X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
O MISTÉRIO DO INFINITO EM ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: ZENÃO DE
ELÉIA, KANT E BORGES
Antonio Sérgio Cobianchi
Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo – EEL – USP
[email protected]
Resumo: O infinito é um tema que atrai a atenção de pessoas ligadas ou não ao ambiente
acadêmico ou de ensino. O ensaio de Jorge Luis Borges, Avatares de la Tortuga mostra que
este tema fez parte do interesse e preocupações desse grande escritor argentino. O objetivo
nesse estudo está no fato de um grande escritor preocupar-se e fazer digressões sobre um
assunto de difícil abordagem, presente em algumas áreas do conhecimento, como nas
ciências exatas, literatura e na filosofia. Borges escreve sobre o infinito, destacando o seu
aspecto perturbador. Faz isso baseado nos paradoxos de Zenão de Eléia e nas antinomias de
Kant. Destaca o lado desafiador desses paradoxos e também o seu aspecto quantitativo,
usando a matemática. No presente estudo fazemos digressões sobre alguns dos paradoxos de
Zenão de Eléia, a primeira antinomia de Kant, o ensaio de Borges procurando relacioná-los,
com a intenção de uma melhor compreensão sobre o infinito.
Palavras-chave: Zenão de Eléia; Infinito; Matemática; Literatura; Kant.
INTRODUÇÃO
Este artigo resultou da leitura do ensaio sobre o infinito, Avatares de la Tortuga, do
escritor Jorge Luis Borges1 (1899-1986). O infinito é um tema sempre abordado por
matemáticos, educadores matemáticos, físicos, filósofos e escritores, e povoa a imaginação
de pessoas ligadas ou não ao meio científico ou literário. É um conceito que além da
Matemática, se manifesta na física, literatura e na filosofia. O interesse que desperta não é
um fato atual, pois é constatado desde a Grécia Clássica, ou talvez na matemática dos
babilônios. Segundo Boyer (1996, p.19), no algoritmo babilônio para raiz quadrada acha-se
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Nasceu em Buenos Aires, Argentina em 1899. Em 1914 viajou com sua família para a Europa e se instalou em
Genebra e depois Espanha. Regressando para Buenos Aires, publicou seu primeiro livro de poemas, Fervor de
Buenos Aires, em 1923. Ingressa na Academia Argentina de Letras em 1955 e é nomeado diretor da Biblioteca
Nacional, cargo que ocupa até 1973. Foi professor de literatura inglesa na Universidade de Buenos Aires. Dentro
de sua vasta produção narrativa destaca-se História Universal da Infâmia, Ficções, O Aleph, O Informe de Brodie
e O Livro de Areia; os ensaios como Evaristo Carriego, História da Eternidade, Discussão e Outras Inquisições,
e doze livros de poemas. Sua obra foi traduzida para mais de vinte e cinco idiomas. Faleceu em Genebra em
1986.
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um processo iterativo que poderia ter levado os estudiosos daquele tempo a descobrir
processos infinitos.
De acordo com Morris (1998, p.13), na atualidade, a idéia de infinito foi proposta
pelos filósofos gregos da Antiguidade, de que o universo está destinado a atravessar um
número infinito de ciclos e que os mesmos eventos se repetirão um número infinito de vezes.
Na geometria o infinito surge como processo de aproximação de um limite. A área do círculo
é o limite para o qual tendem as áreas dos polígonos regulares inscritos ou circunscritos, no
caso em que se aumente indefinidamente o número de lados. Nesta situação o número de
lados dos polígonos inscritos ou circunscritos tende ao infinito. A circunferência pode ser
pensada como um polígono regular com infinitos lados, cada um deles infinitamente
pequeno. Neste caso, a idéia do infinito usada no processo de cálculo da área, resulta no
número que está no fim da sequência de números, o limite dos valores numéricos sucessivos
de uma variável que aumenta (ou diminui) a cada etapa. Mas, apesar de toda a evolução
humana (Morris, 1998, p.11-12), o infinito é hoje algo tão desconcertante quanto na
Antiguidade, sendo que a única diferença é que, ao perscrutar profundamente a natureza do
universo, os cientistas vislumbram o infinito por processos que não estavam ao alcance dos
antigos gregos.
Embora possa parecer paradoxal associar o nome de Borges ao infinito, ele o abordou
e esteve fascinado com esse tema, como pode ser observado em ensaios como Aleph, Contos
de Areia, Avatares da Tartaruga, A Perpétua Corrida de Aquiles e a Tartaruga. Sugeriu
(Borges, 1999, p.186) que os confrontos com a infinidade, nos convencem do caráter
alucinatório do mundo, e que devemos buscar irrealidades que confirmem esse caráter em
situações como nos paradoxos de Zenão de Eleia (cerca de 504/1 - ? a.C.) e nas antinomias
de Immanuel Kant (1724-1804), elementos que perseguimos para a confecção desse estudo.
CONSIDERAÇÕES SOBRE ZENÃO DE ELÉIA
Dois tipos de quantidades com as quais a Matemática costuma tratar são o espaço e o
tempo. A Escola Pitagórica tinha assumido que o espaço e o tempo podem ser pensados como
consistindo de pontos e instantes, mônadas, que para eles era o indivisível. Zenão de Eleia, um
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dos primeiros filósofos antigos a observar o infinito, utilizou o tempo e do espaço no seu
ataque à construção pitagórica das mônadas. Segundo Kline (1972, p.35), foi ele quem deu
relevância ao problema da relação entre o discreto e o contínuo.
O desenvolvimento dos argumentos de Zenão de Eleia pode ser visto sob dois pontos
de vista. O tempo e o espaço são infinitamente divisíveis, isto é, divisíveis sem fim, ou existe
um menor elemento indivisível de tempo, um instante, e de espaço, um ponto. No paradoxo
Aquiles e a tartaruga, Zenão de Eléia argumentou que se o tempo e o espaço são infinitamente
divisíveis, o movimento seria impossível. Se a tartaruga está em B e Aquiles em A , Aquiles
nunca alcança a tartaruga, pois no momento em que Aquiles chega em B a tartaruga estará em
algum ponto C adiante, e quando Aquiles chega em C a tartaruga estará em algum ponto D
adiante, e assim por diante ad infinitum, e a tartaruga estará sempre à frente. Afirma Morris
(1998, p.22), que é claro que Aquiles iria alcançar a tartaruga com muita facilidade. O que ele
está dizendo é que Aquiles deve efetuar uma série infinita de atos, algo que não pode ser feito
em um período de tempo finito.
No paradoxo da flecha Zenão de Eléia adota a hipótese alternativa de que o tempo e o
espaço não são infinitamente divisíveis, isto é, existe uma menor unidade indivisível de tempo,
um instante; e de espaço, um ponto. Zenão de Eléia considera uma flecha e diz que a flecha
deve estar em um ponto em um dado instante. Como ela não pode estar em dois lugares no
mesmo instante, não pode se mover naquele instante; se, por outro lado, está em repouso
naquele instante, então, como o mesmo argumento se aplica para outros instantes, ela não
pode se mover. Segundo Radice (1981, p.44), Zenão de Eléia não queria demonstrar a
impossibilidade do movimento, mas reduzir ao absurdo as teses dos pitagóricos, que
compunham o contínuo com mônadas de dimensão finita. Apesar da discordância entre a
experiência sensível e a aparente força dos argumentos (Giles, 1979, p.40), o pensamento de
Zenão de Eléia teve um resultado positivo, pois obrigou a uma revisão crítica de conceitos
fundamentais, tais como: infinito, contínuo, número, tempo e movimento.
O INFINITO NA PRIMEIRA ANTINOMIA DE KANT
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Borges (1999, p.186) afirma sobre o caráter alucinatório do mundo e que devemos
procurar as irrealidades que confirmem este caráter, segundo ele, nas antinomias de Kant
descrita na obra Crítica da Razão Pura (1781). Mas, não é um trabalho simples a leitura e
interpretação de Kant.
Cretella Júnior (1967, p.130-1) assegura que uma dificuldade com que esbarra o
estudioso da obra de Kant é a nomenclatura ou terminologia que tem neste autor uma
singularidade: os vocábulos são tomados ora no sentido etimológico, ora lhes atribui
significado diverso do corrente. Crítica não tem em Kant, o sentido de censura, reprovação ou
aprovação, mas o de estudo, investigação, pesquisa. Puro não tem o sentido de “livre de
impurezas”, mas sim o de independente da experiência. Crítica da razão pura, dentro da
terminologia do autor, significa: Investigação da razão funcionando independentemente da
experiência. Transcendental não é algo muito importante, sendo tomado por ele no sentido de
o que “existe em si e por si”, “independente de mim”, no sentido de condição para que algo
seja objeto do conhecimento. Analítico não possui relação com análise, divisão de um todo em
partes, nem sintético se refere a resumo, a síntese.
Segundo Russell (1995, p.324) uma proposição é analítica se o predicado forma parte
do sujeito; por exemplo, “um homem alto é um homem” ou “um triângulo equilátero é um
triângulo”. Tais proposições se deduzem do princípio da contradição; sustentar que um
homem alto não é um homem seria contraditório. Uma proposição sintética é a não analítica.
Todas as proposições que conhecemos somente pela experiência são sintéticas. Não
podemos, por mera análise de conceitos, descobrir verdades como: “A segunda feira foi um
dia úmido” ou “Napoleão foi um grande general”, frases somente comprovadas pela
experiência. Para Kant todas as proposições sintéticas somente são conhecidas por meio da
experiência.
Na opinião de Porta (2002, p.108) o objetivo de Kant em Crítica da Razão Pura, é
justificar a física de Newton contra o empirismo e o ceticismo. A ciência é para Kant, a
geometria euclidiana e a mecânica newtoniana. Está publicado em Porta (2002, p.108) que na
primeira metade do século XVII, existiam na Alemanha duas físicas, a de Descartes e a de
Leibniz. Porta (2002, p.108) afirma que a física de Newton aparece como uma nova e
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poderosa concorrente, que as desloca. Kant inicia sua formação em física através do contato
com as polêmicas entre cartesianos e leibnizianos, para em seguida aderir a Newton.
Para Kant, o grau de ciência presente em qualquer disciplina é proporcional à
quantidade de Matemática que nela existe, pois todas as proposições da Matemática são
sempre juízos a priori (Stephen, 1969, p.13-4), conhecimento puro, que em princípio
independe da experiência, conhecimento que não provém da prática, mas que é inerente ao
próprio espírito humano que se tornam possíveis pela existência das idéias natas, necessárias e
anteriores à experiência a posteriori. O conhecimento empírico se reduz aos dados fornecidos
pelas experiências sensíveis, é tudo o que deriva da experiência. Russell afirma (2001, p.343)
que o importante é que estas duas classificações se entrecruzam. Kant encontrou um único
exemplo para a comprovação de sua tese: nas proposições da Matemática. E que os postulados
da geometria euclidiana são juízos a priori impostos ao espírito humano, e que sem esses
postulados não é possível nenhum raciocínio consistente sobre o espaço. (EVES, 1995, p.545),
(KARLSON, 1961, p.580)
Kant (Pascal, 1983, p.51-2) considera que o espaço e o tempo dependem unicamente
da forma de nossa intuição, da constituição subjetiva de nosso espírito. O espaço é a priori, e
não um conceito: isto é, ele é uma intuição pura, a priori. É nessa intuição pura do espaço
que se baseia a geometria. Se o espaço fosse um conceito, as proposições geométricas seriam
simplesmente analíticas; se fosse uma intuição empírica, seriam a posteriori. Na verdade,
elas são ao mesmo tempo sintéticas e a priori, e não se pode compreendê-las sem fazer do
espaço uma intuição pura. (PASCAL, 1983, p.52-3), (OMNÈS, 1995, p.98)
Segundo Omnès (1995, p.98) o espaço não pode ser um conceito a posteriori,
formado a partir da experiência exterior, visto como, ao contrário, toda experiência exterior
supõe o espaço. Ele é a priori (Pascal, 1983, 51), porque a sua representação é a própria
condição da possibilidade dos fenômenos. Assim, pode-se conceber um espaço sem nenhum
objeto, mas não se pode perceber um objeto fora do espaço. As relações espaciais são
constitutivas do objeto. Pascal (1983, p.52) afirma que o espaço não é conceitual, pois
considerado do ponto de vista de sua compreensão, um conceito é constituído de elementos
mais simples que ele; mas, uma parte do espaço não é mais simples que o espaço visto como
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um todo. Na opinião de Pascal (1983, p.52), do ponto de vista da extensão, um conceito deve
aplicar-se a objetos diversos; o espaço de maneira contrária, não é aplicável senão a ele
mesmo: ele é uno.
Pascal (1983, p.54) coloca que a análise com relação ao tempo, é similar a do espaço.
Assim, o tempo não é um conceito empírico, a posteriori, extraído de alguma experiência,
pois, somente percebemos as relações temporais de simultaneidade ou de sucessão por
termos, antes, a representação do tempo. Portanto, esta não pode originar-se da experiência,
visto que a experiência (interna) a supõe. É um quadro de representação necessário que
precede a percepção e a intuição. Segundo Omnès (1995, p.98) o tempo é uma representação
necessária que serve de fundamento a todas as intuições. Os fenômenos podem desaparecer,
mas não o tempo. Tudo se passa no tempo, mas o tempo não passa, assim, ele é dado a
priori. Tempos diferentes não são simultâneos, mas sucessivos, princípio que não pode ser
extraído da experiência, pois ao contrário, é ele que fundamenta a experiência. Não é
possível conceber tempos diferentes senão como partes de um mesmo tempo, cuja
representação, sendo una, terá de ser intuitiva. Como os diferentes conceitos de tempo não
passam de limitações do tempo em geral, assim, a representação originária deste último é
infinita, isto é, intuitiva. Concluindo, o tempo é uma intuição pura, como o espaço e,
enquanto tal, é a condição do todo vir-a-ser. (PASCAL, 1983, p.54-5), (OMNÈS, 1995, p.98)
A primeira antinomia de Kant (2003, p.356) afirma: Tese: O mundo tem um começo
no tempo e é por isso limitado no espaço, e na Prova: Vamos admitir que o mundo não tem
um começo no tempo. Logo, até cada instante determinado, transcorreu uma eternidade e,
portanto, aconteceu uma série infinita de estados sucessivos das coisas no mundo.
Se o mundo não é limitado no espaço (Kant, 2003, p.356-8), ele será uma totalidade
infinita de coisas que existem ao mesmo tempo. Consequentemente, para pensar como uma
totalidade o mundo que preenche todos os espaços, teria de considerar-se completa a síntese
sucessiva das partes de um mundo infinito, ou seja, teria de considerar-se decorrido um tempo
infinito na enumeração de todas as coisas coexistentes, o que é impossível. Nesse seguimento
um agregado infinito de coisas reais não pode considerar-se uma totalidade dada, nem,
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portanto dada simultaneamente. Assim, o mundo não é infinito quanto à extensão no espaço,
mas, antes, é encerrado em limites.
Na Antítese (Kant, 2003, p.357), o mundo não tem nem começo nem limites no
espaço. É infinito tanto no tempo, quanto no espaço. Na Prova, inicialmente o autor faz a
suposição de que o mundo tenha um início: Como o começo é uma existência precedida de
um tempo em que a coisa não é, teve de ter decorrido previamente um tempo em que o
mundo não era, ou seja, um tempo nulo. Kant (2003, p.357-9) admite que se o mundo é finito
e limitado quanto ao espaço, encontra-se em um espaço vazio que não é limitado. Como o
mundo é uma totalidade absoluta, fora da qual não há objeto algum da intuição, nem, por
conseguinte, um correlato do mundo com o qual esteja relacionado, a relação do mundo com
um espaço vazio não seria uma relação a um objeto. Semelhante relação, porém não é nada e,
consequentemente, também não é nada a limitação do mundo pelo espaço vazio. Logo, o
mundo não é limitado quanto ao espaço, ou seja, é infinito em extensão.
Para Kant, uma grandeza é infinita quando não é possível outra maior, isto é, que
ultrapasse o número de vezes que uma unidade dada está nela contida. Afirma que, desta
maneira, nenhum número é o maior, porque sempre podem ser-lhe acrescentadas unidades.
Assim, é impossível uma grandeza infinita dada e, por conseguinte, é impossível também
um mundo infinito. Dessa forma, por ambos os lados é limitado.
Morris (1998, p.33) e Granger (2002, p.214-5) destacam que a Tese de Kant é
demonstrada pelo fato de que uma série infinita decorrida de momentos do mundo, sendo por
definição inacabada, é impossível. Se uma quantidade infinita de tempo tivesse transcorrido
antes do presente, teria de haver ocorrido um número infinito de eventos, o que é impossível.
Kant estava tentando provar que, como não podia ser infinito nem finito, o tempo não era
uma propriedade do mundo externo. Ao contrário, tinha de ser algo inato na mente humana,
não uma característica do mundo externo.
A Antítese é demonstrada (Granger, 2002, p.214-5) pelo fato de que um começo do
mundo suporia um tempo anterior vazio (nulo), no qual é impossível o surgimento de
qualquer coisa (Kant, 2003, p.357). Na opinião de Granger (2002, p.215), solução de difícil
aceitação para uma ciência moderna que recusaria de forma geral o aspecto idealista, ou
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subjetivo, do transcendental, isto é, da pura razão. Morris (1998, p.33-4) declara que a questão
do caráter finito ou infinito do tempo é debatida desde a Antiguidade; e que mesmo
atualmente, os cientistas não sabem realmente se o tempo é infinito ou finito.
A concepção de espaço de Kant de seus discípulos (Omnès, 1995, p.99), exclui
qualquer perspectiva de um espaço irrepresentável, por exemplo, não euclidiano. Um espaçotempo como o de Einstein, cujas propriedades de curvatura são determinadas pela matéria
que ela contém, ou seja, pelos “objetos”, contrapõe-se ainda mais a todos os postulados de
Kant.
Omnès (1995, p.99) afirma que apesar da preocupação de Kant em superar seus
predecessores, não deixa de estabelecer outros limites, que se revelam igualmente frágeis,
como se pode constatar na leitura de suas antinomias. Ela contrapõe duas teses: uma afirma
que o tempo é eterno e o espaço, infinito; a outra, que há um começo no tempo e que o
espaço é limitado. Segundo Omnès (1995, p.99), Kant pretende estabelecer por métodos
“transcendentais”, isto é, pela razão pura, que é fundamentalmente impossível decidir entre
essas duas afirmações. Omnès (1995, p.99) afirma ainda que a cosmologia moderna pensa ter
sólidos argumentos a favor da existência de um começo no tempo e considera o caráter finito
ou infinito do espaço como uma questão que pode ser resolvida, em princípio, baseada na
medição com bastante exatidão da densidade atual de massa no espaço.
Kneller (1980, p.48) destaca que a física contemporânea apresenta duas teorias
orientadoras, a relatividade geral e a mecânica quântica que são mutuamente incompatíveis.
Segundo a relatividade geral, a matéria é um aspecto do espaço-tempo, que é contínuo e
determinista. Com relação à mecânica quântica, a matéria é descontínua ou particulada (mas
com características ondulatórias) e fundamentalmente não determinista. A relatividade geral,
além disso, foi alvo de uma sucessão de críticas durante mais de meio século. A situação da
mecânica quântica ainda está pior, porquanto emprega os conceitos contraditórios de onda e
partícula. Constata-se que a teoria em uso experimental é uma conjunção de duas teorias
parcialmente incompatíveis. Portanto, enquanto não for proposta uma teoria que unifique a
mecânica quântica e a reconcilie com a relatividade geral, não se pode afirmar que os
cientistas descobriram as leis fundamentais da matéria.
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Kneller (1980, p.49) questiona: existem alguns limites a priori para o que podemos
saber? A Ciência é limitada pela amplitude da mente e dos sentidos humanos. Existem
noções que não podemos formular de um modo significativo para a investigação, porque,
como disse Kant, as nossas categorias mentais não permitem. Como exemplo, Kneller (1980,
p.49) afirma que não podemos propor uma teoria científica que negue a existência de espaço
e tempo, porquanto é impossível pensarmos no mundo físico sem esses conceitos. Por um
lado, se o universo é infinito, existem partes que nunca observaremos. Se for finito, por outro
lado, observaremos a maioria de suas partes somente como elas costumavam ser.
BORGES E O INFINITO
Borges (1999, p.175) começa o seu ensaio Avatares de la Tortuga com a afirmação de
que o infinito é um conceito desatinador dos outros e que sonhava em compilar a sua móvel
história. Mas, observa que para esse seu objetivo seriam necessários muitos anos de
aprendizagem metafísico, teológico e matemático que talvez o capacitassem.
Destaca que o cardeal Nicolas de Cusa (1401-1464), observou na circunferência um
polígono de um número infinito de ângulos. Apresenta um texto de Aristóteles, sobre o
paradoxo de Aquiles e a tartaruga que afirma que o mais lento não será alcançado pelo mais
rápido, pois é necessário que o perseguidor passe pelo local que o perseguido acaba de passar,
de tal maneira que o mais lento sempre está com uma determinada vantagem. Afirma também
(Borges, 1999, p.176) que esse argumento ficou conhecido e teve a sua difusão, junto com a
série: 10 1
1
1
1
1
... e
10 100 1000 10.000
segundo Zenão de Eléia, o movimento é impossível,
pois o móvel deve atravessar o ponto médio para chegar ao fim e antes o ponto médio do
ponto médio, e assim sucessivamente. Borges destaca (1999, p.186) a necessidade de buscar
irrealidades que confirmem o caráter alucinatório do mundo que surgem com os confrontos
com a infinidade, e que seriam encontradas nas antinomias de Kant e nos paradoxos de Zenão
de Eléia.
Gutièrrez (s/d) afirma que Borges entendeu o infinito e compartilhou seus mistérios
insondáveis, mesmo naqueles aspectos aparentemente áridos e distantes, como a álgebra. E
que provavelmente, nunca saberemos quem seduziu a quem, e é evidente que em pouco
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tempo, ambos alcançaram um grau de compreensão mútua. Diz também que a paixão de
Borges pelo infinito começava na infância do escritor, com as explicações de seu pai dos
paradoxos de Zenão de Eléia, sobre um tabuleiro de xadrez. Outro elemento que pode ter
colaborado nessa paixão de Borges pelo infinito pode ser sido as compridas e calorosas tardes
rioplatenses, de sua adolescência. Com relação à afirmação anterior de Gutièrrez, indagamos:
será realmente que Borges ou algum outro estudioso entendeu o infinito?
CONCLUSÃO
A visão de infinito em Borges está embasada nas considerações sobre o infinito em
Zenão de Eléia e Kant. Ao observarmos os paradoxos de Zenão de Eléia que apresentam como
quantidades o tempo e espaço, constatamos que não poderá ocorrer movimento tanto se
estivermos de acordo com a filosofia Pitagórica das mônadas (existe um indivisível para
tempo e espaço), como também se o tempo e espaço são infinitamente divisíveis, pois é
impossível a concretização de uma infinidade de atos em um período de tempo finito. Com
relação à antinomia de Kant, o problema de finitude ou infinitude do tempo e espaço somente
estará resolvido pela sua visão “transcendental”, que assume o espaço e tempo como a priori.
Constatamos o quanto ainda existe de mistério e interesse nesse conceito, que desafia
estudiosos de várias áreas do conhecimento. A situação do tempo e espaço com relação ao
movimento foi resolvida com a teoria de limites, e na Matemática o conceito de infinito foi
formalizado com as idéias de Georg Cantor (1845-1918). Com relação ao aspecto da finitude
ou infinitude do espaço, observamos que as opiniões da física ainda são contraditórias, e a
resposta final ainda não foi fornecida. Assim, o infinito ainda é um grande mistério.
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