política
D
iante do pedido de urgência para se
votar o projeto da “ficha limpa”,
irritado com a pressa de mais de 1
milhão e 800 mil assinantes pedindo aprovação, o
senador Romero Juca produziu uma frase
definitiva que ilumina o país :
“Este projeto ‘Ficha Limpa’ não é um projeto
do governo; é da sociedade...”
Com raro e inspirado brilho, o senador, líder
do governo Lula, o homem das sete fazendas
imaginárias, deu-nos um show de
ciência política.
A frase é uma síntese do Brasil.
É como se o inefável Jucá dissesse:
“O tempo do governo é diferente do
vosso. O problema é de vocês apressadinhos comem cru”.
Sérgio Buarque de Holanda
teria aplaudido este belo resumo de
nossa organização política e poderia completar,
como em seu livro seminal “Raízes do Brasil”:
“...para o funcionário patrimonial a própria
gestão política se apresenta como assunto de seu
interesse particular; as funções, os empregos e os
benefícios que deles aufere, relacionam-se a
direitos pessoais do funcionário e não a interesses
em que prevaleçam a especialização das funções e
o esforço para se assegurarem garantias jurídicas
aos cidadãos” (...)
“A democracia no Brasil sempre foi um
lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural
e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la a
seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios
que tinham sido no Velho Mundo o alvo da luta da
burguesia contra os aristocratas. E assim puderam
incorporar à situação colonial, ao menos como
fachada ou decoração, alguns lemas que pareciam
5 A A GAZETA
CUIABÁ, QUARTA-FEIRA, 19 DE MAIO DE 2010
os mais acertados para a época, exaltados nos
livros e discursos...”
Para políticos como Jucá, a única
‘democracia’ é um vago amor pelos amigos, uma
poética queda para a camaradagem, a troca de
favores, sempre com gestos e abraços risonhos, na
doce pederastia de uma sociedade secreta. Somos
tecnicamente uma ‘democracia’, que é vivida por
eles como porta aberta para oportunismos, pois a
‘cana’ é menos dura...
“
cada dia, nos tornamos mais sábios, mais cultos
sobre esta grande chácara de oligarquias.
Lula teve a esperteza política de usar essa
anomalia secular em proveito de seu governo.
Todos os presidentes têm de fazer isso, senão não
governam, sabemos. Mas, Lula protegeu demais as
mentiras para que a falsa verdade do país
permaneça. Viciou malandros com uma dieta
gorda, cevou-os com uma fé na impunidade sem
limites que abriu um caminho difícil de fechar.
Aliás, esta foi a realização mais
profunda do governo Lula: o
escancaramento didático do
patrimonialismo burguês e o
desenho de um nascente
patrimonialismo de Estado.
Sinto nesses sintomas
parlamentares a volúpia de ir
contra o senso comum, contra o
que a maioria pensa; há uma postura sádica de
contrariar a população, de proteger uma
obscuridade secreta, de defender o direito à
mentira como um bem precioso, um direito natural.
Eles se banham na beleza de um “baixo
maquiavelismo”, no cinismo dos conchavos,
atribuem uma destreza de esgrima às chantagens e
manipulações. “Esperteza” é um elogio muito
mais doce do que “dignidade”. Lembram da
resistência espantosa de Renan para não sair da
presidência da Câmara.? Isso parece até um
“heroísmo” em prol do personalismo colonial
atávico, contra esta “violência” que cidadãos
“menores” chamam de “interesse público”.
Precisamos entender que o Atraso é um
desejo, uma ideologia. Eles são fabricados entre
angus e feijoadas do interior, em favores de
prefeituras, em pequenos furtos municipais, em
Buraco negro entre
governo e sociedade
A frase iluminada de Jucá mostra-nos que há
uma fenda secular, um abismo entre sociedade e
governo, que há uma inversão de valores - o
governo tem vida própria e a sociedade existe
apenas para legitimá-lo. O Estado é uma ilha de
interesses políticos habitado por uma “sociedade”
feita de 513 deputados, 82 senadores, funcionários
públicos etc... A frase de Jucá pode ser montada
com o belo chiste do Tuma Jr., com seu corpanzil
de leão marinho barbudo: “Tirem o cavalo da
chuva... Não vou sair!” Sair por quê? Sair de sua
“casa”, de sua “propriedade”, logo ele que sabe
dos segredos de alcova de seus colegas, ele, que
administrou ate o caso de Celso Daniel como
delegado? “Não vou cair calado!.”, berrou. Não é
sublime tudo isso? Nunca antes em nossa história,
alianças tão espúrias tiveram o condão
maravilhoso de nos ensinar tanto sobre o Brasil. A
Manifesto pela
“ficha limpa” inquieta
congressistas
conluios perdidos nos grandes sertões. O atraso
dá lucro.
Se o desejo da sociedade se impuser, se a
transparência prevalecer , como viverão felizes as
famílias oligárquicas? Como vão vicejar as
fazendas imaginarias, as certidões falsificadas, os
rituais das defraudações, as escrituras e contratos
superfaturados? Que será da indústria da seca,
não só da seca do solo, mas a seca mental, onde a
estupidez e a miséria são cultivadas para criar
bons serviçais para a burguesia semi-feudal?
Como ficarão as doces camaradagens corruptas
em halls de hotel, os almoços gordurosos, as
cervejadas de bermudão, as gargalhadas, as
“carteiradas” autoritárias, os subornos e as
chaves de galão? Como serão os jantares
domingueiros, como manter a humilhação e a
fidelidade consentida das esposas de botox, o
respeito cretino dos filhos psicopatas? Como se
manterá a obediência dos peões, dos capatazes
analfabetos? Que será do “sistema” cafajeste e
careta que rege o país?
Os congressistas talvez acolham o projeto
“ficha limpa” pela pressão popular e pela
proximidade das eleições; mas, tudo a
contragosto, com medo de que sejam desarmados
os curraizinhos onde paparicam seus eleitores,
com medo de perder o frisson dos jaquetões
lustrosos , dos bigodes pintados, das amantes nos
contracheques, das imunidades para humilhar
garçons e policiais.
Eles formam um país isolado. Eles detestam
tudo que os obrigue a ‘governar’ o outro país, a
chamada ‘sociedade’.
Estão no congresso para se proteger de fichas
sujas, para levar “vantagem em tudo, certo”? Se
não, qual a vantagem da política?
CHAPA TUCANA
PLENÁRIO
Nome do vice sairá só em junho
Após crises, Senado
tem semestre vazio
“
Presidenciável José Serra desmente em Fortaleza que Aécio Neves teria pedido para que o PSDB esperasse por ele
CARMEN POMPEU
FORTALEZA-AE
O nome do vice na chapa tucana à
Presidência da República só será conhecido em junho, segundo garantiu, ontem,
em Fortaleza, o pré-candidato José Serra.
Durante entrevista coletiva concedida
após almoço palestra para o grupo cearense de comunicação ‘O Povo’, no hotel
Gran Marquise, Serra classificou como
‘especulação da imprensa‘ a notícia de
que o ex-governador de Minas Gerais,
Aécio Neves, teria confidenciado a amigos próximos para o PSDB esperar por
ele, pois gostaria de formar uma chapa
puro-sangue. “Não ouvi de nenhum amigo próximo. Só vi especulação na imprensa e não tenho nada para comentar.
Qualquer coisinha que eu diga dá margem para especular”, disse.
Serra também evitou comentar o fato de o PSDB não ter ainda definido se
terá ou não candidato próprio disputando
o governo cearense. Segundo ele, este é
um assunto que deve ser tratado por aliados. “As alianças regionais, as peculiaridades, são decididas pelo pessoal do lugar
e pelo nosso próprio partido”, comentou.
O tucano disse ainda que não pediria
voto ao governador do Ceará, Cid Gomes
Qualquer
coisinha que eu
diga dá margem para
especular
DO TUCANO JOSÉ SERRA
(PSB), irmão de Ciro Gomes, mesmo
sendo os dois, Ciro e Cid, aliados históricos do senador Tasso Jereissati, responsável pela campanha do PSDB no Ceará.
“O Cid é de outro partido. Ele tem outras
alianças e seria muito constrangedor para
mim fazer isso”, afirmou Serra.
Depois da coletiva, Serra e Tasso
foram visitar o Porto do Pecém, obra
construída durante a gestão de Fernando
Henrique Cardoso como presidente.
Tasso fez questão de lembrar que o Porto só foi construído graças a Serra, que,
quando ministro do Planejamento, liberou as verbas necessárias. No almoço,
Serra foi saudado pela presidente do
grupo O Povo, Luciana Dummar, como
homem preparado para governar o país.
Ela, no entanto, afirmou que ele tem adversários da mesma estirpe. “Feliz do
povo que pode contar com candidatos
tão qualificados”, enalteceu.
Jarbas de Oliveira-AE
Presidenciável José Serra durante visita ao Porto do Pecém, no Ceará
Oposição quer votar Ficha Limpa
CAROL PIRES
BRASÍLIA-AE
Otmar Oliveira
Virgilio acelera processo com uma questão de ordem
A oposição tentará votar,
no Senado, o projeto Ficha Limpa antes dos projetos de lei do
pré-sal, segundo informaram
ontem os líderes do DEM, José
Agripino Maia (RN), e do
PSDB, Arthur Virgílio (AM).
Para isso, Virgílio apresentaria
ontem à Mesa Diretora do Senado uma questão de ordem. Será
questionado se, havendo acordo
entre todos os líderes partidários, o projeto Ficha Limpa poderia passar a tramitar em cará-
ter de urgência e ainda ser votado em sessão extraordinária no
plenário mesmo com a pauta
trancada por Medidas Provisórias e pelos projetos do pré-sal.
Se a Mesa Diretora e os
líderes partidários concordarem com esta proposta, o projeto Ficha Limpa seria votado,
segundo os senadores da oposição, nesta quarta-feira. O
projeto ainda está sob análise
da Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), e será votado
amanhã pela manhã. O relator
é o senador Demóstenes Torres
(DEM-GO).
Virgílio e Agripino estiveram reunidos, até há pouco,
com o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Virgílio comunicou o líder governista sobre a questão de ordem que encaminhará à Mesa
Diretora. Em contrapartida, Jucá informou que pretende votar
hoje uma Medida Provisória.
Nesta quarta-feira seriam votadas outras três Medidas Provisórias, entre elas a que reajusta
o salário mínimo para R$ 510,
e as aposentadorias em 7,7%. A
oposição concorda em votar estes projetos.
ROBERTO ALMEIDA
SÃO PAULO-AE
Desgastado por sucessivas
crises em 2009, o Senado decidiu
hibernar nesse início de 2010 e
acabou esvaziado nas 18 votações nominais realizadas entre 10
de março e 11 de maio. Segundo
levantamento realizado pelo
‘Grupo Estado’, a média de senadores que registraram votos é de
apenas 46, de um total de 81.
Ao todo, foram a plenário
17 matérias para confirmar indicação de embaixadores e ministros de tribunais superiores e
uma para alterar uma resolução
da Casa. E, segundo os dados
obtidos, pouco mais da metade
dos parlamentares tem comparecido e atuado efetivamente nesses primeiros quatro meses do
ano legislativo.
A votação do dia 20 de
abril, que referendou Maria Elisa
de Bittencourt Berenguer como
embaixadora do Brasil em Israel,
teve o menor quórum, com apenas 31 presentes. O maior, com
57 senadores, aprovou o nome do
desembargador do Tribunal de
Justiça do Ceará, Raul Araújo Filho, para ministro do Superior
Tribunal de Justiça.
Apenas um senador, Valter
Pereira (PMDB-MS), votou em
todas as matérias, e apenas um,
Marco Fecury (PMDB-MA), teve zero participação - passou
por cirurgia, está em licença
médica e, segundo seu gabinete,
volta dia 1º de junho.
Os demais ou não compareceram, ou estiveram presentes
mas não registraram voto ao menos uma vez. Há, entre os mais
faltosos assim como entre os que
preferiram não registrar voto,
pré-candidatos ao governo de
seus Estados ou à reeleição ao
Senado. A senadora e presidenciável Marina Silva (PV-AC)
preferiu se licenciar da Casa dia
29 de abril para cumprir sua
agenda de pré-candidata. Alegou
que seus compromissos com o
partido poderiam prejudicar a
atuação no Senado, mas afirmou
que voltaria para a votação do
projeto Ficha Limpa.
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Nome do vice sairá só em junho