sim, porque
senão a história fica sem graça e a criança perde o interesse. Eu acho
recomendável que as pessoas que tenham interesse em realmente contar
bem uma história façam um curso de "contação". Há muitas pessoas sem o
mínimo "senso de noção" que não se tocam que são sem graça e não
entendem porque não agradam as crianças. Posso inclusive recomendar uma
ótima "dadeira" de cursos: você. Tem gente que nasceu para a coisa mesmo,
e os outros devem se espelhar.
SUELI: Como você escolhe o livro/história que irá ler/contar?
PAULO: Felizmente, temos uma amiga que é especialista em literatura infantil
e que muito nos ajuda na tarefa de selecionar bons livros para as crianças
(novamente: você!). Eu acho que, além de buscar informações sobre bons
autores com quem entende do riscado, tem que haver uma empatia entre o
contador e o livro. O livro infantil deve ter um texto inteligente, que instigue a
imaginação e a curiosidade das crianças. Eu procuro, sempre que possível,
respeitar os gostos da Mariana, e somente "sugiro" que ela escolha outro
título quando considero o livro muito ruinzinho.
SUELI: Eu conheço você há muito tempo. Sei que é um homem com os "pés
no chão", mas para ser contador de histórias é necessário ter a "cabeça nas
nuvens"? Isso é mentira ou contradição?
PAULO: Não é mentira nem contradição - é um paradoxo. Acho que a leitura
permite que a gente ande nas nuvens, sem sair do chão. Não podemos nos
afastar da realidade, mas através da leitura podemos encontrar um "resting
place", uma boa válvula de escape para as agruras do cotidiano. Quando a
gente conta uma história deve se permitir "viajar" por outras paragens e
embarcar, junto com o ouvinte, nas aventuras narradas, caso contrário não há
sentido em se abrir um livro. Eu gosto muito de literatura infantil e, muitas
vezes, me empolgo tanto que continuo lendo o livro mesmo depois que a
Mariana adormece (principalmente as histórias do Monteiro Lobato).
SUELI: Qual sua opinião a respeito do homem deixar, prioritariamente, para a
mulher contar histórias? Ou isso não ocorre?
PAULO: Acho que essa pergunta está diretamente relacionada com a
pergunta seguinte. Em casa não ocorre tal fato (eu sou muito bem mandado).
Sempre que possível eu faço questão de contar histórias para as crianças.
Mas acho que isso existe, sim. Talvez pelo fato de a mãe dar banho na
criança, trocá-la e colocá-la para dormir, acabe sendo determinante para que,
na seqüência, a própria mãe conte a história para a criança dormir. Além é
claro, de que muitas vezes a própria criança tem preferência pela mãe.
SUELI: A última frase do livro - "Se as coisas fossem mães" de Sylvia Orthof,
é assim: "tem até pai que é 'tipo mãe' - esse, então é uma beleza". Qual sua
opinião a respeito disso? Será que pai contador de histórias tem que ser "tipo
mãe" ou isso é preconceito?
PAULO: Eu acho que essa frase encerra uma realidade. A base cultural da
nossa sociedade é o patriarcalismo e ainda existem homens babacas que
acham que contar histórias e trocar fraldas não é papel de macho. Felizmente
essa mentalidade está mudando. Hoje em dia, há muitos casais que
conseguem dividir de forma equilibrada os afazeres e responsabilidades
domésticos, tornando bem mais fluida essa divisão do papel da mãe e do pai.
Os pais estão mais participativos e as mães mais "mandonas". Eu me
considero um pai "tipo mãe", assim como considero a Marisa uma mãe "tipo
pai", sem que deixemos, com isso, de conservar para nossas filhas os
referenciais masculino e feminino. Na minha concepção, as tarefas, diversão
e obrigação devem ser divididas. Eu me sentiria extremamente frustrado se
tivesse participado menos na criação e educação de minhas filhas.
Atualmente vivo esse drama, porque moro em Marília e trabalho em São
Paulo. Fico fora de segunda a quinta e não posso dedicar à minha família o
tempo que eu gostaria e elas merecem. Em contrapartida, e, em função de
minha ausência, a Marisa acaba assumindo, em muitos casos,
responsabilidades que poderiam ser consideradas exclusividade do "homem
da casa". São as vicissitudes da modernidade.
Voltando a questão - "Por que não é comum um pai contar histórias?",
fico boquiaberta e emocionada com as respostas do Paulo Henrique e
confesso que não sei "arrematar" esse texto e, então pergunto "Será que é
preciso?"
Um beijo e Boa Leitura para você que é mãe (maio mês das mães) e para
você que é pai do "tipo mãe".
Sobre Sueli Bortolin
HORA DA HISTÓRIA: toda criança merece
[Dezembro/2004]
Silvia Bortolin Borges
Sueli Bortolin
Ter certeza nós não temos, mas possivelmente o nosso interesse pela
linguagem oral, seja influência da nossa "nona" italianíssima que morou
conosco até morrer aos 85 anos. Ela diariamente rezava o seu terço, horas e
horas em voz alta, misturando palavras em italiano, latim e portuguêsabrasileirado.
Agora uma certeza nós temos: as palavras e seus significados têm exercido
um fascínio constante em nós. Outro dia, por exemplo, em um evento, uma
professora, se referindo ao seu trabalho com leitura na escola, disse: - "gostei
tanto do livro que achei que os meus alunos mereciam conhecê-lo". Desse
dia em diante o verbo merecer passou a ser um "hóspede" em nossas
cabeças, provocando a seguinte reflexão: merecer é muito mais que ter
direito. Ter direito é uma conquista, mas merecer, vai além, é ganhar um
presente, um prêmio. E sem dúvida, toda criança merece ouvir histórias, toda
criança merece "conviver" com textos literários, toda criança merece ter
acesso à leitura.
E para falarmos de leitura, nos reportaremos a algumas lembranças de
infância. Por sermos filhas de mãe-tricoteira, tivemos inúmeros momentos em
volta do tricô, com uma mãe-leitora que tecia seus pontos e lia, tecia seus
pontos (um ponto tricô e um meia)(1) e lia. Lia fotonovelas com a mesma
agilidade que tecia. Contava histórias com a mesma agilidade que tricotava.
Acreditamos que cenas como estas pode explicar o nosso interesse em tecer
histórias: ouvindo, contando e criando.
Pensando nos novelos de lã que estiveram presentes em nossas vidas, nas
suas diferentes marcas e matizes, acabamos criando uma alegoria entre o
ato de ler e o novelo de lã.
Para quem não sabe ou nunca observou como uma tricoteira tricota,
precisamos explicar que nunca o fio do novelo deve ser puxado do lado de
fora, pois isso pode causar um grande embaraço. O fio deve sair de dentro,
porque só assim há uma garantia de tecer com êxito.
Assim acontece com a leitura, o "fio do desejo" deve vir de dentro para que
com ele possamos tecer a nossa trajetória de leitor. Na fase adulta somos
influenciados, em nossas leituras, por um amigo e mais fortemente pela
mídia. Na infância, porém, é necessário que a criança esteja rodeada de
diferentes mediadores, entre eles: familiares, professores, bibliotecários,
artistas, ou seja, por aqueles que saibam puxar o fio condutor de sua leitura.
Preocupadas com isso, nos últimos anos, estamos nos empenhando em
ocupar espaços para discutir a mediação da leitura, a contação de histórias e
outros temas afins. Priorizamos, porém, essa discussão no âmbito da escola
com professores, por considerar a infância o período mais profícuo para isso
e, portanto, os professores não podem perder essa oportunidade.
No contato com esses professores comumente ocorre o seguinte
questionamento: que ações realizar para a mediação da leitura? A resposta
está sempre pronta: inúmeras, mas a mais importante é a reserva de um
tempo diário para se contar histórias e tecer fantasias. Semelhante a "febre"
do último inverno, as rodas de tricô para se tecer cachecóis e conversas,
desejamos que haja uma "epidemia" de rodas de histórias.
Contar histórias é uma arte, uma das mais antigas e apesar das inovações na
forma de narrar os textos, continua tendo na sua essência a preocupação de
trabalhar a afetividade, a emoção e o imaginário do ouvinte.
Outro questionamento muito comum na escola é: o que fazer após a Hora da
história? Primeiro não há uma obrigatoriedade de sempre se fazer alguma
atividade após ouvir uma história, pelo contrário, a história ouvida sem o
compromisso posterior de tarefas, tende a propiciar maior prazer permitindo à
criança a expressão oral. No caso da realização de atividades é importante
que o professor se preocupe em diversificá-las para que não torne a Hora da
História num momento rotineiro, desinteressante e sem novidades.
Finalizando, vamos nos apoderar das idéias de Abramovich (1989, p.17)
quando afirma que
É ATRAVÉS DUMA HISTÓRIA QUE SE PODEM DESCOBRIR OUTROS
LUGARES, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra
ótica... É ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem
precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de
aula... Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a
ser Didática, que é outro departamento (não tão preocupado em abrir as
portas da compreensão do mundo) (grifo da autora).
Concordamos integralmente com a autora e defendemos que o fato de ouvir
histórias e entrar para o mundo da imaginação amplia a possibilidade das
crianças se transformarem em adultos saudáveis.
Agora convidamos você professor, a tricotar conosco o sonho de ampliar o
número de leitores em todas as escolas, utilizando o mesmo ritmo de nossa
mãe, que tricotava (um ponto tricô e um meia) e lia. Contava histórias e
tricotava (um ponto tricô e um meia). E assim, entrelaçados arrematamos
este texto, palavra esta que tem origem do latim textu e significa tecido.
Nesse contexto um tecido que foi tricotado com um fio puxado de dentro do
novelo, o novelo de nossa memória de infância. Ponto final.
SUGESTÃO DE LEITURA
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:
Scipione, 1989.
COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática,
1986.
Notas
Sobre este artigo: Trecho de texto apresentado na Semana de Educação UNIFIL - 2004.
1 - Um ponto tricô e um meia, essa era a linguagem que ela usava para nos
ensinar fazer um ponto chamado sanfona.
Sobre Sueli Bortolin
Mestre em Ciências da Informação pela UNESP/ Marília - Professora do
Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Diretora da
Biblioteca Central da UEL - Presidente da ONG Mundoquelê.
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, BIBLIOTECAS E BIBLIOTECÁRIOS: UMA
RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO
[Fevereiro/2003]
Infelizmente, tanto no Brasil como em muitos outros países, as histórias em
quadrinhos foram, durante muito tempo, consideradas materiais de segunda
ou terceira categoria por parcelas influentes da sociedade. Em geral, pais e
educadores achavam que elas representavam uma ameaça ao
desenvolvimento intelectual de seus filhos e alunos, colocando-as no
ostracismo e considerando-as culpadas por todos os males do mundo. Não é
de surpreender, portanto, que estas tenham encontrado sempre enormes
dificuldades para adentrar as portas das escolas de primeiro, segundo e
terceiro graus, bem como das bibliotecas a elas ligadas.
No caso das universidades, a exclusão dos quadrinhos ocorreu em função de
sua presumida falta de importância como objeto de estudo científico:
raríssimos pesquisadores pareciam considerá-los digno de sua atenção, o
que barrava sua entrada nas bibliotecas universitárias e de pesquisa. Por
outro lado, no âmbito das instituições de informação dirigidas ao público em
geral e naquelas que visavam apoiar o processo educativo básico e
secundário - as bibliotecas públicas e as poucas bibliotecas escolares
existentes no Brasil -, seu ingresso foi vetado pelo enorme estardalhaço que
seus opositores geralmente costumavam fazer contra eles, manifestando-se,
às vezes de maneira agressiva, quando surgisse a mais remota possibilidade
de colocá-los à disposição do público por intermédio de instituições culturais
mantidas pelos cofres governamentais.
No entanto, falar da oposição da sociedade não é o suficiente para explicar o
afastamento das histórias em quadrinhos do acervo das bibliotecas
brasileiras. É preciso também reconhecer que os responsáveis por essas
instituições - que talvez pudessem ter exercido influência decisiva para
reverter esse fato -, também não estiveram neutros no processo. Algumas
vezes de maneira deliberada e consciente, outras por simples inércia, muitos
responsáveis por bibliotecas se recusaram a selecionar os quadrinhos para
elas por entenderem que eles não se adequavam aos critérios de qualidade
que haviam definido para seus acervos.
Por outro lado, nem todos os profissionais de biblioteca que se colocaram
contrários à inclusão dos quadrinhos em seus acervos estavam mal
intencionados. Muitos deles estavam convictos do acerto de sua posição e
em sua defesa é possível afirmar que eles também eram tão influenciados
pelas idéias dominantes na sociedade quanto as pessoas a que serviam. No
entanto, se acusá-los de atos conscientes de discriminação contra os
quadrinhos pode parecer exagero, é possível pelo menos criticá-los por não
terem questionado as premissas com que atuavam e de pouco se terem
preocupado em contrastá-las com a realidade. Como profissionais,
esqueceram-se de que tinham a responsabilidade social de, pelo menos,
tentar desafiar as idéias dominantes na sociedade, analisando sem
preconceitos todos os materiais de informação disponíveis para seu público e
colocando-se acima das visões estereotipadas dominantes em seu meio
social. Ao deixarem de fazê-lo, comprometeram-se eticamente e perderam a
oportunidade de ocupar a vanguarda das inovações culturais de sua época. E
nunca deram conta disso, coitados...
As resistências de educadores, pais e principalmente dos bibliotecários em
relação às histórias em quadrinhos e aos demais meios de comunicação de
massa diminuíram à medida que a sociedade passou a ver todos esses
meios com outros olhos. Entretanto, as barreiras contra elas, enquanto
alternativas de leitura e informação diferentes do livro tradicional, não
desapareceram de forma automática. Mesmo hoje, seria temeridade afirmar
que as revistas e outras modalidades de histórias em quadrinhos já podem
ser facilmente encontradas nas bibliotecas brasileiras. Infelizmente, aquelas
instituições que as incorporam cotidianamente a seus acervos parecem
constituir muito mais a exceção do que a regra no cenário nacional. E,
mesmo no caso dessas exceções, pode ainda acontecer que os quadrinhos
recebam um "tratamento" diferenciado, discriminatório mesmo, em relação a
outros materiais:





eles não são incorporados de forma definitiva ao acervo, sendo
encarados como material totalmente descartável, não merecedor de
qualquer iniciativa visando a sua preservação e conservação;
enfrentam total despreocupação com o estabelecimento de critérios
objetivos para sua seleção, todos os produtos quadrinhísticos sendo
considerados essencialmente iguais entre si pelos bibliotecários;
são objeto de excessivas restrições financeiras para sua aquisição em
base regular, a eles não se destinando qualquer verba para compra de
revistas ou álbuns de quadrinhos e sendo considerados como
alternativa para o acervo apenas quando oferecidos em doação, sem
ônus institucional direto (em geral, muitos bibliotecários aplicam às
histórias em quadrinhos a velha máxima: "de graça, até injeção na
testa"...);
os quadrinhos são destinados apenas para uso de categorias
específicas de usuários, como crianças ou estudantes de primeiro e
segundo graus; alguns funcionários de biblioteca assumem até mesmo
uma atitude desdenhosa quando algum adulto se interessa por revistas
em quadrinhos;
utilização das histórias em quadrinhos como chamariz para a leitura de
livros, classificadas como uma espécie de concessão dos profissionais
do livro (os bibliotecários) a uma leitura menos nobre (os gibis).
E essas são apenas algumas das desventuras que as histórias em
quadrinhos podem eventualmente enfrentar. Muitas outras poderiam ser aqui
relacionadas, é claro. No entanto, as acima apontadas parecem suficientes
para dar uma idéia do ambiente que cerca as histórias em quadrinhos na
maioria das bibliotecas brasileiras, principalmente as públicas e escolares.
Felizmente, essa situação vem aos poucos se modificando, tanto no Brasil
como no exterior. É claro que ainda falta muito para uma reversão total de
expectativas: o número de bibliotecas que atualmente considera as histórias
em quadrinhos como materiais que devem compor uma parte especial de seu
acervo - ou seja, merecendo atenção privilegiada em relação aos demais, de
modo a possibilitar a seus clientes usufruir todos os benefícios que eles lhes
podem oferecer -, ainda é bem menor do que o necessário para se atingir
uma reviravolta em termos de mudança de postura. No entanto, é fácil
comprovar que ele vem crescendo ano a ano. Isso pode levar aqueles que
têm o otimismo como defeito genético - como é o meu caso -, a acreditar na
possibilidade de que o futuro poderá ser diferente no que diz respeito à
relação tumultuada que os bibliotecários tradicionalmente tiveram com os
quadrinhos. Quem viver, verá.
Nos Estados Unidos, como lembra Randall W. Scott em seu livro Comics
librarianship: a handbook (Jefferson : McFarland, 1990), várias bibliotecas
universitárias possuem coleções especializadas de quadrinhos, entre as
quais podem ser destacadas as das universidades de Ohio, Michigan,
Bowling Green e Kent. São coleções enormes, compostas por revistas e
álbuns, bem como por desenhos, tiras ou páginas originais obtidos por
doações dos próprios autores de quadrinhos ou de seus herdeiros. Todos
esses materiais recebem tratamento altamente cuidadoso, sendo objetos de
cuidados especiais quanto a sua conservação, tratamento técnico
especializado e utilização pelos pesquisadores. Um modelo para o mundo.
No Brasil, embora o país tenha sido o primeiro a introduzir uma disciplina
específica sobre o tema em curso de graduação (na Universidade de Brasília,
na década de 70) e a organizar um curso de especialização exclusivamente
sobre esse assunto (na Universidade de São Paulo, já nos anos 90), parecem
ainda contar-se nos dedos de uma única mão as instituições de ensino
universitário que possuem grupos de pesquisa formalmente dedicados às
histórias em quadrinhos. Na Universidade de São Paulo, talvez a grande
exceção no panorama brasileiro, o Núcleo de Pesquisas de Histórias em
Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes
(http://www.eca.usp.br/gibiusp/) existe há mais de 10 anos, realizando uma
série constante de atividades, projetos de pesquisa, eventos e cursos
relacionados com as histórias em quadrinhos; o Núcleo conta, inclusive, com
um acervo especializado na área, com cerca de oito mil revistas e álbuns de
quadrinhos nacionais e estrangeiros, destinado a dar suporte aos trabalhos
de seus pesquisadores e alunos.
Entretanto, no âmbito das bibliotecas públicas, a situação já é um pouco
diferente, tendendo favoravelmente para o lado brasileiro. Isto aconteceu
principalmente a partir do advento e atuação das chamadas gibitecas, uma
criação genuinamente brasileira, que merece todo o destaque que a elas
possa ser dado. Mas isso é assunto para um outro dia.
Sobre Waldomiro Vergueiro
Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na
Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de
Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de
Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros
na área.
AS GIBITECAS: um espaço privilegiado para a leitura e difusão de
histórias em quadrinhos no Brasil
[Março/2003]
Até alguns anos atrás, pode-se dizer que o espaço e a atenção destinados às
histórias em quadrinhos nas bibliotecas públicas brasileiras eram, em geral,
bastante precários. Quando presentes nessas instituições, às publicações em
quadrinhos era costume dar-se o mínimo tratamento técnico possível,
contentando-se a maioria dos profissionais em colocar as revistas em cestas
ou espalhá-las por cima de mesas, para deleite dos pequenos leitores
(adultos lendo histórias em quadrinhos? Nem pensar...). De uma certa forma,
parece que os bibliotecários em particular - e a sociedade a que eles serviam,
de uma maneira geral -, entendiam que, como profissionais, não podiam
perder seu precioso tempo de trabalho catalogando, classificando,
organizando, restaurando, enfim, fazendo todas aquelas coisas meio
esdrúxulas que os bibliotecários costumam normalmente fazer quando
preparam os materiais monográficos para uso do seu público. Desta forma,
os quadrinhos ficavam com sobras de atenção e cuidado. E que se dessem
por satisfeitos com isso.
Felizmente, a situação começou a sofrer algumas mudanças de vinte anos
para cá. A sinalização para a mudança de postura nas bibliotecas públicas
começou a ser dada pela criação da primeira Gibiteca no Brasil, um
neologismo que buscava nomear uma biblioteca especialmente dedicada à
coleta, armazenamento e disseminação de histórias em quadrinhos. Ela
surgiu na cidade de Curitiba, em 1982, sendo instalada em uma fundação
cultural da capital paranaense. Tratava-se de uma iniciativa de desenhistas e
amantes dos quadrinhos, que almejavam divulgá-los entre a população e, ao
mesmo tempo, ter um espaço para discussão, cursos, palestras, exposições
e eventos ligados às histórias em quadrinhos no país.
A criação da Gibiteca de Curitiba representou o surgimento da primeira
instituição no país batizada com esse nome, um termo diretamente derivado
da forma como as revistas de histórias em quadrinhos são tradicional e
carinhosamente referidas no país - gibi, nome de uma famosa e popular
revista das organizações O Globo, publicada de 1939 a 1950. Assim, com o
surgimento dessa Gibiteca, cunhava-se o termo genérico para denominar
qualquer biblioteca ou espaço institucionalizado que colocasse as histórias
em quadrinhos como o centro de sua prática enquanto serviço de informação
e que iria passar, a partir de então, a ser amplamente utilizado em todo o
país.
Durante um bom tempo, a Gibiteca de Curitiba constituiu uma iniciativa
isolada, fruto do interesse de um grupo de idealistas e amantes das histórias
em quadrinhos. Embora jamais tenha estado inserida no âmbito de um
serviço de informação tradicional e nem tenha contado com um bibliotecário
para gerenciá-la, uma situação que ainda persiste, isso não impediu que ela
se tornasse o ponto central de uma intensa atividade cultural, indo muito além
de uma coleção especializada. Em torno dela foi e continua a ser realizado
um variado número de exposições, cursos sobre a arte dos quadrinhos e
como fazê-los profissionalmente, palestras e atividades das mais diversas
que buscam dar às histórias em quadrinhos um status privilegiado dentre os
meios de comunicação de massa; ao mesmo tempo, a Gibiteca de Curitiba
conseguiu, também, constituir um considerável acervo de revistas e desenhos
originais, fruto principalmente de doações provindas de autores e
colecionadores da cidade e de outras regiões do país.
Talvez em função do sucesso da Gibiteca de Curitiba, ou mesmo por pressão
dos usuários que, cada vez com maior freqüência, passaram a solicitar
histórias em quadrinhos nas bibliotecas públicas, aos poucos alguns
responsáveis por essas instituições no país também começaram a criar
espaços específicos para elas. Na maioria das vezes, tratou-se de iniciativas
isoladas de profissionais que encaravam os quadrinhos de uma maneira
diferente da de seus colegas, tendo se interessado por eles anteriormente
mesmo à época da graduação, por um ou outro motivo. Assim, com ou sem o
apoio de seus superiores, selecionaram e organizaram acervos de revistas de
histórias em quadrinhos e os disponibilizaram para seu público.
Na maioria das vezes, os bibliotecários ou os funcionários de bibliotecas
responsáveis pelo desenvolvimento dessas gibitecas tiveram que
fundamentar a constituição do acervo em doações obtidas junto à
comunidade, ao mesmo tempo em que buscavam realizar atividades visando
atrair usuários e criar um ambiente que pudesse garantir não apenas a
simpatia, mas também o apoio da população a esse novo tipo de acervo.
Muitas vezes, tratava-se de pequenas salas onde duas ou três estantes
contendo revistas em quadrinhos eram colocadas, permitindo-se o acesso
dos leitores e até mesmo realizando-se o empréstimo de revistas para uso
domiciliar. Entre as diversas gibitecas que surgiram dessa forma, pode-se
destacar a atividade pioneira organizada na biblioteca pública da cidade de
Londrina, também no Estado do Paraná. No caso dessa iniciativa, entretanto,
a denominação escolhida pelos bibliotecários para nomear o serviço ou
acervo de quadrinhos existente na seção infantil foi a de gibilândia, buscando
atrair as crianças pela relação que a palavra imediatamente traz com um
parque de diversões. O serviço continua a existir na biblioteca até os dias de
hoje, o que dá uma boa dimensão da repercussão que teve no público a que
se destina.
Não obstante o pioneirismo das iniciativas acima, a primeira gibiteca brasileira
a surgir dentro de um serviço de biblioteca pública, a partir de iniciativa da
própria administração municipal, foi a Gibiteca Henfil, órgão do Departamento
de Bibliotecas Infanto-Juvenis da Secretaria de Cultura do município de São
Paulo, inaugurada em 1991 e hoje possuindo o maior acervo do país, num
total de 100.000 exemplares. Além desse vasto acervo, a Gibiteca Henfil é
responsável por um dos maiores índices de freqüência das bibliotecas
públicas da cidade de São Paulo, e também por se colocar como um grande
centro de eventos relacionados com os quadrinhos, promovendo cursos,
exposições, palestras, debates e lançamentos de novas obras, bem como
servindo de ponto de encontro para reuniões de leitores. Nos últimos anos, a
Gibiteca Henfil também abriu suas portas para atividades relacionadas com
meios correlatos aos quadrinhos, como os RPG e outros jogos de estratégia.
Seria difícil afirmar o número exato de gibitecas atualmente existentes no
Brasil. Sabe-se que várias cidades, como Santos (SP), São Bernardo do
Campo (SP), Santo André (SP), João Pessoa (PB), Londrina (PR) e Brasília
(DF) as possuem. Algumas vezes, essas gibitecas são vinculadas a
bibliotecas públicas; outras, a instituições privadas. Elas tanto podem contar
com bibliotecários para administrá-las como ser dirigidas por voluntários da
comunidade ou por funcionários designados para fazê-lo em virtude de
predileções especiais por esse tipo de material. No entanto, existem motivos
para acreditar que as gibitecas, como setores ou ramais especiais de
bibliotecas públicas, dirigidas por profissionais capacitados, representam uma
tendência cada vez mais dominante, parecendo indicar uma tomada de
consciência de que tais profissionais podem possibilitar uma elevação no
nível de serviço prestado aos leitores de quadrinhos.
No entanto, a constituição e funcionamento de gibitecas, seja em instituições
públicas, seja em instituições privadas, não representa tarefa das menos
complexas. Por um lado, quando organizadas por um pessoal que possui
algum tipo de ligação com a linguagem dos quadrinhos, seja afetiva, como
leitores ou colecionadores, ou como resultado de uma prática profissional na
área, acaba-se tendo instituições que pecam pela desorganização do acervo,
pela pouca eficiência na recuperação dos títulos ou pela dificuldade de
controle dos materiais, ainda que sejam organismos atuantes e cheios de
atividade. Por outro lado, quando dirigidas por bibliotecários profissionais,
elas tendem a ter um nível de organização mais precioso, mas corre-se
também o risco de não desenvolver a variedade de atividades que
caracterizam as primeiras. Infelizmente, nas mãos de alguns bibliotecários,
uma gibiteca, ao invés de um organismo dinâmico e atuante, transforma-se
em um simples acervo de revistas em quadrinhos que placidamente repousa
nas estantes, avidamente protegido por esses profissionais... à espera de
uma utilização que, freqüentemente, é menor do que ele mereceria.
Mas nem tudo é cinzento no panorama das gibitecas dirigidas por
bibliotecários, como pode deixar a entender o final do parágrafo anterior. Pelo
contrário. Muitos bibliotecários brasileiros estão aos poucos descobrindo que,
para proporcionar melhor serviço aos amantes dos quadrinhos, não basta
apenas munir-se de boas intenções e afastar todos os preconceitos que
porventura ainda cultivem sobre o meio. E nem, por outro lado, que
representa uma atitude benéfica para a sua clientela exercer um controle
exagerado sobre o material de quadrinhos, colocando a preservação do
acervo acima das necessidades de leitura e fruição dessa linguagem pelo
público freqüentador da biblioteca: as histórias em quadrinhos são um
material popular e de alto consumo, sujeitos a um desgaste natural devido ao
uso. Não há como evitar indefinidamente que o desgaste ocorra. Nesse
sentido, é importante ter em mente que nem todas as gibitecas do país
precisam ter por missão a preservação da memória das histórias em
quadrinhos nacionais. Algumas, talvez. Mas não a maioria delas, para as
quais será importante ter como objetivo maior disseminar e divulgar esse
meio na sua comunidade da forma mais eficiente possível.
No entanto, para atingir o objetivo de colaborar efetivamente para a
disseminação e divulgação das histórias em quadrinhos no país por meio da
atuação das gibitecas, é necessário aos bibliotecários e a todos os
funcionários dessas instituições - principalmente aqueles que trabalham
diretamente no atendimento ao público -, conhecer a fundo tanto as
características do meio de comunicação de massa como do próprio leitor de
quadrinhos. Só a partir desse conhecimento é que será possível a esses
profissionais realizar de maneira adequada toda a gama de atividades que
envolvem a seleção, coleta, aquisição, tratamento, disseminação e
preservação de histórias em quadrinhos. Nesse sentido, parece evidente que
compreender e dominar com suficiente independência os diversos veículos
em que os quadrinhos estão disponíveis, os gêneros em que são publicados
e o tipo de leitor que costumam atrair é um requisito indispensável para todos
aqueles profissionais que pretendam dedicar-se ao trabalho de
documentação nessa área. Ou, em outras palavras, para aqueles que
acreditam que as histórias em quadrinhos merecem o mesmo nível de
qualidade de serviço dispensado a quaisquer outros materiais presentes nos
acervos das bibliotecas. E oxalá estes sejam cada vez em maior número. Os
quadrinhos merecem.
Sobre Waldomiro Vergueiro
Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na
Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de
Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de
Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros
na área.
Bibliotecas em tempo de guerra
Affonso Romano de Sant´Anna
04/07/2007
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Correio Braziliense - Caderno C - 1/7/2007
Como escritor, como ex-presidente da Biblioteca Nacional do
Brasil ou como um simples cidadão, não poderia ficar
indiferente diante das notícias do que ocorre com a Biblioteca
Nacional do Iraque e das agruras de seu diretor, Saad
Estkander.
Durante a estúpida invasão americana naquele país, em 2003,
eu havia escrito uma crônica assinalando que se estava
arrasando um dos patrimônios mais valiosos da história da
humanidade, ao despejarem toneladas de bombas e passarem
tanques em cima de ruínas históricas onde estão os míticos rios
Tigre e Eufrates, naquelas bandas onde estava a Nínive do
profeta Jonas, na paisagem onde se construiu a Torre de Babel
e onde reinou Nabucodonosor, na terra onde se escreveu o
código de Hamurabi e no cenário das aventuras de Gilgamesh.
Agora vejo uma fotografia onde um funcionário da Biblioteca
Nacional do Iraque, entre os destroços da seção de obras raras,
recolhe livros queimados, arruinados. E descubro que o diretor
Saad Estkander, impotente diante do descalabro, resolveu fazer
um diário na internet narrando as coisas terríveis e
estapafúrdias que ocorrem.
Eu já estava, de alguma forma, familiarizado com a lastimável
situação de algumas bibliotecas, a começar da nossa, quando a
assumi e via livros empilhados pelos corredores ou expostos à
chuva e à incúria. Na guerra que também travava, lembro-me
que uma bala perdida caiu, certa manhã, a dois metros de
minha mesa de trabalho. Mandei recolhê-la à seção de obras
raras. Mas lembro-me também, no plano internacional, de
quando recebi um espantoso comunicado expedido pelo diretor
da Biblioteca Nacional da Rússia pedindo socorro, exatamente,
socorro!, pois aquela instituição estava sendo espoliada e à
deriva, logo que o comunismo desintegrou-se e não se sabia
em que direção aquele país ia. Assim, um dos maiores acervos
do mundo parecia ir a pique, num naufrágio titânico. Já tinha, na
mesma linha, ouvido, em Moçambique, o ministro da Cultura me
narrar que todas as bibliotecas do país haviam sido destruídas
nos muitos anos de guerrilha.
Mas essa outra notícia, agora, sobre o que está ocorrendo no
Iraque é por demais perturbadora.
Ali foram destruídos, com a guerra, 60% do material arquivado e
95% dos livros raros. Ou seja, a guerra arrasa tanto os
monumentos de cal e pedra quanto as obras monumentais do
passado. E o diário do acuado diretor da BN iraquiana vai
narrando, por exemplo, que “o dia 3 de fevereiro foi um dos
mais sangrentos. Um caminhão explodiu na área de Al Sadriya.
Mais de 150 pessoas inocentes morreram e 250 ficaram
feridas”. Nos dias seguintes, mais explosões, cortes de luz e
água; noutro dia, desaparecimento de funcionário seqüestrado
ou, até mesmo, o assalto ao ministro da Cultura, ao sair do
banco, quando levaram todo o seu salário. E assim por diante.
Fora isso, segue descrevendo uma outra guerra, a guerra da
burocracia, menos barulhenta, mas mesquinha e danosa.
Muitos de nós já vimos uma espantosa e ao mesmo tempo
encorajadora foto tirada durante os bombardeios nazistas de
1940, em Londres. O cenário é uma biblioteca bombardeada,
destelhada, mas, entre os destroços, três senhores,
britanicamente vestidos, com capote e de chapéu, contemplam
e examinam livros que restaram nas estantes. Como diz Alberto
Manguel em Uma história da leitura, “eles não estão dando as
costas para a guerra nem ignorando a destruição. Não estão
escolhendo os livros em vez da vida lá fora. Estão tentando
persistir contra as adversidades óbvias; estão afirmando um
direito comum de perguntar; estão tentando encontrar uma vez
mais – entre as ruínas, no reconhecimento surpreendente que a
leitura às vezes concede – uma compreensão”.
É isso que também cada um de nós procura entre as ruínas
desta e de outras guerras.
Outros textos do mesmo autor
Um convite para ler
Enviado por Alexandre
Malvestio
02/08/2007
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Portal Prêmio Vivaleitura - Fotos: Alexandre
Fonseca
Alunos da professora Jaqueline mostram seus
livros favoritos
Para trazer a leitura para a sala de aula e
despertar o interesse pelos livros, uma
professora de Manaus decidiu imprimir trechos
de obras nas camisetas que os alunos usavam
na escola. Eles passaram a ler e a comentar,
enquanto isso ela aproveitava a oportunidade
para apresentar o autor e ler outras histórias.
Conheça esta história, que deu origem ao
projeto Livro vivo.
Jaqueline Maria de Souza Dias dá aulas para a
4ª série em uma pequena escola estadual em
Manaus. São apenas cinco salas, que
funcionam em uma casa alugada da Igreja. Por
não dispor de biblioteca, a escola não recebe
livros da Secretaria de Educação. Os poucos
exemplares que existem ali são sobras da
Coleção Biblioteca em Minha Casa.
As crianças divertem-se com os textos e
imagens impressos nas camisetas
Como as crianças tinham pouco acesso aos
livros, não se interessavam pela leitura.
Jaqueline não sabia o que fazer para mudar a
situação. Em certo momento, deu-se conta de
que seus alunos sempre observavam com
curiosidade as imagens que ela pintava nas
suas próprias camisetas.
Então resolveu imprimir, ali mesmo, textos de
livros. Os alunos passaram a ler e a comentar.
A professora aproveitava então a oportunidade
para apresentar o autor e ler outras histórias.
Assim, trouxe a leitura para a sala de aula.
Na falta de uniformes, que não haviam
chegado à escola, as crianças iam de
camisetas brancas. Então Jaqueline teve a
idéia de sugerir que seus alunos escolhessem
as frases que gostariam de imprimir nas
camisetas. Isso foi motivo para leituras e
pesquisas.
Todos os seus alunos passaram a usar
camisetas com frases escolhidas de algum
texto literário, prosa ou poesia. Houve um efeito
multiplicador. Cada um fazia questão de
apresentar o “seu” autor aos colegas. Agora
eles organizam visitas a escolas para mostrar
os detalhes dessa inusitada experiência de
Jaqueline, que difunde o hábito da leitura por
meio de verdadeiros “livros vivos”.
Pode ler. Eu já li e gostei"
Enviado por Alexandre
Malvestio
26/07/2007
imprimir | enviar
Agnes Augusto - Revista Nova Escola Março 2007
Quando eu era bebê eu era bonito? Em outros
lugares os animais perguntaram a seus pais a
mesma coisa, mas quando chegou na história
do sapo a conversa foi outra. E se você quiser
saber o restante desta história compre o livro:
Como É que Eu Era Quando Era Bebê?”
Luana, Lucas, André, Melissa, Giovanna e
Laura estavam na pré-escola e, apesar de
ainda não terem sido formalmente
alfabetizados, já gostavam muito de histórias,
como se pode ver no texto acima, criado por
eles na Creche/Pré-Escola Central da
Universidade de São Paulo (USP). Como todas
as crianças que chegam aos 6 anos, eles
tiveram a chance (no ano passado) de
participar de um projeto de imersão no universo
da leitura e da escrita que culminou com a
produção de resenhas sobre as obras
preferidas.
Fernanda Sá
O grupo escreve a resenha: um escriba passa
para o papel as idéias e opiniões dos colegas
sobre os livros prediletos
“Um trabalho desse tipo é uma necessidade
hoje, pois as crianças precisam ter acesso à
norma culta desde cedo para poder ter uma
participação social efetiva no futuro”, diz Beatriz
Gouveia, coordenadora do Programa Além das
Letras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.
“Engana-se quem acha que isso é escolarizar a
Educação Infantil, ocupando o tempo da
brincadeira para ensinar conceitos e definições
da língua. Assim como oferecemos
experiências com música, arte e natureza,
apresentar práticas sociais de leitura e escrita é
algo que as crianças também têm o direito de
vivenciar.”
De fato, num país como o nosso, em que
apenas 26% da população é plenamente
alfabetizada e onde cada cidadão lê em média
apenas 1,8 livro por ano (contra 2,4 na
Colômbia, cinco nos Estados Unidos e sete na
França), estimular a leitura desde os primeiros
anos de escolaridade é uma importante missão
da escola.
Na Creche da USP, o contato com textos
começa bem antes de a garotada aprender a
ler e escrever. Os professores formam bons
leitores utilizando livros de vários gêneros
(contos de fada, contos modernos, lendas,
mitos e fábulas) desde o berçário. A partir de 1
ano e meio de idade, todos podem pegar
emprestadas obras na biblioteca. Não é de
estranhar que, aos 6, essa turma consiga
produzir resenhas. O projeto Indicação literária
se encerra com a Feira Cultural do Livro. “O
objetivo é que as crianças usem os textos para
convidar familiares e funcionários a ler os livros
de que elas mais gostam”, explica Clélia Cortez
Moriama, coordenadora pedagógica.
Em 2006, as professoras Andréa Bordini
Donnangelo e Cláudia Elisabete Duarte Calado
de Souza perguntaram: “Como podemos ajudar
os visitantes da feira a ler nossos livros
prediletos?” Surgiram respostas como apontar
oralmente os mais apreciados e expor os
exemplares da biblioteca. Elas, então,
apresentaram as inconveniências dessas
ações e propuseram a criação de textos curtos
com informações sobre cada obra.
As crianças manusearam catálogos de
editoras, leram as resenhas com as
professoras e se convenceram de que essa era
uma boa solução. Na biblioteca, escolheram os
títulos preferidos e, em grupos de quatro ou
cinco, entraram em ação. Para começar, todos
retomaram a leitura para relembrar a narrativa
e discutir como produzir os textos.
Cada grupo tinha um escriba, que passava
para o papel o que era ditado pelos colegas. A
primeira versão trazia informações como título,
autor, editora e uma curta descrição. Em
seguida veio a revisão – apenas uma resenha
por dia para preservar as outras atividades de
rotina. Primeiro, Andréa e Cláudia leram cada
texto na íntegra e em voz alta. Depois, releram
em partes, perguntando se havia algo a alterar.
“Chamávamos a atenção para os erros de
concordância e as marcas da oralidade, como
né e tá”, explica Andréa. “A ortografia não é
importante nessa idade”, complementa Cláudia.
As modificações foram copiadas no quadronegro e uma criança de cada grupo anotou a
nova versão.
O objetivo era estimular o propósito social e
comunicativo da escrita. Por fim, os textos
foram colados em cartolinas colocadas na
entrada da Feira Cultural do Livro. No dia do
evento, os pequenos mostraram suas
produções aos visitantes e alguns até
compraram os livros indicados para ter um
exemplar em casa.
Fernanda Sá
O Diário do Lobo e O Beijo: as indicações feitas
pela garotada vão para o mural, onde são lidas
pelos visitantes da feira do livro
Novo mundo de letras e histórias a
desbravar
Enviado por Alexandre
Malvestio
11/07/2007
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Miguel Conde - O Globo - 8/7/2007
Isabel Assis, de 63 anos, e Maria da Conceição
Nascimento, de 52, vestiram suas melhores
roupas na tarde de sexta-feira (6/7) e saíram de
casa para assistir à terceira mesa do dia na
Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Embora sejam moradoras da cidade, elas
nunca tinham ido a qualquer debate do da Flip.
- Quem não sabe ler nem escrever não fica à
vontade num lugar assim. Somos muito
tímidas, achamos que é preciso ser chique
para ver os escritores - justificou Conceição,
que nasceu na Praia do Sono e durante a
infância trabalhava numa mercearia com o pai.
Recém-formadas num curso de alfabetização
de adultos, em que, após sete meses de aulas,
aprenderam a ler e também a escrever textos
curtos, elas assistiram, a convite do Globo, ao
debate entre o angolano Mia Couto e o
brasileiro Antonio Torres, sobre a influência em
seus livros dos lugares onde nasceram.
Maria da Conceição (à esquerda) e Isabel. "Se
a gente não lê, fica muito cega", disse Isabel.
- Apesar de só agora ter aprendido a ler, acho
esta festa muito boa para a cidade,
principalmente para as crianças. Se a gente
não lê, fica muito cega, sem saber das coisas.
Não estudei, mas fiz questão que meus filhos
fossem à escola. Hoje estão todos formados disse Isabel, ainda na entrada da Tenda dos
Autores.
Enquanto abria caminho entre os grupos
reunidos em frente à bilheteria, ela anunciou
que tem planos de ler muitos romances.
- Mas só histórias de amor, nada de aventura esclareceu, com um sorriso, a dona de casa,
que nasceu na região e aos 10 anos veio
trabalhar como doméstica em Paraty.
As duas se acomodaram na última fila do
auditório lotado e permaneceram sérias, mãos
cruzadas sobre as pernas, enquanto a platéia
aplaudia e ria das piadas do mediador da
conversa, o escritor angolano José Eduardo
Agualusa.
Meio perdidas com o sotaque carregado de Mia
Couto, cujas intervenções acabaram escolhidas
como os momentos para olhar em volta ou abrir
um chiclete, elas ouviram concentradas as
várias histórias contadas por Antonio Torres, e
se animaram quando o baiano falou de sua
infância e da própria alfabetização na cidade
sertaneja de Sátiro Dias:
- Meu avô não deixava minha mãe ir à escola,
porque não queria que ela ficasse trocando
cartas com os namorados - contou Torres,
arrancando uma risada de Conceição. - Mesmo
assim, foi ela que depois me ensinou a ler e
escrever, na roça mesmo. Quando fui para a
escola, a professora ficou maravilhada de ter
um aluno que já era alfabetizado. Depois de um
tempo, comecei, a escrever cartas para outras
pessoas. Eu escrevia cartas de homens para
suas namoradas, e depois lia para elas o que
eu mesmo tinha escrito. Recebia meu
pagamento em doces, era ótimo.
- Ele falou coisas sobre a vida na roça que eu
não sei passar, mas entendo bem - disse
Isabel. - Eu troquei muitas cartas assim com
meu namorado, que hoje é meu marido.
"Muito engraçado, bom contador de histórias"
Torres também fez as duas rirem quando falou
do seu desespero, na adolescência, ao saber
que seria transferido para uma escola só de
meninos.
- Gostei dele, é muito engraçado, bom contador
de histórias - disse Conceição após a mesa. -
Acho a literatura interessante, mas para dizer a
verdade gosto mesmo é de ler a Bíblia. Ler os
salmos você mesma, sem a ajuda de ninguém,
é muito melhor, porque fica mais fácil meditar
sobre o que está ali. Quem não sabe ler passa
por todo tipo de problema, desde pegar o
ônibus errado a não ter o que dizer quando os
netos perguntam qual é a resposta de um
dever.
Ao se levantar, Isabel perguntou se podia levar
os folhetos gratuitos, distribuídos na entrada,
com trechos de livros dos dois autores. Já
saindo da tenda, ela falou que gostaria de ir a
mais eventos do tipo:
- Eu ainda sou muito medrosa. Tenho que
perder esse medo.
Do lado de fora, as duas tomaram o rumo da
sua festa de formatura, num clube da região
onde iam se encontrar com os outros 26 alunos
do curso, organizado em parceria entre a ONG
Semear e a Eletronuclear, e coordenado pela
psicóloga Cíntia Assis, filha de Isabel.
- Na festa, eles também vão dar óculos para a
gente enxergar de perto. Eu ainda tenho muita
dificuldade de ler a Bíblia, porque não consigo
ver direito as letrinhas - explicou Conceição, se
despedindo.
Um novo jeito de aprender
Enviado por Alexandre
Malvestio
05/07/2007
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Portal MEC - Maria Clara Machado
“Café com pão, café com pão, café com pão,
café com pão”, lêem, numa só voz, alunos da
4ª série do ensino fundamental da escola
municipal Reitor João Alfredo, em Recife. A
leitura ritmada dá vida à locomotiva do poema
Trem de Ferro, de Manuel Bandeira. Todos os
dias, pela manhã e à tarde, a cena se repete na
biblioteca da escola, quando os alunos
escolhem o que querem ler. Desde 2005, a
direção da escola, com os professores,
resolveu estimular atividades de leitura em sala
e visitas à biblioteca para que os alunos
criassem o hábito de ler e escrever. Hoje,
meninos e meninas já conseguem eleger suas
histórias favoritas, sabem algumas de cor e
ainda se arriscam como autores.
“As rimas são brincadeiras para aliviar
pensamento. Às vezes, penso bastante, às
vezes sai no momento.” Os versinhos, feitos no
ano passado, são das alunas Thereza Raquel
da Silva e Jéssica Heleno, quando estavam na
4ª série. O cordel que fizeram está no livro
Pequenos Poetas. Batizada pelos próprios
alunos, a obra, recheada de textos dos jovens
autores, é um dos resultados da iniciativa da
escola, que integra o programa Manuel
Bandeira de Formação de Leitores, da
Secretaria Municipal de Educação de Recife.
“A gente já estimulava os alunos a ler e, no ano
passado, decidimos participar do programa da
secretaria municipal. Agora, o projeto está mais
estruturado”, conta a vice-diretora Elzanira
Magno. O programa realizou um concurso para
incentivar ações de formação de leitores, em
que o projeto da escola Reitor João Alfredo foi
um dos escolhidos. “Vamos receber R$ 25 mil
para ampliar e equipar a biblioteca. Além disso,
as produções dos alunos serão publicadas”,
informa a vice-diretora.
Estímulos — O programa prevê ações de
estímulo à leitura e à escrita durante as aulas,
com acompanhamento do professor, e na
biblioteca, com auxílio dos mediadores —
professores estagiários que ainda não
concluíram a graduação. O mediador planeja
atividades semanais com cada turma, de
acordo com as preferências dos alunos, a faixa
etária e a série que cursam.
“Trabalhamos textos de Patativa do Assaré
com alunos da 7ª série, para que refletissem
sobre as diferenças entre a língua coloquial,
usada pelo poeta, e o padrão culto da língua”,
exemplifica a mediadora Rosinete Soriano. Ela
tem 23 anos e cursa o 6º período do curso de
letras. “Na semana que vem, vamos trabalhar o
texto A Emília no País da Gramática, de
Monteiro Lobato, com os alunos da 4ª série”,
emenda Rosinete. Após iniciado o projeto, o
número de empréstimos na pequena biblioteca
cresceu bastante. “Os alunos não liam ou
escreviam nada. Mas, só nos últimos dois
meses, 570 obras foram emprestadas”, revela
a mediadora. A escola atende cerca de mil
alunos do ensino fundamental, distribuídos em
dois turnos: matutino e vespertino.
Colega de Rosinete, a mediadora Jozinete
Vieira Corsino acha que os estudantes estão
mais disciplinados depois que começaram a
tomar gosto pela leitura. “Eles vinham à
biblioteca só para brincar e fazer bagunça, mas
agora ficam insistindo para lermos o que eles
gostam mais”, ressalta Jozinete, que está no 8º
período do curso de pedagogia.
Empolgada com a mudança de atitude dos
estudantes frente à leitura, Jozinete incentiva
seus alunos a contar histórias, fazer
dramatizações do que foi lido e a produzir
textos. “Como o tema do ano passado foi
Manuel Bandeira, os meninos sabem tudo da
vida dele. Estudamos até os sintomas da
tuberculose”, conta. “O poema que mais
gostam é Trem de Ferro”, completa Jozinete.
Cada mediador recebe uma bolsa de R$ 316
por 20 horas de trabalhos semanais
Baú de Leitura
Enviado por Galeno
Amorim
31/05/2007
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Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão
Local
Era uma vez, em Retirolândia, lá no sertão da
Bahia, um menino muito triste chamado Antônio
Jorge. Todos os dias, ele acordava antes do sol e ia
para a roça com o pai, trabalhar na plantação de
sisal. A manhã passava, o sol esquentava, e
Antônio o tempo todo cortando a palha: - “Às vezes
me cortava com os espinhos, o trabalho lá é difícil”.
A comida na casa de Antônio era bem pouquinha:
“Farinha e, de vez em quando, uma carninha”. Mas
nada o deixava tão triste quanto o fato de nunca
poder ser criança: “Não sabia o que era brincar,
estudar...”
Crianças e os livros do Baú de Leitura: valorização
da cultura regional e combate ao trabalho infantil
A mesma tristeza do Antônio se espalhava por
outras cidades do sertão baiano. Como ele, muitos
meninos e meninas sofriam, trocando a infância
pelo trabalho precoce. Até que um dia, a vida
dessas crianças começou a mudar. Primeiro
chegou o PETI, Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil. Finalmente, Antônio e toda
criançada dos campos de sisal estavam livres do
trabalho. Tinham tempo de brincar e estudar. Foram
para escola e passaram a receber uma bolsa do
governo.
Mas, depois de perder quase toda a meninice, é
difícil ir para a sala de aula: “Eu não gostava muito
de ler e não estudava”, lembra Antônio. Foi então
que surgiu mais uma novidade que encantou
aqueles meninos. Um baú! De sisal. A palha agora
não representava mais trabalho e sim um tesouro
que ela guardava: livros. Era o Baú da Leitura,
revolucionando a história de Antônio Jorge:
“Descobri um novo mundo e o que mais me
emociona é a diferença que o baú trouxe na minha
vida.”
Antônio Jorge Santiago, 15 anos: “Minha autoestima melhorou, com o estudo, a pessoa passa a
ser um cidadão”
O Baú da Leitura é um projeto desenvolvido pelo
Movimento de Organização Comunitária (MOC)
desde 1999. Hoje, reúne as parcerias do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), do
Governo Federal, do governo da Bahia e prefeituras
municipais; além da empresa privada Omicron
Eletronics e da ONG Cordaid, com sede na
Holanda. A CAIXA atua nesse projeto repassando
recursos do governo federal.
“A pessoa que não lê está isolada do mundo”. A
observação parte do secretário executivo do MOC,
Adilson Baptista, recordando a situação encontrada
nas escolas rurais antes do Baú da Leitura. Não
havia livros de literatura infanto-juvenil e, mesmo
que houvesse, os professores não sabiam como
despertar o gosto das crianças pelas letras. Eles
próprios não liam. O Baú da Leitura surgiu, então,
como uma estratégia do PETI. Associados às
atividades lúdicas, os livros seriam a isca para atrair
as crianças para a escola.
Baú de Leitura: estratégia para atrair crianças de
volta à escola
A experiência começou em 1999, em cinco
municípios baianos, com apenas 15 baús. “Após
quatro anos, temos 700 baús e o mesmo número
de educadores treinados” – contabiliza a
coordenadora pedagógica do MOC, Jussara
Secondino. Outra função do baú é resgatar a
identidade e culturas locais por meio das cantigas,
lendas, danças e demais manifestações folclóricas.
Os livros são sempre adequados à realidade de
cada lugar. “Quando o sujeito se sente envolvido,
percebemos que o projeto é mais duradouro” avalia a coordenadora Jussara.
Antes das crianças, os professores precisam ser
sensibilizados. Nos cursos de formação do MOC,
eles tornam-se leitores e aprendem como trabalhar
com as crianças para que, a partir da leitura,
possam se expressar por linguagens diversas,
como o teatro, a dança ou a poesia. Após o
treinamento, cada professor recebe um baú com
livros de histórias infantojuvenis e material didático
de apoio a seu trabalho. Os baús são itinerantes,
circulando pelas diversas escolas que participam do
projeto. São também divididos em três eixos:
identidade e cultura local, relação com o meio
ambiente e relações sociais.
Laudércio Carneiro, 16 anos: “É muito triste
trabalhar novinho. Hoje minha vida mudou. Depois
do baú estou conhecendo o mundo sem sair do
lugar”
“É um trabalho que a gente desenvolve e dá muito
gosto e, quando a gente desenvolve com amor, o
retorno das crianças vem em dobro”. O testemunho
é da professora Ana Paula, coordenadora do
projeto em Retirolândia. Na zona rural, é comum os
alunos chegarem à escola tímidos, mudos,
cabisbaixos. Mas com o Baú da Leitura, eles se
transformam. A professora Ana Paula até chora ao
se lembrar de Moisés: “Quando nós começamos a
fazer o trabalho com o baú, ele achou que não ia
conseguir”. A professora conta que o menino tinha
medo de se apresentar, suava frio, mas quando
chegou a hora... “Eu disse pra ele não dar ouvidos
se alguém risse e empurrei. Ele fez sua
participação e não gaguejou. Saiu radiante e
contagiou toda turma. A partir daí, o Moca – apelido
do garoto – foi sempre o presidente do grêmio
estudantil da escola”.
Paixão pelos livros
Enviado por Alexandre
Malvestio
24/05/2007
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Carla Dutra - Porto Alegre - Zero Hora - 18/11/2006
Da casa do pintor de paredes Roberto Carlos Sampaio Guedes, a paixão pelos
livros conquistou o bairro Empresa, na periferia de Taquara, e se espalhou pela
cidade. Tanto que, hoje, o ponto de encontro de crianças e adolescentes do
bairro não é um bar da moda ou um posto de combustíveis, como ocorre em boa
parte das cidades do interior. Depois das aulas, no fim da tarde, é para a
Associação Amigos do Livro, vencedora do Prêmio Fato Literário 2006 (júris
popular e oficial), que todos acorrem.
Aos 45 anos, o fundador da biblioteca não se dá por satisfeito. Já fez contato
com um morador de Parada Baixa, no interior do município, para onde pretende
enviar 2 mil volumes.
— Temos livros repetidos, e não há por que acumular se em outros lugares tem
gente que gostaria de ler mas não tem acesso — explica.
Os livros que irão para lá não figuram entre os 17 mil disponíveis na biblioteca
recentemente inaugurada ao lado da casa de Roberto Carlos. São exemplares
que ele mantém em casa, boa parte dentro de uma geladeira desativada.
— Ainda tenho que restaurá-los — explica.
Desde a inauguração da nova sede, em setembro, as visitas à biblioteca não
param. Se antes os leitores conquistados por Roberto Carlos tinham que disputar
o pequeno espaço da casa do pintor, agora a atração são as dezenas de
estantes bem organizadas, dispostas em 94,8 metros quadrados. A qualquer
hora do dia, o lugar é tomado por crianças e adolescentes. Quando chegam
duas, três ou quatro turmas de escola de uma só vez, não há lugar que não sirva
para uma boa leitura. Sentados nos degraus da escada que dá acesso ao
Espaço Clarice Pacheco, onde está a literatura infanto-juvenil, ou em qualquer
outro canto da biblioteca, os pequenos leitores devoram as palavras. Até quem
ainda não consegue juntar as letras aproveita bem cada um dos exemplares que
tem em mãos.
Miro de Souza
Na sede da associação, no bairro Empresa, em Taquara, Roberto Carlos oferece,
além da biblioteca, aulas de xadrez, violão e teatro
— Nossa, esse cavalo é bem legal — diverte-se o entusiasmado Vanderlei
Marques, cinco anos.
São 10h de uma terça-feira e os amigos Rafael, sete anos, Cleciane, sete, Igor,
oito, Suelen Cristine, oito, e Michele, nove, estão concentrados na leitura de seus
livros.
— A gente lê aqui e também leva para casa. Estamos na biblioteca todos os dias.
Não me lembro do bairro sem ela — conta Michele, referindo-se ao tempo em
que a casa do pintor era aberta aos moradores. Minutos depois, Luiza Stein,
sete, junta-se ao grupo.
— Eu moro dentro da biblioteca — conta com orgulho a menina, que, de segunda
a sexta, mora na casa do pintor para estudar, e apenas nos finais de semana vai
para a casa dos pais.
Em seguida, o silêncio é quebrado pela chegada de aproximadamente 40 jovens.
Acompanhados por seus professores, tomam as dependências da biblioteca e
vasculham tudo. Alguns são freqüentadores assíduos, outros aproveitam o
passeio da escola para conhecer o lugar.
— Antes a gente não tinha muita oportunidade para retirar livros, pois no colégio
não há tantos exemplares. Aqui a gente sempre encontra o que precisa —
contam as colegas Bruna Descovi e Luana Piacentini, ambas de 12 anos.
Luana também aproveita o espaço para fazer aulas de teatro:
— É bom porque ajuda a perder a vergonha para as apresentações na escola.
A associação abre as portas às 7h e só fecha por volta da meia-noite. Com parte
dos R$ 50 mil ganhos com o Fato Literário, o pintor de paredes já trabalha para
cobrir o corredor externo, que fica ao lado da biblioteca. A intenção é
disponibilizar exemplares em um local que possa ficar aberto 24 horas por dia.
— Assim, o pessoal que sai das fábricas de madrugada pode passar aqui e
retirar livros. Eles já me pediram isso — explica.
Esse não é o único plano relativo ao dinheiro do prêmio. Roberto planeja comprar
pelo menos dois computadores e construir uma sala da curiosidade — um
espaço com aquário e réplica de animais que deverá servir como um chamariz
para as crianças. A idéia é que, pelo interesse no que terá na sala, novos leitores
se aproximem do mundo das letras. A aquisição de instrumentos musicais —
para ampliar as aulas de violão que já ocorrem na associação — e de literatura
infanto-juvenil também é planejada.
— É o que mais faz falta. De cada 48 livros retirados aqui, 42 são por crianças.
Mas nós temos poucos livros infantis — comenta Guedes.
Um dos ilustres frequentadores da associação é Gabriel de Souza Martins, 10
anos. O menino, aluno da quarta série de uma escola pública, visita a biblioteca
mais de uma vez por dua e já ganhou uma medalha por redigir a melhor redação
do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência.
— Gosto de gibis, livros e revistas como a National Geographic e a
Superinteressante — conta Gabriel.
Cantinhos da leitura
Enviado por Galeno
Amorim
15/05/2007
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André Bezerra - Correio Braziliense - 29/04/2007
Paulo H.Carvalho/CB
José Humberto: "Ler é prazer, ler é dialogar com o mundo do
conhecimento. É uma luta que vale a pena"
No meio do vaivém da movimentada feira de Planaltina, uma pausa para um
romance. À espera do atendimento na oficina mecânica, um conto ou uma
crônica.
E um pouco de filosofia ou poesia para folhear na cadeira do salão de beleza. A
idéia do professor do ensino fundamental José Humberto Brotas, 52 anos, é levar
a leitura para todos os cantos de Planaltina. Por isso, o professor Tibica, como é
conhecido na comunidade, reuniu mais de 500 livros e criou cinco pontos de
leitura informais na cidade. E as opções são muitas. Livros infantis, infantojuvenis, literatura e também ensaios. “O que queremos é levar a cultura às
pessoas. Por isso, temos de levar a leitura para onde o povo está”, comentou.
Com o Cantinho da Leitura, salões de beleza, oficinas mecânicas, restaurantes e
até as barracas da feira se tornam pontos onde a população tem acesso fácil e
gratuito a livros de vários tipos. “Há tempos vinha pensando em alguma forma de
contribuir para suprir a carência de cultura na cidade. Muita gente tem vontade de
conhecer coisas novas, de aprender, mas não tem acesso”, afirma o professor
Tibica, que mora em Planaltina há 36 anos e leciona há mais de 20 no Centro de
Ensino Fundamental 1, o Centrinho. Formado em agronomia, José Humberto se
tornou docente para levar às crianças o conhecimento que adquiriu sobre
ciências naturais. “Ninguém é o mesmo após ler um livro. A leitura é uma
experiência engrandecedora, que transforma as pessoas”, acredita.
O projeto foi inspirado na iniciativa do açougue cultural T-Bone, na Asa Norte,
onde existe uma biblioteca aberta à comunidade. “Se deu certo no Plano Piloto,
pode dar certo também em Planaltina”, torce. Há algum tempo, ele chegou a
montar uma biblioteca comunitária em uma igreja, mas acabou desativada
porque o espaço foi devolvido.
O lançamento do Cantinho da Leitura ocorreu ontem pela manhã, na feira de
confecções, na Lanchonete Central, em parceria com o Clube do Livro de
Planaltina, uma ONG. Tibica montou duas estantes com quase 150 exemplares,
que ficarão permanentemente próximas ao balcão do estabelecimento. “É
simples o funcionamento. Não precisa pagar nada, não tem que se cadastrar. Os
livros estão disponíveis, é só pegar e ler. Só não pode levar para casa, para que
os livros possam servir a mais pessoas”, explica. Entre os destaques, uma edição
original de Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, publicada em 1964. “Esse
é um dos meus favoritos”, revela Tibica.
Idéia aprovada
“Achei uma grande idéia. Quem quiser sentar aí para tomar um refrigerante, uma
cerveja, pode aproveitar para aprender alguma coisinha”, opina José Maria
Aguiar, dono da Lanchonete Central. A parceria com o comércio local foi
essencial para concretizar o projeto. “Os lojistas abriram um espaço sem cobrar
nada em troca, apenas por acreditar na causa”, afirma Tibica. “Quando eu tiver
um tempinho, também vou aproveitar para dar uma lida”, afirma um dos
parceiros, o cabeleireiro Paulo José Soares, do Salão Alto Astral.
A comunidade, apesar da timidez, demonstrou interesse. “Muito bom ter alguém
que se preocupa. Acho que isso vai ser bom para os jovens lerem mais”, diz a
aposentada Maria de Lourdes Regina, 67 anos, que fazia compras na feira e
ficou curiosa ao ver a movimentação em frente às estantes do professor Tibica.
Ela mesma se prontificou a separar vários títulos guardados em casa, tirar a
poeira e entregá-los ao projeto. “Vou ver se tem umas histórias de amor”,
empolgou-se a doméstica Cida Soares, 25 anos.
Francisco Dutra, presidente da associação dos feirantes, elogiou e já pensa em
criar um espaço cultural na feira. “Acredito que a feira também pode se tornar um
local para a arte e a cultura. Nossa intenção agora é abrir um espaço para
apresentações de música e teatro”, adianta. Professor Tibica, cujo apelido tem
origem num conto indígena, quer agora que mais lojas se abram para os livros e
espera mais doações da comunidade. “Ler é prazer, ler é dialogar com o mundo
do conhecimento. É uma luta que vale a pena”, conclui.
SONHO DE TODOS
Os livros do Cantinho da Leitura estão disponíveis em cinco endereços. Na
Academia Gallus, eles podem ser emprestados aos usuários. Quem quiser mais
informações ou fazer doações de livros pode entrar em contato pelos telefones
(61) 3389-4063 ou 9995-0153.
- Lanchonete Central (Zé Maria)
Feira de confecções de
Planaltina, ao lado
da Igreja Adventista
- Salão Alto Astral (Paulo)
Quadra 3, conjunto H, Lote
21, Buritis I
- Oficina Rodocar (Marcelo)
Quadra 5, conjunto A, casa 20, Buritis I
- Salão do Alírio
Rua Paraná, Q 88, casa 1, Setor Sul
- Academia Gallus (Amilton)
Ao lado da Igreja da Matriz
Paixão por Livros
Enviado por Inajá Martins
17/04/2007
de Almeida
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Durante a 3ª Feira do Livro da cidade de Ribeirão
Preto – agosto de 2002 – quando então
Coordenadora do Projeto Bibliotecas do Programa
Ribeirão das Letras da Secretaria da Cultura,
deparei-me com uma pergunta que me fez repensar
sobre meu papel dentro da Biblioteconomia. Num
dos estandes, uma das livreiras, questionando
minha paixão pelos livros, perguntou-me o porquê
haver escolhido tal profissão, dado o entusiasmo
com que desempenhava as atribuições que me
foram conferidas e a familiaridade com que tratava
o livro. Parei um momento; jamais pensara nisso –
era-me natural estar entre livros – porém, mesmo
tomada de sobressalto, rapidamente respondi-lhe,
formulando um conceito que passei a incorporar em
meu currículo:
– Em primeiro lugar, tornei-me Bibliotecária por
opção – sim, opção – porque pensara seguir a área
da advocacia. Entretanto, por falta de opção de
escola em minha cidade, e pela dificuldade em
ausentar-me dela, optei por Biblioteconomia e
Documentação; em segundo lugar, por paixão –
pois não fora difícil apaixonar-me pelas aulas de
literatura, história do livro, cultura artística e
científica e tantas outras, magistralmente
ministradas pela drª e profª Carminda Nogueira de
Castro Ferreira – Dona Carminda, como
carinhosamente a tratávamos – assim como pelas
inúmeras matérias técnicas; em terceiro e último,
por convicção – sim, convicção – posto que,
decorridos os anos, já não pudera mais optar por
outra formação a não ser a de Bibliotecária.
Estava convicta de que optara pela profissão certa.
A advocacia entraria em minha vida sob formas
várias – nas organizações de bibliotecas, nas
assessorias junto a advogados, nas empresas em
que atuava. Ah! Os livros - desde cedo acostumeime aos livros – amava-os – eles me desvendavam
horizontes inimagináveis; proporcionavam-me
quebrar barreiras, abrir portas, aprender, criar,
deslumbrar, vibrar. Eles – os livros – levavam-me
mais longe ainda; agora eu podia tê-los, em
grandes quantidades, nas mãos. Era-me dado o
direito de passear através dos seus conteúdos;
conhecê-los, estudá-los, transformá-los numa
linguagem informacional, para, então colocá-los nas
mãos dos leitores, seus usuários.
Além do mais, a leitura me levava à escrita,
quando, então, passo a escrever textos e divulgálos através da internet, com vistas à edição de meu
primeiro livro ainda para este ano de 2007. Nessa
jornada – entre livros – passei por diversos tipos de
bibliotecas, tanto particulares quanto de empresas
pequenas e grandes, assim como escolares –
desde a infantil, juvenil a universitárias. Universos
que se descortinaram à minha frente, para me
fornecerem subsídios nos diversos saberes do
conhecimento humano.
Além do mais, minha formação em Biblioteconomia
possibilitou-me participar da implantação de
bibliotecas, dentro do Programa Ribeirão das
Letras, da Secretaria da Cultura da Prefeitura
Municipal de Ribeirão Preto, num período de trinta
meses, que, embora célere, transformou minha vida
profissional – abriu-me novas perspectivas no
grande leque da palavra e do saber. Projeto
ousado, cujo idealizador, o jornalista, professor
e então secretário da Cultura, Galeno Amorim,
vislumbrava a implantação de 80 bibliotecas em
locais onde se fazia necessário. A mim, como
coordenadora, competia desenvolver projetos
ligados à contratação e capacitação de estagiários,
estímulo e incentivo à leitura e, principalmente, à
abertura de bibliotecas.
Nesse momento, voltava ao passado e rememorava
minhas aulas de referência bibliográfica na então
Escola de Biblioteconomia e Documentação de São
Carlos (atual UFSCar) no início da década de 70,
quando nos era apresentado um personagem
ilustre que marcou seu tempo, ao abrir bibliotecas e
formular a célebre teoria sobre as Cinco Leis da
Biblioteconomia: Shialy Ramamrita Ranganathan.
Pude, então, perceber que: “O que foi é o que há de
ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há,
pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que
se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos
séculos que foram antes de nós. Já não há
lembrança das coisas que precederam; e das
coisas posteriores também não haverá memória
entre os que hão de vir depois delas”. (Eclesiastes
1:9/11).
Assim como nada é novo, criar bibliotecas, voltar-se
para o papel da leitura na formação do cidadão, já
fazia parte dos anseios de Ranganathan, quando,
preocupado com o ensino e pesquisa em seu país,
promove campanha para melhorar a biblioteca da
Universidade de Madras, na Índia. Essa ocorrência,
contudo, iria mudar o curso de sua vida, assim
como da Biblioteconomia em si, nos idos 1916.
Semelhantemente a esse fato, os quatro anos –
2000 a 2004 – serviriam também para transformar o
ritmo de uma cidade interiorana de porte médio –
Ribeirão Preto. Foi um momento “efervescente”,
segundo Galeno Amorim, onde se falava em livros
e bibliotecas na mesma proporção em que projetos
culturais se desenvolviam nos quatro cantos do
município. A imprensa então noticia: – “projeto
multiplica número de livros em Ribeirão e muda o
padrão de leitura da população”; este era o
Programa Ribeirão das Letras.
Se o curso da vida de Ranganathan, a partir desse
momento, tomaria outros rumos, não fora diferente
para Galeno Amorim, tampouco para mim. Galeno
alça, então, vôo alto, como só as águias podem
fazê-lo. Sua genialidade e criatividade possibilitalhe estreitar laços quando nos disponibiliza o Blog
do Galeno; eu, contudo, juntamente com alguns
incentivadores da leitura, formamos a ONG
Educare est Vita, com alguns projetos em
andamento e, neste momento, estou aqui, no blog,
mostrando aonde minha paixão pelos livros me
trouxe e, tenho certeza, muitas surpresas ainda nos
esperam, tanto ao Galeno quanto a mim. Acesse:
http://www.ima.filosophos.com.
Sobre Barcos e Letras
Enviado por Galeno
Amorim
16/03/2007
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Revista Bravo - Edição de Fevereiro de 2007
Narrativas de exploradores, poemas ou relatos de
simples navegantes impeliram Amyr Klink ao mar
sem fim de que falava Fernando Pessoa. "Eu tinha
uma ligação emocional com muitas histórias que lia,
mas nunca imaginei que um dia fosse vivê-las. Sem
querer, os livros foram desenhando um caminho",
diz. Homem de ação, Amyr navegou mais de 400
mil quilômetros, circunavegou o globo sozinho,
conheceu os dois pólos, esteve mais de uma dúzia
de vezes na Antártica, passou o inverno no Pólo
Sul, remou da África ao Brasil... Homem de
palavras, traduziu todas essas experiências em
livros - o mais recente é Linha D'Água, sobre a
construção de seu veleiro Paratii 2 - , abastecendo,
assim, a própria fonte onde havia bebido. Casado,
pai de três meninas, Amyr relembrou em uma tarde
de verão, em seu escritório no bairro paulistano do
Brooklin, o caminho que os livros traçaram em sua
vida.
BRAVO!: Queria que você falasse um pouco
sobre o livros que lhe foram importantes, que o
ajudaram a moldar seu caráter, o instigaram a
se lançar ao mar.
Amyr Klink: No Linha d'Água começo o primeiro
capítulo contando como descobri o mar. Eu o
descobri lendo, não morando em Paraty, no litoral
do Rio de Janeiro. Se não fossem alguns livros,
estaria com cracas nas canelas de tanto andar à
beira-mar. Não teria ido ido a lugar nenhum. É
muito fácil se acomodar com a beleza do lugar, com
a fartura de mar, de matas. Eu também tinha
trauma do mar. Uma vez meu pai me levou, com
meus irmãos, ao Guarujá, litoral de São Paulo, e eu
tomei uma onda na areia que me derrubou. Só mais
tarde, por meio dos livros, é que me interessei pelas
viagens marítimas.
Qual foi o marco para você?
Um dos livros que me influenciaram bastante foi o
dos franceses Sally e Jérôme Poncet, o Grande
Inverno. Porque na época em que eu trabalhava
com leite, com gado, com vaca, não sei o quê, eu
conheci o barco deles. Eles ficaram meses em
Paraty juntando mantimentos, pescando para
passar o inverno na Antártica. E achei tudo aquilo
interessante porque até então o que eu conhecia de
um barco a vela era que ele pertence a um
velejador, que é de um clube de grã-finos, que sai
uma vez por ano e faz umas regatinhas aos finais
de semana... mas não viaja. E são embarcações
hiperluxuosas e tal. Já esses barcos como o do
casal Poncet eram diferentes: enferrujados, os
caras moravam dentro. Eles próprios os
construíam. Eram feitos para o mar, exatamente
para isso. Fascinante. Era uma gente que não tinha
nem US$ 50 no bolso, mas que sabia viver.
Esse encontro aconteceu quando?
Eu tinha uns 20 anos, foi em 1975. Fiquei
encantado. Anos depois, saiu o livro Le Grand
Hiver, o Grande Inverno. Esse livro foi traduzido
para o português muito tempo depois, mas por uma
editora do Rio de Janeiro que fica circunscrita a
uma única loja. Essa editora teve um incêndio, o
estoque de livros queimou. E não foi reeditado. É
um livro que me marcou bastante.
Do que exatamente trata a obra?
Quando eu vi o livro, achei que seria mais um
desses relatos de aventura, de histórias
espetaculares, de escapadas por um triz. Como é
essa literatrura de aventura, quase sempre de baixa
qualidade literária - e não estou falando do valor do
relato. A Saly, ao contrário, fez uma obra que é
quase uma poesia, desmistificou um pouco essa
história de aventureiros, de riscos e perigos. Ela
usou o livro para contar a beleza que foi a
experiência do casal. Eles fizeram uma viagem
absolutamente inédita e ousada. Quando nenhum
veleiro ia para a Antártica, eles foram para o lugar
mais fundo. Atiraram-se no precipício do
desconhecido para escolher um lugar para passar o
inverno. Ninghuém sabia se um barco era destruído
ou nao pelo mar no inverno antártico. Foi uma
ousadia, uma obra de um desprendimento ímpar.
Saly ficou grávida e aí resolveu ter o filho na
Geórgia do Sul, que na época não era habitada por
ninguém. Foi um livro num tom intimnista, de
descoberta interna, e não a narrativa de um feito
espetacular, de "agora vamos para o Guinness",
estupidez que, infelizmente, atrai o interesse dos
leitores.
E você acabou não só escrevendo seus
próprios relatos de viagens como também
editou muitos livros sobre expedições, como as
de Roald Amundsen, Robert Scott etc.
Sim, muitos dos livros que você citou sobre a
Antártica fui eu quem editou ou indicou à editora. O
Grande Inverno é um que eu gostaria de indicar.
Hoje, não sei quem tem os direitos de tradução.
Estou fazendo isso há 20 anos. Um exemplo é O
Último Lugar da Terra [de Roland Huntford, que
reconstitui a disputa pelo Pólo Sul, nos anos 10,
entre exploradores ingleses sob o comando de
Robert Scott, e noruegueses, liderados por Roald
Amundsen]. Assustador. São 700 páginas, mas
você não consegue largar. A técnica de narração é
interessante, alimentada pelos diários. Scott tinha a
pena de um escritor muito bom, escrevia muito
bem. Mas fica claro o antagonismo dos grupos. Os
noruegueses, movidos pela paixão; os ingleses, por
um ufanismo bobo.
Qual foi o primeiro livro indicado por você?
A Expedição Kon-Tiki, de Thor Heyerdahl [em 1947,
o antropólogo norueguês Heyerdahl navegou do
Peru à Polinésia numa espécie de jangada feita nos
moldes daquelas usadas por antigos povos
peruanos. Queria provar que civilizações sulamericanas podiam ter cruzado o oceano e
povoado ilhas do Pacífico]. Eu tinha 12 anos
quando li e me impressionei profundamente. O livro
foi lançado no Brasil em 1949, 1950. Nos anos 80,
foi relançado por grandes editoras no mundo. Eu
procurei minha ediçãozinha velha, já
desmoronando, e pensei: por que não a relançar
por aqui? Eu estava com um certo cartaz na Editora
José Olympio por causa do Cem Dias Entre Céu e
Mar [primeiro livro de Amyr, best seller com mais de
500 mil esxemplaqres vendidos] e criamos um selo.
Um dia, ligamos para o Thor Heyerdahl. Ele morava
na Itália e falou: "Claro, pode lançar. O que precisa
assinar?". Não teve contrato, não teve burocracia,
nada.
Você estudou literatura franfcesa, tem mais de
três mil títulos em sua biblioteca, já chegou a
levar meia tonelada de livros em seu barco.
Hoje, que quantidade você costuma levar e
quais as últimas aquisições?
Eu levo, no mínimo, uns 150 livros nas viagens.
Preciso fazer uma estante elevada na minha
cabine, mas ainda não consegui. Gosto de levar
livros que contaminem as outras pessoas, mas não
há tanto temnpo para ler como se imagina. Acho
que um dos últimos que comprei foi um sobre
identificação de aves.
E poesia?
Li os poetas brasileiros. Os românticos Álvares
Azevedo e Fagundes Varela são aguns dos autores
de que mais gosto. Em prosa, sempre adorei
Campos de Carvalho, o considero o melhor texto
em português. Minha mãe gostava muito de A Lua
Vem da Ásia, que ele lançou em 1956.
O título de um de seus livros, Mar sem Fim, é
uma citação de Fernando Pessoa, não?
Sim, do poema Mensagem: "E ao imenso e
possível oceano/Ensinam estas Quinas, que aqui
vês,/Que o mar com fim será grego ou troiano/O
mar sem fim é português". O mar com fim do
poema é o Mediterrâneo, o sem fim, o resto do
mundo...
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A CRIANÇA E O LIVRO